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A legião estrangeira

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A Legião Estrangeira – O LIVRO
 
 Os 13 contos de A legião estrangeira abordam o cotidiano familiar, a perversidade infantil e a solidão. Como apontou o escritor Affonso Romano de Sant`Anna na introdução de uma antiga edição do livro, para Clarice Lispector importa mais a geografia interior. "Em vez de tipos épicos e dramáticos, temos figuras situadas numa aura de mistério, vivendo relações profundas dentro do mais ordinário cotidiano", escreveu. "Mais que as aventuras, interessa-se por descrever a solidão dos homens diante dos animais e objetos".
 Entre os contos destaca-se "Viagem a Petrópolis", escrito quando Clarice tinha apenas 14 anos. Neste ,a precoce escritora narra a absurda solidão de uma velhinha que, sem lugar para morar, é empurrada de uma casa para outra. E o leitor perceberá Em "Os desastres de Sofia", uma história de transparente sensibilidade, em que a autora aborda a perversidade infantil por meio do relacionamento de uma aluna com seu professor.
 A vulnerabilidade dos animais diante dos homens, e vice-versa, está presente em "A quinta história", "Macacos“ e ainda em "A legião estrangeira". Como também apontou Affonso Romano de Sant`Anna, a tensão nos contos de Clarice surge da oposição Eu x Outro, que pode ser um animal, uma criança ou uma coisa. "Dessa tensão é que surge a epifania, a revelação de uma certa verdade".
PARA AQUELES QUE PREFERIREM :
Análise do livro:
 parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=BaTXu4fb-RY
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=dtDvGZEQdqM
Os Desastres de Sofia
A menina gostava do professor que era gordo, grande, silencioso e feio. Ela era extremamente atraída por ele, mas infernizava as aulas, tudo para chamar-lhe à atenção. A menina fazia este jogo: amava-o e o atormentava. Não estudava, tampouco aprendia. Certo dia, o professor deu como tema de redação uma história em que um homem pobre saia atrás de um tesouro e não o encontrou. Então, esse homem volta para sua casinha e começa a plantar no seu diminuto quintal. Tanto plantou, tanto colheu, tanto vendeu, que um dia acabou ficando rico. A menina fez uma redação rapidamente, pois estava doída para ir correr no pátio do colégio que era enorme e cheio de árvores. No final da composição, a menina havia tirado uma lição de moral totalmente oposta ao espírito da história que era: há um tesouro disfarçado, que está onde menos se espera. Entregou logo o caderno para o professor e foi correr no pátio. Certo tempo depois, ela lembrou-se de ir procurar algo que estava na sala. Lá encontrou o professor sozinho. Pela primeira vez, a menina ficara frente a frente com seu professor. Paralisada de medo e de confusão nos seus sentimentos entrou. Logo o professor mandou que ela apanhasse o caderno, mas a pobre menina não conseguiu, tamanha foi a sua perturbação. Pela primeira vez, ele riu e disse que ela era engraçada e um tanto doidinha. Queria saber ainda de onde havia tirado aquela idéia de tesouro disfarçado? O professor elogiara a redação dizendo que estava bonita. A menina teve a sensação de ele ter-se deixado enganar: havia acreditado nela. A menina, então, logo concluíra: um homem adulto acreditava, também como ela, nas grandes mentiras. Sem pegar o caderno, a menina voltou correndo para o recreio e correu tanto no parque até ficar exausta. Era uma maneira quase desesperada de se defrontar com a perturbação que a tomou conta. Naquele momento, perdeu a fé nos adultos, pois acreditava na sua futura bondade, superando a fase má típica da infância. No entanto, o amargo ídolo havia caído na armadilha de uma criança "danadinha", confusa, sem candura; deixara-se guiar pela sua diabólica inocência... Quem sabe ele estaria pensando que ela era um tesouro disfarçado? "O professor agora destruía meu amor por ele e por mim, pensara a menina desolada. Aquele homem também era eu. A menina foi subitamente forçada a amadurecer, a descobrir que ela conseguira atingir o coração do professor. Ao final do conto a narradora afirma que foi assim que no grande parque do colégio lentamente começa a aprender a ser amada, suportando o sacrifício de não merecer, mas apenas para suavizar a dor de quem ama.
