Buscar

Lacan, J (1945) O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada - um novo sofisma

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 9 páginas

Prévia do material em texto

o tempo 16gico e a assen;ao
de certeza antecipada
Um novo sofisma
Foi-nos solicitado por Christian Zervos, em mar«o de 1945,
contribuir, junto a uma certa gama de escritores, para 0 numero
de retomada de sua revista, Les Cahiers d'Art, concebido com
o desfgnio de preencher, com seu laureado sumario, um pa-
rentese com os seguintes numeros em sua capa: 1940-1944,
significativos para muita gente.
Nos ousamos este artigo, bem a par de que isso era toma-Io
imediatamente intangfveI.
Possa ele ressoar uma nota justa entre 0 antes e 0 depois em
que 0 situamos aqui, mesmo que demonstre que 0 depois se fazia
de antedimara para que 0 antes pudesse tomar seu lugar.
o diretor do presfdio faz comparecerem tres detentos escolhidos
e Ihes comunica 0 seguinte:
"Por raz6es que nao Ihes tenho de reIatar agora, devo libertar
urn de voces. Para decidir qual, entrego a sorte a uma prova
peIa qual terao de passar, se estiverem de acordo.
"Voces sao tres aqui presentes. Aqui estao cinco discos que
so diferem por sua cor: tres sao brancos e dois sao pretos. Sem
dar a conhecer qual deIes terei escolhido, prenderei em cada um
de voces urn desses discos nas costas, isto e, fora do alcance
direto do olhar; qualquer possibilidade indireta de atingi-lo peIa
visao estando igualmente exc1ufda pela ausencia aqui de qualquer
meio de se mirar.
"A partir daf, estarao a vontade para examinar seus compa-
nheiros e os discos de que cada urn deles se mostrani portador
sem que Ihes seja permitido, natural mente, comunicar uns aos
outros 0 resultado da inspe~ao. 0 que, alias, 0 simples interesse 1198J
de voces os impediria de fazer. Pois 0 primeiro que puder deduzir
sua propria cor e quem devera se beneficiar da medida liberatoria
de que dispomos.
"Sera preciso ainda que sua conclusao seja fundamentada em
motivos de 16gica, e nao apenas de probabilidade. Para esse fim
fica convencionado que, tao logo um de voces esteja pronto ~
formula-la, ele transpora esta porta, a fim de que, chamado a
parte, seja julgado por sua resposta."
Aceita essa proposta, cada um de nossos tres sujeitos e
adornado com um disco branco, sem se utilizarem os pretos, dos
quais se dispunha, convem lembrar, apenas em numero de dois.
Como podem os sujeitos resolver 0 problema?
Depois de se haverem considerado entre si par um certo tempo,
os tres sujeitos dao juntos alguns passos, que os levam simul-
taneamente a cruzar a porta. Em separado, cada um fornece
entao uma resposta semelhante, que se exprime assim:
".Sou branco, e eis como sei disso. Dado que meus compa-
nhelros eram brancos, achei que, se eu fosse preto, cada um
deles poderia ter inferido 0 seguinte: 'Se eu tambem fosse preto,
o ~utro, devendo reconhecer imediatamente que era branco, teria
saldo na mesma hora, logo, nao sou preto.' E os dois teriam
safdo juntos, convencidos de ser brancos. Se nao estavam fazendo
nada, e que eu era branco como eles. Ao que saf porta afora,
para dar a conhecer minha conclusao."
Foi assim que todos tres safram simultaneamente, seguros das
mesmas razoes de concluir.
Valor sof[stico dessa solu(:iio
Pode essa solu~ao, que se apresenta como a mais perfeita que
o problema pode comportar, ser atingida na experiencia? Dei-
xamos a iniciativa de cad a um 0 encargo de decidir.
Nao que aconselhemos, decerto, a fazer a pro va dela ao natural [19111
ainda que 0 progresso antinomico de nossa epoca pare~a h~
algum tempo colocar suas condi~oes ao alcance de um numero
cad~ vez maior: tememos, com efeito, embora s6 se prevejam
aqUI ganhadores, que 0 fato se afaste demais da teoria e, por
outro lado, nao somos desses fil6sofos recentes para quem 0
cerceamento de quatro paredes e apenas um favor a mais para
o segredo da liberdade humana. . _ .A
Mas, praticada nas condi~oes inocentes da flc~ao, a expenen-
cia nao decepcionara, n6s 0 garantimos, aqueles que conservam
urn certo gosto pelo espantar-se. Talvez ela se revele, ~ara 0
psic610go, de algum valor cientffico, pelo menos a nos flar n~
que dela pareceu-nos depreender-se ---: por a havermos .expen-
mentado com diversos grupos convementemente escolhldos de
intelectuais qualificados - de um desconhecimento todo espe-
cial, nesses sujeitos, da realidade do outro. . , .
Quanto a n6s, s6 queremos ater-nos aqul ao va~or logIC? da
solu~ao apresentada. Ela nos parece, de fato, um sofls~a .n?ta~el,
no sentido classico da palavra, isto e, um exemplo slgmflcatlvo
para resolver as formas de uma fun~ao 16gica no ~OI~~nto
hist6rico em que seu problema se apresenta ao exame fllosohco.
