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1 Curso Ênfase © 2019 DIREITO PENAL - PARTE GERAL – MARCELO UZEDA AULA8 - ABOLITIO CRIMINIS 1. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO Nesta aula, dar-se-á sequência ao estudo de direito penal, parte geral, no tocante à aplicação da lei penal no tempo, em especial a retroatividade da lei benéfica Desse modo, rememore, em princípio, a redação do art. 5º, XL, da Constituição Federal, in verbis: Art. 5º. [...] XL. a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Ademais, o tema é tratado no artigo 2º, do Código Penal, ipsis litteris: Lei penal no tempo Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente,aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Perceba, então, que o dispositivo supracitado aborda dois aspectos da lei penal benéfica, quais sejam: a) no caput, a abolitio criminis, isto é, a descriminalização, enquanto causa extintiva de punibilidade. Nesse contexto, rememore que ocorre abolitio criminis quando lei nova deixa de considerar determinado fato como típico, descriminalizando a conduta. A norma, nesse caso, retroage, servindo como causa extintiva de punibilidade. [1] b) no parágrafo único, a novatio legis in mellius, ou seja, a lei penal benéfica posterior, que de algum modo atenua, beneficia ou reduz pena, melhorando a situação penal autor do delito. Tais institutos serão estudados a seguir. 1.1. ABOLITIO CRIMINIS O caput do artigo art. 2 determina que "ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime". Trata-se de abolitio criminis, que, em suma, é lei nova que deixa de considerar determinado comportamento como típico, abolindo a figura típica e descriminalizando a Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula8 - Abolitio Criminis 2 Curso Ênfase © 2019 conduta. Ademais, há, ainda, a figura da abolitio contravenciones, a qual consiste em lei que deixa de considerar determinado fato como contravenção penal. Aplicando-se às contravenções penais a mesma lógica aplicada aos crimes. Além disso, nesse contexto, é importante rememorar a regra do tempus regit actum, consoante a qual a lei do tempo da crime (logo, da conduta) é a que deve ser aplicada ao fato. Então, imagine que "A" praticou um fato que, à época da conduta, era tipificado. No entanto, posteriormente, o legislador descriminalizou aquela conduta típica, de modo que aquele comportamento de "A" não é mais considerado crime. Desse modo, quem cometer o delito a partir da abolitio criminis não será mais alcançado pela lei penal, já que se trata de fato atípico. Nesses termos, se o Estado deixou de criminalizar aquele comportamento e, por consequência, de punir sujeito que passa, a partir daquele momento, a praticá-lo, não é lógico conceber que quem praticou o fato sob a vigência da lei anterior (incriminadora), continue sendo penalizado. Portanto, não se deve punir quem praticou o crime sob a vigência da lei antiga incriminadora, quando lei nova deixa de considerar o fato como delituoso. No entanto, no tocante ao passado, a conduta foi praticada no momento em que havia lei incriminadora, ou seja, quando era fato típico. Consequentemente, embora o Lei retroaja, não se pode apagar o fato. Entenda, a abolitio criminis não apaga o fato, tampouco culmina em seu esquecimento. Isso porque, o esquecimento refere-se à anistia [2]. Nesses termos, a abolitio criminis irá alcançar os fatos pretéritos, extinguindo a punibilidade. Portanto, em relação aos fatos pretéritos, a abolitio criminis opera como causa extintiva da punibilidade, prevista no art. 107, III, do Código Penal, in verbis: Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: [...] III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; Então, pode-se afirmar que a abolitio criminis possui os seguintes efeitos: • em relação ao futuro, torna atípica a conduta; • em relação aos fatos pretéritos, retroage, extinguindo a punibilidade, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição, bem como do Princípio do Favor Rei [3]. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula8 - Abolitio Criminis 3 Curso Ênfase © 2019 Outrossim, atente-se, nesse momento, à redação da segunda parte do art. 2º, caput, do Código Penal, que segue colacionada: [...] cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Sobre o dispositivo, verifique as seguintes questões: O trânsito em julgado é pressuposto para a execução da pena? Não. Os Tribunais Superiores têm admitido a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado. Conduto, o legislador, quando concebeu essa disposição do art. 2º supracitado, pensava na execução, tendo como pressuposto o trânsito em julgado da sentença condenatória. E, por essa razão, fala "cessando em virtude dela a execução". Nesse contexto, é importante que se observe como a abolitio criminis opera antes do trânsito em julgado e após o trânsito em julgado, verifique: a) abolitio criminis ANTES do trânsito em julgado: Quando a abolitio criminis ocorre antes do trânsito em julgado, há a extinção da pretensão punitiva, consoante se verifica na expressão "ninguém pode ser punido". No que se refere aos seus efeitos, a extinção da pretensão punitiva culminará no afastamento da pena, bem como dos efeitos penais e extrapenais. Por conseguinte, ninguém poderá ser punido, visto que a pena e os efeitos secundários, penais e extrapenais, são afastados. Assim, por exemplo, se a sentença não transitou em julgado e houve abolitio criminis, ela não poderá ser usada como título executivo para a obtenção de indenização. Ademais, a reincidência, enquanto efeito penal secundário, também será afastada, assim como a perda do cargo. Em resumo, todos os efeitos penais e extrapenais serão afastados, assim como a imposição da pena. b) abolitio criminis DEPOIS do trânsito em julgado: Por outro lado, quando ocorre após o trânsito em julgado, a abolitio criminis extingue a pretensão executória, conforme se observa na expressão "cessando a execução". Nesse âmbito, a extinção da pretensão executória faz cessar a execução da pena e os efeitos penais da sentença condenatória, como a reincidência, os maus antecedentes, etc. Aline Realce Não mais! Aline Realce Aline Realce Aline Realce Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula8 - Abolitio Criminis 4 Curso Ênfase © 2019 Em síntese, cessam, portanto, a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Contudo, os efeitos extrapenais não são afastados, ou seja, são preservados. Assim, como houve trânsito em julgado, a sentença pode ser usada como título executivo para a obtenção de indenização, por exemplo, visto que preservada a obrigação de reparar o dano, ainda que tenha sido extinta a punibilidade do agente e os efeitos penais tenham sido atingidos pela abolitio criminis. Do mesmo modo, a perda do cargo, enquanto efeito extrapenal, é mantida. ATENÇÃO: Modernamente, entende-se que cabe execução de pena mesmo antes do trânsito em julgado, desde que confirmada, em segundo grau, a condenação. Contudo, em que pese a execução provisória da pena seja a posição dominante, atualmente, nos Tribunais Superiores, não há alteração dos tópicos pontuados, de modo que a abolitio criminis extinguirá a • pretensão punitiva, quando ocorrer antes do trânsito em julgado; e, • pretensão executória, se ocorrer depois do trânsito. Em síntese, observe o seguinte comparativo: Para mais, passaremos a estudar a denominada abolitio criminis temporária. 1.1.1. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA A abolitio criminis temporária(conforme denominada pelo STJ), também denominada de vacatio legis indireta (designição conferida pelo STF), é prevista na Súmula 513 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: STJ. Súmula 513. A 'abolitio criminis' temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula8 - Abolitio Criminis 5 Curso Ênfase © 2019 A abolitio criminis temporária, portanto, é um período de atipicidade de uma conduta descrita num tipo penal Nesse sentido, pode ser citada, como exemplo, a Lei de Armas, que, em dois momentos, valeu-se da vacatio legis indireta: de 2003 a 2005 e de 2008 a 2009. Nesse segmento, o STJ denomina o instituto de abolitio criminis temporária, por se tratar de um período de atipicidade. Rememore, nesse caso, o exemplo da Lei 10.826/2003, a qual prevê, no artigo 12, a figura da posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. Porém, em determinado período, tal conduta foi considerada atípica, para que os possuidores e proprietários pudessem regularizar