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67 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Unidade II LEITURA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA 5 DIFICULDADES E POSSIBILIDADES DE SOLUÇÃO O Brasil nunca foi um país com um grande número de leitores, por diversos fatores: seu alto nível de analfabetismo; valor alto para produção em contrapartida ao baixo poder aquisitivo; falta de investimento político na cultura; e recente avanço da tecnologia, que faz com que o brasileiro tenha uma média de menos de 5 livros lidos por ano, sendo que apenas 2 são lidos por completo. Conforme dados de 2018, essa realidade colocou o Brasil na posição 59º no ranking mundial de leitura. Ainda falta um programa sério e complexo de leitura que atue no território nacional para ajudar tanto no incentivo à leitura quanto nas propostas de aulas de literatura. 5.1 Crise de leitura: problemas e dificuldades Como já dito, a década de 1980 foi o boom de estudos publicados no país sobre a leitura, em especial sobre a crise da leitura. Uma das obras lançadas nessa década foi organizada por Regina Zilberman et al. (1988) e escrita em parceria com outros estudiosos preocupados com o quadro leitor brasileiro. Segundo Zilberman et al. (1988), a crise da leitura na época levava o ensino de literatura e a própria escola a uma crise maior. Pelo fato de a escola se tornar, historicamente, a intermediadora entre o aluno e a cultura, a leitura literária apresentava‑se contraditória em seu aspecto político. De um lado, havia os interesses econômicos e ideológicos do mercado cultural, cujas noções liberais eram promulgadas pelo ensino devido ao foco, por exemplo, no livro didático, maior material de venda das editoras brasileiras. De outro, a escola passou a ser um direito inalienável reclamado por todos os segmentos da população e vinculado aos ideais de emancipação a que a leitura oferece entrada. Afinal, a leitura assegura a primazia do sujeito e de sua capacidade de racionalização sobre o todo a sua volta. Assim, a escola e a leitura se reuniram e persistiram nessa união. Cabe à escola trabalhar a leitura, desde o processo de alfabetização até a compreensão do texto, ultrapassando a noção de decodificação de letras e sílabas, e chegar às ideias centrais do texto, às inferências e às conclusões. No que diz respeito à leitura de textos literários, até os primeiros anos do século 21, as escolas brasileiras delimitavam o ensino ao vestibular e à história da literatura, além da restrição de material didático. Ou seja, um dos motivos da crise de leitura no país é o enfoque do ensino literário. A escolha de livros literários era feita no Ensino Médio de acordo com o vestibular, e os cursinhos preparatórios ofereciam material com resumo das obras. Os livros didáticos adotados nas escolas também ofereciam 68 Unidade II a história da literatura e fragmentos das obras literárias. Em geral, então, não se trabalhava o processo nem estratégias de leitura, e de maneira esporádica os alunos liam uma obra completa. Outro motivo da crise, que ainda vale hoje, era o hábito dos alunos à televisão e aos subprodutos da cultura de consumo que não possibilitava o uso da imaginação criadora, pois os hábitos perceptivos, restritos e conservadores, induziam à passividade e ao descarte de trabalho, que implicava um esforço maior de crítica ou que significava vencer as dificuldades leitoras. Observação Quanto mais o aluno (leitor em geral) se acostuma com um tipo apenas de texto, de linguagem, de autor, mais a leitura é inconsciente e automatizada. Assim, se o leitor se depara com um texto literário mais complexo, é obrigado a sair de sua zona cognitiva confortável e encarar os desafios da leitura, os quais se tornam difíceis. Os alunos, sem um processo contínuo de leitura literária, têm dificuldade em compreender o conteúdo textual, uma vez que o texto literário traz ambiguidades e aberturas para diferentes interpretações. O ensino voltado à história da literatura, por sua vez, não prepara o aluno para a leitura efetiva das obras mencionadas. O aluno fica mais preocupado com datas e nomes de autores e seus respectivos títulos e com as características de cada estilo literário do que com a leitura das obras em si. Além desses problemas internos escolares, havia (e há) uma questão social: a desvalorização da arte. O lazer (de uma leitura) e o prazer estético (advindo da mesma leitura) não são considerados úteis, são perda de tempo, não trazem capital nem lucro. Em um contexto social menor – a família –, igualmente podemos encontrar essa desvalorização ou falta de uma cultura literária. Muitas famílias brasileiras não incentivam a leitura literária dos jovens por vários motivos, desde a sua própria educação escolar deficiente até a falta de condições econômicas para aquisição de bens culturais. Sírio Possenti (1994), notório linguista, em obra posterior, indica‑nos as “pragas da leitura”. Trata‑se de uma expressão com dois sentidos: aquelas que afetam a leitura e aquelas que a leitura provoca. Quadro 3 – Pragas da leitura Pragas Características 1ª praga Pessoas que gostam de ler são consideradas anormais e perigosas 2ª praga Argumentação de que para ler é preciso espaço especial para passar a ideia de que ler não é trabalhar, não é estudar 3ª praga Os que leem são considerados desmancha‑prazeres, pois fazem perguntas e não conseguem disfarçar certo amargor e pessimismo 69 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Pragas Características 4ª praga As pragas da leitura são os ruídos e a televisão 5ª praga É praga pensar que há livro adequado à idade e ao sexo, pois esses livros “adequados” geralmente são ruins 6ª praga Linguagem infantilizada de determinadas obras destinadas ao público leitor infantojuvenil 7ª praga Livros didáticos que não levam a perguntas e dúvidas, mas apenas a respostas 8ª praga Censura na seleção de uma obra literária com base em critérios morais ou falso moralismo no contexto escolar 9ª praga Leitura uniforme para todos do mesmo ano escolar no mesmo país 10ª praga Qualquer livro serve, isentando o leitor do esforço de aprender e comparar 11ª praga Falta de quantidade e qualidade na leitura 12ª praga Professor que não lê. Ele não sabe o que está perdendo e, portanto, não tem por que criar oportunidade para que outros leiam Possenti (1994) nos alerta para determinados problemas, sendo um deles a própria prática pedagógica: ausência de conhecimento sobre leitura por parte do professor, que recorre a livro didático como única ferramenta de trabalho; o próprio livro didático, que fragmenta obras literárias e as “engessa” a determinadas atividades; a falta de qualidade em nossas leituras ou a falta da leitura. Esse quadro leitor das escolas brasileiras leva à procura de soluções a partir da década de 1990, como apontamos no tópico a seguir. Contudo, não significa que as propostas de solução acabaram com os problemas de leitura. Atualmente, ainda restam os seguintes problemas: • Sociais: desigualdades socioeconômicas de acesso a livros e à educação em geral. • Culturais: sociedade basicamente oral, com rica cultura oral, mas ainda sem acesso igualitário à cultura letrada. • Educacionais: implementação ainda deficitária e desigual de propostas de ensino‑aprendizagem de leitura no território brasileiro. • Políticos: falta continuidade compromissada e igualitária do programa de erradicação do analfabetismo no país, incentivo à leitura, formação de professores para conhecer e saber trabalhar leitura (teorias, processos e estratégias de leitura), fomento para mediação de leitura (biblioteca, valorização de outros grupos sociais como mediadores etc.). Leia o texto publicado no site do Senado brasileiro: 70 Unidade II Destaque Erradicação do analfabetismo O analfabetismo e suas consequências para o desenvolvimento dos cidadãos e do país é o tema principal do Programa Educação Federal desta semana, transmitido pela Rádio Senado na segunda‑feira (13), às 21h, com produção e apresentaçãode Floriano Filho. “O Brasil precisa acelerar urgentemente as políticas públicas para erradicar o analfabetismo que ainda acorrenta milhões de brasileiros e elevar a escolaridade de outros tantos milhões. Caso contrário, continuaremos atrasados no contexto internacional”, afirmou Floriano Filho. O Dia Mundial da Alfabetização foi 08 de setembro. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) criou a data para relembrar e debater a importância da alfabetização para o desenvolvimento econômico e social do mundo. No caso do Brasil, existe pouco a comemorar quanto à erradicação do analfabetismo. Mais de 11 milhões de brasileiros acima dos 15 anos de idade não entendem nada do que dizem as palavras escritas. O país vem dando passos vagarosos para amenizar estatísticas tão desalentadoras. Em 2020, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a pesquisa nacional por amostras de domicílios (PNAD Contínua 2019). A taxa de analfabetismo no Brasil, que era de 6,8% em 2018, passou para 6,6% em 2019. O ritmo lento atrasa o cumprimento de metas estabelecidas na lei de 2014 que criou o Plano Nacional de Educação. Só em 2019, quatro após a aprovação do Plano, a taxa nacional conseguiu ficar próxima da meta de 2015. As profundas desigualdades de renda familiar, faixa etária, raça e até localização geográfica puxam para baixo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Ainda é maior o número de analfabetos funcionais, que até conseguem ler e escrever mas são incapazes de interpretar o que leem e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas. Normalmente têm menos de 4 anos de estudos e calcula‑se que sejam em torno de 30 milhões de pessoas no Brasil. A pesquisadora de Indicadores Sociais do IBGE, Betina Fresneda, destaca que houve alguns pequenos avanços em relação a anos anteriores, mas que a situação é ainda delicada. 71 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR “O preocupante é que essa desigualdade entre grupos de diferentes características de renda, cor ou raça e região de residência permanecem significativas”, disse Betina. A pesquisadora destaca que a inclusão das novas gerações na escola com a universalização do Ensino Fundamental no Brasil só ocorreu na década de 1990. O processo beneficia os mais jovens, em idade escolar, mas os adultos e idosos permanecem desassistidos. “O principal desafio é garantir a permanência das pessoas que já ingressaram (na escola) e a qualidade do ensino também, para que essas pessoas consigam atingir pelo menos a educação básica obrigatória e saiam desse processo de analfabetismo funcional, que é extremamente grave”, declarou a pesquisadora. Disponível em: https://cutt.ly/yM7UsL6. Acesso em: 23 nov. 2022. Antes de tratar das estratégias metacognitivas, aquelas conscientes e monitoradas pelo leitor, e antes de formar leitores proficientes, o país precisa fazer o básico, que é alfabetizar e criar, primeiro, leitores decodificadores de letras e sílabas. Exemplo de aplicação Anote dois problemas (ou dificuldades) referentes à leitura que você teve ou presenciou durante seu ensino básico. Depois, indique um problema que você vive ou presencia também sobre leitura, agora, na atualidade. Tais problemas são pessoais ou socioeducacionais brasileiros? Comentário Vamos imaginar que um dos problemas que você teve ou presenciou, por exemplo, na infância (fundamental I), fosse sobre a criança preferir brincar (correr, jogar bola, brincar de boneca...) a ler um texto literário, temos um “problema” lúdico, e o professor e a família podem “resolver” ao transformar as leituras também em um jogo. No entanto, se a criança prefere brincar a ler porque lê muito devagar (ainda letra por letra ou sílaba por sílaba), quando já era para estar alfabetizada, temos um problema que precisa ser resolvido pelo professor por meio do seu conhecimento sobre o processo de leitura. Vamos imaginar que o problema seja a falta de acesso a bens culturais, como uma biblioteca, que não existe na comunidade ou que fica muito distante, temos um problema social que não é individual (do aluno nem do professor), mas coletivo (da comunidade) e político (pelo descaso do governo municipal, por exemplo). São diversas possibilidades de problemas/dificuldades, assim como de causas. Nosso papel (professor) é distingui‑los e refletir sobre eles em busca de solução. 72 Unidade II 5.2 Propostas oficiais educacionais Os anos 1980 foram descritos como perdidos no que tange às conquistas referentes ao orçamento destinado à educação, com elevação dos índices de analfabetismo, baixo rendimento acadêmico e analfabetismo cultural. Em março de 1990, em Jomtien, Tailândia, a Declaração Mundial sobre Educação para Todos foi assinada com o propósito de instrumentalizar a aprendizagem (leitura, escrita, expressão oral, resolução de problemas) e ofertar ensino de conteúdos básicos (conhecimentos teóricos e práticos, valores e atitudes). Como decorrência, no Brasil, houve a reforma educacional com a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1994 e a produção de cadernos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a partir de 1996. As escolas receberam do MEC os PCN, que são documentos minuciosos contendo diretrizes básicas para as modificações curriculares condizentes com as tendências da época. São fruto do trabalho de uma equipe multidisciplinar que submeteu esse documento à discussão nacional para o recebimento de sugestões, modificações e adaptações. Segundo os PCN da Língua Portuguesa (BRASIL, 1997, p. 69): A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata‑se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas. Conseguimos perceber o conhecimento teórico dos autores do PCN sobre leitura. A proposta de ensino de leitura exige, portanto, um tratamento não aleatório de ensino, mas com base em conhecimento na ciência da leitura. Essa proposta modifica extremamente o ensino de literatura nas escolas. Até então, o ensino literário era formalizado apenas no Ensino Médio, com os seguintes procedimentos: adoção de livro didático, dividido em interpretação de texto, um estilo literário, gramática e proposta de redação; o conteúdo de literatura tinha enfoque na história da literatura portuguesa e brasileira: suas escolas literárias, estilos de cada época, características estilísticas, lista de principais autores e obras, poemas e fragmentos de texto em prosa. As leituras completas de obras literárias podiam ou não ocorrer. A proposta atual desloca a literatura para o ensino de leitura. A história da literatura fica em segundo plano no Ensino Médio e o texto literário em si assume o centro do ensino tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, porém sua abordagem deve ser com base nas estratégias de leitura. Por isso, tornou‑se essencial o conhecimento do professor sobre a ciência da leitura. 73 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Em aplicação dessa proposta em sala de aula, Silva (2000) trabalhou com turmas do terceiro ano do Ensino Médio. O trabalho de leitura foi realizado em uma escola pública da zona Norte da cidade de São Paulo (SP), com três turmas do período noturno, totalizando 97 alunos. Eles leram o conto “Apólogo brasileiro sem véu de alegoria”, de Antônio de Alcântara Machado. O processo de leitura consistiu de três etapas. 1ª etapa: Consiste em questionário com dados pessoais(idade, local de nascimento e atividade profissional) e sobre as facilidades e dificuldades em cada disciplina (Língua Portuguesa, História, Física etc.) tanto durante do Ensino Fundamental quanto durante o Ensino Médio. Essa etapa serviu para montar um quadro de dificuldade do aluno em cada disciplina. 2ª etapa: Consiste em questionário sobre o perfil leitor do aluno: • leituras regulares (jornais, revistas, HQ etc.); • medição feita pelo aluno sobre seu próprio desempenho em cada leitura regular indicada anteriormente; • indicação feita pelo aluno de textos usados pelos professores (do aluno informante), tais como obras completas, capítulos de livros, manuais didáticos etc.; • indicação de procedimentos durante a leitura (sublinhar o texto, fazer esquema, fazer anotação...); • indicação das dificuldades na leitura (parágrafos longos, construções sintáticas invertidas, desconhecimento do assunto, entre outras); • atribuição de valor aos atributos do bom leitor (ler muito, ler sempre com atenção palavra por palavra, ir e voltar no texto durante a leitura, sondar previamente o texto etc.). Essa etapa serviu para conhecer os interesses de leitura do aluno, seu julgamento sobre seu desempenho e suas considerações sobre o que seja um bom leitor. 