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Nicolle Marcondes Técnica de investigação da personalidade PROVA DE RORSCHACH HISTORICO E OBJETIVO DA PROVA DE RORSCHACH COELHO, L.M.S. & FALCÃO, M.I. Prova de Rorschach: diretrizes gerais na interpretação dos resultados, 2006. “Introdução": p.09- 13; “Um esboço do modelo teórico de Personalidade”: p.15-21; “Campos de Aplicação": p. 187-188. 1884: nasceu em Zurique. Curso secundário: dedicava-se ao desenho, fazendo caricaturas, manipulando brincadeiras curiosas com borrões de tinta; apelido de “Klecks” (klecksografia = jogo de fazer formas a partir de manchas). 1909: formou-se em Medicina. 1911: iniciou seus estudos e pesquisas com manchas de tintas. 1921(junho): livro “Psychodiagnostik” com conclusões dos estudos e experimentos, junto com as pranchas por ele elaboradas. 1922: apresentou seu trabalho na Sociedade de Psicanálise de Zurique; através de uma análise às cegas de um paciente de um outro médico, Dr. Oberholzer, Hermann obteve resultado plenamente coincidente com o diagnóstico clínico. 1922(abril): morreu aos 37 anos de peritonite aguda. Foi o primeiro teste para investigar a personalidade. Hermann foi o primeiro a utilizar manchas de tinta para investigação da personalidade (antes: imaginação e criatividade): não só o que a pessoa via, mas como via, as relacionando às funções psíquicas. A genialidade de Hermann Rorschach foi a de ter reconhecido a importância dos processos psíquicos superiores na dinâmica de personalidade. Mais que seu conhecimento médico e experiência clínica, a sua sensibilidade de artista, com sua extensa cultura humanista aliada ao rigor de seu conhecimento experimental, foram os motores responsáveis pela elaboração da Prova de Rorschach. Influenciado por Heins (1917): cartões monocromáticos para investigar o conteúdo das respostas de crianças, adultos e psicóticos. Em 1918 cria 15 pranchas e as experimenta em seus pacientes no Hospital de Herisau, nas enfermeiras, e em estudantes de Medicina, crianças e outras pessoas, totalizando uma amostra de 288 doentes mentais e 117 indivíduos “normais”. Na editora, as pranchas, sofreram algumas alterações na impressão foram reduzidas à 10, o formato foi diminuído, as cores modificadas e certas áreas sombreadas. A variação de tons não era algo que hermann havia pensado, porem percebeu que causaria nas pessoas diferentes construções de imagem, dentre elas relevos, pelos e assim ajudando na investigação. A PROVA DE RORSCHACH NO BRASIL Pessoas que foram responsáveis por trazer a prova de Rorscharch para o Brasil foram: 1927: Ulysses Pernambuco (Recife) 1929: Helena Antipoff (Belo Horizonte) 1932: comunicação oficial do Dr. José Leme Lopes, com “O Psicodiagnóstico de Rorschach na consulta médica psicológica”. Anibal Silveira (1902-1979): um dos fundadores da Sociedade Internacional de Rorschach e, no Brasil, da Sociedade Rorschach de São Paulo. Silveira iniciou seu aprendizado em 1927, em Nova York, com David Levy, um dos introdutores do método nos EUA. Passou a estudar e aplicar sistematicamente o teste, desenvolvendo um sistema próprio de classificação e interpretação, o qual publica em 1943. OBJETIVO DA PROVA DE RORSCHACH Ao olhar para os estímulos do Rorschach, mais do que projetar anseios e expectativas, o sujeito constrói significados, uma realidade pautada em sua experiência cultural e em suas disposições psicológicas, normais ou patológicas. O sentido da visão é o que oferece de modo sintético e imediato o panorama do mundo externo. Se na visão é a percepção do espaço que prevalece, na audição a vertente temporal é dominante, ambos os sentidos nos informam sobre as condições da realidade. Nosso olhar focaliza o que ocorre ao nosso redor; porém, nossa visão não é fixa: ela se apoia em movimentos oculares orientados ativamente pela atenção. Ao lermos um livro, olharmos para um quadro, assistirmos um espetáculo ou simplesmente apreciarmos uma paisagem, não apenas a atenção dirige o movimento de nosso olhar, mas, também, os significados que encontramos ou buscamos nestes cenários do mundo. E estes significados são de ordem cultural e individual, construídos através da história pessoal e da humanidade. Assim, não apenas a percepção, no caso visual, mas também a atenção, a memória, o pensamento, a emoção e a linguagem constituem processos indispensáveis para a construção de nossas experiências e de nossa identidade