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CIDADE DE MUROS: CRIME, SEGREGAÇÃO E CIDADANIA EM SÃO PAULO TERESA PIRES DO RIO CALDEIRA Resumo LIVRO 3

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Resumo LIVRO 3
CIDADE DE MUROS: CRIME, SEGREGAÇÃO E CIDADANIA EM SÃO PAULO
TERESA PIRES DO RIO CALDEIRA 
PALAVRAS-CHAVE: 
1. Violência e medo
1. Segregação espacial
1. Discriminação social
1. Fala do crime (todos os tipos de comentários, narrativas, piadas, é uma repetição de estereótipos, elaboração de preconceitos)
1. 2 novos modos de criminalização: 1- privatização da segurança e 2-reclusao de alguns grupos sociais
1. Enclaves fortificados
1. Corpo incircunscrito ( que não tem limite)
1. Democracia disjuntiva (democracia segregação)
 Nos anos 80, o tema da criminalidade começa a ser registrado, através de instrumentos de medição estatística, tendo em vista um aumento vertiginoso dos crimes violentos nas grandes cidades do país. Enquanto vários trabalhos se concentraram em explicar o porquê desse crescimento da violência urbana, Teresa Caldeira escolheu um caminho ousado: estudar a relação entre criminalidade, democracia e espaço urbano. 
Baseada em depoimentos de moradores de bairros diferentes da cidade de São Paulo, colhidos entre 1989 e 1991, Teresa Caldeira analisa seus discursos em relação à criminalidade, às instituições democráticas e aos direitos civis. A tese central da autora é a de que se configura na sociedade brasileira aquilo que ela, qualificam de "democracia disjuntiva". Este conceito, embora não seja exaustivamente trabalhado no livro, é a mola mestra da argumentação da autora. Caldeira avalia que uma das maiores contradições do Brasil contemporâneo reside no fato de que a expansão da cidadania política, através do processo de transição democrática, se desenvolveu no mesmo ritmo com a deslegitimação da cidadania civil e a emergência de uma noção de espaço público fragmentado e segregado, daí o caráter disjuntivo desse processo de democratização. Os depoimentos dos entrevistados sobre a criminalidade urbana, a instituição policial, os direitos humanos e as práticas de privatização do espaço com o objetivo de manutenção da segurança e afastamento da ameaça à mesma revelam e reproduzem essa disjunção. 
Na primeira parte do livro, Caldeira apresenta narrativas sobre o crime e os criminosos, mostrando como elas ressignificam a experiência do crime e reproduzem estereótipos sobre a diferença. O discurso sobre o crime é um discurso classificatório que estabelece fronteiras nítidas entre o bem e o mal. Ponto alto da pesquisa de Caldeira, essa parte do livro consegue, através das entrevistas, mostrar esse princípio classificatório em funcionamento. A fala da senhora de classe média, imigrante da Itália, que se refere a outros migrantes mais recentes, os nordestinos, como responsáveis pelo aumento da criminalidade no seu bairro, é um bom exemplo dessa dinâmica de criação de distanciamentos. O princípio classificatório é capaz de transformar a categoria que estaria mais próxima do narrador - pela condição de migrante -, mas que é diferente - de outra classe social -, em um outro distante e condenado. Ainda mais interessante no trabalho, é que essa criação de fronteiras não se limita a um universo social, Caldeira mostra como o mesmo mecanismo atua entre moradores da periferia e de bairros de elite da cidade de São Paulo. 
Nas partes II e III do livro, a autora aborda dois aspectos ilustrativos da "democracia disjuntiva": a instituição policial (pessoas legitimam as práticas ilegais da polícia; vem desde os tempos da escravidão) e os "enclaves fortificados". Os enclaves "são propriedade privada para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito ao mesmo tempo que desvalorizam o que é público e aberto na cidade. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e sistemas de segurança, que impõem regras de inclusão e exclusão." A polícia e os enclaves serão tomados, assim como os discursos sobre a criminalidade urbana, como formas de expressão da lógica de exclusão e segregação existente na sociedade brasileira contemporânea, formas que convivem com características democráticas dessa mesma sociedade, por isso são exemplos do caráter disjuntivo de nossa democracia. Aqui se apresentam os maiores problemas no argumento da autora. 
