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AeuELE QUE DIz ttNÃo": SOBRE UM MODO PECULIAR DE T'IT'AN PN ST / vladimir Safatle Este.pequeno texto de Freud, escrito em 1925' transformou- -se, graças principalmente às leituras de Jacques Lacan e Jean Hyppolite, em um dos artigos fundamentais da teoria psica- nalítica.l Sua concisão pode esconder sua real densidade' No entanto, aqui encontramos o ponto no qual a técnica psica- nalítica de interpretação se articula às reflexões a respeito da "origem psicológica do julgamento" e da teoria freudiana do aparelho psíquico. Fica claro como, na experiência psicanalí- tica freudiana, a prática não é apenas meio para fundar uma clínica, mas também caminho para encontrar as estruturas que caracterizàriam a Psique humana' r / A bibliografia sobre o problema do estatuto dâs negações em psicanálise é bastante extensa, mas Poderíamos lembrar aqui alguns bons textos como de Monique Dâüd-Ménard, "La Né- gation comme sortie de 1'ontologie"' Revue de MetaPhysíque etMorale, n' 3o' zoor-oz; André G teen, Le Travaíl du ttlss négatíf . Paris; Minuit, r993; Pierre Macherey, "Le Leurre hégélien: Lacan lecteur de Hegel". Bloc-notes de ld psychanalyse, n.5, 1985. PÍocurei de- senvolver o problema especialmente no primeiro caPítulo de meu liwo A pabcão do negatiuo: Lacan e a dialética' São Paulo: EditoÍa da UnesP, 2006' Fala- Mas n1o separa o não do sim, Da ao teufalar também o sentido: Dá-lhe a sombra. PAUL CELAN Que tal articulação entre prática e teoria seja patrocinada pelo problema do estatuto das negações na fala que o paciente ende- reça a seu analista, eis algo que não deve nos surpreender. O apa- relho psíquico é, segundo Freud, organizado a partir do agencia- mento de conflitos. Longe de ser uma instância unitária de representações que se cindiria apenas em situações patológicas, a psique está em contínuo conflito entre instâncias que obedecem a processos de pensamento e'a modos de circulação do desejo, irredutíveis entre si. Isso signiflca, entre outras coisas, que não há uma linguagem comum capaz de descrevertudo o que é daordem da atividade de um sujeito. Não por outrarazão, Freud nos mos- trou como o sujeito é algo que não pode ser descrito apenâs ape- lando a um pronome pessoal, como "Eu". Ele é, naverdade, algo que está sempre entre dois pronomes, entre a pessoalidade do "Eu" e a impessoalidade do "Isso". Entre "O Eu e o Isso". Sendo assim, para um sujeito que se despiu da crença de po- der descrever a si mesmo como se estivesse diante de uma ins- tância unitária, a compreensão dos modos de relação que nega- ções podem tecer aparece como uma estratégia importante. Ela permite entender como podemos operar sínteses entre conteú- dos mentais sem, necessariamente, definir tais sínteses como um processo englobante de transcrição de conteúdos incons- cientes em representações conscientes. Há uma forma peculiar de reconhecimento (Annerkenung) intrapsíquico na qual "o re- conhecimento do inconsciente por parte do Eu se expressa em uma fórmula negativa". Por isso, o problema apresentado pelo texto de Freud não é apenas um problema ligado a técnicas de interpretação analítica, mas à maneira como o sujeito se serve posrÁcro de negações para produzir relações de síntese, acedendo a uma linguagem mais apta a dar conta de seus conflitos. Nesse sentido, tal problema deverá necessariamente implicar uma problem atizaçáo na maneira como resistências são analisa- das. Se é verdade que há certas negações que são, principalmente, modos de produção de relações possíveis de síntese, então algo delas deve ser conservado pela intervenção do analista'2 Há que se saber que nem tudo se diz sob a forma de determinações po- sitivas, e isso vale também para os modelos de intervenção ana- lítióa. No fundo, esse é um dos eixos fundamentais da leitura proposta porJacques Lacan, então em conflito com os princípios funcionais das práticas terapêuticas ligadas à antiga psicologia do ego. Ou seja, há uma reflexão importante sobre os modelos de análise de resistências induzida pelo texto freudiano, como