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84 2ª Parte da Apostila – Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária 1.10 – Da Interdição Levando-se em conta o número de questões em concurso, a interdição é o tema mais recorrente quando as questões tratam dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária. Além disso, profundas alterações ocorreram recentemente, o que provoca ainda mais o interesse do examinador sobre o tema. 1.10.1 – Considerações iniciais O Código Civil trata da curatela nos arts. 1.767 a 1.783. Já o procedimento judicial de curatela recebe o nome de interdição, e está nos arts. 747 a 763 do CPC. Theodoro Jr. (2020, 535) comenta a curatela no seguinte trecho: “O instituto da curatela completa o sistema assistencial das pessoas que não podem, por si mesmas, reger e administrar seus bens. O primeiro sistema ‘é o poder familiar, em que incorrem os menores sob direção e autoridade do pai e da mãe; o segundo é a tutela, concedida aos órfãos e aqueles cujos pais foram destituídos do poder familiar; o terceiro é a curatela, incidente sobre aqueles que, “por motivos de ordem patológica ou acidental, congênita ou adquirida, não estão em condições de dirigir a sua pessoa ou administrar os seus bens, posto que [ainda que] maiores de idade”. Assim, a curatela integra o sistema assistencial das pessoas que não podem, por si mesmas, reger e administrar seus bens. Diferente da curatela dos bens dos ausente em que a curatela “tem conteúdo limitado a certos interesses ou oportunidades”, a curatela dos interditos é pessoal, “como a tutela e o poder familiar, perdendo inclusive sua capacidade civil” (Pontes de Miranda in Theodoro Jr., 2020, 535). Como veremos, a curatela dos interditos também está sujeita a limitações, mas, por ora, é importante compreender essa diferença. No direito material, pode-se dizer que a curatela provoca a perda da capacidade civil de fato ou de exercício, diferente do poder familiar e da tutela, em que ainda não foi reconhecida a capacidade civil de fato ou de exercício da pessoa (apesar de possuir personalidade jurídica e capacidade de direito ou de gozo desde o nascimento com vida). 85 Theodoro Jr. (2020, 535) resume: “A ação de interdição, com efeito, ‘é a demanda pela qual pretende a decretação da perda ou da restrição da capacidade de uma pessoa natural para a prática de atos da vida civil, constituindo o estado jurídico de interdito – sujeição da pessoa natural à curatela’. Conclui-se, dessa forma, que “o pressuposto fático da curatela é a incapacidade; o pressuposto jurídico, uma decisão judicial. Não pode haver curatela senão deferida pelo juiz”. Sendo assim, trata-se de ação constitutiva necessária, o que descarta a possibilidade de interdição extrajudicial. Segue o fichamento do procedimento de interdição. 1.10.2 – Do procedimento O procedimento está previsto nos arts. 747 a 763 do CPC. Destaca que o Novo CPC revogou os artigos do Código Civil que tratavam do procedimento judicial de interdição (arts. 1.768 a 1.773, CC/02), “ficando toda a matéria apenas na lei processual” (Theodoro Jr., 2020, 537). Ao se referir a toda matéria, o doutrinador se refere ao procedimento judicial, ou seja, direito processual, pois os artigos relacionados ao direito material – curatela –, continuam em vigor, como, por exemplo, arts. 1.767, 1.774, 1.775, 1.775-A, 1.777, 1.778, para citar alguns. Quanto ao procedimento, Neves (2016, p. 1177) define a competência. 1.10.2.1 – Da competência Neves (2016, p. 1777): “A competência para esse processo é do foro do local do domicílio do interditando (art. 46 do Novo CPC), sendo inaplicável o art. 50 do Novo CPC porque ainda não haverá representante do incapaz. Sendo interditando criança ou adolescente aplica-se o art. 147 do ECA (Lei 8.069/1990), sendo competente o foro do domicílio dos pais ou responsável ou, na ausência destes, o foro onde se encontre a criança ou o adolescente.” Percebe-se que, em regra, a competência é do foro comum ou geral (art. 46 – domicílio do réu). 86 Outrossim, Theodoro Jr. (2020, 542) ressalta que a competência é relativa e pode ser prorrogada, se não houver exceção de incompetência em tempo hábil. Neves (2016, p. 1777) acrescenta, também: “Sendo interditando criança ou adolescente aplica-se o art. 147 do ECA (Lei 8.069/1990), sendo competente o foro do domicílio dos pais ou responsável ou, na ausência destes, o foro onde se encontre a criança ou o adolescente.”” Sendo admitida pelo juízo a interdição de criança ou adolescente (há divergência sobre essa possibilidade, como tratado adiante), valerá a regra do art. 147 do ECA – “domicílio dos pais ou responsável ou, na ausência destes, o foro onde se encontra a criança ou o adolescente”. Definida a competência, é preciso conhecer os legitimados ativos. 1.10.2.2 – Dos legitimados ativos Os arts. 747 e 748 do CPC preveem: Art. 747. A interdição pode ser promovida: I - pelo cônjuge ou companheiro; II - pelos parentes ou tutores; III - pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando; IV - pelo Ministério Público. Parágrafo único. A legitimidade deverá ser comprovada por documentação que acompanhe a petição inicial. Art. 748. O Ministério Público só promoverá interdição em caso de doença mental grave: I - se as pessoas designadas nos incisos I, II e III do art. 747 não existirem ou não promoverem a interdição; II - se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas nos incisos I e II do art. 747 . Destaco os principais comentários da doutrina (Theodoro Jr., 2020, 545): Quanto ao cônjuge ou companheiro ressalta que “se houver separação judicial ou divórcio, desaparece o interesse. Em caso de extinção da união estável, o companheiro também perde o interesse de agir”. Não há referência ao separado de fato. Quanto aos parentes, comenta: 87 “O CPC/2015 suprimiu a referência a parente próximo, que constava no art. 1.177, II, do CPC/1973. Ao adotar o vocábulo “parente”, a lei processual acolhe a relação de parentesco definida no art. 1.593 do Código Civil, o qual pode ser natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.” Trata-se de conceito amplo de parentes, quanto ao fato de ser natural ou civil (p. ex., casamento). Mas a disposição deve ser interpretada em consonância com o art. 1.592 do CC. Dessa maneira, na linha colateral ou transversal limita-se até o quarto grau. Quanto aos tutores: “O tutor só pode requerer a interdição do órfão de mais de dezesseis anos ou do tutelado que atinja a idade de dezoito anos.” O doutrinador limita as hipóteses de interdição aos adolescentes púberes. Apesar da divergência, por ora, seguiremos esse entendimento. Quanto ao representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando, há divergência ainda não superada, pois vejamos. Neves (2016, p. 1178) entende que: “A novidade prevista no inciso III do art. 747 do Novo CPC deve saudada. Ao atribuir, de forma inovadora, ao representante da entidade em que se encontra abrigado o interditado a legitimidade para pedir a interdição, o Novo Código de Processo Civil resolve o problema daquelas pessoas que são abandonada por seus familiares, de forma que nenhum dos legitimados previstos nos dois primeiros incisos do art. 747 do Novo CPC terão interesse concreto em pedir a interdição.” O motivo parece bastante louvável. Considerando-se que o objetivo da interdição é justamente proteger o interditando, aquele que estiver em situação de abandono merece maior proteção. Theodoro Jr. (2020, 545) também entende que “A medida se justificava como adequada à proteção da pessoa vulnerável, muitas vezes abandonada pela própria família.” Entretanto, o doutrinador sustenta que: “...essa legitimidade especial não foi repetida pelo Estatuto daPessoa com Deficiência ao repristinar o art. 1.768 do Código Civil como lei posterior ao CPC/2015, é de se ter por revogado, implicitamente, o inciso III do art. 747 do CPC/2015, no qual se achava prevista. Nesse caso, a solução seria recorrer a instituição ao Ministério Público para provocar a medida.” (idem, ibidem) 88 O problema ocorreu quando o art. 1.072, inc. II do CPC revogou expressamente o art. 1.768 do Código Civil, em que constavam os legitimados ativos do procedimento de interdição. Frisa-se que o CPC atual foi publicado no D.O.U em 17/03/2015, tendo prazo de vacatio legis de 1 (um) ano da data da sua publicação oficial (art. 1.045 do CPC). Ocorre que Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei 13.146/2015) em