No início da parte II, ela critica uma visão dicotômica da realidade social, argumentando que os limites entre público/privado, legal/ilegal não são rigidamente definidos como pares de oposição estanques. "Essas dicotomias forçam distinções que não existem na vida social, onde frequentemente ocorrem simultaneamente e sobrepõem-se umas às outras. Essas dicotomias não captam o caráter essencialmente dinâmico e com frequência paradoxal das práticas sociais" (:141-142). A autora afirma que análises sobre a sociedade brasileira que recorrem a essas dicotomias, acabam por enfatizar a existência de contradições entre relações sociais hierárquicas e espaço público impessoal como algo não só peculiar à sociedade brasileira mas que caracterizaria nossa "modernidade incompleta". Teresa Caldeira critica esta noção porque, para ela, "a questão central não é se há formações sociais com princípios e práticas contraditórios, algo que poderíamos provavelmente encontrar em qualquer sociedade, mas sim como devemos interpretar essas contradições." No entanto, ao deter-se sobre as práticas policiais e sobre a construção de muros, grades e fortificações em residências e áreas comerciais da cidade, a autora recorre a um raciocínio polarizador, usando argumentos que contradizem sua crítica teórica. O fracasso das tentativas do governo de São Paulo em aplicar medidas de garantia dos direitos humanos é atribuído a uma "cultura de violência" que imperaria na própria instituição policial e na sociedade como um todo, cultura esta que justifica práticas de tortura e de desrespeito aos direitos civis. Da mesma forma, os condomínios fechados e shoppings centers são vistos como espaços segregadores e homogeneizadores em oposição ao espaço público moderno - heterogêneo e aberto. Tudo se passa como se duas lógicas opostas estivessem em confronto: de um lado, a lógica da democracia, dos direitos civis e de suas instituições; do outro, a lógica da violência e da segregação. Esta última estaria sempre ameaçando o sucesso da primeira, tornando-se um entrave para o pleno desenvolvimento da democracia no país. Voltamos ao paradigma da "modernidade incompleta". 
Um olhar mais aprofundado sobre as práticas policiais e sobre a vida cotidiana nos "enclaves fortificados" evidencia mais nuanças e contradições do que poderíamos esperar à primeira vista. Nem sempre a segregação e a violência são as marcas desses espaços. Da mesma forma, nem sempre o Estado de direito e os espaços públicos, como as praças e ruas, são vistos como arenas da diversidade. As situações e contextos onde essas fronteiras se mesclam são essenciais para compreendermos as interpretações que os indivíduos fazem de sua própria sociedade. Apesar de estar consciente disso, a autora pouco explora esse raciocínio em seu trabalho. 
Na parte final do livro, escrita mais recentemente, ela volta a insistir nas duas lógicas opostas: "No contexto da transição para a democracia, o medo do crime e os desejos de vingança privada e violenta vieram simbolizar a resistência à expansão da democracia para novas dimensões da cultura brasileira, das relações sociais e da vida cotidiana." Como base dessa resistência, Caldeira aponta a concepção de corpo que seria partilhada, segundo ela, pela sociedade brasileira. 
Referindo-se à prática da tortura como ato tido como legítimo, à violência doméstica, à prática indiscriminada da cesariana e até ao carnaval, Teresa Caldeira afirma que a sociedade brasileira construiu uma relação "incircunscrita e manipulável" com o corpo. Essa relação flexível acaba por não permitir o estabelecimento de regras mais claras de respeito individual, o que teria sido o caso, por exemplo, da Europa Ocidental e dos Estados Unidos, paísesde tradição liberal. O que me parece equivocado nessa argumentação é o uso de uma imagem civilizadora e democrática da tradição liberal em oposição a uma imagem de fragilidade dos direitos individuais. Será que não se estaria, na verdade, reproduzindo estereótipos sobre ambos os modelos? E, além disso, construindo uma visão de sociedade brasileira baseada na negação da "sociedade liberal e democrática européia e norte-americana"? 