3ª etapa: Leitura do conto selecionado e aplicação de questionário sobre a realização da leitura: se leu de uma vez só, se parou a leitura, voltou e prosseguiu, se grifou em ponto que causou interesse, se imaginou como terminaria a história etc.; dificuldade em vocabulário, se adivinhou pelo contexto ou ignorou e seguiu a leitura. O aluno também indicou pontos‑chave do texto e fez resumo. Essa etapa verificou a prática do aluno como leitor e estratégias usadas por ele durante a leitura. 74 Unidade II Não nos interessam aqui os resultados da primeira etapa, exceto o fator idade dos alunos. A faixa etária esperada para o 3º ano do Ensino Médio era de 17/18 anos, uma vez que tais alunos‑informantes não fizeram parte da adoção de ciclo escolar, em que não há reprovação, nem fizeram parte do ensino de 9 anos do Ensino Fundamental, ou seja, a faixa etária para quem chega atualmente ao último ano do Ensino Médio pode ser abaixo de 17 anos. No caso dos informantes, apenas 18,5% dos alunos tinham 17 anos e 25,7% tinham 18 anos, totalizando 44,2%. Um pouco mais de 50% ultrapassavam a faixa etária correspondente de ano escolar, variando de 19 a 26 anos. Esse resultado mostra que houve desistência escolar em algum momento na vida do aluno ou que foi reprovado mais de uma vez. Diante desse resultado, não é surpreendente que 44% dos alunos trabalhavam, atuando em áreas que exigiam especialidade, tais como auxiliar ou ajudante, office‑boy, vendedor. Esses dados são significativos para nós, hoje, ao nos ajudar a compor, minimamente, o quadro social e educativo da época. A segunda etapa, por sua vez, interessa‑nos mais por abordar o processo metacognitivo dos alunos. Lembrete São duas grandes estratégias de leitura: a cognitiva e a metacognitiva. Enquanto aquela ativa os conhecimentos da memória a longo prazo de maneira inconsciente e automatizada, esta, por sua vez, envolve processo consciente de ativação de conhecimento para entender um texto lido. A consciência de sua apreciação ou não pela leitura, sua autoavaliação como leitor e suas estratégias durante a leitura. Essa etapa oferece condições também para conhecer quais os tipos de leitura regulares e apreciados pelos alunos. Não podemos nos esquecer de que eles viviam ainda uma realidade com pouco ou nenhum contato com o mundo digital e, por isso, as leituras eram as impressas. As mais regulares foram de jornal (87%) e revista (59%). Kleiman (1993) define jornal como fonte de informação e de novidade, implicando uma seleção de texto interessante mediante a leitura da manchete e do resumo. Implica também, no mínimo, duas estratégias de leitura: a ativação de conhecimento de mundo e a previsão. Além disso, o texto jornalístico é argumentativo, pois o autor assume uma opinião sobre o fato. Essa leitura regular – do jornal – pode ajudar a leitura literária, se o professor conseguir levar o aluno a fazer a ponte entre texto jornalístico e texto literário. Afinal, em relação à leitura literária, o resultado chegou a 27% do total de alunos. Apesar de as aulas de literatura serem oficiais e formalizadas desde o 1º ano do Ensino Médio, ou seja, o aluno já estava no seu terceiro ano de aula literária, o que revela que o índice de leitores literários é baixíssimo. Confirmou‑se que a estrutura educacional não conseguia despertar leitores literários, e que, provavelmente, muitos alunos concluíam o curso básico sem ter lido um livro de literatura. 75 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR As outras leituras indicadas foram HQ, Bíblia, folhetos, cartas, livros didáticos, cartaz informativo e outros não especificados. Exceto pelo livro didático e um ou outro informativo escolar, as outras leituras ocorriam fora da escola. Essa discrepância já tinha sido apontada pelos estudiosos na década de 1980. Os alunos leem menos na escola e mais nos lugares públicos, como jornais e panfletos, em fila de ônibus. Os alunos informantes identificaram as dificuldades na leitura, sendo elas: • desconhecimento do assunto (53%); • vocabulário técnico (44%); • construções invertidas (27,8%); • parágrafos muito longos (24,7%); • palavras desconhecidas (5%). Os teóricos sobre leitura dizem que uma das estruturas cognitivas do leitor é o conhecimento de mundo, que pode ser estimulado com atividades específicas por parte do professor. Entre os atributos de um bom leitor, ler o texto até o fim, ir e voltar durante a leitura e fazer sondagem prévia foram os atributos menos valorizados pelos alunos. Ler o texto até o fim implica um tipo de texto que permite uma leitura mais fluida para o leitor. Em relação à ida e volta no texto, durante a leitura, os olhos fazem dois tipos de movimento: o progressivo, quando continuam a leitura, e o regressivo, quando retrocedem na leitura. O texto mais difícil exige mais o movimento regressivo. Por fim, a sondagem prévia, feita pelo leitor, é a partir do título, da ilustração e de outras pistas, e ela ativa os conhecimentos prévios do leitor sobre o tema, os tipos de estrutura textual e o que esperar de cada gênero textual. Os passos finais da terceira etapa envolveram a transcrição de três frases informativas básicas, a escolha de cinco palavras‑chave e o resumo do conto. Eles fazem parte do macroprocesso do texto, que serve para a compreensão global. A compreensão do texto lido resultou em: • compreenderam o texto (53%); • não compreenderam (31%); • não responderam (16%). Em relação aos alunos que não compreenderam o texto, “Apólogo brasileiro sem véu de alegoria”, de Antônio de Alcântara Machado, fizeram interpretações equivocadas como: • “Um trenzinho indo para Manguari, com um monte de presos para a cadeia e com ela não se brinca.” 76 Unidade II • “Um meio de transporte para o pessoal do matadouro até Belém, o mesmo sem luz, sem visibilidade, e graças ao fósforo dos cigarros que iluminavam alguns instantes etc.” • “O trem misterioso”. • “Um trem misterioso que recebeu um pessoal do matadouro e tocou para Belém.” • “O texto trata sobre uma viagem de trem, não acendia as luzes dos vagões, e o culpado foi um cego.” Faltou a esses alunos uma releitura, talvez a aplicação da estratégia de leitura compartilhada, a qual indica Solé (1998). Assim, esses alunos poderiam compreender as palavras metafóricas, como “luz”. Isso, no entanto, não impediu esses mesmos alunos de compreenderam a ironia (um cego brigando por luz), como neste resumo: “Uma revolta dos passageiros do trem que se indignaram porque não havia luz. O interessante foi que quem começou essa rebelião foi um cego”. Os documentos oficiais principais sobre ensino de literatura no Ensino Médio são os Parâmetros Curriculares Nacionais para oEnsino Médio (PCNEM), de 2000, e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), de 2006. Neles, o deslocamento da literatura para aulas de leitura continua. Observação Nos primeiros anos dos PCN, as escolas públicas e privadas de São Paulo criaram salas de leitura e, em geral, os professores de Língua Portuguesa levavam seus alunos a essas salas para leitura de texto literário. No entanto, o deslocamento da literatura para ensino de leitura não significa um ambiente diferente de aula; significa abordar o texto literário pela perspectiva dos processos e estratégias da leitura. Em 2018, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em que o ensino da literatura é complementado pela dimensão de saberes das novas demandas das culturas das mídias e digitais. Além disso, esse documento lista um número muito grande de gêneros textuais e práticas de linguagem (relação da literatura com outras linguagens), como verificamos no trecho a seguir. Participar de eventos (saraus, competições orais, audições, mostras, festivais, feiras culturais e literárias, rodas e clubes de leitura, cooperativas culturais, jograis, repentes, slams etc.), inclusive para socializar obras da própria autoria (poemas, contos e suas variedades, roteiros e microrroteiros, videominutos, playlists comentadas de música etc.) e/ou interpretar obras de outros, inserindo‑se nas diferentes práticas culturais de seu tempo. Analisar relações intertextuais e interdiscursivas entre obras de diferentes autores e gêneros literários de um mesmo momento histórico e de momentos 77 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR históricos diversos, explorando os modos como a literatura e as artes em geral se constituem, dialogam e se retroalimentam. Selecionar obras do repertório artístico‑literário contemporâneo à disposição segundo suas predileções, de modo a constituir um acervo pessoal e dele se apropriar para se inserir e intervir com autonomia e criticidade no meio cultural (BRASIL, 2018, p. 525). Devido a essas diretrizes sobre o ensino literário voltarem‑se também para outras linguagens, tratamos do letramento literário a seguir. Saiba mais Os estudiosos Fabio A. Durão e André Cechinel afirmam que o ensino de literatura passa por uma grave crise. Para eles, a BNCC deixa em segundo plano o texto literário em detrimento, por exemplo, de textos digitais. Os autores, então, oferecem uma alternativa de ensino para haver a experiência da leitura literária. DURÃO, F. A.; CECHINEL, A. Ensinando literatura: a sala de aula como acontecimento. São Paulo: Parábola, 2022. 