As imagens sinistras do relato decerto se mostrarao contingentes
af. Mas, por mais que nosso sofisma nao apare~a sem corres-
ponder a alguma atualidade de nossa epoca, nao e ir~elevante
que traga 0 sinal dela em tais imagens, e e por ISSO que
conservamos seu apoio, tal como 0 anfitriao engenhoso de uma
noite 0 trouxe a nossa reflexao.
Colocamo-nos agora sob os auspfcios daquele que as vezes
se apresenta sob a roupagem do fil6sofo, que com m~is freqiiencia
ha que ser buscado, ambfguo, nos ditos do humonsta, mas que
e sempre encontrado no segredo da a~ao do politico: 0 bom
16gico, odioso ao mundo.
Todo sofisma se apresenta, de infcio, como um erro 16gico, e a
obje~ao a este encontra facilmente seu p.rimeiro. argumento.
Chamamos A 0 sujeito real que vem conclUIr por Sl, e Bee os
sujeitos refletidos, com base em cuja conduta ele estabelece sua
dedu~ao. Se a convic~ao de B, dirao; fund~menta-se ~a ~xpec-
tativa de C, a seguran~a daquela devera loglcamente dlsslpar-se
com a retirada desta; reciprocamente para C em rela~ao a B; e
todos dois permimecerao n~ :ndecisao. Nada, portanto, eXi~e sua
partida~ se A for preto. Oaf resulta que A s6 pode deduzlr que
e branco.
Ao que convem retrucar, primeiro, que toda essa cogita~ao
de Bee Ihes e indevidamente imputada, ja que a unica situa~ao
que poderia motiva-la neles, a de ver urn preto, nao e verdadeira,
e trata-se de saber se, sendo suposta essa situa~ao, seu desen-
volvimento 16gico lhes e erroneamente imputado. Ora, nao e
nada disso. Pois, nessa hip6tese, e a fato de nenhum dos dais
haver sardo primeiro que permite a cada urn pensar-se como
branco, e e claro que bastaria eles hesitarem por urn instante
para que ambos fossem refor~ados, sem possibilidade de duvida,
em sua convic~ao de serem brancos. E que a hesita~ao estaria
logicamente excluida para qualquer urn que visse dois pretos.
Mas ela tambem esta real mente excluida nessa primeira etapa
da dedu~ao, pois, nao se achando ninguem na presen~a de urn
preto e urn branco, nao ha como ninguem sair, pela razao que
se deduz disso.
Mas a obje~ao reapresenta-se com mais for~a na segunda
etapa da dedu~ao de A. Isso porque, se foi com razao que ele
chegou it sua conclusao de ser branco, dizendo que, se fosse
preto, os outros nao tardariam a se saber brancos e deveriam
sair, eis que ele tern de voltar atras tao logo a formula, uma vez
que, no momento de ser movido por ela, ve as outros precipi-
tarem-se junto com ele.
Antes de responder a isso, recoloquemos bem os termos
16gicos do problema. A designa cada urn dos sujeitos como
aquele que esta pessoalmente na berlinda e que se decide ou nao
a concluir sobre si mesmo. Bee sao as outros dois, como
objetos do raciocfnio de A. Mas, se este pode imputar-lhes
corretamente, como acabamos de mostrar, uma cogita~ao que
de fato e falsa, s6 Ihe e possivel levar em conta a comportamento
real deles.
Se A, por ver Bee precipitarem-se junto com ele, volta a
suspeitar de ser visto por eles como preto, basta-lhe recolocar a
questao, detendo-se, para resolve-la. Com efeito, ele os ve
deterem-se tambem: e que, estando cada urn realmente na mesma
situa~ao que ele, ou, melhor dizendo, sendo todos os sujeitos A [2011
como real, isto e, como aquele que se decide ou nao a concluir
sobre si, cada qual depara com a mesma duvida no mesmo
momenta que ele. Mas, sendo assim, seja qual for 0 pensamento
que A impute a Bee, e com razao que concluira novamente
que ele mesmo e branco. Pois de novo ele diz que, se fosse
preto, Bee deveriam ter prosseguido;au entao, caso admita
que eles hesitam - conforme a argument~~ao pr~cedente, que
encontra aqui 0 apoio do fato e que as fana suspettar de serem
au nao pretos eles mesmos -, no minimo eles dev~ri~m to:n~r
a andar antes dele (ja que, sendo preto, ele dana a propna
hesita~ao de Bee seu alcance exato para eles .conclufrem que
sao brancos). E e em vista de, por verem-no de fato branco, eles
nao fazerem nada, que ele mesmo toma a iniciativa de faze-la,
isto e, que todos recome~am a andar juntos, para declarar que
sao brancos.
Mas, ainda podem objetar-nos que, ao eliminar assim 0
obstaculo, nem par isso refutamos a obje~ao 16gica, e que ela
se reapresentara identica com a reitera~ao do movimento, e
reproduzira em cada urn dos sujeitos a mesma duvida e a mesma
parada. .
Seguramente, mas e preciso que tenha havldo, urn pro.gresso
16gico realizado, em razao de que, desta vez, A so pode tlrar da
parada comum uma conclusao inequfvoca. Trata-se de que, se
ele fosse preto, Bee nao deveriam ter parado, em absol~to.