seu art. 114 tratou do art. 1.768 do Código Civil como se não tivesse sido revogado. Perceba, a LBI foi publicada no D.O.U em 07/07/2015, portanto, em data posterior a publicação do CPC atual. Ademais, a LBI tem prazo de vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias, logo, entrou em vigor em data anterior ao CPC, apesar de ser norma publicada posteriormente. Acrescenta-se que a LBI “tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008 , em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil , em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 , data de início de sua vigência no plano interno (art. 1º, p. ún. da LBI).” Portanto, a LBI é equivalente às Emendas Constitucionais. Levando-se em consideração os critérios cronológicos (art. 2º, §1º da LINDB) e hierárquico, Theodoro Jr. parece ter razão, sendo assim, estaria revogada a possibilidade do representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando, devendo procurar o Ministério Público nesses casos. Cristiano Chaves, Luciano Figueiredo, Marcos Ehrhardt Júnior e Wagner Inácio Dias (2018, p. 1611-1612)20 utilizando a interpretação lógica e sistêmica, entendem que o “ideal é promover uma interpretação sistêmica, equalizando as normas legais no sentido de maximizar a tutela jurídica destinada ao curatelando”. Com base nisso, sustentam (idem, ibidem): “...deve-se retirar de cada lei aquilo que melhor se mostrar para a proteção avançada da pessoa com deficiência”. 20 Cristiano Chaves de Farias, Luciano Figueiredo, Marcos Ehrhardt Júnior e Wagner Inácio Dias – Código Civil para Concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos. Coordenador: Ricardo Didier. 7 ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2018. 89 Entendo que o raciocínio se aplica à hipótese, uma vez que o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando está mais próximo dos fatos, podendo agir de maneira mais eficiente na proteção dos interesses do curatelando. Demonstrando, porém, a falta de recursos humanos e materiais do abrigo, triste realidade de muitos desses locais, devem ser notificados o MP e a Defensoria Pública. Apesar de toda essa exposição teórica, O ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO ATUAL PARECE SER O DE QUE O ART. 1.768 DO CC FOI REVOGADO PELO CPC, E PERMANECE EM VIGOR O ART. 747 DO CPC. PORTANTO, SE COBRADOS EM QUESTÕES DE PROVA: “CONFORME O CPC” O REPRESENTANTE DA ENTIDADE EM QUE SE ENCONTRA ABRIGADO O INTERDITANDO TEM LEGITIMIDADE ATIVA NO PROCEDIMENTO DE INTERDIÇÃO, A RESPOSTA DEVE SER AFIRMATIVA. Quanto ao Ministério Público (art. 747, inc. IV do CPC), todo o debate acima também se aplica21. Aqui o problema é que se considerarmos que a LBI afastou a revogação do art. 1.768 do CC, operada pelo CPC (art. 1.072, II), por ser norma posterior, então, o art. 1.768 do CC confere ampla legitimidade ativa ao MP, não limitando suas hipóteses de atuação aos casos do art. 748 do CPC. Apesar do debate, sugiro seguir, por enquanto, a corrente majoritária. Assim, a COMPETÊNCIA DO MP É RESTRITA E SUBSIDIÁRIA no sentido de que só podem atuar nos casos abaixo: Art. 748. O Ministério Público só promoverá interdição em caso de doença mental grave: I - se as pessoas designadas nos incisos I, II e III do art. 747 não existirem ou não promoverem a interdição; II - se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas nos incisos I e II do art. 747 . É restrita pois limitada aos casos de doença mental grave (apesar de severas críticas da doutrina especializada22). 21 Aqui o problema é que se considerarmos que a LBI afastou a revogação do art. 1.768 do CC, operada pelo CPC (art. 1.072, II), por ser norma posterior, então, o art. 1.768 do CC confere ampla legitimidade ativa ao MP, não limitando suas hipóteses de atuação aos casos do art. 748 do CPC. 22 A título de exemplo: http://www.comunicacao.mppr.mp.br/2016/05/17529/Informativo-no-76-A-legitimidade- do-Ministerio-Publico-para-a-propositura-das-acoes-relativas-a-curatela-e-a-tomada-de-decisao- apoiada.html. Acesso em: 05/02/2020. 90 É subsidiariedade pois deve dar preferência aos outros legitimados previstos no art. 747. Assim Apenas no caso do cônjuge ou companheiro, parentes ou tutores, e representantes da entidade em que se encontra abrigado o interditando não existirem ou não promoverem a interdição; ou se existindo cônjuge ou companheiro, ou parente ou tutores, mas estes forem incapazes, é que o MP poderá atuar. Por fim, resta a pergunta: é possível a autointerdição ? Em outras palavras, é possível que a própria pessoa inicie o procedimento de interdição? Fredie Didier Jr. (in Theodoro Jr., 2020, 538) responde: “Para Fredie Didier Jr.,8 ‘a melhor solução é considerar que a revogação promovida pelo CPC levou em consideração a redação da época, em que não aparecia a possibilidade de autointerdição. A Lei n. 13.146/2015 claramente quis instituir essa nova hipótese de legitimação, até então não prevista no ordenamento – e, por isso, não pode ser considerada como ‘revogada’ pelo CPC. O CPC não poderia revogar o que não estava previsto’. Segundo o autor, deve ser considerado que houve acréscimo de um inciso no rol dos legitimados a promover a interdição: ‘a própria pessoa’.” O argumento é bastante lógico e parece ser irrefutável, afinal, se a LBI foi publicada posteriormente, como poderia o CPC, publicado anteriormente, ter revogado uma disposição que não tinha conhecimento? Não obstante, é longe de ser pacífico esse entendimento, como explica Neves (2016, p. 1178): “Existe divergência quanto à legitimidade do próprio interditando, em denominada autointerdição. A omissão da lei leva a parcela majoritária da doutrina, ainda que sem sentido crítico, a concluir pela ilegitimidade do próprio interditando, enquanto outra parcela doutrinária defende essa legitimidade”. Por isso, como nosso interesse é em questões de provas, se o enunciado da questão fizer referência ao CPC, como, p. ex.: “Segundo o CPC....”, a resposta deve ser que não é cabível a autointerdição. Por outro lado, se o examinador fizer menção ao debate ou se referir a Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a resposta deve ser que sim, é cabível a autointerdição. Encerradas as considerações a respeito do legitimado ativo, seguem transcrições sobre os legitimados passivos. 91 1.10.2.3 – Dos legitimados passivos Theodoro Jr. (2020, 537) comenta o Art. 1.767 do Código Civil: “Fixados os limites da curatela, a Lei nº 13.146/2015 revogou os incisos II e IV do art. 1.767 do Código Civil, ficando dessa forma sujeitas à curatela: (a) as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (inc. I); (b) os ébrios habituais e viciados em tóxico (inc. III); e (c) os pródigos (inc. V).”Os incs. II e IV do art. 1.767 antes da LBI previam que estavam sujeitos a curatela os deficientes mentais e os excepcionais sem completo desenvolvimento mental. Ocorre que o art. 6º da LBI prevê que: “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa...” Portanto, atualmente, a deficiência, por si só, não afeta a plena capacidade civil. Mas isso não quer dizer que o deficiente nunca será interditado. O deficiente pode ser interditado por incorrer nas outras hipóteses do art. 1.767 do CC/02. Assim, caso não consiga exprimir sua vontade e/ou seja ébrio habitual e/ou viciado em tóxico e/ou pródigo, poderá sofrer restrições à sua capacidade de fato ou de exercício, podendo ser considerados, nesses casos, relativamente incapazes. Deve-se ter cuidado com a possibilidade de interdição dos menores púberes (a partir dos 16 anos). Theodoro Jr. (2020, 543) entende que: “Refere-se a interdição, dessa maneira, ao maior de dezoito anos, normalmente, ou ao maior de dezesseis e menor de dezoito, porque este já pode praticar atos jurídicos. De qualquer maneira, com a interdição, neste último caso, o menor púbere passará de assistido para representado, após a interdição, se esta for total. O interesse da interdição do menor de dezoito anos pode se manifestar, por exemplo, no requerimento da medida pelo próprio menor, para escolher um curador que melhor possa assisti-lo, em face das condições de demérito do titular do poder familiar para o respectivo exercício (art. 1.768, IV, do CC).” 