6 LETRAMENTO LITERÁRIO 6.1 Noção de letramento O conceito de letramento passou a ser muito divulgado no Brasil, nas pesquisas da área de educação, e deixou de lado o contraste entre pessoas que sabem e que não sabem ler. Em outras palavras, passou a haver diferença entre alfabetização e letramento. O letramento leva em consideração a relação (e o grau de intimidade) do leitor com materiais de escrita e de leitura, e é bom deixar claro que o letramento está em nosso dia a dia. Nada mais é do que parte de nossa necessidade diária de ação pela linguagem, especialmente de ler e escrever. Quando alguém sabe ler, mas não consegue compreender nem sequer textos curtos, essa pessoa pode ser alfabetizada, mas tem um nível de letramento muito baixo. Esse nível pode aumentar à medida que o indivíduo aprende a lidar com mais e diferentes materiais de leitura e de escrita. Quanto mais textos alguém é capaz de ler e entender, mais letrado é. Assim também funciona com a escrita. Quanto mais material escrito alguém é capaz de produzir, mais letramento tem. Não adianta produzir apenas em quantidade. É preciso ampliar o leque de possibilidades, ou seja, ler muitos gêneros textuais diferentes e saber o que fazer com eles. 78 Unidade II Em um país excludente e desigual, tão carente de transformações positivas, é difícil para o leitor compreender o jornal, o manual do aparelho eletrodoméstico, as leis de trânsito, o livro indicado pelo professor. Enfim, é difícil adentrar uma cultura centralizada na escrita. Diante do exposto, podemos avaliar a preocupação com a construção do sentido do texto, com os procedimentos envolvidos nessa construção, com as estratégias acionadas no processo de leitura. O leitor letrado busca compreender os mecanismos de constituição do sentido do texto. Lembrete Segundo Solé (1998), para uma pessoa se envolver em qualquer atividade de leitura, é necessário que ela sinta que é capaz de ler, de compreender o texto, tanto de forma autônoma, como apoiada em leitores mais experientes. 6.2 Letramento digital Ao abordar o tema leitura, fazemos uma ligação quase imediata com livros e textos escritos. O que não percebemos é que existe um longo processo que se dá inconscientemente antes de chegarmos à leitura propriamente dita, ou seja, à compreensão dos signos ali impressos. Ao escolher um livro para ler, a pessoa passa por várias etapas para a seleção, como temas de sua preferência, autores, indicações, enfim, inúmeros quesitos. Uma dessas etapas dá‑se pelo nível sensorial, isto é, há o envolvimento dos cinco sentidos nessa escolha, desde o visual até o olfativo. O leitor, ao escolher um livro, deixa‑se influenciar pelas cores, pelas figuras, pelo formato, textura, e, como afirma Martins (1997, p. 42), “antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura, volume, cheiro. Pode‑se até ouvi‑lo se folhearmos suas páginas. Para muitos adultos e especialmente crianças não alfabetizadas essa é a leitura que conta”. São essas sensações que vão instigá‑lo para então decodificar as palavras. São as sensações que vão introduzir o leitor nesse mundo até então desconhecido, o mundo da leitura. Atualmente, graças ao avanço tecnológico, houve uma mudança na linguagem e na comunicação. Não é necessário ir muito atrás no tempo para perceber que hoje não nos comunicamos da mesma forma que as pessoas se comunicavam há 10 anos e também não usamos mais a mesma linguagem usada até então. Com o advento da tecnologia, mandamos mensagens instantaneamente, fazemos reuniões através de transmissões de vídeo ao vivo com pessoas distantes e, acima de tudo, temos acesso a uma enorme quantidade de informações provenientes de todas as partes do mundo. Ou seja, estamos conectados a todo o momento, e é quase impossível nos relacionarmos hoje sem o uso de tecnologias. Da mesma forma, ao pensar em leitura, não há como desassociá‑la do uso da tecnologia e dos suportes tecnológicos a nossa volta, como tablets, smartphones, leitores digitais, laptops, a televisão e toda a facilidade que eles oferecem. Esses objetos viraram uma extensão dos seres humanos, e os 79 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR professores precisam usar de todas as armas possíveis para chegar aos seus alunos, e incorporar o uso de multimídia é uma delas. A leitura não é mais compreendida como a simples decodificação do signo linguístico, mas também influenciada por imagens, sons, e podemos ampliar nossa relação com o texto, através dos sentidos, como afirmam Flexor, Bitencourt e Rocha (2011, p. 2): Esta conformação estabelece orientações para o design de interação que vão além do simples passar de páginas do objeto livro, servindo agora para inserção de dados, definição de trajetos da narrativa, acionamento de sons e animações, enfim, estabelece novos padrões na relação de leitura e mesmo na organização da matéria livresca. Esses novos suportes para leitura também ampliaram as formas de experimentar o ato de ler. Ao desenvolvermos uma proposta que foca principalmente no nível sensorial do aluno, precisamos levar em conta a sociedade em que estamos incluídos hoje, ou seja, uma sociedade imagética. Numa geração que se comunica através de emojis, memes, gifs e selfies, não podemos desvincular o uso da imagem na hora de envolvê‑los no mundo da leitura e de desenvolver atividades em classe. Tambémnão podemos ignorar o espaço que a internet e a tecnologia vêm ganhando nos últimos anos. Nesse novo momento em que a sociedade vive, não podemos desvincular as práticas pedagógicas dos suportes midiáticos e tecnológicos. Lidamos com alunos que vivem rodeados por tecnologia no dia a dia, pois são indivíduos que já nasceram inseridos nessa configuração da sociedade. A partir dessas ideias de sociedade imagética vinculada com a sociedade tecnológica, uma nova forma de narrativa que vem ganhando espaço, ainda no âmbito da tecnologia, são as poesias digitais (ou ciberpoesia). A produção literária está saindo do seu suporte comum, o livro impresso, e se transportando para novos suportes como a internet. Essa nova narrativa, a poesia digital, é caracterizada por ser hipertextual, hipermidiática, não linear e interativa e conversa com outras formas de arte como pintura, música e cinema, tornando‑as híbridas. Ela se dá devido à revolução tecnológica das últimas décadas, pois ocorre através dos meios digitais, e é essa mudança de suporte que vai diferenciá‑las das poesias impressas. A poesia digital, por sua vez, é de fato uma criação no ciberespaço e só é possível sua concretização nesse espaço. A poesia digital classifica‑se, segundo Antonio (2010, p. 41), como: um tipo de poesia contemporânea – formada de palavras, formas gráficas, imagens, grafismos, sons, elementos esses animados ou não, na maior parte das vezes interativos, hipertextuais e/ou hipermidiáticos e constituem um texto eletrônico, um hipertexto e/ou uma hipermídia. Ela existe no espaço simbólico do computador (internet e rede), tendo como forma de comunicação poética os meios eletrônico‑digitais que se vinculam a esses componentes. De um modo geral, ela só existe nesse meio e só se expressa, em sua plenitude, por meio dele. 80 Unidade II Devido a essa transformação nos hábitos diários por causa da tecnologia e da internet, as formas de produção de arte também tiveram de se reorganizar para incluir esses novos meios de interação, pois é nesse novo ambiente, o ciberespaço, que as experiências sociais são compartilhadas. Saímos do real e passamos para o virtual, abrimo‑nos para novos horizontes, novos conhecimentos, descobrimos novas culturas e novas formas de produção artística. Além disso, ao transportarmo‑la do âmbito físico para o digital, tornamos a poesia muito mais atrativa do que no suporte original, o papel, e conseguimos abranger um público muito maior devido à maior difusão que ocorre no ciberespaço. Saiba mais Um ótimo exemplo de poesia digital é do português Antero de Alda. No site do autor, em especial no link “Scriptpoemas”, formado por quadros. Cada quadro é, na verdade, uma poesia que se abre quando o leitor usa o cursor sobre a imagem. Cada poesia tem recursos da multimídia, incluindo imagem, som e grau diferente de interatividade. Disponível em: bit.ly/3Hzn4Sy. Acesso em: 14 dez. 2022. O mundo digital traz inúmeras possibilidades para a comunicação através da escrita e da leitura; o texto, antes linear, na rede, se torna hipertexto, com seus emaranhados repletos de links que levam a outros (hiper)textos, e se torna multimidiático e multimodal, ampliando possibilidades de escritas e leituras diversificadas. 