Pais, no ponto presente, e impossivel que eles possam h~sl.tar
uma segunda vez em concluir que saD brancos: uma umca
hesita~ao, de fato, e suficiente para eles demonstrarem ~m ao
outro que, certamente, nem urn nem outro sa~ pretos~ Ass~~, se
Bee pararam, A s6 pode ser branco. Ou seJa, os tres sUJettos,
desta vez, saD confirmados numa certeza que nao permite que
renas~a nem a obje~ao nem a duvida.
o sofisma preserva, portanto, it prova de discussao, todo 0
rigor coercitivo de urn processo 16gico, sob a condi~a? de que
integremos nele 0 valor das duas escansoes suspenSlvas, que
essa prova mostra confirmar no pr6prio ato em que cada urn dos
sujeitos evidencia que chegou it sua conclusao.
Sera lfcito integrar no valor do sofisma as duas mor;oes suspensas
assim surgidas? Para decidir, convem examinar qual e a papel
delas na so]u~ao do processo 16gico.
Elas s6 desempenham esse papel, com efeito, ap6s a conclusao
do processo 16gico, uma vez que 0 ato que suspendem manifesta
essa propria conclusao. Logo, nao se pode objetar daf que elas
introduzam na soluc;ao um elemento externo ao processo logico
em si.
Seu papel, apesar de crucial na pnitica do processo logico,
nao e 0 da experiencia na verificavao de uma hipotese, mas antes
o de um fato intrfnseco a ambigiiidade logica.
Pelo primeiro aspecto, com efeito, os dados do problema se
decomporiam assim:
IQ) sao logicamente possfveis tres combinavoes dos atributos
caracterfsticos dos sujeitos: dois pretos e um branco, um preto
e dois brancos, tres brancos. Estando a primeira exclufda pela
observavao de todos, permanece em aberto uma incognita entre
as outras duas, a qual vem resolver:
2Q) 0 dado da experiencia das movoes suspensas, que equi-
valeria a um sinal pelo qual os sujeitos comunicariam uns aos
outros, de uma forma determinada pelas condivoes da prova,
aquilo que Ihes e proibido comunicar de forma intencional ou
seja, 0 que cada um deles ve do atributo dos outros. '
Nao e bem assim, pois isso seria fornecer do processo logico
uma concepvao espacializada, a mesma que transparece toda ~ez
que ele assume 0 aspecto do erro, e que e a unica a objetar a
solubilidade do problema.
E justamente por nosso sofisma nao a tolerar que ele se
apresenta como uma aporia para as formas da logica classica,
cujo prestfgio "eterno" retlete a invalidez nao menos reconhecida
como Ihes sendo propria, I qual seja, que eIas nunca trazem nada
que ja nao possa ser visto de um so golpe.
Muito pelo contrario, a entrada em jogo dos fenomenos aqui [203]
em litfgio como significantes faz prevalecer a estrutura temporal,
e nao espacial, do processo logico. 0 que as moroes suspensas
denunciam nao e 0 que os sujeitos veem, mas 0 que eles
descobriram positivamente pOl' aquilo que niio veem, a saber, 0
aspecto dos discos pretos. A razao de elas serem significantes
e constitufda, nao pOl' sua direvao, mas por seu tempo de parada.
Seu valor crucial nao e 0 de uma escolha binaria entre duas
combinavoes justapostas no inerte2 e desemparelhadas pela ex-
c1usao visual da terceira, mas 0 do movimento de verificavao
institufdo pOl' um processo logico em que 0 sujeito transformou
as tres combinavoes possfveis em tres tempos de possibilidade.
E tambem por isso que, enquanto um so sinal deveria bastar
para a unica escolha imposta pela primeira interpretavao, erronea,
duas escansoes sao necessarias para a verificavao dos dois lapsos
de tempo implicados pela segunda, e unica que e valida.
Longe de ser um dado da experiencia externa no processo
logico, as moroes suspensas sao tao necessarias nele que somente
a experiencia pode fazer com que 0 sincronismo que elas im-
plicam deixe de se produzir num sujeito de pura logica, e fazer
com que fracasse a funvao delas no processo de verificavao.
De fato, elas nada representam ali senao os patamares de
degradavao com que a necessidade faz surgir a ordem crescente [204]
das instancias do tempo que se registram no processo logico,
para se integral' em sua conclusao.
Como se ve na determinavao logica dos tempos de parada
que elas constituem, a qual, objevao do logico ou duvida do
sujeito, revela-se a cada vez como 0 desenrolar subjetivo de uma
instancia do tempo, ou, melhor dizendo, como a fuga do sujeito
para uma exigencia formal.
I. E nao menos pr6pria das mentes formadas por essa tradiyao, como atesta 0
bilhete seguinte, que recebemos de urn espfrito no entanto aventureiro em outros
domfnios, depois de uma noitada em que a discussao de nosso fecundo sofisma
provocara nas mentes eleitas de urn colegio fntimo urn verdadeiro panico
confusional. E mais, malgrado suas primeiras palavras, esse bilhete traz as marcas
de uma laboriosa elucidayao:
"Meu caro Lacan, eis urn bilhete apressado a fim de dirigir sua reflexao para
uma nova dificuldade: na verdade, 0 raciocfnio aceito ontem nao e conclusivo
pois nenhum dos tres estados possfveis - 000 - 00. - ••• - e redutfvei
ao outro (apesar das aparencias): somente 0 ultimo e decisivo.