92 A CF não proíbe o trabalho a partir de 16 anos desde que não seja trabalho noturno, perigoso ou insalubre (art. 7º, XXXIII, CF). Nesse mesmo sentido, os arts. 402 a 410 da CLT tratam com mais detalhes sobre o tema. Deve ser lembrado que os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos estão excluídos do usufruto e da administração dos pais (art. 1.693 do CC), podendo gerar inclusive sua emancipação caso consiga forma economia própria (art. 5º, V, CC). Além disso, responde pela obrigação se dolosamente ocultou sua idade ou se declarou maior no ato de obrigar-se (art. 180). Outrossim, podem testemunhar (art. 228, I, CC), ser mandatários (mas não mandantes – art. 666, CC), casar com autorização dos pais ou representantes legais (art. 1.517, CC) e até elaborar testamento (art. 1.860, p. ún. CC). Por tudo isso, o doutrinador entende ser possível a sua interdição. Quanto aos menores impúberes (menores de 16 anos) a doutrina majoritária é contrária a possiblidade por serem absolutamente incapazes de exercerem os atos da vida civil23. 1.10.2.4 – Da Petição inicial Os arts. 749 e 750 do CPC tem a seguinte redação: Art. 749. Incumbe ao autor, na petição inicial, especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou. Parágrafo único. Justificada a urgência, o juiz pode nomear curador provisório ao interditando para a prática de determinados atos. Art. 750. O requerente deverá juntar laudo médico para fazer prova de suas alegações ou informar a impossibilidade de fazê-lo. Neves (2016, p. 1180) comenta que os “fatos que demonstram a incapacidade” do interditando são a causa de pedir do procedimento de interdição. Além disso, explica a indicação do “momento que incapacidade se revelou”: “Também é exigência da petição inicial a indicação do momento que a incapacidade se revelou, informação relevante para a perícia a ser realizada e para a fixação dos limites 23 Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=INTERDICAO+DE+MENOR. Acesso em: 17/02/2020. 93 temporais da eficácia ex tunc da sentença de interdição. Ocorre, entretanto, que nem sempre o autor terá acesso a essa informação, quando então deverá nesse sentido se expressar na petição inicial”. Como a interdição poderá afetar atos anteriormente praticados (ex tunc) a verificação do momento em que a incapacidade passou a afetar o exercício dos atos da vida civil é de fundamental importância. Quanto ao curador provisório, previsto no p. ún. do art. 749, Neves (2016, p. 1180) ensina: “Como o próprio dispositivo exige como justificativa da urgência, não resta muita dúvida de se tratar de uma tutela provisória de urgência, que tendo natureza satisfativa deve ser compreendida como tutela antecipada. E justamente por essa razão não pode justificar a medida exclusivamente na urgência, porque a tutela provisória de urgência exige também a probabilidade da existência do direito (art. 300, caput, do Novo CPC).” Assim, por se tratar de tutela de urgência antecipada, apesar de não constar no parágrafo único do art. 749, deve ser demonstrada a probabilidade da existência do direito, que pode ser demonstrada na causa de pedir e no laudo médico exigido pelo art. 750. 1.10.2.5 – Da citação O art. 751, “caput” do CPC prevê que: Art. 751. O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o entrevistará minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos e sobre o que mais lhe parecer necessário para convencimento quanto à sua capacidade para praticar atos da vida civil, devendo ser reduzidas a termo as perguntas e respostas. Quanto à citação, Neves (2016, p. 1181) alerta que será feita necessariamente por oficial de justiça na pessoa do interditando, por força do art. 247, I do CPC: Art. 247. A citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto: I - nas ações de estado, observado o disposto no art. 695, § 3º ; Art. 695. (...) § 3º A citação será feita na pessoa do réu. Como a interdição está relacionada ao estado individual da pessoa, não poderá ser feita a citação por correio, devendo ser citada a pessoa do interditando pelo oficial de justiça. 94 Theodoro Jr. (2020, 547) acrescenta as disposições do art. 245 do CPC, que tratam citando mentalmente incapaz ou da impossibilidade do interditando receber a citação. Destaco os §§1º e 3º do art. 245: Art. 245. Não se fará citação quando se verificar que o citando é mentalmente incapaz ou está impossibilitado de recebê-la. § 1º O oficial de justiça descreverá e certificará minuciosamente a ocorrência. § 2º Para examinar o citando, o juiz nomeará médico, que apresentará laudo no prazo de 5 (cinco) dias. § 3º Dispensa-se a nomeação de que trata o § 2º se pessoa da família apresentar declaração do médico do citando que ateste a incapacidade deste. § 4º Reconhecida a impossibilidade, o juiz nomeará curador ao citando, observando, quanto à sua escolha, a preferência estabelecida em lei e restringindo a nomeação à causa. § 5º A citação será feita na pessoa do curador, a quem incumbirá a defesa dos interesses do citando. Como se trata de procedimento de interdição, a nomeação do curador provisório seguirá as disposições do art. 751 e não o procedimento acima, por ser norma específica sobre o tema. Ressalto, entretanto, que o oficial de justiça tem fé pública para declarar a situação do interditando e a impossibilidade de ser citado. 1.10.2.6 – Da entrevista O art. 751 trata, ainda, da entrevista, nos seguintes termos: Art. 751. O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o entrevistará minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos e sobre o que mais lhe parecer necessário para convencimento quanto à sua capacidade para praticar atos da vida civil, devendo ser reduzidas a termo as perguntas e respostas. § 1º Não podendo o interditando deslocar-se, o juiz o ouvirá no local onde estiver. § 2º A entrevista poderáser acompanhada por especialista. § 3º Durante a entrevista, é assegurado o emprego de recursos tecnológicos capazes de permitir ou de auxiliar o interditando a expressar suas vontades e preferências e a responder às perguntas formuladas. § 4º A critério do juiz, poderá ser requisitada a oitiva de parentes e de pessoas próximas. 95 Theodoro Jr. (2020, 548) é quem melhor comenta: “...o processo começará com o comparecimento do promovido perante o juiz, que o entrevistará (CPC/2015, art. 751). Ressalte-se que o CPC/2015 fala em “entrevista”, não mais em “interrogatório”. Haverá, então, um diálogo entre o juiz e o interditando, a fim de que se estabeleça um juízo real da necessidade e dos limites da curatela. Não se trata de uma faculdade, mas de um ato processual imposto pela lei como momento necessário do procedimento de interdição, principalmente levando em conta a sistemática do novo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), na qual se prevê gradação da curatela e adoção de medidas até mais brandas do que a interdição, proporcionais “às necessidades e às circunstâncias de cada caso” (art. 84, § 3º). O juiz não vai agir como um especialista, mas precisa ter um contato pessoal com o interditando para conhecer, pelo menos, sua aparência e suas reações exteriores, bem como suas vontades, preferências e laços familiares e afetivos (CPC/2015, art. 751, caput). Durante a realização da entrevista, poderão ser utilizados recursos tecnológicos capazes de permitir ou de auxiliar o interditando a expressar suas vontades e preferências e a responder às perguntas formuladas (CPC/2015, art. 751, § 3º). Equipe multidisciplinar acompanhará a entrevista, quando for necessária essa assistência. É o que se conclui da leitura dos arts. 751, § 2º, e 753, caput, do CPC/2015, c/c o art. 1.771 do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 13.146/2015. Essa entrevista poderá ser, quando necessário, na residência do interditando ou em outro local onde em que se encontre, caso não possa deslocar-se até o juízo (CPC/2015, art. 751, § 1º). O juiz poderá colher depoimentos de parentes e de pessoas próximas ao interditando (§ 4º), com o objetivo de reforçar seu convencimento sobre a existência de ‘lastro probatório mínimo para prosseguimento da ação de interdição e, se for o caso, a designação de um curador provisório’. A entrevista será reduzida a termo (CPC/2015, art. 751, caput, in fine).” Como a interdição afeta a liberdade da pessoa é de suma importância que o juiz esteja convencido da necessidade da intervenção. É por isso, que para a doutrina clássica é imprescindível a realização da entrevista. 1.10.2.7 – Da impugnação do pedido O art. 752 do CPC prevê que: 96 Art. 752. Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contado da entrevista, o interditando poderá impugnar o pedido. § 1º O Ministério Público intervirá como fiscal da ordem jurídica. § 2º O interditando poderá constituir advogado, e, caso não o faça, deverá ser nomeado curador especial. § 3º Caso o interditando não constitua advogado, o seu cônjuge, companheiro ou qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente. Atenção para o detalhes importantes. O primeiro deles é o que o prazo de 15 dias úteis para impugnação do pedido de interdição começa a contar da entrevista e não da citação. O segundo, diz respeito à nomeação de curador especial. Conforme art. 72, p. ún, a curatela especial será exercida pela Defensoria Pública. Não havendo Defensoria Pública instalada na Comarca, deverão ser seguidas as normas locais da própria Defensoria, como por exemplo a indicação de Defensor de comarca próxima, ou, não sendo possível ainda o suprimento, a designação de advogado dativo. Não é possível, porém, a cumulação pelo MP de fiscal da ordem jurídica e de curador especial nesses casos (REsp 1824208/BA). Quanto à assistência do cônjuge, companheiro ou qualquer parente sucessível no caso de ausência de nomeação de advogado, Didier Jr (in Theodoro Jr., 2020, 549) pontua que: “...‘há, aqui, presunção legal absoluta de interesse jurídico, que autoriza a assistência’, em razão da fragilidade do promovido, tornando-se o interveniente ‘litisconsorte unitário do interditando, ainda que legitimado extraordinário’”. Transcorrido o prazo, haverá a produção de prova, conforme o tópico seguinte. 1.10.2.8 – Da instrução probatória O art. 753 prevê: Art. 753. Decorrido o prazo previsto no art. 752 , o juiz determinará a produção de prova pericial para avaliação da capacidade do interditando para praticar atos da vida civil. § 1º A perícia pode ser realizada por equipe composta por expertos com formação multidisciplinar. § 2º O laudo pericial indicará especificadamente, se for o caso, os atos para os quais haverá necessidade de curatela. 97 Repare que no caput do art. 753 não há necessidade de requerimento dos interessados para que o juiz determine a produção de prova pericial em verdadeira exceção ao princípio do livre convencimento motiva do juiz (Neves, 2016, p. 1184), afinal, o Código impõe a realização de determinada prova para esses casos. Não obstante, a doutrina especializada (Neves, 2016, p. 1184 e Theodoro Jr., 2020, 550) é uníssona no sentido de reconhecer a aplicação do art. 472 do CPC para dispensar a produção da prova pericial, principalmente quando é manifesta a incapacidade, e o juiz estiver convencido pelos laudos médicos juntados. CUIDADO com a previsão do §2º do art. 753. O laudo médico servirá de fundamento para o juiz limitar a capacidade de fato ou de exercício do interditando. Deve-se ter em mente que esses atos “são relacionados apenas aos direitos de natureza patrimonial e negocial (Lei nº 13.146/2015 [LBI], art. 85).” O art. 85 da LBI tem a seguinte redação: Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. § 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. § 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. § 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. Logo, os atos de natureza existencial, como o direito ao próprio corpo, no caso de uma cirurgia, por exemplo, ou à sexualidade, ao matrimônio e demais, não serão objeto de curatela. No caso real, caso haja suspeita de que esses atos podem prejudicar a pessoa, o curador poderá solicitar intervenção judicial. Ainda quanto à instrução probatória, o art. 754 prevê: Art. 754. Apresentado o laudo, produzidas as demais provas e ouvidos os interessados, o juiz proferirá sentença. Didier Jr. (in Theodoro Jr., 2020, 550) explica que: “Essa instrução complementar ‘deve restringir-se à segunda perícia, caso o juiz não aceite a primeira, ou a colheita de prova oral que sirva para esclarecer os limites da curatela e a gradação da interdição ou para auxiliar o perito na elaboração do seu laudo’”. 98 Portanto, a produção de outras provas serve para especificar ainda mais a intervenção estatal na liberdade do indivíduo, visando resguardar a limitação da capacidade civil de erros ou exageros. Como pode ter ocorrido a intervenção de outros interessados, estes também serão ouvidos antes da sentença. 1.10.2.9 – Da sentença O art. 755 do CPC prevê que: Art. 755. Na sentença que decretar a interdição, o juiz: I - nomeará curador, que poderá ser o requerente da interdição, e fixará os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito; II - considerará as característicaspessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências. § 1º A curatela deve ser atribuída a quem melhor possa atender aos interesses do curatelado. § 2º Havendo, ao tempo da interdição, pessoa incapaz sob a guarda e a responsabilidade do interdito, o juiz atribuirá a curatela a quem melhor puder atender aos interesses do interdito e do incapaz. § 3º A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente. Deve-se ter atenção à fixação dos limites da curatela ou da interdição. Nesse sentido, já previa o art. 1.782 do CC que: Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração. 99 Se na redação original do CC/02 já existia essa limitação, atualmente esses limites alcançam outras espécies de incapacidade, como Theodoro Jr. (2020, 537) explica: “Especial atenção merece o art. 85 da Lei nº 13.146/2015 [LBI], que estabelece os limites da curatela: afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial; ela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (§ 1º). Ou seja, ‘constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado’ (§ 2º). Enfim, a ‘definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível’ (art. 84, § 3º, da Lei nº 13.146/2015).” Note que a interdição alcançará os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando as situações existenciais ou o exercício dos direitos personalíssimos do interdito, como, p. .ex., a realização de uma cirurgia ou sua própria educação. Além disso, deve considerar as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências. Para verificar essas característica e dosar a medida correta de interdição, Neves (2016, p. 1186) anota que: “...o juiz deverá se socorrer da entrevista do interditando e da prova pericial, considerando de forma expressa o limite da deficiência cognitiva quando o interditado não tiver transtorno mental que o incapacite completamente”. Portanto, em regra, a interdição será parcial, em respeito à autonomia do indivíduo, devendo individualizar o tratamento judicial, para verificar a real necessidade do interdito. Nesse sentido o art. 758 prevê que: Art. 758. O curador deverá buscar tratamento e apoio apropriados à conquista da autonomia pelo interdito. Quanto à nomeação do curador (§1º do art. 755) Theodoro Jr. (2020, 551) sinaliza: “De acordo com a lei material, a escolha do curador deveria observar a ordem do art. 1.775 do Código Civil. A jurisprudência, todavia, tem entendido que a gradação desse artigo não é absoluta ou inflexível, podendo o juiz alterá-la na conveniência do interdito e em face das peculiaridades do caso. A novel ordem jurídica alinhou-se à tendência jurisprudencial. Assim, será nomeado curador pessoa que melhor atenda aos interesses do curatelado 100 (CPC/2015, art. 755, § 1º), podendo o juiz estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa (CC, art. 1.775-A, acrescentado pela Lei nº 13.146/2015).” (...) “Da mesma forma, a nova redação dada ao art. 1.772 do Código Civil permite, inclusive, que a vontade do interditando seja levada em consideração no momento de se nomear curador. Assim, o interdito poderá ser auxiliado por pessoa de sua confiança, com quem mantém vínculo afetivo real, que poderá, de fato, buscar o melhor interesse e bem-estar do curatelado. Se existir pessoa incapaz sob a guarda e responsabilidade do interdito, a nomeação do curador deverá observar também os interesses desse incapaz (CPC/2015, art. 755, § 2º). Nomeado o curador, sua autoridade se estende à pessoa e aos bens do incapaz, salvo se outra solução for julgada mais conveniente pelo juiz (CPC/2015, art. 757).” Assim, mesmo que a curatela seja em regra parcial e limitada aos direitos de natureza patrimonial e negocial, o caso concreto pode exigir que a curadoria se estenda à pessoa do incapaz, além dos seus bens, para assegurar o melhor tratamento, sempre respeitando seus direitos pessoais. Quanto ao §3º do art. 755, Neves (2016, p. 1186) resume a publicidade da sentença: “A sentença de procedência do pedido de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais, com o que passa a ter uma publicidade erga omnes, já que qualquer pessoa terá acesso a tal informação. Visando uma maior ampliação da publicidade dessa sentença o art. 755, §3º, do Novo CPC prevê que ela deve ser imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 meses, na imprensa local, uma vez, e no órgão oficial, por 3 vezes, com intervalo de 10 dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente.” Perceba que a ampliação da publicidade da sentença busca dar conhecimento a terceiros que porventura tenham relação com o interdito ou que venham a ter relações (erga omnes). 