A Repartição dos Pães
Os convidados para um almoço de sábado compareceram à casa da anfitriã. Todos vieram por obrigação. Ficaram constrangidos e incomunicáveis antes de serem convidados para a sala do almoço, considerando a anfitriã uma ingênua, por tirar cada um da sua maneira própria de viver o sábado. Quando, porém, os convidados entraram na sala do almoço, surpreenderam-se com o requinte da refeição: uma quantidade excessiva de legumes e frutas, leite, vinho! Todos comeram em nome de nada, era hora de comer e, à medida que comiam, veio a fome. Estabeleceu-se uma cordialidade rude: ninguém falou de ninguém porque ninguém falou bem de ninguém. A comida dizia: come, come e reparte. Assim se expressa a narradora: "Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma." E termina: "Nós somos fortes e comemos. Pão é amor entre estranhos." Uma Esperança: Uma esperança – um inseto que se chama esperança – pousou na parede da casa da narradora. Ela e os filhos ficaram observando a esperança andar, sem voar ("Ela esqueceu que pode voar, mamãe.") Uma aranha saiu de trás do quadro e avançou em direção à esperança. Embora "dê azar" matar aranha, ela foi morta por um dos filhos. A narradora se espanta de não ter pego a esperança, ela que gosta de pegar nas coisas. Lembrou-se de certa vez que uma esperança pousou no seu braço. "Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada".
A Mensagem 
A princípio, quando a moça disse que sentia angústia, o rapaz se surpreendeu tanto que corou e mudou rapidamente de assunto para disfarçar o aceleramento do coração. Mas há muito tempo desde que era jovem ele passara afoitamente do simplismo infantil de falar dos acontecimentos em termo de coincidência . Ou melhor evoluindo muito e não acreditando nunca mais ele considerava a expressão coincidência um novo truque de palavras e um renovado ludíbrio. Assim, engolida emocionadamente a alegria involuntária que a verdadeiramente espantosa coincidência dela também sentir angústia lhe provocara ele se viu falando com ela na sua própria angústia, e logo com uma moça! Ele que de coração de mulher só recebera o beijo de mãe. Viu-se conversando com ela, escondendo com secura o maravilhamento de enfim falar sobre coisas que realmente importavam; e logo com uma moça! Conversavam também sobre livros, mal podiam esconder a urgência que tinham de pôr em dia tudo em que nunca antes haviam falado. Mesmo assim, jamais certas palavras eram pronunciadas entre ambos. Dessa vez não porque a expressão fosse mais uma armadilha de que os outros dispõem para enganar os moços. Mas por vergonha. Porque nem tudo ele teria coragem de dizer, mesmo que ela, por sentir angústia, fosse pessoa de confiança. Nem em missão ele falaria jamais, embora essa expressão tão perfeita, que ele por assim dizer criara, lhe ardesse na boca, ansiosa por ser dita. Naturalmente, o fato dela também sofrer simplificara o modo de se tratar uma moça, conferindo-lhe um caráter masculino. Ele passou a tratá-la como camarada. Ela mesma também passou a ostentar com modéstia aureolada a própria angústia, como um novo sexo. Híbridos - ainda sem terem escolhido um modo pessoal de andar, e sem terem ainda uma caligrafia definitiva, cada dia a copiarem os pontos de aula com letra diferente - híbridos eles se procuravam, mal disfarçava a gravidade. Uma vez ou outra, ele ainda sentia aquela incrédula aceitação da coincidência: ele, tão original, ter encontrado alguém que falava a sua língua! Aos poucos compactuaram. Bastava ela dizer, como numa senha, passei ontem uma tarde ruim, e ele sabia com austeridade que ela sofria como ele sofria. Havia tristeza, orgulho e audácia entre ambos. Até que também a palavra angústia foi secando, mostrandocomo a linguagem falada mentia. (Eles queriam um dia escrever. )A palavra angústia passou a tomar aquele tom que os outros usavam, e passou a ser um motivo de leve hostilidade entre ambos. Quando ele sofria, achava uma gafe ela falar de angústia. Eu já superei esta palavra, ele sempre superava tudo antes dela, só depois que a moça o alcançava.
Macacos
 
Perto do Ano-Novo, a família ganhou um mico de presente. Era um macacão ainda não crescido, que não dava sossego a ninguém. A dona da casa-narradora estava exausta. Uma amiga entendeu o sofrimento dela e chamou uns meninos do morro. Eles levaram o macaco. Um ano depois, a narradora comprou uma macaquinha nas mãos de um vendedor em Copacabana. Era delicada e recebeu o nome de Lisette. Vestiram-na de mulher e ela encantava a todos. Três dias depois, Lisette estava na área de serviço sendo admirada pela família. Ela encantava sobretudo pela doçura. Só que não era doçura, era a morte chegando. Levaram-na rapidamente para o veterinário, enfrentando um trânsito difícil. Ela estava tendo falta de oxigênio. Deixaram-na na clínica. No dia seguinte, morreu. Uma semana depois, o filho mais velho disse para a mãe: "Você parece tanto com Lisette! ‘Eu também gosto de você’, respondi."