gostaria de mostrar ao final. Ahipótese sublimadora Para entender melhor este problema' examinemos o começo do texto, Nele, Freud sugere estarmos atentos à maneira como certas resistências aparecem no interior de situações clínicas. Elas têm normalmente a forma de uma recusa dirigida ao ana- 2 / A esse respeito: "Faz-se necessáno compreender que o estâtuto do ne- gativo apresenta esta particularidade de ser, ao mesmo tempo, o avesso do positivo, conotação de um tipo de valên- cia contrária ao que é primeiÍamente afirmado, mas que ele é também reve- lação de um ser radicalmente outro que este do positivo, de tal maneira que a apreensão deste através dos meios que lhe são apropriados nunca esgotará sua natuÍeza". A. Green, op. cit., p' 59. 36/37 lista: ,,Você acredita que direi algo de ofensivo, mas não é o caso", "Você acredita que essa mulher em meu sonho é minha mãe, mas não é verdade". Não se trata aqui de toda e qualquer negação, mas princi_ palmente daquela que parece impricar a posição do analista na fala do paciente ou, se quisermos, daquela negação feita por um paciente cuja fala se deixa abrir às oposiçõe, p..rrrpor,as pela posição do analista. Nesse sentido, lembremos que há uma rica gramática de negações no pensamento freudiano e ela deve ser conjugada em suas especificidades. A negação presente na cons_ tituição do fetiche (Verleugnung), po, "*"*plo, não é idênticaàquela que encontramos quando Freud descreve a constituição de certas alucinações, como no famoso caso da alucinação do dedo pretensamente cortado do Homem dos lobos (Ven»erfung). Por sua vez, essas duas não são da mesma natureza da negação queFreudaquidescreve.Taisnegaçõestêmdestinosair.ini"s e exigem modos distintos de elaboração. Segundo uma perspectiva clÍnica de matriz lacaniana, a he_ gemonia de cada uma dessas negações define modalidades dis_tintas de estruturas patológicas. podemos dizer que a Verleug- nung é hegemônica nas estruturas perversas, a Verwerfung nas psicóticas e averneinungnas neuróticas. Devemos ainda falar em "hegemonia" porque cada uma deras aparece em todas as estruturas, mas sempre há uma forma de negação que constitui o modelo geral de agenciamento de conflitos psíquicos dentro de uma estrutura. Sobre tal negação própria à Verneinung,é bem provável, pensa Freud, que seu caráter peremptório seja a maneira como o con_ posrÁcro teúdo recalcado passa no seu oposto, realizando-se como uma afirmação. No entanto, tal passagem no oposto não signiflca a plena aceitação do recalcado. Como dirá Freud: A negação é uma maneira de tomar consciência do recalcado; ela já e propriamente uma suspensão (AuJhebung) do recalque, mas certâmente não se trata de uma aceitação (,4 nnahme) do tecalcado. Insistamos neste ponto: uma suspensão intelectual do recalque que não é uma aceitação afetiva do recalcado. Um dos proble- mas centrais do texto consiste em compreender o que isso pode, afinal, significar. Uma das interpretações mais conhecidas con- siste ern dizer que, nesse caso, estaríamos diante de um pro- cesso de simbolização através do qual o conteúdo imediato é suspenso em prol de sua "sublimação" simbólica. Tal leitura, patrocinada sobretudo porJean Hyppolite, gira em torno da ex- ploração da presença do termo Aufhebung no texto freudiano. Hyppolite insiste na proximidade possível entre a negação freu- diana e a sua maneira de compreender a negatividade própria ao processo hegeliano de constituição da consciência de si. Um pouco como se o aparelho psíquico clivado de Freud fosse uma figura possível do sujeito hegeliano que constitui sua identi- dade através de "negações autorreferentes". Note-se que essâ questão não é apenas um passatempo histo- riográfico. Ela traz consequências importantes para a compreen- são dos modelos de ação do sujeito psicanalítico, pois interfere na maneira como entendemos o que sujeitos procuram fazer quando se servem da negaçãopara, de uma maneira muito pecu- sa/zc Iiar, falar de si para um outro eÍyr ôr,êh ^,._: As s umir a proxi*, *[ ]Xill ff*:f #I,Tffi ff [? ::]"Jela é sugerida por Hyppolite, equivale a uã_iti. .rtu.mos diantede uma .,negatiüdad menreinscrita,,oi,,"".i'jI:T,r;:J::: j:iliil*ffi mpreta_ Com tal questão de fundo em vista, yean Uyppotite comen_tará o texto de Freud, em uma sessão dos seminários deJacquesLacan. A base de sua leitura consistia.