A autora não classifica o Brasil e outras sociedades de passado colonial como sociedades não modernas. Afinal, elas desenvolveram instituições democráticas baseadas no direito político e social. No entanto, Caldeira entende que aqui se constituiu uma "modernidade peculiar", cuja marca distintiva está na fragilidade dos direitos civis. O desafio, segundo a autora, seria equilibrar os aspectos positivos da flexibilidade dos corpos, como a sensualidade - mais um estereótipo -, com uma circunscrição dos mesmos que evitasse os abusos contra os direitos individuais, principalmente em um contexto onde a desigualdade social os torna mais frequentes contra os dominados (pobres, mulheres, crianças). Tais abusos, porém, não seriam menos frequentes em países de tradição liberal - basta lembrarmos, por exemplo, dos casos recorrentes de abuso sexual contra crianças em países europeus e nos Estados Unidos. Lá, também, a circunscrição dos corpos talvez não seja assim tão definida como faz parecer a análise de Caldeira. 
O livro apresenta um grande esforço para montar um quebra-cabeça: a violência urbana, os direitos civis e a democracia são as peças desse jogo. A tentativa de Caldeira é um primeiro passo que nos deixa pistas para avançar. Uma investigação sobre as práticas de segregação e de homogeneização da vida cotidiana talvez nos mostre uma fluidez de significados muito maior do que aquela apresentada pelos discursos dos sujeitos. Além disso, pode nos guiar para encontrarmos outras peças que podem estar faltando nesse jogo. 
Creio que o aspecto a ser ressaltado é que o impacto mais importante dos enclaves fortificados é justamente a alteração da centralidade em que se organizou comumente o espaço urbano e a mudança no caráter do espaço público. Os muros não fortalecem a cidadania, mas ao contrário, contribuem para sua corrosão.
As principais contradições do Brasil contemporâneo é a que existe entre a expansão da cidadania política e a deslegitimação da cidadania civil.
6. SÃO PAULO: TRÊS PADRÕES DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL
 A autora coloca a importância da segregação social e espacial nas cidades, a partir do momento que organizam o espaço urbano. São Paulo teria tido pelo menos 3 expressões de segregação espacial no século XX. O primeiro tipo é a segregação por formas de moradia, do início do século XX, a segunda no modelo centro-periferia, que perdurou dos anos 40 aos 80, e o terceiro é a atual sobreposição centro-periferia com o artifício dos “enclaves fortificados“.
 Os enclaves fortificados faz os segmentos sociais ficarem muito próximos, mas separados por muros e tecnologias de segurança, além de símbolos sociais, que não permitem a sua interação. São espaços privatizados, monitorados, para residência, estudo, consumo, lazer e trabalho. Incluem moradias, shoppings centers, conjuntos de escritórios, etc. Eles mudam o caráter do espaço público, restringindo o acesso e a livre circulação de todos os cidadãos. Não levam em consideração os aspectos mais importantes dos ideais da cidade moderna, quais sejam os valores de um espaço público aberto e igualitário e a universalização do acesso. Pelo contrário, os enclaves fortificados tendem a segregação por grupos sociais, do diferente, servindo de base para a acentuação das diferenças e estratégias de separação.
Entretanto, ainda estamos arraigados a ideia da oposição centro-periferia, que tem que ser superada para que possamos lidar com os novos conflitos e a novas formas de segregação urbana.
 A autora coloca historicamente o movimento das três formas de segregação espacial que ocorreram em São Paulo e no que elas contribuíram para a atual forma de organização espacial e de imaginário popular sobre as distinções entre os grupos. 