"Conseqliencia: quando A se supoe preto, nem B nem C podem sair, pois
nao podem deduzir de seu comportamento se sac pretos ou brancos, porque, se
urn for preto, 0 outro sai, e se ele for branco,. 0 'outro sai tambem, ja que 0
primeiro nao sai (e vice-versa). Quando A se supoe branco, eles tambem nao
podem saiL De modo que, mais uma vez, A nao pode deduzir do comportamento
dos outros a cor de seu disco."
Assim, nosso contraditor, por ver bem demais 0 caso, ficou cego para 0 fato
de que nao e a safda dos outros, mas sua espera, que determina 0 jufzo do
sujeito. E, por nos refutar efetivamente com uma certa pressa, ele deixou escapar
o que tentamos demonstrar aqui: a funyao da press a na 16gica.
2. "Irredutfveis", como se exprime 0 contraditor citado na nota acima.
· Essas ins,tancias do tempo, constitutivas do processo do so-
flsma, permltem I:econhecer af urn verdadeiro movimento logico.
Esse processo eXIge 0 exame da qualidade de seus tempos.
A modularao do tempo no movimento do sofisma:
o instante do olhar, 0 tempo para compreender
e 0 momento de concluir
I~o~am-s.e no sofisma tres momentos da evidencia, cujos valores
loglcos Ira~ revelar-se, diferentes e de ordem crescente. Expor
sua su~essao cronologlca ainda e espacializa-Ios segundo urn
formahsmo que tende a reduzir 0 discurso a urn alinhamento de
sinais. ~ostrar que a instancia do tempo se apresenta de urn
mo~o dlte~'ente em cada urn desses momentos e preservar-Ihes
a, hlerarqula, revelando neles uma descontinuidade tonal, essen-
clal para seu valor. Mas, captar na modula(;iio do tempo a propria
func;:aoyela qual cada urn desses momentos, na passagem para
o segumt~, e reabsorvido, subsistindo apenas 0 ultimo que os
absorve: e restabelecer a sucessao real deles e compreender
verdadelram~nte sua genese no movimento logico. Eo que iremos
ten tar a partir de uma formulac;:ao, tao rigorosa quanto possfvel,
desses momentos da evidencia.
l~) ~stando diante de dois pretos, sabe-se que se e branco
EIS al uma, exclusa.o logica que da ao movimento sua base. Que
el~ ,lheseJa antenor, que se possa toma-Ia pOl' obtida pelos
s~Jelt~s com os dados do problema, os quais impedem a com-
?mac;:ao de tres ~retos, independe da contingencia dramatica que
Iso,la seu enunclado como pro logo. Ao exprimi-Ia sob a forma
dots pretos :: um branco, ve-se 0 valor instantiineo de sua
eVi?e~cia, e seu tempo de fulgurac;:ao, se assim podemos dizer,
sena Igual a zero.
M~s, sua formula.c;:ao ja se modula no infcio: pela subjetivac;:ao [2051
que al se desenha, amda que impessoal, sob a forma do "sabe-se
q~e: ..", e pela conjunc;:ao das proposic;:6es, que, mais do que uma
hlpotese formal, representa uma matriz ainda indeterminada -
digamos, essa forma de conseqiiencia que os lingiiistas designam
pelos termos protase e apodose: "Estando ... , so entao sesabe
que se e ... "
Uma instancia do tempo abre 0 intervalo para que 0 dado da
protase, "diante de dois pretos", transmude-se no dado da
apodose, "e-se branco": e preciso haver 0 insfanfe do olhar. Na
equivalencia logica dos dois termos: "Dois pretos : urn branco" ,
essa modulac;:ao do tempo introduz a forma que, no segundo
momento, cristaliza-se como hipotese autentica, pois vem a visar
it verdadeira incognita do problema, qual seja, 0 atributo ignorado
pelo proprio sujeito. Nessa passagem, 0 sujeito depara com a
seguinte combinac;:ao logica e, sendo 0 unico capaz de assumir
o atributo do preto, vem, na primeira fase do movimento logico,
a formular assim a evidencia seguinte:
2Q) Se eu fosse preto, os dois brancos que estou venda nao
tardariam a se reconhecer como sendo brancos
Eis af uma intuir;-aopela qual 0 sujeito objetiva algo mais do
que os dados de fato cuja aparencia Ihe e oferecida nos dois
brancos; ha urn certo tempo que se define (nos dois sentidos, de
adquirir senti do e encontrar seu limite) pOl' seu fim, simultanea-
mente objetivo e termino, qual seja, para cada urn dos dois
brancos, 0 tempo para compreender, na situac;:ao de vel' urn
branco e urn preto, que ele detem na inercia de seu semelhante
a chave de seu proprio problema. A evidencia desse momento
sup6e a durac;:ao de urn tempo de meditar;-aoque cada urn dos
dois brancos tern de constatar no outro, e que 0 sujeito manifesta
nos termos que liga aos labios de urn e do outro, como se
estivessem inscritos numa bandeirola: "Se eu fosse preto, ele
teria safdo sem esperar urn instante. Se ele continua meditando,
e pOl'que sou branco."