*ui, b u n g pr o duzrl d a p er a ve r n e i n ung rr etr di ana #Hlil :*:jeito ,,apresenrar seu ser sob o _oao o, ;;; ,;.,,., ou seja, nessaforma de o sujeito utilizar a negação, tal como descrita por Freud,encontraríamos um modo de apresentação do ser que equivale_ria a uma ,,atitude fundamentat ae simUoticidade explicitada,,.aEssa é uma maneira de o nome de seu próprio flfi;::ffiU:f que, no rundo, é tando inscrever simboli ceraosepara,"""",,",l"J,TÍ:l1r,rd*[il]ff :...#.Isso significa que dizer, no interior de uma situação analí-tica, ,,essa mulher que aparece em meu sonho não é minha mãe.seria uma maneira nã< rar, p ois e s ra b er eço ;:',:ü:: ." ff :#: H:J[,t T::lher', e ,,minha mâe,,que permite uo ,"grnáo termo aparecer à 3 /Jean Hyppolite, ,,Commentaire de Jean Hyppolite sur.la,Verneinung,,,, inJacques Lacan, Écnrs. paris: Seuil, 1966, p. 881. 4 / Id., ibid., p. 880. pospÁcro consciência, mesmo que cortado de sua aceitação afetiva. Daí por que Freud afirmaria: Por meio do símbolo da negação, o pensamento se libera das limitações do recalque e se enriquece de conteúdos os quais ele não pode recusar para suas atividades. Pois a partir do momento em que a consciência permite à ,,mi_ nha mãe" aparecer sob a forma de uma negação, ,,essa mulher,, não será mais a mesma. EIa será cad.avezmais acompanhada de seu oposto, até corroer as resistências de sua aceitação pela consciência ou até obrigar o sujeito a mobilizar negações cada vez mais fortes para que tal passagem no oposto não ocorra. Nesse sentido, a ação do analista não seria outra coisa que a ex_ plicitação do que está implíci /o, a posição do que está pressuposto. Essa ação do analista não poderia ser confundida, no en_ tanto, com alguma forma insidiosa de ,,sugestão,,, como à sua maneira acreditavam críticos da psicanálise como Karl popper.5 Popper crê criticar um modelo de interpretação no qual tanto a afirmação quanto a negação do paciente servirão como veri_ ficação para os modelos explanatórios pressupostos pelo ana_ lista, já que a negação seria simpresmente compreendidâ como resistência à correção da interpretação proposta. Aceitando 5 / Ver, sobretudo, Karl popper, Conjec- turas e refutações. BrasÍlia: Editora da UnB,1980. qo /a blimação ganha uma importância central, pois define o destino de tais conflitos no interior da linguagem do paciente' Em outro texto, eu insistira que tal aproximação era inade- quada.T Resumindo o argumento de então, seria possível dizer que a operação lógica pressuposta pela Verneinung se assemelha a uma inversão, uma passqgem no contrário que resulta da posi- ção plena de um termo.Assim, por exemplo, a negação da mãe é dissolvida na afirmação da presença da representação da mãe no pensamento do analisando' A negação do impulso agressivo contra o analista é invertida em afirmação do desejo de agressão' Nesse sentid o, aVerneinung estámais próxima de uma lógica da contrariedade do que de uma lógica dialética da contradição' cuja dinâmica suporta aAufhebung'O esquema lógico da Vemeinung parece ser o resultado da posição dessa negação que Aristóteles chamava de "contrariedade"s e que Hegel retoma de maneira dia- Iética através das considerações sobre a oposição (G egensatz)'Ela indica a solidariedade existente entre dois termos contrários: o Um e o múltiplo, o ser e o nada' o Um é inicialm ente negação do múltiplo, o ser é inicialmente negação do nada'e Isso nos mostra 7 i V. Safatle, oP. cit. 8 / Cf. Aristóteles , Metafísica,liwof , z' aoo4a,20. tz/tt 9 / Aristóteles dirá que: "De duas séries de contrários, uma é a Privação da outra" (id., ibid., roo4b, z5), isso após ter distinguido negação e privação: 'â negação é ausência da coisa em questão, enquanto, na Privação, há Embém, subsistindo em um sujeito, uma natureza particular cuja privação é afirmada" (id., ibid., roo4a, ro)' ou