Foca para como na primeira fase a ênfase dada e higienização da cidade, no controle público sobre a população e a industrialização e consequente proletarização acabaram resultando na segunda fase, e como foi-se dando ênfase a estrutura central da cidade. 
 A segunda fase foi iniciada com a mobilização quanto a questão da moradia, que acabou dispersando a cidade ao invés de concentrá-la, ainda mais com o advento do melhoramento dos meios de transportes (carros e ônibus, avenidas, ECT.), que permitiam o distanciamento entre classes e a urbanização e industrialização periférica. Ainda assim, os serviços estavam concentrados na zona central da cidade. O modelo de construção de casas na periferia foi o da autoconstrução, enquanto os apartamentos centrais da população de classe média e alta eram financiados pelo governo. Por volta dos anos 70, devido a modificações na legislação sobre os terrenos, foram surgindo os primeiros condomínios fechados, localizados fora da faixa central da cidade, deslocando-se para áreas mais longes. A distribuição de serviços e infra-estrutura era bastante desigual entre as classes, ainda, e a expansão da periferia criou sérios problemas de saneamento e saúde.
 Para a autora, com o inicio da abertura política por circunstâncias históricas específicas, a cidade foi concomitantemente mudando sua configuração e o modelo centro-periférico não mais foi capaz de representar a complexidade do espaço urbano e sua dinâmica.
Nos anos 80 e 90 se consolidaram os novos padrões de distribuição de grupos sociais e do espaço urbano. O crescimento do setor de serviços ajudou na expansão das áreas periféricas, e a concentração urbana na parte central deixou de ser atrativa aos poucos, o que dispersou também as elites para as áreas mais afastadas. Entretanto, as distinções continuaram a existir e passaram a ser mais explícitas, constituindo a cidade de muros, nos enclaves fortificados. Tudo justificado pelo medo da violência, que realmente se expandiu muito e passou a ser o foco da atenção dos anos 80 em diante.
 A expansão periférica foi realmente contraditória, as classes trabalhadoras passando a ser importantes atores políticos, melhorando suas condições de vida, ao mesmo tempo que sua capacidade de tornarem-se proprietárias de suas casas diminuiu. Isso levou a população mais pobre a procurar as favelas ou cortiços, que surgiram como alternativa para a moradia.
 A expansão do setor de serviços modificou a organização espacial das cidades, gerando um novo padrão de desigualdade social e heterogeneidade social, que mistura moradores risco e pobres e os coloca lado a lado. Os empreendimento imobiliários para pessoas de renda alta passam a se localizar em regiões que eram pobres, ao lado de imensas favelas.
 A construção com interesse imobiliário faz com que o espaço público se torne caótico, com edifícios imensos em ruas estreitas, ruas sem calçadas para restringir o acesso dos pobres, gerando congestionamentos freqüentes. Mudar para um condomínio de luxo significa suportar tráfego pesado e serviços urbanos deficientes mas para os moradores são compensados pela sensação de segurança de viver enclausurados e próximos a seus iguais.
 As regiões metropolitanas também muito se desenvolveram desde então, não sendo mais apenas uma extensão da periferia da capital. Algumas dessas cidades hoje abrigam antigos moradores ricos do centro.
7. ENCLAVES FORTIFICADOS: ERGUENDO MUROS E CRIANO UMA NOVA ORDEM PRIVADA
 Os enclaves fortificados não são espaços democráticos: não permitem que as pessoas caminhem no seu entorno, ou passem por eles. São distantes e mantidos sob controle dos empregados que neles trabalham. Não são um fenômeno isolado, mas a versão residencial de uma nova forma de segregação nas cidades contemporânea, fornecendo o novo paradigma de distinção social.
 São propriedadesprivadas para uso coletivo e restrito, e desvalorizam o que é público. São marcados fisicamente e isolados por muros, grades, seguranças, entre outros. São voltados para o interior e rejeitam a vida pública e o resto da cidade. São independentes do seu entorno e pertencem a redes de serviço invisíveis. São espaços para as classes altas e valorizam a seleção de seus membros.