Mas, desse tempo assim objetivado em seu sentido, como
medir 0 limite? 0 tempo de compreender pode reduzir-se ao
instante do olhar, mas esse olhar, em seu instante, pode incluir
todo 0 tempo necessario para compreender. Assim, a objetividade
desse tempo vacila com seu limite. Subsiste apenas seu senti do,
com a forma que gera de sujeitos indefinidos, a nao ser por sua [2061
reciprocidade, e cuja ac;:1iofica presa pOl' uma causalidade mutua
a urn tempo que se furta no proprio retorno da intuic;:ao que 0
objetivou. E all'aves dessa modulac;:ao do tempo que se abre,
com a segunda fase do movimento logico, a via que leva it
seguinte evidencia:
3Q) Apresso-me a me afinnar como branco, para que esses
brancos, assim considerados por mim, nao me precedam,
reconhecendo-se pelo que saD
Eis af a asserriio sobre si, pela qual 0 sujeito conclui 0 movimento
logico na decisao de urn iu/zo. 0 proprio retorno do movimento
de compreender, sob 0 qual vacilou a instancia do tempo que 0
sustenta objetivamente, prossegue no sujeito como uma reflexao,
na qual essa instancia ressurge para ele sob 0 modo subjetivo
de um tempo de demora em rela<;ao aos outros nesse mesmo
movimento, e se apresenta logicamente como a urgencia do
momenta de concluir. Mais exatamente, sua evidencia revela-se
na penumbra subjetiva, como a crescente ilumina<;ao de uma
franja no limite do eclipse sofrido, sob a reflexao, pela objeti-
vidade do tempo para compreender.
Com efeito, esse tempo para que os dois brancos compreendam
a situa<;ao que os coloca na presen<;a de urn branco e de urn
preto parece nao diferir logicamente, para 0 sujeito, do tempo
que Ihe foi necessario para que ele mesmo a compreendesse, ja
que essa situa<;ao nao e outra senao sua propria hipotese. Mas,
se essa hipotese e verdadeira, se os dois brancos realmente veem
urn preto, entao eles nao tiveram que sup6-la como urn dado.
Portanto, daf resulta, sendo esse 0 casa, que os dois brancos 0
precedem pelo tempo de cadencia implicado, em detrimento dele,
por ter tido que formar essa propria hipotese. Esse, portanto, e
o momenta de concluir que ele e branco; de fato, se ele se deixar
preceder nessa conclusao por seus semelhantes, niio podera mais
reconhecer que nao e preto. Pass ado 0 tempo para compreender
o momento de concluir, e 0 momento de concluir 0 tempo para
compreender. Pois, de outro modo, esse tempo perderia seu
sentido. Assim, nao e em razao de uma contingencia dramatica,
da gravidade do que esta em jogo, ou da emula<;ao do jogo que
o tempo urge; e na urgencia do movimento logico que 0 sujeito
precipita simultaneamente seu jufzo e sua safda, no sentido
etimologico do verbo, "de cabe<;a" , dando a modula<;ao em que
a tensao do tempo inverte-se na tendencia ao ato que evidencia
aos outros que 0 sujeito concluiu. Mas, detenhamo-nos nesse
ponto em que 0 sujeito, em sua asser<;ao, atinge uma verdade [2011
que sera submetida a prova da duvida, mas que ele nao poderia
verificar se nao a atingisse, primeiramente, na certeza. A tensiio
temporal culmina af, pois, como ja sabemos, e 0 d.esenrol,ar. de
sua distensao que ira escandir a prova de sua nece~sldade loglca.
Qual 0 valor logico dessa asser<;ao conclusiva? E 0 que t~~ta-
remos destacar agora no movimento logico em que ela se venflca.
A tensao do tempo na asserrao subjetiva
e seu valor manifesto na demonstrarao do sofisma
o valor logico do terceiro momenta da evidencia, ~ue se fo~~ula
na asser<;ao pela qual 0 sujeito conclui seu movlmento loglco,
parece-nos digno de ser aprofundado. Ele revela: de fato, uma
forma propria a uma 16gica assertiva, da qual convem demonstrar
a que relaroes originais ela se aplica. ., .
Progredindo nas rela<;6es proposicionais dos dOlS pnmelros
momentos, ap6dose e hip6tese, a conjun<;ao aqui manifesta se
vincula a uma motivariio da conclusao, "para que niio haia"
(demora que gere 0 erro), onde parece aflorar a forma o?tologic.a
da angustia, curiosamente refletida na expressao gramatIcal eqUl-
valente, "por medo de que" (a demora gere 0 erro).:. . .
Sem duvida, essa forma esta relacionada com a ongmahdad.e
logica do sujeito da asser<;ao: em raza~ do que nos ~ .cara?t~n-
zamos como asserriio subietiva, ou seja, nela, 0 sUjelto loglco
nao e outro senao a forma pessoal do sujeito do conhecimento,
aquele que so pode ser exprimido por [eu]. Em outras pala~r~s,
o jufzo que conclui 0 sofisma so pode ser portado pe~o sUjelto
que formou a asser<;ao sobre si, e nao pode ser-Ihe Imputado
sem reservas por nenhum outro - ao contrario das rela<;6es d.o
sujeito impessoal e do sujeito inde!inido redpr~c.o do~, dOlS
primeiros momentos, que sao essenclalmente tranSltIvOS, ja que
o sujeito pessoal do movimento logico os assume em cada urn
desses momentos.
