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1 Curso Ênfase © 2019 DIREITO PENAL - PARTE GERAL – MARCELO UZEDA AULA31 - ITER CRIMINIS PARTE3 1. ITER CRIMINIS 1.1 ESPÉCIES DE TENTATIVA 1.1.1 TENTATIVA PERFEITA (OU TENTATIVA ACABADA OU CRIME FALHO) A primeira classificação refere-se ao percurso da fase de execução. Nesse caso, o agente, segundo seu próprio entendimento, esgota todos os meios que possuía a sua disposição para alcançar a consumação do crime, a qual não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Logo, na tentativa perfeita, o sujeito percorre toda a fase de execução, porém não há consumação do crime por circunstância alheia à sua vontade. Vale, por fim, salientar que crime falho não se confunde com crime impossível. Exemplo de tentativa perfeita: A dispara dois tiros contra B, atingindo-o em região letal. Nesse caso, A entende que não há necessidade de prosseguir, pois acredita que os ferimentos são suficientes para causar a morte da vítima, porém B é socorrido e sobrevive. 1.1.2 TENTATIVA IMPERFEITA (OU INACABADA) O agente não exaure toda a sua potencialidade lesiva, ou seja, não realiza todos os atos executórios que entendia necessários à produção do resultado. Em verdade, o sujeito é impedido de prosseguir antes de esgotar tudo aquilo que pretendia inicialmente para consumar o crime, o que significa que o sujeito ativo não preenche toda a fase executória do delito. Tal circunstância repercute na aplicação da pena, pois se o sujeito foi interrompido logo no início da fase executória do delito, haverá uma redução maior da pena, a qual deve ser proporcional ao percurso realizado pelo agente na fase executória, em razão da interpretação do art. 14, parágrafo único, do Código Penal. O enunciado do dispositivo mencionado prevê que: Código Penal Art. 14(...) Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços Exemplo de tentativa imperfeita: O sujeito é interrompido, sem que tenha exaurido todos os meios que entendia necessários à consumação do homicídio e, por isso, a vítima acaba sobrevivendo. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula31 - Iter Criminis Parte3 2 Curso Ênfase © 2019 1.1.3 TENTATIVA BRANCA (OU INCRUENTA) O agente não consegue atingir o sujeito ou a coisa contra a qual deveria recair a conduta. Evidentemente, deve-se observar qual era o dolo do agente, sendo que ele responde por tentativa branca se não foi atingindo o objeto material desejado. 1.1.4 TENTATIVA VERMELHA (OU CRUENTA) O agente consegue atingir o sujeito ou a coisa contra a qual deveria recair a conduta, contudo, não há consumação do crime. Faz-se necessário, igualmente, pesquisar o dolo do agente para determinar se o crime foi tentado ou consumado. Em resumo, tendo em mente que A atira contra B, o qual sobrevive aos ferimentos com algumas lesões, se o dolo de A era matar B, houve tentativa (vermelha ou cruenta) de homicídio. Entretanto, se o dolo de A era de cometer crime de lesão corporal, houve consumação. 1.2 INADMISSÃO DE TENTATIVA 1.2.1 CONTRAVENÇÕES PENAIS (ART. 4º, DO DECRETO LEI 3688/41) Por expressa previsão legal, não é punível tentativa na contravenção penal. Vide: DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Art. 4º Não é punível a tentativa de contravenção. Importante atentar que, no cenário fático, pode-se até vislumbrar a tentativa, mas juridicamente o legislador abdicou da punição da tentativa de contravenção penal. Por outro lado, pode-se justificar o não cabimento da tentativa em contravenção penal, ainda, pela atipicidade do fato. Nesse caso, pode-se argumentar que o legislador optou por não aplicar a norma de extensão do art. 14, II, do CP, afastando-se, assim, a adequação típica por subordinação mediata, se não houver consumação da contravenção. 1.2.2 CRIMES HABITUAIS (POSIÇÃO MAJORITÁRIA) Segundo grande parte da doutrina, não há tentativa de crimes habituais, pois exige-se que o agente pratique de forma reiterada e habitual a conduta descrita no tipo penal para que haja consumação do delito. Se o sujeito não consegue reiterar, aquele comportamento seria atípico - exemplo: art. 229, 230, 284, do CP. Julio Fabrinni Mirabete – dentre outros autores de posição minoritária – admite a tentativa quando evidenciado o ânimo de habitualidade, ainda que o agente seja impedido, por circunstâncias alheias à sua vontade, de continuar a exercer o comportamento proibido. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula31 - Iter Criminis Parte3 3 Curso Ênfase © 2019 Exemplo: Sujeito que prepara o consultório médico a fim de exercer ilegalmente a medicina (crime previsto no art. 282, do CP), porém é detido já na primeira consulta. 1.2.3 CRIMES PRETERDOLOSOS Nesses casos, há dolo na conduta antecedente e o resultado agravador advém de culpa. Ocorrendo o resultado agravador, há o aperfeiçoamento da figura qualificada pelo resultado - somente atribuído a título de culpa. Não ocorrendo o resultado agravador, há o aperfeiçoamento da figura simples. Dessa foram, não se admite tentativa. Exemplo: Crime de lesão corporal, seguida de morte (art. 129, §3º, do CP). O sujeito realiza o comportamento com o dolo de causar lesão corporal – evidenciando-se que ele não pretendeu matar e não assumiu o risco de produzir o resultado morte –, mas sendo a morte previsível e se concretizando, o sujeito responde pelo resultado agravador a título de culpa. 1.2.4 CRIMES CULPOSOS Não cabe tentativa nos crimes culposos, posto que não há a vontade dirigida a realizar determinado fim. Vale lembrar do artigo 14, II, do CP, o qual dispõe: Código Penal Art. 14 - Diz-se o crime: (...) II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Contudo, no crime culposo, a vontade não é dirigida finalisticamente à produção do resultado. Portanto, se a conduta descuidada não consegue produzir o resultado, o fato configura- se atípico - irrelevante penal. ATENÇÃO! Cuidado com a figura da “culpa imprópria” (erro de tipo permissivo - art. 20, §1º, do CP). Nesse caso, a doutrina entende que torna-se possível vislumbrar uma tentativa de crime culposo. Em suma, pode haver responsabilização a título de culpa se o fato encontra-se previsto em lei e o erro é vencível. Exemplo: alguém encontra-se em legítima defesa putativa, supondo que será agredido, dispara contra o suposto agressor, o qual não o era efetivamente, mas é atingido de raspão na cabeça. A ficção da construção da possibilidade de tentativa da culpa imprópria pode viabilizar a responsabilização por tentativa de homicídio culposo. Vale destacar que o professor apresenta sua Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula31 - Iter Criminis Parte3 4 Curso Ênfase © 2019 crítica pessoal a essa possibilidade, defendendo que o resultado produzido enseja responsabilização por lesão corporal culposa, sobretudo se tratando de sujeito em erro de tipo permissivo. Entretanto, insta reiterar que a doutrina admite essa ficção de uma tentativa na culpa imprópria. 1.2.5 CRIMES UNISSUBSISTENTES Nesses casos, a conduta do agente é exaurida em um único ato, não havendo fracionamento da execução. Em verdade, a partir do momento em que o sujeito realiza a conduta, há consumação do delito. Sendo assim, é inviável a tentativa nessas hipóteses. Desse modo, cabe somente tentativa nos crimes plurissubsistentes. Exemplo: art. 140, do CP - injúria verbal. 1.2.6 CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS Não se admite tentativa, visto que a omissão já configura a consumação do delito. Na suma, ou há consumação do delito omissivo próprio ou há atipicidade do fato. Exemplo: Art. 135, do CP – omissão de socorro. Se o sujeito age deacordo com o comando da lei, não pratica o fato típico. Por outro lado, se o sujeito não presta o auxílio devido, há consumação do delito de omissão de socorro. 1.2.7 CRIMES DE ATENTADO Crimes em que tentativa é descrita no próprio tipo penal. Tentar já configura o crime consumado. Dessa forma, o tipo penal exclui a incidência da norma de extensão do art. 14, parágrafo único, do CP, afastando a causa de redução. Exemplo 1: Art. 352, do CP, o qual dispõe: Tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa. Trata-se de um crime de atentado: ainda que o sujeito não consiga efetivar a fuga, quando tenta se evadir, empregando violência contra a pessoa, já configura crime consumado. Exemplo 2: Art. 3, da Lei 4898/65 – crime de abuso de autoridade. Esse dispositivo enumera alguns crimes de atentado. Vide: LEI Nº 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965. Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula31 - Iter Criminis Parte3 5 Curso Ênfase © 2019 f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. O mero atentado já consuma o delito. O crime de atentado é, portanto, o crime em que a figura típica descreve como núcleo a tentativa. Se o núcleo do tipo penal abarca a tentativa, não há modalidade tentada desses crimes. O art. 14, parágrafo único, do CP diz que “Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”. Contudo, nos casos de crimes de atentado, não se pune a tentativa com essa pena reduzida, visto que o legislador já contemplou no próprio tipo penal a modalidade tentada. 