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SEQUELA COMPORTAMENTAL PÓS-TRAUMATISMO CRANIANO: O HOMEM QUE PERDEU O CHARME O artigo, Sequela Comportamental Pós-Traumatismo Craniano: O homem que perdeu o charme, aborda o caso do Paciente (MC), 39 anos, solteiro, médico que sofreu traumatismo craniencefálico (TCE) num acidente de carro causado por embriaguez. Nove anos depois foi submetido a avaliação neuropsicológica para investigação de sequelas cognitivas de TCE, pois o mesmo apresentava sintomas de síndrome disexecutiva. De acordo com os autores, MC demonstrou apatia, apragmatismo e perda de habilidades prévias, mais evidentes na interação social, em especial com o sexo oposto, de forma que, sua característica peculiar, o seu charme, foi afetado. MC era considerado como um Dom Juan, segundo sua família, visto à sua admirável habilidade em seduzir o sexo oposto, o que era considerado como um incrível charme. Todavia, após o TCE, passou a ser descuidar com a própria aparência, ganhou peso, passando a andar malvestido e de chinelos, embora com os hábitos de higiene preservados. De acordo com relatos, houve mudanças acentuadas de comportamento no que se refere às relações interpessoais, ao desempenho profissional e à auto regulação do afeto, das emoções e da motivação. Antes tinha interesse em leituras, era extrovertido e inteligente, após o evento tornou-se menos fluente nas conversações, "sua conversa perdeu a graça, ficou mais chata", e demonstrou alguma dificuldade em "perceber que não estava agradando" ao interlocutor. Apresentou aumento da irritabilidade e temperamento eventualmente explosivo, ambos inéditos. Passou a causar pequenas batidas com o carro, dirigindo ou manobrando, por imperícia e descuido. Quando o pai referia, na sua presença, a perda de habilidades, limitava-se a sorrir e dizer que "estavam inventando coisas". A síndrome disexecutiva é decorrência de um esforço para classificar as alterações cognitivo-comportamentais ocasionadas por uma lesão cerebral. É resultado de uma perda no lobo frontal, mais notadamente nas regiões pré-frontais. As funções executivas mais complexas são processadas nessa área e são responsáveis por direcionar e gerenciar habilidades cognitivas, emocionais e comportamentais. Dentre elas, encontram-se a capacidade de tomar iniciativa, selecionar alvos relevantes à tarefa e inibir ações ou estímulos distratores competitivos, planejar e prever meios de solucionar problemas. Desse modo, o dano no lobo frontal causa modificação de funções como a atenção, a memória, a percepção e o comportamento. Assim sendo, a síndrome disexecutiva ou síndrome do lobo frontal engloba um conjunto de sintomas que prejudica o comportamento mental dos indivíduos. Os autores afirmam que, é possível que os médicos façam conclusões erradas quando há sintomas cognitivo-comportamentais em casos nos quais os traumatismos craniencefálicos (TCE) não resultam em déficits neurológicos motores ou sensoriais. Existem experiência comprovada de TCE com graves sequelas neuropsiquiátricas, consideradas equivocadamente como psicológicas. Essas conclusões errôneas têm enorme impacto para o paciente, uma vez que, os resultados negativos são interpretados como evidência de simulação ou de neurose. No caso paciente MC, os resultados do exame neuropsicológico, evidenciou dismnésia de recuperação com reconhecimento normal, diminuição da destreza motora e da flexibilidade cognitiva, na presença de inteligência normal. Os sintomas cognitivo-comportamentais contrastavam com exame neurológico normal. Segundo os autores, existe um grande desconhecimento das sequelas dos TCE no meio acadêmico. Um exame pericial visando documentar a capacidade de indivíduo traumatizado de crânio pode exigir a aplicação de testes neuropsicológicos. Em conformidade com o aspecto clínico, a síndrome do lobo frontal engloba dois grupos básicos de sintomas: os que resultam de lesões dos giros orbitais mediais e dos tratos que atravessam a região e os resultantes de lesões dorsolaterais, sendo bastante comum a sobreposição de sintomas orbitofrontais e dorsolaterais no mesmo indivíduo. O primeiro configura-se pela degradação do senso ético e da autocrítica, falta de preocupação com o futuro, indiferença afetiva, irritabilidade e euforia. Os pacientes deste grupo são geralmente descritos como rudes, irritáveis e hipercinéticos. Manifestam desinibição excessiva e, nos episódios mais graves, julgamento moral comprometido. Os autores asseveram que, a síndrome órbitofrontal pode aparentar quadro maníaco ou manifestar-se idêntica às sociopatias, o que levou muitos estudiosos a investigar a função pré-frontal em indivíduos com características antissociais. O perfil cognitivo do paciente órbitofrontal caracteriza-se basicamente por comprometimento da supressão de interferências de estímulos externos irrelevantes ou tendências internas distratoras. Os sintomas relacionados à falta de controle sobre a interferência incluem perseverações, impulsividade e comportamento de imitação e utilização. As lesões dorsolaterais caracterizam-se por tendência geral à indiferença e à apatia. Perda de iniciativa do ato motor, lentidão e automatismo nas respostas figuram como características desta síndrome. O paciente revela-se deficitário não apenas para iniciar ações de modo espontâneo e deliberado, como também para levar a cabo ações que fora capaz de iniciar. Os aspectos cognitivos da síndrome dorsolateral envolvem déficits de atenção, memória operacional, planejamento e linguagem, podendo ocorrer ainda disfasia e disprosódia. Portanto, o relato elucida como as sequelas de traumatismo craniencefálico podem ser marcantes em indivíduos sem sequelas motoras ou senso-perceptivas importantes e que também não apresentam diminuição da capacidade cognitiva global. A presença de Síndrome Disexecutiva se associa a comprometimento significativo do funcionamento sociolaborativo do indivíduo e é mais adequadamente avaliado com uma investigação de sintomas específicos na anamnese e o emprego de exames de imagem e neuropsicológico. Assim, devido a visão dissociada que temos do ser humano, separando o orgânico do psicológico, os pacientes que sofrem de traumatismo craniencefálico, geralmente, não recebem a devida atenção que necessitam, o que pode ocasionar o surgimento de consequências graves em suas vidas. Considerando a importância da temática aqui desenvolvida, a avaliação dos transtornos psiquiátricos pós TCE deve ser mais valorizada.