subjetiva. A elaboração da prova Partiu da constatação de que, quanto menos padronizado e realista for um evento (ou objeto), maior será a mobilização dos recursos subjetivos do observador para interpretá-lo. A memória, o conhecimento, os sentimentos e os recursos motores do indivíduo irão intervir na criação dos significados. No trabalho mental que transcorre durante a Prova de Rorschach, o observador e intérprete atua como um artista ao conceber a sua obra, criando imagens, cenas, objetos ou seres vivos segundo seu talento, estilo e interesse dominante. As suas construções não são meramente convencionais ou factuais, como hábitos cotidianos; mas, tampouco as imagens, assim elaboradas, são arbitrárias. Elas foram despertadas na consciência do observador pelas propriedades físicas e configurações das próprias manchas, que servem de diretrizes ao seu pensamento e ao processo de evocação, ao mesmo tempo em que, pelo fato de alguns estímulos serem cromáticos, também despertam sentimentos e reações imediatas. Nicolle Marcondes Técnica de investigação da personalidade ANÁLISE ESTRUTURAL DAS MANCHAS DE RORSCHACH As manchas que compõem os estímulos do Rorschach possuem estruturas específicas, porém abertas; os estímulos físicos que nelas encontramos correspondem ao material bruto do mundo captado pela visão. Ao olharmos para os estímulos do Rorschach, mais do que projetar nossos anseios e expectativas, nós construímos significados, criamos uma realidade pautada em nossa experiência cultural e em nossas disposições psicológicas, normais ou patológicas. A seleção das manchas e a sequência com que são apresentadas ao examinando foram efetuadas pelo criador da prova de modo intencional. As manchas não são amorfas, pois não permitiria atribuição de significados. Possuem estruturas específicas, porém abertas. Seus estímulos físicos correspondem ao material bruto do mundo captado pela visão. As suas qualidades pictóricas facilitam associações de imagens: ✓ As proporções de suas áreas e o modo como se distribuem no espaço em branco facilitam a distinção entre figura e fundo; ✓ A configuração quase simétrica das manchas em torno de um eixo central (cuja definição varia em cada uma delas) facilita a atribuição de significados pois, se elas fossem perfeitamente simétricas apenas estimulariam a construção de imagens de objetos físicos e impossibilitariam a percepção de seres vivos cuja simetria é sempre imperfeita e, por outro lado, se fossem totalmente assimétricas seriam consideradas como meros borrões sem qualquer significado. ✓ Os recortes mais ou menos nítidos que encontramos em porções das manchas facilitam o isolamento de áreas, cuja pregnância formal se impõe à atenção. ✓ As propriedades físicas dos estímulos do Rorschach, como as suas diferentes cores e as variações de tons em sua superfície despertam na memória do examinando a evocação de experiências visuais relacionadas a relevos, a superfícies concretas, à noção de transparência. Associada aos diferentes tons de luminosidade, a proporção entre as diferentes áreas de uma mesma mancha sugere a percepção de profundidade, difusão no espaço ou a construção tridimensional, na qual as áreas maiores são percebidas como planos mais próximos. ✓ As linhas ascendentes ou descendentes orientam nosso olhar sugerindo a direção do movimento. ✓ Eixo central com definição variável: facilita a atribuição de significados.✓ Ângulos entre suas linhas: percepção de movimento. Pranchas monocromáticas (I, IV, V, VI e VII): representam situações do sujeito diante de circunstâncias formais, de ordem mais impessoal, quando a observação e o julgamento supõem discernimento e iniciativa. Ligadas a investigação da capacidade de usar o pensamento logico. Pranchas coloridas (II, III, VIII, IX e X): frente a experiências que produzem impacto afetivo direto, revelam como o indivíduo as enfrenta e expressa seus sentimentos e reações afetivas primárias. Ligadas a instintividade; capaz de analisar o índice de impulsividade. Se a Prova de Rorschach não se reduz a um simples psicoteste, com respostas certas e erradas que são medidas e quantificadas em função de critérios empíricos como medidas de uma balança, ela também não permite as interpretações abusivas e impressionistas, pautadas em intuição arbitrária ou em concepções teóricas fechadas e redundantes. Daí a originalidade deste exame psicológico, mas também a dificuldade