7 MEDIAÇÃO NA LEITURA A mediação na leitura tornou‑se um objeto relevante de estudo desde, principalmente, o início do século 21. O número de pesquisas e propostas é bastante substancial: há livros de autoria diversa; artigos científicos; comunicação em congressos (inter)nacionais; pesquisas de campo e/ou propostas de mediação. À escola, ou melhor, aos professores, cabe ainda massivamente o papel de mediador na leitura. No entanto, existem outras instituições e profissionais que servem de mediadores. 7.1 Mediação pedagógica O trabalho pedagógico visa possibilitar ao aluno um contexto com diferentes contextos da linguagem, orais e escritos. O papel do professor é o de mediador na leitura, levando o aluno a questionar, sugerir, refutar etc. 81 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Apresentamos, a seguir, proposta de leitura literária da obra O pequeno príncipe, de Antoine Saint‑Exupéry. A mediação do professor é essencial para essa proposta e, com base nas estratégias da leitura, ele pode trabalhá‑las antes, durante e depois da leitura. Antes de iniciar a atividade, o professor deve fazer uma agenda com a programação do que será feito nessas aulas de leitura, e esta deve ser colocada na sala de aula, à vista de todos os alunos. Ainda no capítulo I, encontra‑se o seguinte trecho: “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças – mas poucas se lembram disso” (SAINT‑EXUPÉRY, 2015, p. 7). Sobre o trecho, o professor pode questionar: • O que vocês entendem dessa frase? • Vocês acreditam que seus pais e familiares se encaixam nessa definição? • Como vocês tratam os alunos de classes mais novas? Vocês os tratam de igual para igual ou acham que são infantis demais? As respostas podem variar de acordo com opinião, nível de senso crítico e vivência de cada aluno. De toda forma, todas essas questões visam fazer a relação entre texto e leitor. Além disso, estimula os alunos a envolverem‑se com a leitura e darem suas opiniões, de modo que o professor possa conhecê‑los. O segundo capítulo mostra o Viajante encontrando o Pequeno Príncipe pela primeira vez. Várias dúvidas cercam o Viajante sobre esse encontro e o professor pode aproveitar essa confusão para discutir com os alunos. • Quem é esse menino? • O que acham que ele está fazendo no meio do deserto? • Onde será que mora? • O que fariam no lugar do Viajante? No terceiro capítulo o Pequeno Príncipe deixa implícito que vem de outro planeta. Levei algum tempo para entender de onde ele viera. O principezinho, que me fazia milhares de perguntas, parecia nunca escutar as minhas. Palavras pronunciadas ao acaso é que foram, pouco a pouco, revelando sua história. Assim, quando viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhá‑lo aqui, pois acho muito complicado), perguntou‑me: 82 Unidade II – Que coisa é aquela? – Não, é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião. Eu estava orgulhoso de lhe dizer que eu voava. Então ele perguntou, meio assustado: – Como? Tu caíste do céu? – Sim – respondi humildemente. – Ah! Isso é engraçado! E o pequeno príncipe deu uma bela risada, que me irritou profundamente. Gosto que levem a sério as minhas desgraças. Em seguida acrescentou: Então tu também vens do céu! De que planeta tu és? Vislumbrei um clarão no mistério da sua origem (SAINT‑EXUPÉRY, 2015, p. 15‑16). Sobre essa descoberta, o professor pode fazer as seguintes perguntas aos alunos: • O que fariam se encontrassem alguém de outro planeta? • Vocês acreditam em alienígenas? Para os que acreditam: • Essa é a aparência que vocês imaginam que um alienígena teria? • Vocês correriam do alienígena ou falariam com ele? • Vocês acreditam que alienígenas falam o nosso idioma? Por quê? • O Pequeno Príncipe diz que o avião do Viajante não o deixaria ir muito longe. Existem inúmeras pesquisas sobre tecnologia alienígena. Vocês acreditam que alienígenas sejam mais avançados que nós? Para os que não acreditam: • Por que não acreditam em alienígenas? 83 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR O professor, ao fazer algumas perguntas, incentiva os alunos a pensar sobre o que leram, criar hipóteses e discuti‑las com os colegas de sala. No capítulo X, o Pequeno Príncipe visita um planeta habitado por um rei que reina sobre ninguém. A seguir, estão alguns exemplos de questões que podem ser feitas sobre isso: • O que a frase “para os reis, o mundo é muito mais simples. Todos os homens são súditos” (SAINT‑EXUPÉRY, 2015, p. 37) quer dizer? • O rei, no desespero de se sentir obedecido, ordena todo o tipo de coisa absurda, desde um bocejo até uma pergunta. O que isso mostra sobre ele? • Quando o principezinho se recusa a ser ministro da justiça por não haver no planeta ninguéma ser julgado, o rei diz: “Tu julgarás a ti mesmo. [...] É o mais difícil. É bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros. Se consegues fazer um bom julgamento de ti, és um verdadeiro sábio” (SAINT‑EXUPÉRY, 2015, p. 41). O que isso quer dizer? As questões anteriores puxam certas ideias que ficam implícitas. O capítulo XX narra o encontro do principezinho com rosas iguais à que ele possui em seu planeta. Para ele é motivo de tristeza pensar que se julgava especial por possuir uma flor única e descobrir que havia várias outras em um só jardim. No capítulo XXI, o Pequeno Príncipe encontra uma raposa que o ensina que quando um indivíduo cativa outro, ambos serão únicos um para o outro. Sobre “cativar” o professor pode fazer os seguintes questionamentos aos alunos: • Para vocês o que quer dizer cativar? • A raposa, ao convidar o principezinho para cativá‑la, diz que eles precisam se ver sempre no mesmo horário, pois ritos são necessários. Pensando no dia a dia de vocês, se vocês tivessem de cativar ou ser cativados por alguém, em que momento ou lugar isso aconteceria? • Aqui na escola, quem vocês cativaram? Quem vocês transformaram em um amigo? • O que a raposa quis dizer com “o essencial é invisível aos olhos?”. Para essas questões, inúmeras respostas são possíveis. Para a segunda questão, os alunos podem pensar na escola, em algum curso que fazem, na vizinhança, inúmeros ambientes. Caso eles não se aproximem da resposta “escola”, o professor pode fazer comentários ou questões que os direcionem para esse raciocínio, pois é importante chegar a essa ideia para a continuidade da aula. Depois de feita a leitura e interpretação de cada capítulo, finalizada a obra, o professor deve abrir espaço para comentários, elogios e críticas sobre ela. Deve perguntar se todos gostaram ou se não. Para quem gostou, o porquê de gostar, e o mesmo vale para aqueles que responderem que não 84 Unidade II gostaram. O mais importante: perguntar se aprenderam algo novo com o livro, se acreditam que a história mudou algo na vida deles, um modo de pensar sobre algo, se surgiu uma ideia nova. Pode perguntar se eles gostariam que alguma outra história fosse trabalhada, afinal, esse roteiro de aula pode ser trabalhado com inúmeros livros diferentes. Além de perguntas sobre o livro, o professor pode questioná‑los sobre o contato dos alunos com os colegas de classe, se eles cativaram alguém, se eles se sentem cativados, se fizeram novos amigos, se conheceram melhor algum colega. Também é importante o professor deixar claro para os alunos o fato de que o foco não era apenas a história, mas o que