recusando a interpretação apresentada pelo analista, este sempre teria razão. Nesse sentido, a psicanálise freudiana não forneceria critério algum para sua própria refutação; ela não poderia ser testável, o que demonstraria claramente seu caráter pseudocientífico. Daí a ideia de que: "A irrefutabilidade não é umaürtude, como frequentemente se pensa, mas umvício,,.6 Na verdade, a crítica rasteira de popper não fazjus ao cui- dado de Freud. Há, sim, um princípio de refutação da inter- pretação analítica e ele se encontra em sua força pragmática, o que fica claro em um texto como Construções em análise.A ade- quação de uma interpretação se mede pela sua capacidade em produzir novas associações e permitir o desenvolvimento do tratamento. Uma interpretação que nada produz (e elas ocor- rem com frequência) é equivocada,. não necessariamente por ser falsa no sentido realista do termo, mas por ser irrelevante, ou seja, errada no sentido pragmático. pois o critério fundamental de uma interpretação não é exatamente suaveracidade, mas sua relevância em relação ao desenvolvimento do tratamento. No entanto, como Freud está a pensar em mais do que pro- blemas pontuais de interpretação analítica, faz-se necessário insistir na maneira como o tratamento se desenvolve a partir da assunção de negações. Pois é através da assunção de negação que sujeitos procuram dar conta da natureza conflitual de seus desejos. Nesse sentido, o problema a respeito da proximidade possível entre Verneinung e Aufhebungpelas üas da noção de su- 6 / Id., ibid., p.3. POSFACTO que uma determinação só pode serposta através da oposição, ou seja, ela deve aceitar a realidade de seu oposto. euando nega de maneira peremptória a representação, o sujeito é levado a afirmar seu oposto. Nesse sentido, se há uma figura dialética próxima das passagens ao contrário daVerneinung, é atJmschlagen que Hegel distingue claramente da AuJhebung. Mas, em Freud, há o que não deixa se inscrever no interior dessa relação de inversões entre opostos, e isso exige um modo diferenciado de elaboração. Há aquilo que não passa completa_ mente em seu oposto e que, por isso, torna instáveis as inversões próprias à Verneinung. Em sumâ, a última palavra do analista nunca pode ser a mera posição.de quem explicita o oposto, ou seja, de quem mostra o desejo de agressão por trás da negação do desejo de agressão, de quem mostra a mãe por trás dessa mulher. Aposição do analista é muito mais aquela de quem pergunta: por que a síntese com esse afeto ou representação precisou encontrar uma forma negativa? Para compreender melhor esse ponto e suas consequências clínicas, sigamos mais umavez o texto freudiano. Julgar e desejar O texto de Freud é claramente dividido em duas partes, sendo que a segunda trata daquilo que ele chama de ,,as origens psi_ cológicas das funções de julgamento',. Tal desenvorümento do texto mostra, entre outras coisas, como Freud não admite dis_ tinções entre o sujeito psicológico e o sujeito do conhecimento. Conhecimento e interesse são atividades que se sobrepõem, o que o leva a procurar compreender como as funções do julga_ posrÁcro mento podem ser estruturadas a partir das dinâmicas pulsio- nais. E, se há uma similaridade entre o pulsional e as estruturas do julgamento, é porque o psicológico constitui o lógico. Pensa- mos da mesma maneira como procuramos nos satisfazer diante do mundo. Através da compreensão pulsional do julgamento, Freud permite distinguir duas formas de negação, o que torna mais complexo o problema de como lidar com as negações na clínica. Sua reflexão parte da dualidade entre julgamentos de atribui- ção, nos quais decido se uma propriedade pertence ou não a umsujeito, e julgamentos de existência, nos quais decido se algo existe ou não na realidade. Cada um desses julgamentos apre- senta uma forma de negação. Há, por sua vez, uma explicação sobre a gênese do Eu a partir da constituição de modos de julgamento. Nessa explicação, os julgamentos de atribuição situam-se em posição originária, ou seja, eles têm prevalência, estabelecendo previamente o campo