que oferece para ser aprendida. Nicolle Marcondes Técnica de investigação da personalidade TEORIA DA PERSONALIDADE: SEGUNDO ANIBAL SILVEIRA Aníbal Silveira (1985) - teoria sistêmico-cognitivista: modelo compreensivo para apresentar e explicar o processo de construção das imagens, presente nas respostas aos cartões do Rorschach. Seu modelo teórico parte do pressuposto da natureza social da espécie humana pois, para Silveira, todo processo biológico ou psicológico requer a interação social, condição primordial para a sobrevivência da espécie. Ele propõe uma organização sistêmica e evolutiva dos fenômenos psicológicos, expressão mais diferenciada e complexa da atividade cerebral. É preciso considerar o momento histórico e a cultura em que o sujeito está inserido. A dinâmica psíquica resulta da estreita ligação entre indivíduo e ambiente, considerados como polos de um sistema aberto, em constante transformação e reestruturação. Devemos distinguir entre a estrutura e a dinâmica de personalidade postulada pelo modelo teórico e, como tal, comum à espécie humana, de sua expressão particular na existência de cada ser humano. Estrutura de personalidade: constituída por três esferas, com um conjunto de funções subjetivas hierarquicamente organizadas, inatas e coexistentes, ligadas ao funcionamento cerebral, o qual resulta da comunicação com o meio externo e interno. Estas funções regem continuamente e de modo harmônico as disposições genéticas do indivíduo e as suas inter-relações com o ambiente físico e social. A seguir um esquema que representa as 3 esferas: ESFERA AFETIVA: Dois grupos de funções psíquicas: ✓ Instintos: Funções básicas que estimulam o contato com a realidade e ligam o indivíduo a si próprio. Mantêm a sobrevivência individual e da espécie. ✓ Sentimentos: Funções mais complexas pela natureza interpessoal. Estão a serviço da sociabilidade (com subordinação das funções afetivas básicas, ou seja, dos instintos). AFETO≠ EMOÇÃO A esfera afetiva, resulta a coordenação subjetiva de processos indispensáveis à sobrevivência do indivíduo e da espécie e ao estabelecimento harmônico e crescente de ligações interpessoais, expressando-se predominantemente como reações psicológicas às condições do ambiente orgânico ou como expressão dos sentimentos no ambiente social. O fato de, teoricamente, distinguirmos na esfera afetiva dois grupos distintos de funções, não impede a constatação de que estes grupos atuem em conjunto e de modo harmônico sendo que, com o amadurecimento psicológico, os sentimentos passam a modular a expressão dos afetos primários. Esta distinção é considerada atualmente por neuropsicólogos e pesquisadores cognitivistas, em termos de emoções primárias e secundárias e, tal como Silveira, eles consideram que as expressões das últimas, isto é, dos sentimentos, baseiam-se em imagens mentais. ESFERA CONATIVA: Conatus (latim) = executo; isto é: realizo a partir da intenção, do objetivo. Disposição subjetiva para a ação motora ou mental. Três funções básicas: ✓ Iniciativa: permite iniciar o trabalho motor ou mental. ✓ Inibição: permite inibir a ação ou o trabalho mental ou inibir as demais esferas (afetividade - intelectual) pelo refreamento dos impulsos inadequados. ✓ Manutenção: permite continuar o trabalho motor ou mental através da atenção. A esfera conativa resulta da atuação subjetiva dos processos motores indispensáveis à iniciativa, ao controle seletivo e à manutenção dos propósitos. Tais processos expressam-se basicamente na atividade explícita como habilidades motoras e atitudes corporais, mas também, como veremos, permitindo a transposição das ideias e sentimentos no plano do comportamento manifesto, de modo a tornar eficiente o seu rendimento. ESFERA INTELECTUAL: Capacidade estabelecer nexos lógicos entre os dados do ambiente e a própria experiência (simbolização abstrata); fundamental para integração à sociedade. • Componentes: ✓ Observação: apreciação de eventos externos e assimilação dos valores do meio ambiente. ✓ Elaboração: capacidade de reelaboração original e criativa dos dados do meio (pensamento ou ideia). ✓ Comunicação: pensamento abstrato, generalização e formulação de leis científicas; mímica, fisionomia, gesticulação e expressão verbal. Da atividade das funções cognitivas resulta o processamento das informações do ambiente, através da observação, da elaboração e da comunicação simbólica, expressando-se como