1.3 APLICAÇÃO DA PENA NA TENTATIVA A Teoria Objetiva Temperada - ou matizada - é adotada pelo Código Penal. Prevê a causa de diminuição de pena para crime tentado (art. 14, parágrafo único), mas permite exceções legais (objetivas), quando a tentativa é punida com as mesmas penas do crime consumado ou quando não se pune a tentativa. Em regra, pune-se a tentativa com a pena correspondente consumado, diminuída de um a dois terços. Nesse sentido, a Teoria Objetiva Temperada significa que o legislador parte do critério objetivo – percurso da execução – para redução da pena, ou seja, quanto mais próximo do momento consumativo, menor a fração da diminuição. Por outro lado, quanto mais distante da consumação, maior o percentual de redução. Contudo, essa teoria é temperada, uma vez permite exceções legais, a partir da expressão “Salvo disposição em contrário”. Desse modo, o legislador permite a punição diferenciada para a tentativa ou até mesmo a não punição, a depender da hipótese legal. Portanto, a mitigação da teoria objetiva advém da própria Lei, ou seja, o legislador pode optar por punir a tentativa (art. 4, da LCP ou art. 17, do CP – crime impossível) ou ainda o legislador pode optar por punir a tentativa com a pena do crime consumado, como no caso de crimes de atentado. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula31 - Iter Criminis Parte3 6 Curso Ênfase © 2019 ATENÇÃO: Por fim, importante registrar que o Código Penal não adotou a chamada exceção subjetiva, isto é, possibilidade excepcional de aplicação pelo magistrado da pena correspondente ao crime consumado à hipótese de tentativa, considerando a gravidade do fato. Efetivamente, a exceção subjetiva permite ao magistrado fazer a análise quanto a gravidade do fato - é o que ocorre no Código Penal Militar (art. 30, parágrafo único), demonstrando que o legislador castrense permite a aplicação de exceção subjetiva. Desse modo, vale mencionar que o Código Penal Militar adota a teoria objetiva temperada, porém admite exceção subjetiva – pois dispõe: “podendo o juiz, no caso de excepcional gravidade, aplicar a pena do crime consumado”. Já o Código Penal Comum não admite exceções subjetivas, somente exceções legais. 1.4 TENTATIVA E CRIME COMPLEXO Consuma-se o crime quando o agente preenche todo o tipo penal, levando a efeito as condutas que, unidas, formam uma unidade complexa. Um exemplo de crime complexo é o roubo - art. 157, do CP. No tocante a essa temática de tentativa e crime complexo, vale pensar no seguinte exemplo: um criminoso aborda sua vítima com violência e grave ameaça, com intuito de subtrair dela coisa alheia móvel. Contudo, a vítima não carregava consigo nenhum objeto passível de subtração e a polícia intervém e prende o criminoso no momento que o assalto é anunciado. Nesse cenário, de acordo com a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, a ausência de objeto material (carteira, celular, etc.) não afasta a tentativa, vez que o crime de roubo é um crime complexo e foi iniciada a execução com abordagem violenta, porém o sujeito não consumou o delito por circunstâncias alheia a sua vontade. Há entendimento minoritário na doutrina, como defende Paulo Queiroz, que, por outro lado, afasta a tentativa de roubo nesse caso, ao entendimento de que haveria um constrangimento ilegal (art. 146, do CP) ou lesão corporal (art. 129, do CP), pois admitiria consumar o crime de roubo, uma vez que não haveria objeto material. ATENÇÃO: A súmula 610 do STF prevê que: Há crime de latrocínio [consumado], quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima. Interessante destacar que há posição doutrinária contrária ao enunciado desta súmula, ao entendimento de que, como o crime de latrocínio é patrimonial e não houve subtração de bens no caso tratado pelo enunciado sumular, não haveria que se falar em consumação do latrocínio. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula31 - Iter Criminis Parte3 7 Curso Ênfase © 2019 De outro turno, restou entendido pelo STF que o latrocínio é uma subtração violenta qualificada pelo resultado (morte). Havendo, então, o resultado qualificado, a figura do crime qualificado prevalece e, por conta disso, há latrocínio, mesmo que não tenha havido a efetiva subtração de bens da vítima. Ademais, insta salientar que essa posição é apoiada pelo STJ.
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