no interior do qual todos os julgamentos de existência poderão aparecer. Tal prevalênciatraz consequências para a noção de "realidade" presente nos julgamentos de existência. A respeito dos julgamentos de atribuição, Freud afirmará que, quando o Eu é o sujeito da proposição, trata-se de decidir, a partir de critérios sobre bom e ruim, sobre útil e nocivo, se algo aparece ou não como sua propriedade. É propriedade do Bu tudo o que lhe aparece como bom. É rejeitado para fora tudo o que lhe aparece como ruim. Freud falará, em outra ocasião, das "frequentes, múltiplas e inevitáveis sensações de dor e de desprazer que o princípio do pÍazeÍt dominando sem limites, tt/ts exige suprimir e evitar laufheben und. uermeid.enl,,. Nesse sen-tido, "negar algo no julgamento qu", aU"., .ro fundo, eis algoque prefiro recalcar,,. Ou seja, essa rejeição para o exterior é umaprimeira forma de negacão, descritapor Freud nao ainda comoVerneinung, mas como expulsã.o parafora de silAussto$ung ausdem lch] capaz de pressupor a separação radical entre o Eu e umReal que aparece como traumático. Aceitar a prevalência de tal separaçâo originária implica ad_mitir não haver inicialmenrê ^^^"r-"^^ ^_.1. ^,"::': : jiF: ffi ff I :: ;:tr fJ"Tff il:TJ::Tl:siderações ligadas à maximização ào prare.; "";;;;r;";do desprazer, ou seja, à rógica p.op.i, ";;. p,..rd chama lde "princípio d.o prazer,,.apoiando_se na procura do prazer, oprimeiro princípio para a realização de exigências de autocon_ ,:;:!,|:;:)":,#TJJJ:,:::ÍH:I*:;*:r"_;;do desprazer do mundo exterior. au, .rrofo"s pulsionais doIsso, determinando i de estabilida.". ur..rssr- um princípio de autoidentidade e o sero do que foi ",.JI::,.,H:;ili:,i;111il,.._ffxNo entanto, podemos dizer que se há algo que a psicanálisenos ensinou é que nada se expulsa por coripleto. Isso do qualo Eu precisou se separar, precisou .r"gu. puà sustentar sua au_toconservaçâo, sempre retorna. O reconhecimento d,Isso que oEu inicialmente negou para poder se afirmar como instância au-toidêntica, ou seja, o reconhecimento dessa exterioridade radi_calmente heterogênea, é um proble_u ""*. Como bem lem_brará Monique David_Ménard: ,.O que Freud "nu_u, ao final de posrÁcro seu texto, o ,negatiüsmo de tantos psicóticos,é essa conduta de aparência linguística inca paz de inventar o compromisso com o 'mal'; o que, ao contrário, a negação e capazde fazer,,,lo euando não é possível inventar tal compromisso com o que foi excluído, ele retorna sob a forma de delírios, alucinações ou, se seguirmos Lacan, de acting out euando é possível, então a negação abre as portas para uma modalidade renovada de reconhecimento. Mas, para compreender a extensão de tal problema, continue_ mos a descrição da estrutura dos julgamentos, segundo Freud. É no interior do campo delimitado por tal expulsão para fora de si do que vai contra as exigências do princípio do prazer que os julgamentos de existência podem aparecer. Ou seja, a realidade, para Freud, é o que se constrói após a recusâ do que estará ex_ pulso do Eu e de seu sistema de saber. A ,,realidade', só aparece depois que expulso algo sobre o qual nada quero saber. Isso per_ mite a Freud reapresentar sua ideia da percepção como uma es_ pécie de reencontro do objeto. Se os julgamentos de existências são aqueles nos quais decido se algo existe ou não na realidade, então Freud deve completar lembrando que tal decisão é moti- vada pela tentativa de repetir experiências de satisfação. procuro decidir o estatuto de realidade de uma representação mental por_ que sua realidade é, para mim, fonte de satisfação. Freud insistira em vários momentos que percepções são guiadas pela tentativa de adequar representações constituídas a partir de traços mnésicos vindos de experiências primeiras 10 / M. David-Ménard, op. cit., p. 59. ao/at de satisfação a objetos que se demonstri :"".".ffi;vaoderediãat";'';;;;;;'Ti:ffi "'r"iff #:::' ;:l1**'"",?:il1üi:ü::""'H;;adescrieaoposi'ri'laã quando fala do ,, ' A realidade '*";;';;::;;i::'l::::iJj: dade" não *,,, *,lll1l'll: o" realidade" e da "prova de reari- de estados O".orrlll.r com um princípio reatisra a" a"r"riçao - Tomemos, por exemplo, a ,,prova de reela é uma prova pragmática resurtante or, .urrr1"". Na verdade, ção em relacão a ," "rr " ,l:^ ^::: uas experiências de decep- repeüção uru"r.rur,t"utiva de se satisfaze ar u c i n a ça o, ; " ;,'# :: ã*jT;ülffi ;l1"T L5 ::T:I;rada, o sujeito constitui uo, oor"o. ilÍ a satisfação procu- o leva a diferenciar "nl"* "í.