101 Isso está intimamente relacionado a natureza da sentença e sua eficácia conforme o Min. Paulo de Tarso Sanseverino (in Theodoro Jr., 2020, 555, nota de rodapé nº 50): “A sentença de interdição tem natureza constitutiva, pois não se limita a declarar uma incapacidade preexistente, mas também a constituir uma nova situação jurídica de sujeição do interdito à curatela, com efeitos ex nunc.” Como ensina Neves (2016, p. 1186) “...o reconhecimento da incapacidade é apenas o fundamento da sentença de interdição, que em seu disposto cria uma nova situação jurídica”. Portanto, mesmo que a causa da interdição já exista anteriormente, a sentença é constitutiva da situação de interdição, tendo, consequentemente, efeitos ex nunc. Surge, então, a inevitável pergunta: e os atos anteriormente praticados pelo interdito, permanecem válidos? Neves (2016, p 1187) é quem melhor responde: “Os atos praticados pelo interditado anteriormente à sua interdição são anuláveis, dependendo de ação própria na qual se prove o estado de incapacidade do interditado à época da celebração do negócio jurídico. Há decisões do Superior Tribunal de Justiça entendendo anuláveis os atos anteriores à decretação de interdição, desde que fundado em robusta prova do estado de incapacidade à época da celebração de negócio jurídico.” Nesse sentido, o TJGO já decidiu que: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. NULIDADE. CONTRATO EMPRÉSTIMO. SENTENÇA DE INTERDIÇÃO. EFEITOS EX NUNC. PROVA INEQUÍVOCA, ROBUSTA E CONVINCENTE DA INCAPACIDADE DO INTERDITADO. I - Conforme dicção do artigo 1.773 do Código Civil, vigente à época da interdição, a sentença na ação de interdição tem efeitos desde logo, independente de recurso, e efeitos ex nunc o que é o caso. II - Em atenção ao princípio da segurançajurídica e necessidade de se resguardar o direito de terceiros de boa-fé, o reconhecimento de nulidade do negócio jurídico praticado antes da sentença de interdição, reclama prova inequívoca, robusta e convincente da incapacidade do interditado, o que restou devidamente configurado nos autos. III - Sentença reformada para julgar procedente o pedido inicial apenas para declarar nula Cédula de Crédito Bancário - Crédito Pessoal n° 198.501.949 e de consequência condenar o apelado ao ônus da sucumbência com o acréscimo recursal, que fixo no valor R$ 2.000,00(dois mil reais), conforme dicção do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.” (TJGO, Apelação (CPC) 0386588-87.2015.8.09.0032, Rel. JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 13/12/2017, DJe de 13/12/2017) Deve-se ter cuidado, porém, o mandato outorgado antes da interdição conforme alerta Neves (2016, p. 1187) no seguinte trecho: 102 “A sentença produz efeitos desde o momento de sua prolação, já que o art. 1.012, §1º, VI, do Novo CPC retira da apelação contra essa sentença o efeito suspensivo. Há, entretanto, uma exceção a essa eficácia imediata da sentença de interdição. Segundo o art. 682, II, do CC, é causa de extinção do mandato a interdição do mandante, mas essa regra não se aplica ao mandato judicial outorgado pelo interditado para o advogado na defesa de seus interesses no processo de interdição. Entendimento em sentido contrário impediria o advogado de apelar da sentença, em nítido prejuízo ao interditado (STJ, 3ª Turma, REsp, 1.251.728/PB, j. 14/05/2013, DJe 23/05/2013.” Dessa maneira, a constituição da situação de interdição não afeta o mandato outorgado ao advogado para defesa do interdito no procedimento de interdição. Quanto aos atos praticados posteriormente à interdição, deve ser analisado se o os limites da interdição definidos na sentença alcançam os atos realizados. Se os atos realizados estão entre aqueles que o juiz entendeu só poderem ser praticados com a assistência do curador, e o interditado realizou sozinho, serão considerados nulos. Neves (2016, p. 1187) explica que a sentença de interdição gera “uma presunção absoluta de incapacidade, de forma a ser dispensada a prova a esse respeito”. Ainda quanto à sentença é preciso tomar conhecimento de um debate doutrinário atual. A questão gira em torno da formação ou não da coisa julgada material nos procedimento de jurisdição voluntária. Elpídio Donizetti24 (2016, online) resume: “A corrente dita clássica ou administrativista, capitaneada por Chiovenda, sustenta que a chamada jurisdição voluntária não constitui, na verdade, jurisdição, tratando-se de atividade eminentemente administrativa. No Brasil, o maior defensor dessa orientação foi Frederico Marques, para quem a jurisdição voluntária é materialmente administrativa e subjetivamente judiciária. Em síntese, nessa atividade o Estado-juízo se limita a integrar ou fiscalizar a manifestação de vontade dos particulares, agindo como administrador público de interesses privados. Não há composição de lide. E se não há lide, não há por que falar em jurisdição nem em partes, mas em interessados. 24 Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/01/12/o-novo-cpc-em-pilulas-a-jurisdicao-voluntaria- continua-firme-forte-e-vitaminada-no-novo-codigo/. Acesso em: 03/03/2020. 103 Sustentam também que falta à jurisdição voluntária a característica da substitutividade, haja vista que o Poder Judiciário não substitui a vontade das partes, mas se junta aos interessados para integrar, dar eficácia a certo negócio jurídico. Por fim, concluem que, se não há lide, nem jurisdição, as decisões não formam coisa julgada material. Para corroborar esse ponto de vista, invocam o art. 1.111 do CPC/73, segundo o qual “a sentença poderá ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes”. Há, por outro lado, uma corrente que atribui à jurisdição voluntária a natureza de atividade jurisdicional. Essa orientação conta com a adesão de Calmon de Passos, Ovídio Baptista e Leonardo Greco. Segundo essa corrente – denominada jurisdicionalista –, não se afigura correta a afirmação de que não há lide na jurisdição voluntária. Com efeito, o fato de, em um primeiro momento, inexistir conflito de interesses, não retira dos procedimentos de jurisdição voluntária a potencialidade de se criarem litígios no curso da demanda. Em outras palavras, a lide não é pressuposta, não vem narrada desde logo na inicial, mas nada impede que as partes se controvertam. Isso pode ocorrer no bojo de uma ação de alienação judicial de coisa comum, por exemplo, em que os interessados podem dissentir a respeito do preço da coisa ou do quinhão atribuído a cada um. Os defensores da corrente jurisdicionalista também advertem, de forma absolutamente correta, que não se pode falar em inexistência de partes nos procedimentos de jurisdição voluntária. A bem da verdade, no sentido material do vocábulo, parte não há, porquanto não existe conflito de interesses, ao menos em um primeiro momento. Entretanto, considerando a acepção processual do termo, não há como negar a existência de sujeitos parciais na relação jurídico-processual. (...) Em suma, para a corrente jurisdicionalista, a jurisdição voluntária reveste-se de feição jurisdicional, pois: (a) a existência de lide não é fator determinante da sua natureza; (b) existem partes, no sentido processual do termo; (c) o Estado age como terceiro imparcial; (d) há coisa julgada. O novo CPC trilhou o caminho da corrente jurisdicionalista e vitaminou (bombou!) os procedimentos de jurisdição voluntária com a imutabilidade da coisa julgada. A não repetição do texto do art. 1.111 do CPC/73 é proposital. A sentença não poderá ser modificada, o que, obviamente, não impede a propositura de nova demanda, com base em outro fundamento. A corrente administrativista está morta e com cal virgem foi sepultada. 