se poderia extrair dela. Que eles precisam ver os livros além das palavras, questionar cada frase, tentar produzir novos sentidos, interpretar tudo de mil maneiras diferentes e sempre procurar algum aprendizado nos livros que lerem. O professor também pode falar da sua intenção, ao utilizar a obra, de aproximar o livro da vida deles, bem como fazer relação entre outros textos e com o mundo em geral. Terminada essa reflexão com os alunos, o professor poderá encerrar a aula e avisar aos alunos que na aula seguinte eles irão para a sala de vídeo, pois será passado um filme baseado na obra, e assim eles fecharão o ciclo de atividades. Se os livros ficarem na escola, na aula seguinte ele deverá prepará‑los porque poderão ser usados. Se os livros ficarem com os alunos, o professor deverá pedir que eles os levem para a sala de vídeo na semana seguinte. Enfim, o professor estabelece um quadro de atividades. Quadro 4 Aula 1 Atividade 1: (Leitura) Será feito um círculo em sala de aula, onde os alunos conhecerão o livro usado em futuras aulas Atividade 2: (Texto‑leitor, debate) Perguntas em sala de aula para conhecer melhor os alunos Atividade 3: (Texto‑leitor, desenho) O aluno deverá fazer um desenho, utilizando algo que chamou sua atenção durante a leitura Aula 2 Atividade 1: (Leitura) Será repetido o processo da primeira aula, continuando do ponto em que havia terminado a aula passada Atividade 2: (Texto‑leitor, debate) Novamente, os alunos serão questionados, mas dessa vez as perguntas envolvem seus colegas e um pouco mais de sua vida social Atividade 3: (Texto‑leitor, desenho) Os alunos repetirão o processo de fazer um desenho em casa, porém com um novo tema, os alunos deverão desenhar uma pessoa de quem eles sentem falta Aula 3 Atividade 1: (Texto‑leitor, leitura) Faz‑se a roda, e a essa altura todos os alunos devem estar habituados com a rotina de fazer um círculo em sala Atividade 2: (Texto‑texto, debate) Após a leitura, perguntar aos alunos se eles têm algo que é muito importante para eles, falar também sobre a Rosa, por que ela e o Príncipe se separaram e se eles viram se em outros livros havia uma despedida semelhante Atividade 3: (Texto‑leitor, desenho) Dessa vez o tema do desenho é algo de extrema importância para os alunos (no caso do príncipe, a Rosa) 85 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Aula 4 Atividade 1: (Leitura, varal) O professor colocará um varal feito de barbante para expor os desenhos de todos os alunos, e, depois disso, inicia mais uma leitura Atividade 2: (Texto‑leitor, debate) Questiona‑se sobre os personagens que o Príncipe encontra, se os alunos conhecem alguém com as mesmas características Atividade 3: (Texto‑leitor, desenho) Os alunos repetirão o processo de fazer um desenho em casa, mas com um novo tema, deverão desenhar uma pessoa de quem eles sentem falta Atividade 4: (Texto‑leitor, análise) Os alunos observarão os desenhos de seus colegas, assim podem descobrir o que o colega quer dizer através do seu desenho Aula 5 Atividade 1: (Texto‑leitor, leitura) Novamente a roda feita Atividade 2: (Texto‑leitor, debate) Nesta aula, deve‑se abordar o assunto que é mais importante, descobrir coisas novas ou deixar que os outros descubram por nós (citar o Explorador e o Geógrafo) e questionar sobre a efemeridade Atividade 3: No final da aula, serão trocados os desenhos da aula anterior, assim, os alunos podem fazer uma nova análise com os novos desenhos Atividade 4: (Texto‑leitor, análise) Quando todos os desenhos forem trocados, o professor deve pedir a seus alunos que façam uma história baseada em um desenho do varal Aula 6 Atividade 1: (Texto‑leitor, leitura) Nesta aula só serão lidos dois capítulos, pois a interpretação será diferente. Serão utilizadas duas tirinhas Atividade 2: (Texto‑mundo, texto‑leitor, análise) Após todos receberem as tirinhas e analisarem, todos os alunos devem expressar sua opinião sobre o que acham de ter muitos amigos on‑line e poucos reais Aula 7 Atividade 1: (Leitura) Até aqui, todos devem ter se habituado a organizar a sala, caso algum aluno queira, pode iniciar a leitura no lugar do professor Atividade 2: (Texto‑leitor, debate) Após a leitura, o professor pode perguntar sobre cativar e se os alunos cativaram algo durante as aulas Atividade 3: (Texto‑leitor, produção de texto) Depois das perguntas, o professor deve explicar que a próxima atividade deve ser uma produção de texto sobre as amizades conquistadas. Dividi‑los em duplas ou trios Aula 8 Atividade 1: (Leitura) Após a organização da sala de aula, dependendo da vontade dos alunos, eles podem iniciar a leitura sem a ajuda do professor Atividade 2: (Texto‑leitor, debate) Nessa aula, questione sobre os pontos positivos e negativos da tecnologia Atividade 3: (Texto‑leitor, produção de texto) Dessa vez, os alunos devem escrever um texto sobre estar perdido no deserto com um amigo Obs.: Não se esqueça de avisar aos alunos de que na próxima aula não deverão organizar as mesas, pois a aula será no pátio Aula 9 Atividade 1: (Leitura) Essa aula ocorre no pátio, todos deverão sentar no chão fazendo um grande círculo. Após se ajeitarem, a leitura prossegue Atividade 2: (Texto‑leitor) O professor deve questionar após a leitura sobre os acontecimentos finais do livro, se os alunos compreenderam o final Atividade 3: (Debate)Com a conclusão do livro, o professor deve levantar questões sobra a obra utilizada. Se os alunos gostaram ou não, e o que a obra alterou em seus pontos de vista 86 Unidade II Aula 10 Atividade 1: (Texto‑texto, filme) Nessa aula os alunos assistem ao filme relacionado à obra Atividade 2: (Texto‑texto, debate) Depois do filme, diversas questões podem ser abordadas. Se eles pensam em crescer um dia, como eles acham que é a vida dos adultos etc. Atividade 3: (Texto‑texto, opcional, jogo) O professor pode optar por encerrar as atividades aqui, mas se desejar prosseguir, pode criar um jogo de 7 erros usando imagens do livro e trechos do filme 7.2 Outros mediadores Além da mediação pedagógica, há outros atores que assumem o papel de mediador. A biblioteca é um grande exemplo de mediadora. Existem as bibliotecas públicas e outras dentro das escolas. Exemplo de aplicação O artigo a seguir foi publicado em 2022. Os objetivos da leitura desse texto são: 1) Identificar o problema que ainda existe na educação brasileira. 2) Relacionar a biblioteca ao papel de mediadora de leitura. 3) Caracterizar o perfil do leitor e da leitura. No Pará, biblioteca rural incentiva leitura entre jovens ribeirinhos Projeto atende 22 municípios na Amazônia, onde índice de analfabetismo chega a 9,4% CASTANHAL (PA) Quem quiser ter um encontro com William Faulkner, Emicida, Carolina Maria de Jesus e Itamar Vieira Júnior em um mesmo lugar pode pegar a rodovia BR316 rumo ao município de Castanhal, no Pará, e dobrar no ramal Boa Vista. A estrada de terra, entre subidas e descidas, levará à comunidade rural homônima, onde os autores se encontram na biblioteca comunitária Carlos Alberto Xavier de Moraes. O nome homenageia o filho de agricultores que, em 1978, fundou uma escola para 43 alunos na casa de família onde ele trabalhou. Hoje, aos 66 anos e já aposentado, Carlos continua lendo para as crianças da comunidade. E isso inclui as histórias que ele mesmo escreve. O fato de o mercado editorial não conhecer a comunidade não é um problema: ele mesmo edita, publica e distribui os próprios livros, em cadernos escolares com contos escritos à mão. 87 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Carlos também desenha a capa e as ilustrações. Durante a conversa com a reportagem, uma criança deixou uma das obras cair no rio. “É só a xerox”, diz o voluntário, que faz cópias das publicações para outras bibliotecas e casas distantes. Os livros abordam desde monstros de água doce até visagens da floresta. Mas ele refuta a palavra lenda. “É lenda para quem é da cidade. Aqui, é tudo real. Conto histórias que aconteceram. Algumas eu vi. Outras, ouvi da minha vó”, diz. Criada em 2011, a biblioteca é fruto do trabalho da Vagalume, uma organização não governamental que mantém 86 unidades em 22 municípios da Amazônia Legal com o objetivo de incentivar a leitura e a alfabetização entre as crianças da região. Na Amazônia Legal, 31,2% dos matriculados no Ensino Médio têm idade acima da esperada para o ano que estão cursando. A taxa é de 28,1% no resto do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Para a voluntária Lucilene Pantoja, também professora aposentada, o projeto une a comunidade, que trabalha em conjunto e se engaja nas leituras. [...] Boa parte das ações da Vagalume são feitas por meio da chamada mediação de leitura, com voluntários indo a escolas e até mesmo à casa dos alunos para lerem livros. As leituras acabam virando programação da família toda e impactam até idosos não alfabetizados. [...] A biblioteca funciona em uma escola municipal que atende 30 crianças e, para Lucilene, ler histórias para elas fortalece os aprendizados adquiridos em sala de aula. São mais de 1.000 livros doados nas prateleiras, que também guardam trabalhos artesanais com palha e cipó, criados nas oficinas também promovidas por Carlos e Lucilene. O sonho agora é criar uma biblioteca flutuante, em um barco que possa chegar a todos os ribeirinhos da região. [...] Fonte: Laviano (2022). 