 Eles conferem status aos seus moradores e sua presença evidencia a diferenciação social, suando meios literais para transformar isolamento e vigilância em status. Eles mudaram os valores das classes altas que passaram a conviver em espaços coletivos e não mais individuais (apesar de tratarem todo o espaço como se fosse individual ou sua propriedade provada aquilo que é coletivo, pelo menos para aquela população específica). Valorizou as áreas periféricas das cidades ao centro.
 Em relação aos anos 70 são várias as modificações dos novos enclaves, como o uso do espaço público, o acesso a rede de serviços urbanos, a sua localização, e a estrutura interna. Podem também serem verticais ou horizontais este novo tipo d habitação. Se diferenciam dos CIDs e subúrbios americanos por serem murados, fechados, por não serem homogêneos arquitetonicamente e por não compartilharem do espírito de comunidade, comum no EUA.
 No Brasil, a moradia e o status social estão extremamente associados, e são maneiras de as pessoas se afirmarem publicamente. As pessoas não só criam sua posição como moldam seu mundo interior (pág. 264). Essas casas é que expressam o que é moderno, o que é pertencer a sociedade, etc. Vê-se isso no modo como são vendidas as casas nos anúncios publicitários, que prometem mundos e fundos aos seus moradores, sendo que os artifícios são muito parecidos para as diferentes classes sociais, somente com pequenas modificações para atrair o público específico.
 Os condomínios são vistos como separados da cidade, como mundos a parte da vida pública, espaço estigmatizado. Faz-se apelos a ecologia, lazer, segurança, ordem, saúde, claros apelos para a imagem uma vida melhor nos enclaves, as residências sendo quase clubes particulares, apesar do uso dos serviços ser muito baixo, servindo mais para ostentação (pág. 268). E não são só instalações que os enclaves possuem, o número de serviços também é excepcional. Sem falar nos flats, em que os apartamentos são abastados com serviços como em um hotel. A herança da Casa Grande e da Senzala cada vez mais se exime na vida das classes altas, uma vez que os serviços são administrados pelos condomínios ou empresas terceirizadas, em relações mais profissionais do que a tradicional relação permanente e individualizada de pessoas que moravam na casa e faziam os serviços domésticos. As antigas relações não desaparecem, apenas o enquadramento se modificou (pág. 270). Até mesmo nessa área a separação aparece como prestígio, com elevadores e entradas de serviço, apesar da proibição e ilegalidade destas. O controle é exercido não somente pelos que vem de fora, como também com os próprios funcionários e visitantes, claro que de forma proporcional ao status social.
 Importar modelos do Primeiro Mundo é uma prática comum nos países do Terceiro Mundo, e com a questão da moradia e segregação espacial também se vê essa relação. A segregação racial dos EUA, no entanto, não pode se aplicar ao Brasil, apesar de suas similitudes, uma vez que no Brasil é velada, rotineira e cotidiana a discriminação.
 O ideal dos condomínios fechados seria a homogeneidade e ordem dentro dos muros, entretanto essa ideal apresenta problemas na sua concretização. As pessoas nos condomínios fechados colocam que apesar de o mundo externo não sem mais problemas, os problemas internos são exacerbados. O sentido de community dos EUA não consegue se reproduzir no Brasil, uma vez que os moradores costumam tratar as áreas coletivas como individuais. As próprias regras internas são debatidas diferentemente dos EUA, tratadas dentro da esfera individual e não coletiva, jurídica, como no modelo americano. Raramente a polícia é chamada para intervir, que só tem como função manter os meliantes afastados dos muros.
 Os principais problemas se advêm daí. O desrespeito a leis de transito, as transgressões dos adolescentes, que enfraquecem as noções de responsabilidade com o espaço público.
 A autora enfatiza relação complexa entre política, democratização e o surgimento dos enclaves, que vão justamente em direções opostas, gerando a hipótese de como que se a democratização e universalização de direitos fosse compensada com a restrição dos muros.