O Ovo e a Galinha
O ovo é a própria existência real, objetiva, em si mesma. A galinha é nossa visão de vida interior; ela só existe por causa do ovo. Sem o ovo, a galinha não tem sentido. Ela é o meio de transporte para o ovo, tonta, desocupada e míope. O ovo é sempre o mesmo, isto é, a vida; a galinha é sempre a tragédia de cada época. O ovo tem sua forma definida; a galinha continua sendo redesenhada. "Ainda não se achou a forma mais adequada para uma galinha.(...) O seu destino é o ovo, a sua vida pessoal não nos interessa." A galinha prejudicial ao ovo é aquela que só pensa em si, que não quer sacrificar sua vida. Os homens são os agentes da vida. Os que têm amor são os que participam um pouco mais da vida. Mas, como o amor é a desilusão de tudo o mais, poucos amam, porque a maioria não suporta perder as outras ilusões. "Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor." Os homens existem para que o ovo se faça. Aqueles que não entendem isso, suicidam-se ou são eliminados. Estes não entendem o nosso mistério: somos apenas um meio e não um fim. Os que não aceitam o mistério procuram eliminar os que o aceitam. Então eles mandam que estes falem. Enquanto falam, o ovo é esquecido.
Tentação
Ela estava com soluço, o calor infernal da tarde, a claridade excessiva e, como se não fosse o suficiente, ela era ruiva. Sentada nos degraus de uma escada, em uma rua deserta do Grajaú, Ninguém na rua, apenas uma pessoa lá longe, esperando o bonde. A menininha pobre, solitária estava com o soluço a incomodá-la. Nisso, veio passando um cachorro basset ruivo. Parou diante da menina, sem latir. Fitaram-se mudamente. Sem emitir som, eles se pediam: um solucionaria o problema de solidão do outro. Não havia tempo, a dona esperava impaciente sobre o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina de foi embora. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez total. Incrédula, os olhos da menina, debruçada sobre os joelhos, acompanharam-no até vê-lo dobrar a outra esquina. "Mas ele foi mais forte do que ela. Nem uma só vez olhou para trás."
Viagem a Petrópolis
Em "Viagem a Petrópolis", é contada a história de Mocinha (era esse o curioso apelido da velhinha), uma senhora que morava "de favor" na casa de pessoas, que, num certo dia, cansadas de sua presença, decidem mandá-la para Petrópolis, onde passaria a viver com parentes delas.
A circunstância da viagem será o fator desencadeador da consciência transformadora, que assoma durante a noite insone. A velhinha revive a sua vida já esquecida no abandono a que fora relegada. Lembra-se do filho, da filha e do marido, todos mortos, tenta encontrar os detalhes furtados da memória. Resgata numa espécie de vaivém os cacos de sua história de vida, anulada pela miséria afetiva a que se viu reduzida na companhia daqueles que a abrigavam.
Percebe a dureza do catre em que dormia e o descaso com que era tratada, sente a fome já esquecida. Um amálgama de sensações começa a tomar corpo, fazendo que a personagem recupere uma consciência perdida e dolorosa.
A chegada ao traiçoeiro destino é novamente um momento de rejeição. Perdidos em seu próprio egoísmo, os tais familiares oferecem "algum dinheiro" a Mocinha para que ela desapareça.
A resignação bondosa da velhinha (que se entrega ao prazer do passeio e à dor das lembranças) é a maneira que ela encontra de seguir a sua verdadeira trajetória rumo ao fim: "Então, como estava cansada, a velha encostou a cabeça no tronco da árvore e morreu".
Terminando de forma abrupta, o conto choca o leitor. Mocinha reintegra-se à natureza, sente a água molhar-lhe a pele e os cabelos, sente-se viva para que possa, enfim, morrer.
Cada momento da vida ganha relevo e significado graças a esse olhar capaz de estabelecer constante diálogo entre o mundo exterior e o interior.
 A Solução 
 Esse é um conto que fala da amizade enigmática entre duas moças, Almira e Alice. 
Almira tinha um corpo imenso, era gorda, rosto largo, amarelado, sem graça! Alice ra delicada, rosto pequeno e suave, sonhadora. Ambas eram datilógrafas. 
Havia entre as duas uma certa incompatibilidade, apesar de amigas. Almira gostava de Alice, queria sua amizade e suas confidências. Alice sempre distante, deixava-a de lado, era indiferente. Percebia a amizade de Almira, mas fingia vê-la. Gostava, no entanto, de ser o centro de atenções da outra. 