suas armas. Tratou-se, em síntese, de um período de atipicidade. Naquele contexto, inexistia elemento subjetivo do tipo, uma vez que o proprietário dispunha de determinado prazo para regularizar a arma. Ademais, houve, também, a opção de entregar a arma, no primeiro período, caso em que, mesmo não regularizando, o agente lograria a benesse legal. Atualmente, não existe mais a abolitio criminis temporária. O que existe, na verdade, é a possibilidade de entrega de arma com a extinção da punibilidade. Nesse sentido, verifique que o artigo 32 da Lei de Armas, não traz mais previsão de prazo. Logo, a campanha de desarmamento é permanente. Em suma, naquele contexto, a abolitio criminis temporária referia-se à possibilidade de regularização de armas. Outrossim, para fins de compreensão da Súmula 513, do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que se considerem os seguintes aspectos: • refere-se apenas ao crime de posse; e, • limita-se as armas de fogo de uso permitido; • em que, eventualmente, houve supressão ou adulteração de numeração, marca ou outro sinal de identificação; Nesses termos, é necessário que se observe que, no primeiro período de abolitio temporária(dezembro de 2003 a outubro de 2005), tratado pela Súmula citada, o legislador não fez qualquer distinção quanto ao tipo de arma. Sendo assim, qualquer arma podia ser, naquele momento, objeto da abolitio temporária, seja de uso permito ou restrito (até mesmo a arma raspada). Entretanto, no segundo período (de fevereiro de 2008 até dezembro de 2009), a abolitio temporária referia-se somente a armas de uso permitido. Ou seja, referia-se apenas à conduta prevista no 12 da Lei. Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula8 - Abolitio Criminis 6 Curso Ênfase © 2019 Por esse motivo, a Súmula 513 do STJ foi editada, com vistas a delimitar a abrangência, inclusive temporal, do primeiro período de vacatio legis indireta. Para mais, rememore que, no segundo momento, tratou-se somente da posse de armas de uso permitido. Acerca do tema, verifique o julgado do Superior Tribunal de Justiça que segue colacionado: A Lei n.º 10.826/03, nos art. 30 e 32, determinou que os possuidores e os proprietários de armas de fogo não registradas deveriam, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação da lei, SOLICITAR O SEU REGISTRO, apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse ou ENTREGÁ-LAS À POLICIA FEDERAL. Entre 23/12/2003 e 23/10/2005, prazo identificado como VACATIO LEGIS INDIRETA pela doutrina, a simples conduta de possuir arma de fogo e munições, DE USO PERMITIDO (ART. 12) OU DE USO RESTRITO (ART. 16),não seria crime. [...] a conduta imputada ao réu em 11/03/2009 equivale ao porte de arma de fogo de uso restrito, e, por consectário, deve ser considerada típica, pois o período de entrega e regularização de tais armamentos se iniciou em 23/12/2003 e foiu encerrado em 23/10/2005, já que AS ULTERIORES PRORROGAÇÕES ABRANGERAM SOMENTE OS POSSUIDORES DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. Ordem denegada. (HC 219.900/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe 14/08/2012) Nesse âmbito, perceba que, visto que o legislador não fez distinção quanto à arma, entende-se que qualquer arma de fogo poderia ser objeto da chamada vacatio legis indireta. Contudo, a aplicação do instituto limitava-se ao crime de posse, não abrangendo, portanto, em nenhum momento, o crime de porte de arma. Além disso, verifica-se que, para o STJ, a posse de arma com numeração raspada e munições, mesmo que de uso permitido, é equiparada à posse de arma de fogo de uso restrito, para fins de reconhecimento da abolitio criminis temporária. Assim, visto que a conduta imputada ao réu ocorreu em 2009, na segunda abolitio (que refere-se apenas ao artigo 12 - Posse de arma de fogo de uso permitido) equipara-se ao porte de arma de uso restrito. Isso porque, a arma raspada não foi abrangida pela segunda abolitio criminis temporária. Então, o período de entrega e regularização dessas armas iniciou-se em dezembro 2003 e encerrou-se em outubro de 2005 (primeiro momento da abolitio). Nesse sentido, rememore que as ulteriores prorrogações abrangem, somente, os possuidores de arma de fogo de uso permitido (art. 12). Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula8 - Abolitio Criminis 7 Curso Ênfase © 2019 Por fim, pontue-se que tal julgado antecedeu a Súmula 513 do STJ, a qual reconhece a possibilidade de incidência da abolitio criminis temporária em relação às armas de uso restrito ou raspadas, apenas no período de dezembro 2003 a outubro de 2005. Posto que, naquele primeiro momento, o legislador não fez nenhuma restrição ou diferenciação em relação as armas que poderiam ser objeto do instituto. Em contraponto, no segundo momento, o legislador restringiu a hipótese de incidência às armas de uso permitido. Para mais, acerca da matéria, questiona-se: a abolitio criminis temporária retroage? Ou seja, é apta a alcançar os fatos anteriores, em período em que não houve nenhuma benesse? O Superior Tribunal de Justiça entende que sim, com base no artigo 5º, XL, da Constituição, o qual determina que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Então, já que a lei, nesse caso, é benéfica, deve retroagir. Nesse sentido, verifique o julgado do Superior Tribunal de Justiça, a seguir colacionado: HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE USO RESTRITO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. OCORRÊNCIA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA QUANTO À POSSE DE ARMA OU MUNIÇÃO DE USO RESTRITO, OCORRIDA ANTES DA VIGÊNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A REGULARIZAÇÃO (DE 23/12/2003 A 25/10/2005). LEI PENAL MAIS BENÉFICA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. [...] Com base no art. 5.º, inciso XL, da Constituição Federal e no art. 2.º, do Código Penal, a abolitio criminis temporária deve retroagir para beneficiar o réu apenado pelo crime de posse de arma de fogo seja de uso permitido ou restrito, com ou sem numeração suprimida, perpetrado na vigência da Lei n.º 9.437/97. Precedentes. 3. No caso dos autos, é atípica a conduta atribuída ao Paciente, uma vez que a busca efetuada em sua residência ocorreu em 08/04/1997, ou seja, antes do período de abrangência para o referido armamento, qual seja,de 23 de dezembro de 2003 a 23 de outubro de 2005, motivo pelo qual se encontra abarcada pela excepcional vacatio legis indireta prevista nos arts. 30 e 32 da Lei n.º 10.826/03. 4. Ordem de habeas corpus concedida para declarar a extinção da punibilidade quantos aos crime de posse ilegal de armas de fogo de uso restrito e com a numeração suprimida, com a extensão do benefício aos corréus, por se encontrarem em idêntica situação. (HC 164.321/SP, QUINTA TURMA, DJe 28/06/2012. Desta feita, o Superior Tribunal de Justiça admite que a primeira abolitio (de 23/12/2003 a 23/10/2005) alcance fatos anteriores. Isso porque, o legislador não fez nenhuma restrição sobre a espécie de lei que pode retroagir, sendo assim: se beneficia o réu, então a lei retroage, ainda que Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula8 - Abolitio Criminis 8 Curso Ênfase © 2019 seja uma figura temporária. Em contraponto, o Supremo Tribunal Federal entende que a abolitio criminis temporária não retroage, de modo a Lei sobre prazo para registro de armas é inaplicável a fatos fora de sua vigência. Nesse âmbito, verifique o julgado a seguir colacionado: Lei excepcional temporária não tem retroatividade. Tem ultra-atividade em face da regra do art. 3º do Código Penal. (RE 768494). Portanto, o STF não aceita a retroatividade da abolitio temporária, pois entende que a Lei excepcional e a Lei temporária não retroagem. A abolitio temporária possui essa natureza, de modo que não poderá retroagir para alcançar os fatos anteriores, não abrangidos por seu período de aplicação. Por fim, com relação à divergência de posicionamento entre o STJ e o STF, deverá prevalecer o entendimento desse, já que o intuito do legislador era possibilitar período de adaptação (por isso, a expressão vacatio legis indireta). Ademais, tratou-se de uma vacatio legis pontual, não se destinando para toda a lei de armas. 2. NOTAS DE RODAPÉ [1] Este tema será melhor abordado oportunamente. [2] Nota do monitor: o professor pontua que cabe ao aluno não confundir abolitio criminis com anistia. [3] também denominado de in dubio pro reo. Aline Realce
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