 Na parte da venda dos enclaves a autora destaca o gosto pela individualização das casas, o que não é possível de se fazer com os apartamentos. De qualquer forma, não só o que é coletivo, mas também o que é padronizado e uniforme é ruim e feio (pág. 286).
 Claro que os enclaves tendem a dispersão, mas a cidade é ainda muito valorizada em seus aspectos culturais e de serviços, apesar das disponibilidades. Nas classes mais baixas os apelos publicitários aos serviços públicos são evidentemente maiores.
 O próprio enclausuramento é vendido como algo positivo, para as diversas classes, em virtude do discurso da violência, apesar da perda da liberdade. São poucas as casa que não tem muros, arames, seja nas zonas de trabalhadores, classes médias ou altas. E não é só uma questão de segurança, mas de status também. Quanto mais protegida a casa, maiores os muros, maior o status que possui.
8. A IMPLOSÃO DA VIDA PÚBLICA MODERNA
 A autora coloca neste texto vários aspectos já discutidos nos outros capítulos que não irei retomar. O centro deste capítulo é como a privatização do espaço público modifica a vida cotidiana na cidade de São Paulo, alterando a paisagem, os padrões de circulação, hábitos, gestos e usos dos espaços públicos. E os encontros nos espaços públicos são marcados pelo conflito, tensão, discriminação, a depender da situação. As questões centram nas relações entre a forma urbana, política e a vida pública, de como se relaciona urbanização e movimentos sociais, democratização, etc.
 O espaço público na visão liberal seria um espaço de convivência entre os diversos grupos sociais, mas que tem se enfraquecido pelas contradições da modernidade. As desigualdades, a segregação tem se provalecendo e fortificando (nos múltiplos sentidos do termo), apesar de estas serem características típicas das cidades modernas. As promessas do uso do público na modernidade não se restringem a cidade e ao consumo, mas também a política. Dessa forma, o conflito é inerente a cidade, uma vez que diferentes grupos, com diferentes interesses disputam no mesmo território.
São várias as posições em relação aos conflitos urbanos. Alguns dão ênfase a inclusão como forma de discriminação, outros insistem na questão da preservação das diferenças e das identidades. Porém o ideal democrático persiste, apesar das diferenças existentes nos diiscursos e da prática não se revelar neste sentido.
 O próprio planejamento estatal da vida pública fez com que as diferenças aparecessem e terminassem em exclusão, segregação. O projeto modernista das cidades brasileiras é a base dos enclaves fortificados, que apenas modificaram o que lhe era conveniente. A relação que se faz com a rua, com o centro, com os lugares de grande choque de pessoas é de que é um espaço perigoso, ligado a própria urbanização. Os centros são espaços dos trabalhadores normalmente, por isso, vistos como de segunda classe. São na verdade, como se moldam as discriminações sociais no dia-a-dia, para ambos os lados. Os parques são ainda áreas democráticas e usadas intensivamente, enquanto praças, por exemplo, passam a ser lugares em que as classes altas oferecem não freqüentar, preteridas aos shoppings, sendo dominados pelas classes trabalhadores.
 Por fim a autora estabelece comparações entre São Paulo e Los Angeles, salientando que esta cidade americana é uma das que mais se aproxima da brasileira, apesar de ainda ser muito mais democrática e de ter sido constituídapor um modelo diferente de dispersão. Los Angeles não tem um centro, por exemplo, é uma cidade fragmentada, polinucleada e descentralizada, sofrendo o que se chama de uma urbanização periférica. A cidade possui enclaves muito mais étnicos, que entram em conflito, como ocorreu na chamada Batalha de Los Angeles de 1992. Los Angeles não é só fragmentada como constituída por enclaves sociais. Creio que o aspecto a ser ressaltado é que o impacto mais importante dos enclaves fortificados é justamente a alteração da centralidade em que se organizou comumente o espaço urbano e a mudança no caráter do espaço público. Os muros não fortalecem a cidadania, mas ao contrário, contribuem para sua corrosão.

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