A referencia a esses dois sujeitos evidencia bem 0 valor logico
do sujeito da asser<;ao. 0 primeiro, que se expI:i~e no, ".se" do
"sabe-se que ...", da apenas a forma geral do sUjelto noetIco: ele
pode igualmente ser deus, mesa ou bacia. 0 segundo,}ue se
exprime em "os dois brancos" que devem re~onh,ecer um a.o
outro" introduz a forma do outro como tal, IStO e, como pUla
recipr~cidade, pOl'quanto urn s6 se. rec~n~ece no outro ,e .~6
descobre 0 atributo que e seu na eqUlvalencla do tempo propllo
de ambos. 0 [eu], sujeito da assen;ao conelusiva, isola-se por
uma cadencia de tempo l6gico do outro, isto e, da relac;ao de
reciprocidade. Esse movimento de genese l6gica do [eu] por
uma decantac;ao de seu tempo 16gico pr6prio e bem paralelo a
seu nascimento psicol6gico. Da mesma forma que, para efetiva-
mente recorda-Io, 0 [eu] psicol6gico destaca-se de urn transiti-
vismo especular indeterminado, pelacontribuic;ao de uma ten-
dencia despertada como ciume, 0 [eu] de que se trata aqui
define-se pela subjetivac;ao de uma concorrencia com 0 outro
na func;ao do tempo l6gico. Como tal, ele nos parece dar a forma
l6gica essencial (muito mais do que a chamada forma existencial)
do [eu] psicol6gico.3
o que evidencia bem 0 valor essencialmente subjetivo (" as-
sertivo", em nossa terminologia) da conclusao do sofisma e a
indeterminac;ao em que e mantido urn observador (0 diretor da
prisao que supervisiona 0 jogo, por exemplo), diante da safda
simultanea dos tres sujeitos, para afirmar de algum destes se ele
concluiu corretamente quanta ao atributo de que e portador. 0
sujeito, com efeito, captou 0 momenta de coneluir que e branco
ante a evidencia subjetiva de urn tempo de demora que 0 apressa
em direc;ao a safda, mas, caso nao tenha captado esse momento,
ele nao age de outra maneira ante a evidencia objetiva da safda
dos outros, e sai no mesmo passo que eles, s6 que seguro de ser
preto. Tudo 0 que 0 observador pode preyer e que, se ha urn
sujeito que, inquirido, devera deelarar-se preto, por ter-se apres-
sado atras dos outros dois, ele sera 0 unico a se deelarar como
tal nesses termos.
Por ultimo, 0 jufzo assertivo manifesta-se aqui por urn ato.
o pensamento moderno mostrou que todo jufzo e essencialmente
urn ato e, aqui, as contingencias dramaticas s6 fazem isolar esse
ato no gesto da safda dos sujeitos. Poderfamos imaginar outros r2()111
modos de expressao do ato de coneluir. 0 que constitui a
singularidade do ato de coneluir, na asserc;ao subjetiva demons-
3. Assim, 0 leu], terceira forma do sujeito da enuncia~iio na logica, continua a
ser af a "primeira pessoa", mas e tambem a unica e a ultima. Pois a segunda
pessoa gramatical decorre de uma outra fun~iio da linguagem. Quanto a terceira
pessoa gramatical, ela e apenas presumida: e urn demonstrativo, igualmente
aplicavel ao campo do enunciado e a tudo 0 que nele se particulariza.
trada pelo sofisma, e que ele se antecipa a sua certeza, em razao
da tensao temporal de que e subjetivamente carregado, e que,
sob a condic;ao dessa mesma antecipac;ao, sua certeza se confirma
numa precipitac;ao 16gica que determina a descarga dessa tensao,
para que enfim a conelusao fundamente-se em nao mais do que
instancias temporais total mente objetivadas, e que a asserc;ao se
des-subjetive no mais baixo grau. Como demonstra 0 que se
segue.
Primeiro, ressurge 0 tempo objetivo da intuic;ao inicial do
movimento, que, como que aspirado entre 0 instante de seu infcio
e a pressa de seu fim, parecera estourar como uma bolha. Atingido
pela duvida que esfolia a certeza subjetiva do momenta de
concluir, eis que ele se condensa como urn nueleo no intervalo
da primeira nw~iio suspensa, e manifesta ao sujeito seu limite
no tempo para compreender que pas sou para os outros dois 0
instante do olhar e que e chegado 0 momenta de concluir.
Seguramente, se a duvida, desde Descartes, esta integrada no
valor do jufzo, convem observar que, no tocante a forma de
asserc;ao aqui estudada, esse valor prende-se menos a duvida que
a suspende do que a certeza antecipada que a introduziu.
Mas, para compreender a func;ao dessa duvida quanto ao
sujeito da asserc;ao, vejamos 0 que vale objetivamente a primeira
suspensao para 0 observador a quem ja interessamos no movi-
mento de conjunto dos sujeitos. Nada alem disto: e que cada
urn, se ate entao era impossfvel julgar em que sentido ele havia
conelufdo, manifesta uma incerteza de sua conelusao, mas cer-
tamente a tera fortalecido, se ela estava certa, ou talvez retificado,
se estava errada.