Apesar do seu jeitão, Almira era delicada com Alice e com todos. Preocupava-se com palavras erradas, expressões mal empregadas, frases amargas que ferem a sensibilidade do outro. Nessas horas, esquecia até do chocolate que trazia sempre consigo. Consertava seus erros se desculpando. 
Um dia, Alice chegou para trabalhar com os olhos bem vermelhos. Parecia ter chorado muito. Isso preocupou tanto Almira que ela insistiu para saber o que havia. Foram almoçar juntas. E o imprevisível aconteceu. Almira continuava a querer saber o que havia. Alice, então, numa explosão de raiva, humilhou Almira, chamando-a de gorda, chata, intrometida. Disse que tinha terminado com Zequinha e que Almira devia estar feliz. 
De súbito, Almira enfureceu, levantou-se e golpeou Alice com o garfo. O restaurante inteiro levantou-se, sobressaltado. Alice foi para o hospital e Almira, presa em flagrante. Havia, mesmo, algo errado naquela amizade. Almira era como um elefante que, apesar das patas grossas, tem sensibilidade. E se feriu tanto por dentro que sucumbiu. Enlouqueceu. Na prisão, encontrou companheiras que lhe davam carinho e até chocolate. Era o que buscara em Alice e não teve, atenção e amor.
Evolução de uma miopia
O narrador deste conto é um garoto que ainda não descobriu a chave de sua inteligência devido à instabilidade dos outros à sua volta. Quando ele faz uma observação que é considerada inteligente, ao repeti-la em outro momento, ele espera que ela acarrete uma reação parecida, mas não é sempre assim. O que é considerado inteligente um dia, já não é mais em outro. Que lógica há nisso?
O personagem, então, decide aceitar a instabilidade das coisas e o fato de que nunca encontrará a chave da inteligência, pois ninguém a tem.
Eis que um dia o garoto é convidado para passar um dia inteiro na casa de uma prima casada e sem filhos. Ele percebe que, neste dia, ele pode fazer a prima julgá-lo da maneira que ele quiser, pois ela não o conhece ainda. Ele pode fazer uma observação inteligente e ser considerado um menino inteligente durante o resto do dia; pode se comportar bem e ser julgado como um garoto bem-comportado; ou pode se fazer de palhaço e se passar por um o dia inteiro. E o mais importante, a maneira como a prima o julgasse não mudaria em nada a sua natureza! Irônico, não?
Contudo, quando o garoto chega na casa da prima, ela percebe que nada acontece do jeito que ele havia imaginado. O amorque ela deveria lhe dar não é como ele havia pensado, a comida não é a mesma que ele visualizou em sua mente, a própria prima era diferente, ela tinha um dente de ouro do lado esquerdo, algo com que ele definitivamente não contara. E é neste momento que o personagem chega a uma epifania:
"Nesse dia, pois, ele conheceu uma das raras formas de estabilidade: a estabilidade do desejo irrealizável. A estabilidade do ideal inatingível. Pela primeira vez, ele, que era um ser votado à moderação, pela primeira vez sentiu-se atraído pelo imoderado: atração pelo extremo impossível".
E finalmente abraçou o inesperado da vida, que a torna maravilhosa do jeito que é: cheia de possibilidades, liberdade e paixão!
A quinta história
Este conto descreve com muito humor e certa dose de suspense, experiências sobre o extermínio de baratas. Relata uma história, a de como matar baratas, em cinco versões, o que leva ao questionamento sobre as muitas formas de narrar um fato, o que incluir, o que excluir, e como um mesmo fato pode originar histórias muito diferentes. Nesse conto, encontra-se a reflexão sobre o fazer literário que acompanha os contos de Clarice Lispector.
A narradora conta que se queixou a uma vizinha de que subiam no seu apartamento as baratas que vinham do térreo. Então a vizinha lhe deu a seguinte receita para matar as baratas: misturar em partes iguais açúcar, farinha e gesso. “A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricaria o de-dentro delas”. Assim foi feito e as baratas morreram.
Contadas diversamente, cada versão dos mesmos fatos se transforma efetivamente em outra história, conforme indicam os títulos que a autora sugere: “Como matar baratas”, “O assassinato” e “Estátuas”. A quarta história não tem nome, mas insere uma mudança real: a substituição da técnica artesanal para matar baratas por recursos industriais, marcando a passagem do vício à virtude. Já a quinta história, que batiza o conto, se chamaria “Leibniz e a transcendência do amor na Polinésia”. Ao contrário da anterior, a respeito desta sabemos apenas o nome e que começa com a mesma fatídica frase – que, por sua vez, é a última do conto: “Queixei-me de baratas”.