104 Também a jurisdição voluntária é jurisdição (...) com aptidão para formar coisa julgada material e, portanto, passível de ação rescisória.” Não obstante o apelo teórico da corrente jurisdicionalista adotada por alguns doutrinadores contemporâneos, por enquanto recomendo que adotem a corrente clássica ou administrativista, por ser a tradicionalmente utilizada, como se percebe em decisões recentes do STJ: 16. Conforme explicam Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, "Na realidade, essas medidas ostentam caráter de clara jurisdição voluntária, em que o Judiciário é utilizado apenas como o veículo para a manifestação da intenção do requerente. (...) Em todos estes casos, como se vê, não há propriamente atuação jurisdicional, no sentido de que nenhuma providência se espera do órgão judicial, a não ser o encaminhamento ao requerido da manifestação apresentada pelo autor. Não há, portanto, decisão judicial nestas medidas, de modo que não cabe ao magistrado pronunciar-se sobre a mora, sobre a dívida, sobre o contrato etc". (Curso de processo civil: processo cautelar, Vol. 4, 6ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 300-301). 17. Na mesma linha, Humberto Theodoro Júnior afirma que "O protesto não acrescenta nem diminui direitos ao promovente. Apenas conserva ou preserva direitos porventura preexistentes. Não tem feição de litígio e é essencialmente unilateral em seu procedimento. O outro interessado apenas recebe ciência dele". E mais: "Da unilateralidade e não contenciosidade do protesto, interpelação e notificação, decorre a impossibilidade de defesa ou contraprotesto nos autos em que a medida é processada (art. 871). Nem, tampouco, se admite a interposição de recurso contra seu deferimento" (Curso de direito processual civil, Vol. II, Riode Janeiro, Forense, 2014, pp. 668-670). 18. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça confirmam que a cautelar de protesto não faz coisa julgada, uma vez que a sentença homologatória se refere apenas a aspectos formais do processo (REsp 1.315.184/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 2.8. 2012; REsp 69.981/PR, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, DJ 14.6.1999, p. 231). (REsp 1340444/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 14/03/2019, DJe 12/06/2019) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ÁREA. PRETENSA ANULAÇÃO DE TÍTULO AQUISITIVO DE PROPRIEDADE. DOAÇÃO FEITA A SÃO SEBASTIÃO. PRESUNÇÃO DE DOAÇÃO FEITA À IGREJA. LEGITIMIDADE DE PARTE. MITRA DIOCESANA COMO REPRESENTANTE DA DIOCESE. SENTENÇA PROFERIDA EM PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. COISA JULGADA FORMAL. DESCABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA. 1. A doação a santo presume-se feita à igreja uma vez que, nas declarações de vontade, atender-se-á mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (inteligência do art. 112 do Código Civil de 2002). 2. "A Mitra Diocesana é, em face do Direito Canônico, a representante legal de todas as igrejas católicas da respectiva diocese" (RE n. 21.802/ES), e o bispo diocesano, o representante da diocese para os negócios jurídicos em que se envolva (art. 393 do Código Canônico). 105 3. A sentença prolatada em procedimento de jurisdição voluntária produz coisa julgada meramente formal, tornando descabida a ação rescisória (art. 485 do CPC) para alterá-la. 4. Recurso especial desprovido. (REsp 1269544/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 29/05/2015) De qualquer maneira, tenha em mente que a corrente jurisdicionalista toma corpo, com cada vez mais adeptos na doutrina e pode vir a ser, em futuro próximo, a corrente adotada pelas Cortes Superiores. Com base na corrente clássica ou administrativista é preciso lembrar que a ausência de lide nos procedimentos de jurisdição voluntária tem como um dos efeitos a não formação da coisa julgada material. Assim, mesmo após o trânsito em julgado da sentença de interdição não haverá a formação da coisa julgada material. A ausência da coisa julgada material permite que uma vez afastada a causa da interdição seja realizado o levantamento da curatela sem a necessidade de ação rescisória. Para isso, o CPC define o procedimento de levantamento da curatela/interdição, abaixo. 1.10.2.10 – Do levantamento da curatela O CPC trata do levantamento da curatela/interdição no art. 756, abaixo: Art. 756. Levantar-se-á a curatela quando cessar a causa que a determinou. § 1º O pedido de levantamento da curatela poderá ser feito pelo interdito, pelo curador ou pelo Ministério Público e será apensado aos autos da interdição. § 2º O juiz nomeará perito ou equipe multidisciplinar para proceder ao exame do interdito e designará audiência de instrução e julgamento após a apresentação do laudo. § 3º Acolhido o pedido, o juiz decretará o levantamento da interdição e determinará a publicação da sentença, após o trânsito em julgado, na forma do art. 755, § 3º , ou, não sendo possível, na imprensa local e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no registro de pessoas naturais. § 4º A interdição poderá ser levantada parcialmente quando demonstrada a capacidade do interdito para praticar alguns atos da vida civil. 106 Note que o pedido de levantamento está relacionado a cessação ou diminuição da incapacidade que motivou a interdição. Assim, é possível levantar totalmente a interdição ou parcialmente. Além disso, perceba que terão legitimidade para o levantamento o próprio interdito, o curador ou o Ministério Público. Neves (2016, p. 1188) esclarece que “Apesar da omissão legal, caso interditado não seja o autor da ação ele deverá ser citado para que possa, querendo, apresentar defesa.” Neves (2016, p. 1189) acrescenta também: “A sentença da ação de levantamento é constitutiva, com eficácia ex nunc, não tendo a apelação interposta contra ela efeito suspensivo, em aplicação por analogia do art. 1.012, §1º, VI do Novo CPC. Assim como a sentença de interdição deverá ser averbada no registro de pessoa natural do interditado.” Theodoro Jr. (2020, 553) complementa: “A sentença que acolhe o pedido de levantamento de interdição é constitutiva, porque desconstitui o efeito da sentença anterior. Os efeitos, todavia, não são imediatos: dependem de trânsito em julgado (art. 756, § 3º).” Quanto à publicação, segue o disposto no §3º dos arts. 755 e 756 do CPC. Encerradas as transcrições quanto ao procedimento, seguem os comentários a respeito das Disposições Comuns à Tutela e à Curatela, a seguir. 1.10.2.11 - Disposições Comuns à Tutela e à Curatela Theodoro Jr. (2020, 559) tece as seguintes considerações: “Material e processualmente, o múnus da curatela se equipara ao da tutela (CC, arts. 1.774 e 1.781; CPC/2015, arts. 759 a 763), sendo que a nomeação do curador e do tutor são procedimentos da jurisdição voluntária. Quanto à escolha do curador, é ato que o juiz pratica, geralmente, na sentença de interdição (CPC/2015, art. 755, caput). A nomeação do tutor pressupõe falecimento ou ausência de ambos os pais ou decadência do pátrio poder, também por ambos os genitores (CC, art. 1.728). Já a nomeação do tutor é ato que nem sempre necessita da interferência judicial. De acordo com o art. 1.729 do Código Civil, o direito de nomear o tutor compete aos pais, em conjunto. Para praticar o ato, basta utilizar-se do testamento ou qualquer outro documento autêntico (CC, art. 1.729, parágrafo único). Perde o direito de nomear tutor o 107 genitor que não detiver o poder familiar (CC de 2002, art. 1.730). Quando inexistir nomeação válida, ou quando o nomeado for excluído ou escusado [art. 1.736, CC], é ao juiz que cabe escolher e nomear o tutor para os órfãos, observada a escala de preferência constante do art. 1.731 do Código Civil (idem, art. 1.732). Superada, porém, a fase de escolha e nomeação do tutor ou do curador, a investidura no múnus, a dispensa e a remoção deles sujeitar-se-ão a uma única disciplina legal (CPC/2015, arts. 759 a 763).” Os arts. 759 a 763 do CPC tratam das disposições comuns à tutela e à curatela, abaixo: Art. 759. O tutor ou o curador será intimado a prestar compromisso no prazo de 5 (cinco) dias contado da: I - nomeação feita em conformidade com a lei; II - intimação do despacho que mandar cumprir o testamento ou o instrumento público que o houver instituído. § 1º O tutor ou o curador prestará o compromisso por termo em livro rubricado pelo juiz. § 2º Prestado o compromisso, o tutor ou o curador assume a administração dos bens do tutelado ou do interditado. Art. 760. O tutor ou o curador poderá eximir-se do encargo apresentando escusa ao juiz no prazo de 5 (cinco) dias contado: I - antes de aceitar o encargo, da intimação para prestar compromisso; II - depois de entrar em exercício, do dia em que sobrevier o motivo da escusa. § 1º Não sendo requerida a escusa no prazo estabelecido neste artigo, considerar-se-á renunciado o direito de alegá-la. § 2º O juiz decidirá de plano o pedido de escusa, e, não o admitindo, exercerá o nomeado a tutela ou a curatela enquanto não for dispensado por sentença transitada em julgado. Art. 761. Incumbe ao Ministério Público ou a quem tenha legítimo interesse requerer, nos casos previstos em lei, a remoção do tutor ou do curador. Parágrafo único. O tutor ou o curador será citado para contestar a arguição no prazo de 5 (cinco) dias, findo o qual observar-se-á o procedimento comum. Art. 762. Em caso de extrema gravidade, o juiz poderá suspender o tutor ou o curador do exercíciode suas funções, nomeando substituto interino. Art. 763. Cessando as funções do tutor ou do curador pelo decurso do prazo em que era obrigado a servir, ser-lhe-á lícito requerer a exoneração do encargo. 