Se subjetivamente, com efeito, qualquer urn conseguiu tomar
a dianteira e se detem, e que ele comec;a a duvidar de haver
realmente captado 0 momento de conduir que era branco; mas
recupera-o prontamente, visto que ja teve a experiencia subjetiva
dele. Se, ao contrario, ele deixou os outros se adiantarem e,
assim, fundamentarem nele a conelusao de que ele e preto, nao
pode duvidar de haver captado bem 0 momenta de coneluir,
precisamente pOl'que nao 0 captou subjetivamente (e, a rigor,
poderia ate encontrar na nova iniciativa dos outros a confirmac;ao (210)
l6gica do acreditar-se dessemelhante deles). Mas, se ele para, e
porque subordina tao estreitamente sua pr6pria conclusao ao que
evidencia a conelusao dos outros, que logo a suspende quando
estes parecem suspender a deles, e pOltanto, poe em duvida que
seja preto, ate que eles novamente Ihe mostrem 0 caminho ou
que ele mesmo 0 descubra, segundo 0 que concluini, desta vez,
ora ser preto, ora ser branco: talvez en'ado, talvez certo, ponto
que permanece impenetnivel a qualquer outro que nao ele mesmo.
Mas a incursao 16gica pros segue para 0 segundo tempo de
suspensao. Se cada urn dos sujeitos recuperou a certeza subjetiva
do momento de concluir, ele pode novamente coloca-la em
duvida. Mas agora ela e sustentada pela objetiva<;ao, uma vez
efetuada, do tempo para compreender, e a duvida colocada dura
apenas 0 instante do olhar, pois 0 simples fato de a hesita<;ao
surgida nos outros ser a segunda basta para eliminar a dele, tao
logo percebida, ja que ela Ihe indica de imediato que ele certa-
mente nao e preto.
Aqui, 0 tempo subjetivo do momento de concluir objetiva-se
enfim. Como prova 0 fato de que, mesmo que algum dos sujeitos
ainda nao 0 houvesse captado, agora ele se Ihe torna uma
imposi<;ao; com efeito, 0 sujeito que houvesse conclufdo a
primeira escansao indo atras dos outros dois, com isso convencido
de ser preto, seria real mente obrigado, pela escansao presente e
segunda, a voltar atras em seu jufzo.
Assim, a asser<;ao de certeza do sofisma vem, digamos, ao
termino da confluencia 16gica das duas mo<;oes suspensas no ato
em que elas se concluem, dessubjetivando-se ao minimo. Como
se evidencia em que nosso observador, se as constatou sincronicas
nos tres sujeitos, nao po de duvidar que qualquer urn deles, na
inquiri<;ao, deva declarar-se branco.
Por fim, podemos ressaltar que, nesse mesmo momento, se
cada sujeito pode, na inquiri<;ao, exprimir a certeza que enfim
confirmou, atraves da asser(:iio subjetiva que a deu a ele como
conclusao do sofisma, em termos como estes: "Apressei-me a
concluir que eu era branco porque, de outro modo, eles se
antecipariam a mim, reconhecendo-se reciprocamente como
brancos (e porque, se eu lhes tivesse dado tempo, eles me
haveriam, pelo que teria sido obra minha mesmo, mergulhado
no erro)" , esse pr6prio sujeito tambem pode exprimir essa mesma [2111
certeza por sua verifica('-'iiodessubjetivada ao mfnimo no movi-
mento 16gico, ou seja, nestes termos: "Deve-se saber que se e
branco, quando os outros hesitaram duas vezes em sair." Con-
c1usao que, em sua primeira forma, pode'ser formulada como
verdadeira pelo sujeito, uma vez que ele constituiu 0 movimento
l6gico do sofisma, mas que s6 pode como tal ser assumida pelo
sujeito pessoalmente - mas conclusao que, em sua segunda
forma, exige que todos os sujeitos ten ham consumado a incursao
16gica que veri fica 0 sofisma, pOl'em e aplicavel por qualquer
urn a cada urn deles. Nao e sequer impossfvel que urn dos
sujeitos, mas apenas urn, chegue a ela sem haver constitufdo 0
movimento 16gico do sofisma, e apenas por haver acompanhado
sua verifica<;ao, evidenciada nos outros dois sujeitos.
A verdade do sofisma como referencia temporalizada de si
para 0 outro: a asser(:iio subjetiva antecipatoria como
forma fundamental de Ulna logica coletiva
Assim a verdade do sofisma s6 vem a ser confirmada por sua
presu~(,-'iiO,se a~sim podemos dizer, na asser<;ao que ele constitui.
Desse modo, ela revela depender de uma tendencia que a visa
- no<;ao que seria urn paradoxo 16gico, se nao se reduzisse a
tensao temporal que determina 0 momento de concluir.
A verdade se manifesta nessa forma como antecipando-se ao
erro e avan<;ando sozinha no ato que gera sua certeza; 0 erro,
inversamente, como confirmando-se por sua inercia e tendo
dificuldade de se corrigir ao seguir a iniciativa conquistadora da
verdade.
Mas, a que tipo de rela<;ao cOlTespondeessa forma 16gica? A
uma forma de objetivac;ao que ela gera em seu movimento, qual
seja, a referencia de urn [eu] ao denominador comum do sujeito
recfproco, ou ainda, aos outros como tais, isto e, como sendo
outro uns para os outros. Esse denominador comum e dado por
urn certo tempo para compreender, que se revela como uma
fun<;ao essencial da re!ac;ao 16gica de reciprocidade. Essa refe-
rencia do [eu] aos outros como tais deve, em cada momento
crftico, ser temporalizada, para reduzir dialeticamente 0 momento [212]
de concluir 0 tempo para compreender, para que ele dure tao
pouco quanto 0 instante do olhar.