Entre uma e outra versão do mesmo relato, encontramos uma baratinha desesperada ante a morte não apenas irremediável, mas iminente. Ela tem as antenas brancas, sujas do pó branco usado pela narradora para matar baratas, uma mistura de farinha, açúcar e gesso – "A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricaria o de dentro delas" – e grita desnorteada – "é que olhei demais para dentro de mim!".
Uma Amizade Sincera
 O narrador conheceu um colega de escola no último ano de estudo. Desde então, tornaram-se amigos inseparáveis. Quando não estavam conversando pessoalmente, falavam-se pelo telefone. A partir de certo momento, os assuntos começaram a faltar. Às vezes, marcavam encontro e, juntos, não tinham sobre o que conversar. Calados, logo se despediam e, ao chegar cada qual em sua casa, a solidão batia mais forte. A família do narrador mudou-se para S. Paulo e ele então, ficou no apartamento dos pais. O amigo morava sozinho, pois seus parentes ficaram no Piauí. A convite do outro, dividiram o mesmo apartamento. Ficaram alegres, porém instalou-se a falta de assunto. Só tinham amizade e mais nada. Tentaram organizar umas farras no apartamento, contudo a vizinhança reclamou. As férias foram angustiantes. A solidão de um ao lado do outro era incômoda demais. Quando o amigo teve uma pequena questão com a Prefeitura, o narrador fez disso pretexto para uma intensa movimentação, assumiu cuidar de toda a documentação exigida. No fim do dia os dois tinham assunto, pois exageravam as palavras no comentário de detalhes de pouca importância. Foi então que o narrador entendeu por que os namorados se presenteiam, por que marido e mulher cuidam um do outro e por que as mães multiplicam o zelo pelos filhos. É para terem oportunidade de ceder a alma um ao outro. Resolvida a questão com a Prefeitura, os dois arrumaram falsas justificativas de viajarem sós para estar com as respectivas famílias. Sabiam que nunca mais se reveriam. "Mais que isso – conclui o narrador – que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros."
Os Obedientes
Um casal viveu muitos anos juntos. Sua harmonia conjugal era aparentemente perfeita. Mas não tinham emoções. Cumpriam com perfeição a rotina, totalmente obedientes ao que se convencionou chamar de realidade de um casal, inclusive quanto à fidelidade. Nem individualmente nem em comum, faziam ou diziam algo de inconveniente. Já ultrapassada a idade de 50 anos, ambos começaram a ter alguns sonhos. Cada um pensava timidamente em seu interior sem falar: ele imaginava que muitas aventuras amorosas significariam vida; ela, que outro homem a salvaria. Certo dia, ela estava comendo uma maçã e sentiu quebrar-se um dente da frente. Olhou-se no espelho do banheiro, "viu uma cara pálida, de meia-idade, com um dente quebrado, e os próprios olhos..." Então, jogou-se pela janela. O marido continuou existindo; "seco inesperadamente o leito do rio, andava perplexo e sem perigo sobre o fundo com uma lepidez de quem vai cair de bruços mais adiante."
O CONTO - A Legião Estrangeira
Conto publicado nas obras Felicidade Clandestina e Legião Estrangeira de Clarice Lispector, começa com a personagem principal lembrando de Ofélia e de seus pais, que há muito tempo não via. A protagonista fala da família de uma forma rancorosa, o que podemos ver no seguinte trecho: “Estou tentando falar daquela família que sumiu há anos sem deixar traços em mim”.
O aparecimento de um pinto na sua casa, na véspera do natal, relembra-lhe a família, com a qual se preocupa. Seu marido e seus filhos se admiram com a situação, enquanto a protagonista compara este fato com um sentimento que vai se modificando, ou como a água que vai se transformando.
Discorre sobre a bondade e seus efeitos no coração das pessoas de sua família. Descreve que os sentimentos vão se transformando como a água, e pela falta de habilidade de sermos bons, os sentimentos são efêmeros, indo facilmente da bondade para a falta de bondade. “Daí a pouco olhamos enredados pela falta de habilidades de sermos bons, e o sentimento já era outro, da falta de bondade para tínhamos no rosto a responsabilidade de uma aspiração, o coração pesado de um amor que já não era mais livre. Passado o momento do pinto, os adultos já o tinham esquecido, mas os meninos não, ficara uma indignação. Não só indignação, mas também acusação de que nada fazíamos pelo Pinto e pela humanidade”
Dentre estas e outras reflexões que fazem a respeito daquele pinto, de si mesmos, do amor e da sua condição humana, a protagonista chega à conclusão final de que um dia, sem que ela mesma soubesse, sua família a amara.

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