108 § 1º Caso o tutor ou o curador não requeira a exoneração do encargo dentro dos 10 (dez) dias seguintes à expiração do termo, entender-se-á reconduzido, salvo se o juiz o dispensar. § 2º Cessada a tutela ou a curatela, é indispensável a prestação de contas pelo tutor ou pelo curador, na forma da lei civil. O art. 760 permite ao tutor e ao curador apresentarem escusa ao encargo imposto, conforme os arts. 1.736 a 1.739 do CC/02: Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela: I - mulheres casadas; II - maiores de sessenta anos; III - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos; IV - os impossibilitados por enfermidade; V - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela; VI - aqueles que já exercerem tutela ou curatela; VII - militares em serviço. Art. 1.737. Quem não for parente do menor não poderá ser obrigado a aceitar a tutela, se houver no lugar parente idôneo, consanguíneo ou afim, em condições de exercê-la. Art. 1.738. A escusa apresentar-se-á nos dez dias subsequentes à designação, sob pena de entender-se renunciado o direito de alegá-la; se o motivo escusatório ocorrer depois de aceita a tutela, os dez dias contar-se-ão do em que ele sobrevier. Art. 1.739. Se o juiz não admitir a escusa, exercerá o nomeado a tutela, enquanto o recurso interposto não tiver provimento, e responderá desde logo pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer. Farias, Figueiredo Ehrhardt Júnior e Dias25 (2018, p. 1588) entende que a escusa da mulher casada deve ter nova interpretação conforme a CF/88, para alcançar todas as pessoas casadas ou em união estável, não se justificando atualmente limitar às mulheres. Ressaltam, também, que apesar do art. 1.738 prever que a escusa deverá ser formulada em dez dias, prevalece a disposição do caput do art. 760 do CPC, qual seja, cinco dias para escusa. Além disso, defendem que o rol de escusas é exemplificativo, afinal o “estabelecimento de um contato nitidamente familiar entre o tutor e o pupilo, bem como 25 Cristiano Chaves de Farias; Luciano Figueiredo; Marcos Ehrhardt Júnior e Wagner Inácio Dias. Código Civil para concursos. Doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 7. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2018. 109 percebendo que a convivência de uma criança ou adolescente com alguém que, a toda evidência, não se interesse em fazê-lo será perniciosa para a sua formação” podendo “o juiz considerar outras causas justificativas para escusa” (Farias, Figueiredo Ehrhardt Júnior e Dias26, 2018, p. 1589). Quanto à remoção do tutor/curador, prevista no art. 761 destaca-se a legitimidade do MP para requerê-la, além de quem tenha legítimo interesse, como a própria pessoa ou terceiro interessado. Conforme Neves (2016, p. 1192) as causas de pedir da remoção estão em rol não exaustivo nos “arts. 1.735, 1.764, III, 1.766 e 1.767 do CC”: Art. 1.764. Cessam as funções do tutor: I - ao expirar o termo, em que era obrigado a servir; II - ao sobrevir escusa legítima; III - ao ser removido. Art. 1.766. Será destituído o tutor, quando negligente, prevaricador ou incurso em incapacidade. Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; V - os pródigos. Neves (2016, p. 1193) destaca o prazo do encargo: “O encargo do tutor e do curador não é eterno, extinguindo-se nos termos do art. 1.763 do CC, mas pode superar o prazo legal. Segundo o art. 1.765, caput, do CC, o encargo da tutela é de dois anos, sendo prorrogável caso assim quiser o tutor e o juiz entender conveniente a continuação do encargo, nos termos do art. 1.765, p. ún., do CC.” É nesse contexto que deve ser entendido o §1º do art. 763 ao prevê que: “caso o tutor ou o curador não requeira a exoneração do encargo dentro dos 10 (dez) dias seguintes à expiração do termo, entender-se-á reconduzido, salvo se o juiz o dispensar.” Quanto à prestação de contas (§2º do art. 763) Neves (2016, p. 1194) explica que: “Cessada a tutela ou curatela é obrigatória prestação de contas pelo tutor ou curador. Entende o STJ que essa obrigatoriedade decorre da natureza do múnus público que o tutor 26 Cristiano Chaves de Farias; Luciano Figueiredo; Marcos Ehrhardt Júnior e Wagner Inácio Dias. Código Civil para concursos. Doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 7. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2018. 110 e o curador detém, como também pelo valores percebidos e gerenciados por si, em nome do tutela ou do curatelado (STJ, 3º T., REsp 1.186.076/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/03/2014, DJe 16/06/2014). O §2º do art. 763 do Novo CPC exige que essa prestação de contas se dê na forma da lei civil, ou seja, nos termos dos arts. 1.755 e 1.762. Melhor teria andado o legislador se tivesse se limitado a prever a conformidade com a lei, não necessariamente a lei civil, porque é aplicável ao caso o art. 553 do Novo CPC, que exige a prestação de contas do tutor ou curador se dê em apenso aos autos do processo em que tiver sido nomeado”. Dessa maneira, imprescindível a prestação de contas, respeitadas as disposições do CC e do CPC. Vamos ao último procedimento especial de jurisdição voluntária abordado no curso. 1.11 – Da organização e da fiscalização das Fundações A título de consideração inicial Neves (2016, p. 1195) define fundações e seus requisitos: “Fundações são pessoas jurídicas criadas por meio de escritura pública ou testamento, dando o responsável por sua criação uma especial destinação a determinados bens. Indicando a forma como eles devem ser administrados. Segundo a melhor doutrina, as fundações possuem dois requisitos essenciais para sua existência: a) o patrimônio afetado às finalidades da fundação; b) uma finalidade específica, que deve ser dirigida ao interesse geral [art. 62, CC];” Alguns exemplos de finalidade específica prevista no art. 62 do CC são: assistência social, cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, educação, saúde, segurança alimentar e nutricional entre outros. Pelo evidente caráter público dessas finalidades é que se exige a participação do MP na constituição das fundações. Muito cuidado, a fiscalização aqui tratada é das fundações privadas, afinal, criadas por escritura ou testamento. A fiscalização das fundações públicas é realizada em outros termos, como explica o Centro de Apoio Operacional dos Registros Públicos, das Fundações e das Entidades de Interesse Social – CAOFURP – do Ministério Público do Estado do Ceará27: 27 Disponível em: http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2018/01/Roteiro-para-o-Curador-do-Terceiro- Setor.pdf. Acesso em: 16/03/2020. 111 “As fundações públicas (de direito público) sujeitam-se a um regime diferenciado de controle, sem escapar, evidentemente, da fiscalização por parte do Ministério Público, nesse tocante exercida em concurso com o Tribunal de Contas. Distingue-se, contudo, o foco da atuação ministerial – volta-se, aqui, à preservação do patrimônio público, à defesa da legalidade, da impessoalidade, da transparência, da eficiência e da probidade na Administração Pública.” Em razão disso, é possível concluir que a fiscalização aqui tratada é das fundações privadas. A respeito das fundações privadas, é imprescindível a participação do MP, mas é dispensável a participação do juiz. Neves (2016, p. 1195) é quem melhor explica: “Antes de levar o estatuto a registro o instituidor da fundação deve remetê-lo ao MP, que terá um prazo de 15 dias para se manifestar. Caso o MP aprove o estatuto,ele será levado a registro perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, a partir de quando passará a ter personalidade jurídica. O MP também pode sugerir modificações no estatuto que entender necessárias para a sua adequação à lei. Caso o instituidor concorde e faça as alterações sugeridas também poderá levar o estatuto a registro. Em nenhuma hipótese desses casos se fará necessária a intervenção jurisdicional.” Repare que ocorrendo tudo normal, não há necessidade de intervenção jurisdicional, sendo ato complexo que se limita a participação do instituidor, o administrador do patrimônio afetado (art. 65, CC) e do MP. Em alguns hipóteses, porém, será necessária a intervenção judicial, como trabalhado adiante. 