Basta fazer aparecer no termo 16gico dos outros a menor
disparidade para que se evidencie 0 quanto a verdade depende,
para todos, do rigor de cada urn, e ate mesmo que a verdade,
sendo atingida apenas por uns, pode gerar, senao confirmar, 0
eno nos outros. E tambem que se, nessa conida para a verdade,
e apenas sozinho, nao sendo todos, que se atinge 0 verdadeiro,
ninguem 0 atinge, no entanto, a nao ser atraves dos outros.
Essas formas decerto encontram facilmente sua aplica~ao na
pnitica, numa mesa de bridge ou numa conferencia diplomatica,
ou ate no manejo do "complexo" na pratica psicanalftica.
Mas gostarfamos de indicar sua contribui~ao para a no~ao
l6gica de coletividade.
Tres faciunt collegium, diz 0 ditado, e a coletividade ja esta
integralmente representada na forma do sofisma, uma vez que
se define como urn grupo formado pelas relac;6es recfprocas de
urn numero definido de indivfduos, ao contrario da generalidade,
que se define como uma classe que abrange abstratamente urn
numero indefinido de indivfduos.
Mas, basta desenvolver por recorrencia a demonstrac;ao do
sofisma para ver que ele pode aplicar-se logicamente a urn
numero ilimitado de sujeitos,4 posto que 0 atributo "negativo"
s6 pode intervir num numero igual ao numero de sujeitos menos
um.5 Contudo, a objetivac;ao temporal e mais diffcil de conceber
a medida que a coletividade aumenta, parecendo criar obstaculo
a uma l6gica coletiva com que se possa complementar a 16gica
classica.
Mostraremos, no entanto, que resposta uma tal 16gica deveria
dar a inadequac;ao que sentimos por uma afirmac;ao como" Eu
sou homem", seja em que forma for da 16gica classica, trazida
como conclusao das premissas que se quiser (" 0 homem e urn
animal racional" ... etc.).
Certamente mais pr6xima de seu valor verdadeiro ela se
afigura, apresentada como conclusao da forma aqui demon strada
da asserc;ao subjetiva antecipat6ria, ou seja, como se segue:
]Q) Urn homem sabe 0 que nao e urn homem;
2Q) OS homens se reconhecem entre si como sendo homens;
3Q) Eu afirmo ser homem, por medo de ser convencido pelos
homens de nao ser homem.
Movimento que fornece a forma J6gica de toda assimiIa~ao
"humana" , precisamente na medida em que ela se coloca como
assimiladora de uma barbarie e, no entanto, reserva a determi-
nac;ao essencial do [eu]. ..64. Eis 0 exemplo com relac;:ao a quatm sujeitos, quatm discos brancos e tres
discos pretos:
A pensa que, se fosse preto, qualquer um, B, C ou D, poderia pensar dos dois
outros que, se ele proprio fosse preto, estes nao tardariam a saber que eram
brancos. Logo, um dentre B, C ou D deveria concluir rapidamente que era
branco, 0 que nao se evidencia. Quando A se da conta de que, se 0 estao venda
como pre~o, B, C ou D levam sobre ele a vantagem de nao ter que fazer essa
suposic;:ao,ele se apressa a concluir que e branco.
Mas, nao saem todos ao mesmo tempo que ele? Na duvida, A para, e todos
tambem. Mas, se todos tambem param; que quer dizer isso? Ou que estao se
detendo as voltas com a mesma duvida de A, e A pode retomar sua conida sem
preocupac;:ao, ou entao, que A e preto, e que um dentre B, C e D pas sou a se
perguntar se a safda dos outros dois nao significaria que ele e preto, bem como
a pensar que, se eles estao pal'ados, nao e por isso que ele mesmo seria branco,
ja que um ou outm poderia ainda se indagar por um instante se nao seria preto;
tambem pode considerar que todos dois deveriam recomec;:ara andar antes dele,
se ele proprio fosse preto, e tornar a andar por forc;:adessa espera va, segum de
ser 0 que e, ou seja, branco. Por que B, C e D nao 0 fazem? Pois entao, fac;:o-o
eu, diz A. E todos retomam a marcha.
Segunda parada. Admitindo que eu seja preto, diz A a si mesmo, um dentre
B, C ou D deve agora estar fixado no fato de que ele nao poderia imputar aos
outms dois uma nova hesitac;:ao, se fosse preto; portanto, de que ele e branco.
Assim, B, C ou D devem recomec;:ara andar antes dele. Na falta disso, A retoma
a marcha, e todos vao junto. '
Terceira parada. Mas, nesse caso, todos deveriam saber que suo brancos, se
eu fosse realmente preto, diz-se A. Logo, se eles pal·am...
E a certeza e confinnada em tres escansoes .H/.spensivas.
5. Compare-se a condic;:aodesse menos-um no atributo com a func;:aopsicana-
lftica do Um-a-mais no sujeito da psicanalise, p.483-4 desta coletiinea.
6. Que 0 leitor que pmsseguir nesta coletiinea volte a referencia ao coletivo
que constitui 0 final deste artigo, para situar 0 que Freud produziu sob 0 registro
da psicologia coletiva (Massen: Psychologie und lchanalyse, 1920): 0 coletivo
nao e nada senao 0 sujeito do individual.

Outros materiais