8 LEITURAS LITERÁRIAS: CAMINHOS SUGESTIVOS Leitura é prazer, certo? Então por que não encerrar este livro‑texto com experiências simplesmente prazerosas de leitura? 8.1 Leitura que fala de leitura Você conhece a obra Coração de tinta, de Cornelia Funke? É uma história deliciosa que trata da... leitura! 88 Unidade II Entre as possibilidades de leitura já existentes, está a leitura em voz alta, que permite dar vida ao texto, uma maneira de falar (ler) que possibilita ao ouvinte alargar a imaginação e dar formas a esta com imagens, sons e novas percepções, sendo, assim, um coautor da história ouvida. A obra Coração de tinta aborda esse viés como fonte de leitura. A leitura em voz alta facilita a compreensão textual e abre janelas para que o leitor/ouvinte se torne coparticipante da história se tornando ele mesmo um dos personagens. A relação que o leitor/ouvinte estabelece com a leitura por meio da oralidade permite que ele mantenha sensações que podem permanecer por muito tempo. Para Michele Petit, o ato de ler em voz alta é experimentar, vivenciar, conhecer personagens e nos reconhecer em alguns desses personagens apresentados nos textos. De modo que um leitor pode recordar‑se de algo, imaginar uma cena, “viajar” em determinado tempo de sua infância e se fazer pertencente ao texto. Como justifica essa autora, para quem: O leitor não é passivo, ele opera um trabalho produtivo, ele reescreve. Altera o sentido, faz o que bem entende, distorce, reemprega, introduz variante, deixa de lado os usos corretos. Mas ele também é transformado: encontra algo que não esperava e não sabe nunca aonde isso poderá levá‑lo (PETIT, 2009, p. 29). Em Coração de tinta, a personagem Meggie, pela primeira vez, ouve seu pai ler. As sensações que obteve são experimentadas e fixadas ao longo de sua vida, uma vez que as percepções são recordadas a cada vez que a personagem abre um livro lido pelo seu pai: E assim, foi numa igreja que Meggie ouviu seu pai ler em voz alta pela primeira vez depois de nove anos. Ainda muitos anos mais tarde, a cada vez que abria um dos livros que Mo lera naquela manhã, ela sentia no ar o cheiro de papel queimado (FUNKE, 2009, p. 155). Ler em voz alta para alguém ou mediar uma leitura para um sujeito tem efeitos diretamente ligados ao ato de fazer a leitura pela leitura, ou seja, um livro e um mediador são suficientes para tornar a prática da leitura real, o que pode ser feito em qualquer lugar e com um público de qualquer idade. As mediações de leitura, aquelas primeiras, em voz alta, surgiram dessa maneira, espontânea e livre, em relação a espaços, tempo e até mesmo condições materiais, sem necessidade de grandes investimentos, com a ideia de bastar um livro+leitor+ouvinte. Para alguns teóricos, o próprio leitor pode ser a ponte para fomentar a leitura, recorrendo somente à entonação vocal. – Oh, eu me lembro! [...] Foi no mesmo dia em que li Mortola. Naquela época Capricórnio vivia mais ao norte, num sitio isolado e meio arruinado nas montanhas, e não havia muitas garotas na região. Eu morava com minha irmã, não muito longe dali, e trabalhava como professor. Nas minhas horas vagas eu fazia leituras em livrarias e escolas, em festas de crianças e, de vez 89 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR em quando, nas tardes quentes de verão, até mesmo numa praça ou num café. Eu amava ler em voz alta (FUNKE, 2009, p. 337). Esse trecho em que Mo diz sobre sua experiência com a leitura em voz alta nos traz evidências lógicas de como a mediação de leitura pode ser feita e sua eficácia para o leitor, pois este adquire um sentimento muito positivo ao longo de sua prática leitora, uma sensação de ser como semente que espalha o gosto pela leitura e toda sua força formadora sobre o cidadão ao longo do tempo. Observe o trecho a seguir: “Meggie parou. Havia uma claridade no quarto. Ela desligou a lanterna, mas a luz continuava lá... ‘mil vezes maisclara do que as lamparinas’” (FUNKE, 2009, p. 313). Essa citação de Coração de tinta traduz o que a leitura em voz alta pode proporcionar ao leitor e seu ouvinte: “Era uma fada. Não era maior do que sua mão, mas ainda não terminara de crescer. Era uma menina, que se chamava Sininho, e estava vestida elegantemente com uma folha plissada” (FUNKE, 2009, p. 314). Uma mente aberta para os fatos da história lida leva à imaginação aguçada e a uma melhor formação leitora/social, que está ligada ao ato de ler e desprender sentidos do texto, fazendo com que este tome corpo em sua realidade, e consequentemente a maneira de ver e pensar a vida do indivíduo, bem como tornar‑se um sujeito crítico‑reflexivo. Ler em voz alta é colocar o leitor ouvinte dentro da história, tornando‑a interessante para ele. As possibilidades para quem ler e escuta são infinitas, uma vez que, sendo um coautor, é possível mudar o final, a leitura pode ser uma ferramenta poderosa na construção do sujeito: Ela ergueu o livro. – Ele está aqui. Não importa o que vocês façam com ele. Todos os que leem esta história poderão vê‑lo, até mesmo ouvir sua voz, e também poderão vê‑lo rir e cuspir fogo (FUNKE, 2009, p. 432). É o que Meggie fala sobre Dedo Empoeirado, personagem que faz parte da história e não pode ser esquecido, pois ao passo que o leitor faz a leitura do livro, este pode vê‑lo, senti‑lo, ouvi‑lo e até mesmo interagir com o personagem cuspindo fogo junto com ele. “Wendy!”, pensou Meggie. Como é que continuava a história? Por um momento ela quase esqueceu onde estava, mas a gralha a fez lembrar. Bateu em sua cabeça com a palma da mão. – Comece de uma vez, sua bruxinha! – ela disse entre os dentes. E Meggie obedeceu. 90 Unidade II Ela retirou depressa o marcador preto de cima das letras. Tinha que se apressar, tinha que ler antes que Mo fizesse uma besteira, Afinal, ele não sabia o que ela e Fenoglio planejavam. [...] Meggie curvou‑se sobre o livro em seu colo. As letras pareciam dançar nas páginas. “Venha!”, pensou Meggie. “Venha e nos salve. A todos nós: Elinor e minha mãe, Mo e Farid. Salve Dedo Empoeirado se ele ainda estiver aqui e, por mim, salve até mesmo Basta”. Ela sentiu sua língua como um animalzinho que havia se refugiado em sua boca e agora batia com a cabeça em seus dentes (FUNKE, 2009, p. 433‑434). Coração de tinta é uma obra surpreendente. Seu tema é sobre aqueles que leem e conseguem tornar real a leitura, importando‑se com a razão de que leitor/ouvinte/ficção podem se juntar a um só. Na obra, ler do começo ao fim ou do fim para o começo uma história é uma permissão da leitura, quando estamos abertos a novas possibilidades. Enfim, quando, por exemplo, o leitor declama uma poesia já está fazendo uma mediação, mesmo que inconsciente, ao disseminar e ampliar o universo cultural do ouvinte por meio da literatura. 