1.11.1 – Previsões legais As principais previsões legais estão nos arts. 764 e 765 do CPC. 1.11.2 – Da participação do MP A elaboração do estatuto ficará, em regra, a cargo daquele que o instituidor definiu na escritura pública ou testamento, nos termos do art. 65: Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação 112 projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz. Parágrafo único. Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao Ministério Público. O Código define o MP competente no art. 66 do CC, abaixo: Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas. § 1º Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. § 2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público. Logo, a competência será, em regra, do Ministério Público do Estado onde situada a fundação, inclusive no caso de estenderem a atividade por mais de um Estado, cabendo o encargo, em cada um dos Estados, ao respectivo MP estadual. Farias, Figueiredo Ehrhardt Júnior e Dias28 (2018, p. 155) ressaltam, contudo, que o §1º do art. 66 prevê hipótese em que o Ministério Público da União será competente, afinal, conforme art. 128 da CF/88, o MPDFT integra o Ministério Público da União. Além disso, os doutrinadores29 acrescentam que: “...após o julgamento da ADIN 2.794-8, consolidou-se o entendimento de que a atribuição do MP do local de velar pelas fundações não exclui a necessidade de fiscalização de tais pessoas pelo MPF nos casos de fundações instituídas ou mantidas pela União (incluindo autarquias e empresas públicas federais) ou que desta recebam recurso”. Como dito anteriormente, a fiscalização das fundações públicas difere das fundações privadas, sendo a fiscalização do MPF nesses casos voltada “à preservação do patrimônio público, à defesa da legalidade, da impessoalidade, da transparência, da eficiência e da probidade na Administração Pública” em conjunto com o respectivo Tribunal de Contas. Definida a participação do MP, é possível a compreensão das hipóteses de intervenção judicial na organização e fiscalização das fundações. 28 Cristiano Chaves de Farias; Luciano Figueiredo; Marcos Ehrhardt Júnior e Wagner Inácio Dias. Código Civil para concursos. Doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 7. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2018. 29 Idem, ibidem. 113 1.11.3 – Hipóteses de intervenção judicial É nesse contexto que o art. 764 do CPC prevê que: Art. 764. O juiz decidirá sobre a aprovação do estatuto das fundações e de suas alterações sempre que o requeira o interessado, quando: I - ela for negada previamente pelo Ministério Público ou por este forem exigidas modificações com as quais o interessado não concorde; II - o interessado discordar do estatuto elaborado pelo Ministério Público. § 1º O estatuto das fundações deve observar o disposto na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) . § 2º Antes de suprir a aprovação, o juiz poderá mandar fazer no estatuto modificações a fim de adaptá-lo ao objetivo do instituidor. Note que no primeiro caso a pessoa incumbida elaborou o estatuto, mas este foi negado ou foram exigidas modificações com as quais não concorda. Além disso, conforme o p. ún. do art. 65 “se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao Ministério Público.” Nessa segunda hipótese, como a elaboração passa a ser do MP, a aprovação passa a ser do juízo. Repare, também, que o §2º do art. 764 utiliza a expressão “suprir a aprovação”. Isso quer dizer, que diferente do art. 65, que prevê recurso da decisão do MP a respeito das fundações, a petição formulada ao juízo é de “ação de suprimento, à semelhança do que se passa com a ação de suprimento de consentimento” (Theodoro Jr., 2020, 565), como no caso da outorga uxória ou na emancipação. Quanto à alteração do estatuto Theodoro Jr. (2020, 566) ensina que: “Assim como o estatuto depende de aprovação do Ministério Público para se aperfeiçoar, também as alterações que posteriormente venham a ser introduzidas pela administração da fundação sujeitam-se à igual medida (CC, art. 67). No caso de denegação, ou não analisando a alteração no prazo de quarenta e cinco dias, caberá pedido de suprimento ao juiz, conforme previsto no inciso III do citado art. 67. Se, eventualmente, a reforma não houver sido deliberada por votação unânime, os componentes da minoria vencida serão citados, antes da decisão do Ministério Público, para impugnar o pedido de aprovação, no prazo de dez dias (CC, art. 68). Do que decidir o 114 Ministério Público, haverá sempre possibilidade de revisão judicial, seja mediante a ação de suprimento do art. 764 do CPC/2015, seja por via de ação ordinária de anulação.” Os arts. 67 e 68 do CC, preveem que: Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma: I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação; II - não contrarie ou desvirtue o fim desta; III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado. Art. 68. Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime, os administradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do Ministério Público, requererão que se dê ciência à minoria vencida para impugná-la, se quiser, em dez dias. Portanto, são hipóteses de intervenção judicial na organização e fiscalização das fundações: Estatuto seja negado pelo Ministério Público; MP exigir modificações com as quais o interessado não concorde; Interessado discordar do estatuto elaborado pelo Ministério Público; MP não aprovar a alteração do Estatuto no prazo máximo de 45 dias; MP negar a alteração do Estatuto. Por fim, importante comentar as disposições do CPC a respeito da extinção das fundações. 1.11.4 – Extinção das fundações O art. 765 do CPC prevê que: Art. 765. Qualquer interessado ou o Ministério Público promoverá em juízo a extinção da fundação quando: I - se tornar ilícito o seu objeto; II - for impossível a sua manutenção; III - vencer o prazo de sua existência. 115 Como se percebe no caput do art. 765 são legitimados de maneira “concorrente e disjuntiva” (Neves, 2016, p. 1196) qualquer interessado ou o Ministério Público. Além disso, os fundamentos do pedido de extinção são: “O art. 765 do Novo CPC trata da extinção da fundação, que em razão do interesse público que a envolve sempre exigirá a intervenção jurisdicional para a verificaçãodas hipóteses legais que justificam sua extinção. Há três causas de extinção previstas no art. 765 do Novo CPC: a) o objeto se tornar ilícito – desvio de finalidade ou prática de delitos por seu intermédio; b) for impossível sua manutenção – material, esgotamento da finalidade ou desaparecimento de seus destinatário; c) vencimento do prazo de sua existência d) quando a existência da fundação se tornar inútil (art. 69 do CC).” Percebe-se que diferente da criação em que a participação judicial não é a regra, no caso da extinção a regra é a necessidade de intervenção jurisdicional. Deve ser destacado, ainda, a redação do art. 69 do CC, devido a sua importância e recorrência nas provas de concursos: Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante. Dessa maneira, não dispondo o ato constitutivo de maneira diversa, o patrimônio eventualmente existente no momento da extinção será incorporado por outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante. É o fim dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária tratados pelo Plano de Ensino, mas não dos previstos no CPC. Conforme os arts. 766 a 770 do CPC há ainda a Ratificação dos Protestos Marítimos e dos Processos Testemunháveis Formados a Bordo. Por isso, recomendo a leitura das disposições, apesar de não tratarmos no fichamento da doutrina especializada realizado até agora.
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