^l_.1; uma esnécie de prova que note-se que rar dir".:11"'"- alucinado e objeto 0".""ir0.. ,ü], ü:-, ffi íjl;,::'j:':;?Hl:: :? : ""ffi: :il::il :t ItnI rr t f lt iiiT: ilT1 [ ;:i: :::,:: ã :il"jiTi ,".:*1o há aq ui .",#: ;il;:J:ruru:l"d;;; :::ÍT::;:Tü1úi:í::::fftrÍJrj,ffi ffiil::de existência sâo com ere s sâo .;il;,;#",, "H ;JJ[:iff ao,"",.o,.t.o,, "rar aproximar representa"r;;::.j l'l:':t- ao sujeito procu- l Y ç u' tve r n e i n u n gti:ii:lffi f ;, i;::,:T::'rl *sujeito procura, ao conrrário, O"rib".uã"rifnte afastar rep.e- posrÁcro sentação e objeto, mesmo sabendo que, do ponto de vista dotlesejo, um é a verdade do outro. A boa pergunta aqui é: por que isso ocorre? poderíamos dizerrlue fatos como ess( 1;ressão.s"r"rur-o'ro""rl'::T,:"J*:::,.Ht:T::X:lr;:- texto freudiano, poderíamos dizer, por exemplor eu€ â censuraligada à lei social dr conhecimen,o ru nffi : .HJ lHffi ;:TT"l'Tr::;* como representação mental onírica e ,,minha mãe,,como objetopercebido. Assim, se Freud afirma que a aceitaçâo intelectualocorre sem abrir as portas para a aceitação afetiva, seria porqueo peso da censura e da repressão deixaria sempre suas marcas.Mas conhecemos v e ri a re ar m e n re argo ;: :T"Tff _i.Tffi:;'rll:: r,il ffil)or que o sujeito se serve de uma negação. Mas tal inadequaçãonâo diz respeito à direção para a qrul"u."pr"rentação oníricaaponta. De fato, ela se.direciona ao objeto p.oporro por Freud.No entanto, o objeto é apenas ,ma o"asiãà para reapresentaralgo que está abaixo dele. É uma ocasião pa.a, através da ne_.qação, retornar ao que foi ,,expulso ,ur, ,*u de si,,. Algo, quenão é a mãe, retorna r sejodeagressão""",.,"j"1,1,il,Lffi::#t'r"tff ";"X;:de agressão contra o a rruascoisas.Eredizr,:,1'13.r:::;::il:T:::",j":":::JÍ isso ele afirma algo. Mas ele diztambém que tal objeto lhe apa_receu como dese.jante apenas por terpermitido que algo de radi_calmente heterogêneo encontrasse uma forma de se manifestarem sua fala; por isso ele nega algo. ae/nc otganízasua posição subjetiva a partir da proposição: "Eu não posso publicar o que escrevo, pois no fundo sou um plagiador"' Ela não deixa de ressoar seu comportamento, na juventude, de pequenos furtos de livros e doces. Ela não deixa, também, de colocar em cena um modo de relação intersubjetiva por compa- ração que remete às relações com seu pai e seu avô, um "grande pai" lgrandfather) que realizou o sucesso que o pai não foi ca- paz de alcançar. Um dia, o paciente chega à sessão analítica afirmando ter encontrado um livro que contém as ideias dos textos que escre- vera, mesmo sem publicar. Kris intervém pedindo para ler o livro' o que ele faz, concluindo não haver nada do que o paciente te- mia. Ao contrário, dirá Kris, o paciente projetava no outro ideias que ele gostaria de ter. Isso permite a Kris inverter a pro- posição do paciente, fazendo-a passar em seu oposto através de uma afirmação como: "Você pode publicar o que escrever, pois não é um plagiador. Naverdade, você sofre da deformação de atribuir aos outros suas próprias ideias"' Ou seja, é a estrutura daspassagens no oposto próprias à negação lVerneinung) que aparece claramente aqui. Ela permite a Kris intervir no nível da "apreciação da rea- Iidade", tentando levar o paciente a aceitar que: í'sempre lida- mos com as ideias dos outros; trata-se de uma questão de saber como lidar com elas". Ao apresentar sua interpretação, Kris ouve do paciente a seguinte resposta: "sempre quando minha sessão de análise termina, um pouco antes do almoço, eu gosto de passear por uma rua onde encontro um restaurante que ofe- rece um de meus pratos preferidos: miolos frescos"' so/sr Nesse sentido, o objeto, de uma maneira paradoxal, é e não d adequado