91 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Resumo Esta unidade trata da leitura pela perspectiva da educação e enfoca os problemas da leitura. A crise da leitura literária ainda atravessa nosso país, e suas causas são diversas: desde a desigualdade socioeconômica, que não permite acesso a livros, até a falta de uma política educacional comprometida a dar continuidade a programas de incentivo à leitura. A reforma educacional a partir do fim do século 20 abre espaço para um ensino mais sistematizado de leitura literária. Esse ensino tem respaldo em documentos oficiais, como o PCN e a BNCC. O primeiro propõe o deslocamento da literatura da história para a aula de leitura, e, nessa perspectiva, o texto literário precisa ser trabalhado pelo professor com base nas estratégias de leitura. O segundo documento aborda a relação da literatura com outras linguagens e mídias. Assim, foca‑se na questão do letramento literário e letramento digital. Letramento diferencia‑se da alfabetização e abrange leitura que ultrapassa letra por letra ou sílaba por sílaba. Trata‑se da compreensão leitora, da diversidade de leitura. Letramento envolve também mediadores da leitura, tal como o papel do professor e de outros, como a biblioteca. No caso, apresentamos alguns passos que o professor pode realizar como mediador da leitura com seus alunos. Para encerrar, mostramos o prazer de ler o texto literário que trata da leitura. A obra Coração de tinta, de Funke, é um maravilhoso exemplo de história que trata da leitura: quando o personagem lê em voz alta, tudo acontece! 92 Unidade II Exercícios Questão 1. Vimos, no livro‑texto, que Sírio Possenti (1994) indica as “pragas da leitura”. Trata‑se de uma expressão que tem dois sentidos: há as “pragas” que afetam a leitura e há as “pragas” que a leitura provoca. Com base nessa referência, avalie as afirmativas. I – Quem lê muito é considerado chato e pessimista. II – Quem lê muito não trabalha. III – Quem lê muito é considerado anormal e perigoso. IV – Quem lê muito envelhece cedo. Entre as “pragas da leitura” indicadas por Sírio Possenti (1994), temos as presentes em: A) I, II, III e IV. B) I e III, apenas. C) II e III apenas. D) II, III e IV, apenas. E) I, II e III, apenas. Resposta correta: alternativa E. Análise da questão Sírio Possenti (1994) indica as “pragas da leitura” apresentadas no quadro a seguir. Vale lembrar, conforme dito no enunciado, que se trata de uma expressão que tem dois sentidos: há as “pragas” que afetam a leitura e há as “pragas” que a leitura provoca. 93 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR Quadro 5 – Pragas da leitura Pragas Características 1ª praga Pessoas que gostam de ler são consideradas anormais e perigosas 2ª praga Argumentação de que para ler é preciso espaço especial para passar a ideia de que ler não é trabalhar, não é estudar 3ª praga Os que leem são considerados desmancha‑prazeres, pois fazem perguntas e não conseguem disfarçar certo amargor e pessimismo 4ª praga As pragas da leitura são os ruídos e a televisão 5ª praga É praga pensar que há livro adequado à idade e ao sexo, pois esses livros “adequados” geralmente são ruins 6ª praga Linguagem infantilizada de determinadas obras destinadas ao público leitor infantojuvenil 7ª praga Livros didáticos que não levam a perguntas e dúvidas, mas apenas a respostas 8ª praga Censura na seleção de uma obra literária com base em critérios morais ou falso moralismo no contexto escolar 9ª praga Leitura uniforme para todos do mesmo ano escolar no mesmo país 10ª praga Qualquer livro serve, isentando o leitor do esforço de aprender e comparar 11ª praga Falta de quantidade e qualidade na leitura 12ª praga Professor que não lê. Ele não sabe o que está perdendo e, portanto, não tem por que criar oportunidade para que outros leiam Questão 2. Leia o texto a seguir, de autoria de Rildo Cosson. Na prática pedagógica, o letramento literário pode ser efetivado de várias maneiras, mas há quatro características que lhe são fundamentais. Em primeiro lugar, não há letramento literário sem o contato direto do leitor com a obra, ou seja, é preciso dar ao aluno a oportunidade de interagir ele mesmo com as obras literárias. Depois, o processo do letramento literário passa necessariamente pela construção de uma comunidade de leitores, isto é, um espaço de compartilhamento de leituras no qual há circulação de textos e respeito pelo interesse e pelo grau de dificuldade que o aluno possa ter em relação à leitura das obras. Também precisa ter como objetivo a ampliação do repertório literário, cabendo ao professor acolher no espaço escolar as mais diversas manifestações culturais, reconhecendo que a literatura se faz presente não apenas nos textos escritos, mas, também, em outros tantos suportes e meios. Finalmente, tal objetivo é atingido quando se oferecem atividades sistematizadas e contínuas direcionadas para o desenvolvimento da competência literária, cumprindo‑se, assim, o papel da escola de formar o leitor literário. Disponível em: https://cutt.ly/AM14jjB. Acesso em: 22 nov. 2022.Com base na leitura e no que se refere às práticas pedagógicas e ao letramento literário, avalie as afirmativas a seguir. 94 Unidade II I – O letramento literário pode ser alcançado quando o professor seleciona resumos detalhados como base de reflexão para os alunos, o que dispensa a leitura dos originais. II – No letramento literário, estão incluídas formas de manifestações culturais variadas, e não apenas o texto escrito. III – O letramento literário envolve um processo contínuo e sistematizado, e não apenas uma disciplina a ser ministrada em dois semestres, por exemplo. É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) I e II, apenas. C) II e III, apenas. D) I e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa C. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: segundo o texto, “não há letramento literário sem o contato direto do leitor com a obra, ou seja, é preciso dar ao aluno a oportunidade de interagir ele mesmo com as obras literárias”. II – Afirmativa correta. Justificativa: segundo o texto, o letramento literário “também precisa ter como objetivo a ampliação do repertório literário, cabendo ao professor acolher no espaço escolar as mais diversas manifestações culturais, reconhecendo que a literatura se faz presente não apenas nos textos”. III – Afirmativa correta. Justificativa: segundo o texto, o letramento literário é “atingido quando se oferecem atividades sistematizadas e contínuas direcionadas para o desenvolvimento da competência literária, cumprindo‑se, assim, o papel da escola de formar o leitor literário”. Ainda segundo o autor do texto, o letramento literário é o processo de apropriação da literatura enquanto linguagem. Para entendermos melhor essa definição sintética, é preciso que tenhamos bem claros os seus termos. Primeiro, o processo, que é a ideia de ato contínuo, de algo que está em movimento, que não se fecha. Com isso, precisamos entender que o letramento literário começa com as cantigas de ninar e continua por toda nossa vida a cada romance 95 LEITURA E LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR lido, a cada novela ou a cada filme assistido. Depois, que é um processo de apropriação, ou seja, refere‑se ao ato de tomar algo para si, de fazer alguma coisa se tornar própria, de fazê‑la pertencer à pessoa, de internalizar ao ponto de aquela coisa ser sua. É isso que sentimos quando lemos um poema e ele nos dá palavras para dizer o que não conseguíamos expressar antes. Também nos apropriamos literariamente de um romance quando aprendemos com um personagem que há mais de um modo de percorrer os caminhos da vida. Por fim, é um processo de apropriação da literatura enquanto linguagem, ou da linguagem literária. Nesse caso, não se trata simplesmente de um conjunto de obras consideradas relevantes, nem o conhecimento de uma área específica, mas sim de um modo muito singular de construir sentidos que é a linguagem literária. Essa singularidade da linguagem literária, diferentemente de outros usos da linguagem humana, vem da intensidade da interação com a palavra que é só palavra e da experiência libertária de ser e viver que proporciona. 96 REFERÊNCIAS Textuais ANTÔNIO, J. L. Poesia digital: negociações como os aspectos digitais: teoria, história, antologias. São Paulo: Navegar Editora; Columbus: Luna Bisonde Prods; Fapesp, 2010. BANDEIRA, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. BONNE, P. Y. Julgando o livro pela capa: uma análise semiótica das capas dos livros de Harry Potter. Novo Hamburgo: Universidade Feevale, 2018. BORGES, J. L. A Biblioteca de Babel. In: Ficções. São Paulo, São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 69‑79. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2018. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa – 1º e 2º Ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. CAVALLO, G.; CHARTIER, R. 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