capacidade de integração à realidade. Disposição a ação motora ou mental; realizar algo. É a mais básica; tem aspectos primitivos; é a que estimula as outras. Cognitiva; É a esfera que auxilia e interpreta as demais; estabelece a lógica. Nicolle Marcondes Técnica de investigação da personalidade • As funções da esfera afetiva estimulam continuamente as funções conativas de modo a mobilizar o desencadeamento de atos indispensáveis à sobrevivência física e social do ser humano. Esta interação se expressa como motivação. • Mas, ao mesmo tempo, as funções da esfera afetiva estimulam aquelas da esfera intelectual, tanto no sentido do indivíduo buscar no ambiente as informações indispensáveis à satisfação de impulsos e sentimentos, como para ele comunicar aos demais suas necessidades e desejos. Esta interação se expressa como interesse. • As funções da esfera conativa atuando sobre as da esfera intelectual permitem a coordenação seletiva e estável, tanto dos processos de observação e de elaboração das ideias, como de sua comunicação através da linguagem. Esta interação se expressa através da atenção. • As funções da esfera intelectual, estimuladas tanto pelas funções afetivas como pelas conativas também retroagem sobre elas. Assim, a noção, real ou imaginária, atual ou evocada, do fato observado no ambiente, noção esta apreendida através da percepção ou da linguagem, produz impacto sobre as funções afetivas, provocando a emoção. Dependendo da intensidade e da natureza deste impacto, a noção pode mobilizar as funções afetivas ligadas à sobrevivência (por exemplo em decorrência de noção de perigo ou ameaça) provocando emoções primárias, ou mobilizar os sentimentos (decorrente de aspirações, crenças e valores estéticos ou religiosos) provocando emoções socialmente mais diferenciadas. • Ao mesmo tempo, as funções intelectuais intervêm sobre as funções conativas, dirigindo seus processos de acordo com os significados e as exigências da realidade. Este controle se expressa como orientação, tendo sua expressão mais básica na orientação temporal e espacial. Deste modo, a expressão deste arranjo peculiar e dinâmico entre as funçõessubjetivas pode ser avaliada objetivamente através da observação sistemática do comportamento em termos de traços de personalidade. A combinação específica entre o conjunto dos diferentes traços de personalidade e o respectivo meio de ligação com o ambiente externo, corresponde ao temperamento. Na constituição, consideramos o conjunto de disposições psíquicas e somáticas que regem o comportamento do indivíduo no mundo externo. Ela compreende traços herdados e traços adquiridos durante a evolução individual, especificamente na fase embrionária, correspondendo ao substrato anatômico (encefálico e somático em geral) e à expressão funcional, específicos a cada indivíduo. Portanto, o temperamento corresponde ao aspecto dinâmico da constituição, mas não se confunde com ela. Mais dependente das condições ambientais, o temperamento é mais passível de modificações do que a constituição. O componente morfológico da constituição se expressa na configuração somática objetiva do corpo do indivíduo em termos de biótipo, enquanto o componente funcional, psíquico e fisiológico, se apresenta como temperamento. Alguns traços de personalidade assumem expressão mais complexa por dependerem da participação conjugada de duas esferas de personalidade: afetividade e conação; trata se dos traços que definem a disposição de caráter do indivíduo. Como vimos, a manifestação da atividade explícita ocorre graças às funções conativas; porém, ela é motivada pelo estímulo afetivo. Deste modo, no comportamento interpessoal, o indivíduo expressa suas disposições afetivas caracterizando a sua modalidade de caráter, Embora o caráter expresse disposições mais básicas e constantes - que se expressam desde cedo no modo da criança estabelecer vínculos afetivos com os demais - ele poderá sofrer algumas modificações, conforme o nível de amadurecimento psicológico do indivíduo e das condições dos estímulos ambientais. Quanto mais rígida for a estrutura de caráter, ou mais abrangente for seu comprometimento (afetando também as funções afetivas primárias), menor será a possibilidade de modificá-lo. A expressão "temperamento", derivada de "têmpera" significa, assim, a mistura de diferentes traços de personalidade.
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