a um julgamento de existência.,Ele é adequado por indicar a direção para onde a fala do paciente aponta. Ele é ina. dequado porque tal direcão não é a última estação de seu desejo. O objeto é, de certa forma, uma astúcia para que algo de profun- damente perturbador retorne, respeitando certa distância. Por isso, a intepretação da negação lVerneinungfatravés de sua passagem no oposto, ou seja, através do desvelamento de suas relações implícitas, mesmo que signifique a "plena aceitação in- telectual do recalcado", não equivale à superaçãolAufhebungldo "processo de recalque". E, se Freud pode aflrmar que o símbolo de negação permite um "primeiro grau de independência" do pen- samento em relação às consequências do recalque e das restri- ções impostas pelo princípio do prazer, é porque ele é a maneira inicial através da qual o que quebra as exigências do Eu-prazer originário retorna. Comer miolos frescos depois da análise Se essa interpretação for correta, não se interpreta uma negação simplesmente fazendo-a passar em seu oposto, e esse é com cer tezaum dos ensinamentos mais produtivos da interpretação la- caniana do texto de Freud. Tomemos um exemplo que Lacantraz à clínica de Ernst Kris. É com ele que Lacan termina sua resposta ao comentário, feito porJean Hyppolite, sobre o texto freudiano. Trata-se de uma vinheta clínica apresentada por Kris a res- peito de um jovem cientista incapaz de publicar suas pesqui- sas. Tal impossibilidade é derivada de uma compulsão, que ele julga ter, ao plágio. Assim, encontramos um paciente que posrÁcro Lacan dirá que tal resposta expõe, na verdade, o fracasso da intervenção de Kris. pôis, mesmo que a análise de Kris não es- tivesse incorreta, falta analisar o desejo de ,,comer miolos fres- cos". Pouco importa se ele é ou não plagiário, mas é certo que seu desejo de plágio é algo de estruturadore intransponível. Isso leva Lacan a insistir que há uma relação oral primordial e bruta através da qual o sujeito tece suas identificações. Essa relação, não por acaso, aparece bloqueando uma dimensão essencial do reconhecimento linguisticamente estruturado, a saber, a di- mensão da "publicação", do tornar-se público, do assumir para o Outro a forma de suas ideias. pois tal relação oral tem algo, para esse sujeito, de não inscritível em uma forma reconhecida. Ela simplesmente não pode ter uma forma reconhecida. Dela, o Eu "nada quer saber", pois é ela o que foi .,expulso para fora de si" como radicalmente para além dos limites do princípio do prazer. Por isso, a única forma possível de reconhecimento aparece através "de um ato totalmente incompreendido do sujeito',.l1 Um acting out que ele repete, como se traduzisse em forma imaginá- ria aquilo que deveria ser capaz de apreender de forma simbólica. Mas depois da intervenção do analista, com sua inversão onde o sujeito encontra no outro aquilo que ele projetara, só restou a produção do actingout.Pois ele indica, principalmente, apobreza da linguagem simbólica que se constitui na situação analítica ou, se quisermos, apobreza da linguagem usada pelo analista para interpretar as produções do analisando. 11 / J. Lacan, op. cit., p.398. POSFACIO Que o "não" do paciente, ao dizer "eu não posso publicar, eu não sou alguém que possa publicar suas próprias ideias", seja invertido pelo analista em uma afirmação do tipo "você pode pu- blicar, nossas ideias sempre vêm de outros", isso significa uma espécie de bloqueio na escuta mais precisa desse "não". Não foi possível ouvir como tal negação era mais brutal, pois pedia o desenvolvimento de uma experiência com a linguagem na qual a confusão das relações profundamente orais pudesse vir à tona e encontrar uma forma. O que era impossível no interior de um uso da linguagem marcada pelas fronteiras individualizadas de quem se sente, a todo momento, entrando indeüdamente no domínio de um outro, sendo desmascarado como um plagiador. o que demonstra como compreender o que se procura produzir, quando se nega, exige mais do que uma escuta de superfície. sz/ss
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