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I1 I, I I I i 1 ) I I j I, I j I I i I I PARTE I TRADiÇÃO E SOBERANIA FRAGMENTADA: dos motins dentro das regras do jogo colonial aos casos híbridos CAPÍTULO 1 TRADiÇÃO E REGRESSO: os motins das primeiras décadas do século XVIII Em 1713, alguns moradores da Vila do Carmo amotinaram-se contra o Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, o Dr. Manoel da Costa Amorim "sem admitirem administração da justiça (...) que que- ria fazer aos réus e delinqüentes que lhe resistiram em uma vistoria que a requerimento das partes foi fazer em umas terras minerais'?" . A revolta resultou da decisão do Ouvidor Geral de redistribuir algumas lavras e retirar os mineradores que nelas haviam se esta- belecido. Manoel da Costa alegava pertencerem aquelas terras à data da Real Fazenda, a qual deveria ser levada à hasta pública de acordo com as disposições do Regimento de 1702. Os mineradores não con- cordaram, já que vinham lavrando as terras há muito tempo, e levan- taram-se em motim. Buscando sistematizar a exploração do ouro e garantir a ordem na região, o Regimento dos Superintendentes, Guarda Mores e mais oficiais deputados para as minas de ouro de 1702 determinava que o 40 ATA de 20 de maio de 1713. Atas da Câmara de Ouro Preto. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 49 (1927): 270-273. O ouvidor Manoel da Costa Amorim apresentava, como os demais ministros das Minas, comportamento absolutamente inadequado. Da carta que lhe foi enviada por D. Brás Baltasar da Silveira, sobre o péssimo tratamento que dispensava ao preso Manoel Ferreira da Fonseca, consta ordem do Governador para que o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica publicasse "...a sentença do preso para que fosse castigado conforme ela, cujo despacho [o ouvidor me tornou] a remeter sem lhe dar cumprimento, querendo maltratar o preso tendo-o na cadeia todo o tempo que [fosse] necessário para satisfação de sua vingança." O governador reiterava ao ouvidor que não era desta forma que se servia à Sua Majestade, que não queria que "as suas leis [vingassem] agravos particulares, mas que se [fizesse] justiça a todos com retidão". D. Brás ameaçou Costa Amorim, "à vista da repugnãncia que [o ouvidor mostrava] no cumpri- mento dos [seus] despachos", de tomar "as medidas proporcionadas para conservar o respeito do [seu] caráter e da [sua] pessoa". Cf. CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira para o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica de 30 de dezem- bro de 1714. APM. Seção Colonial. Códice SG 09 fi. 38. 31 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII Superintendente deveria se empenhar em resolver as pendências en- tre os minera dores, ouvindo imparcialmente as partes. Este ministro, responsável pela distribuição das datas e pela resolução dos eventu- ais problemas entre os lavradores, acabou por abusar das vistorias _ um tipo de fiscalização dos trabalhos minerais - o que generalizou um clima de tensão entre os moradores da área. Este clima foi agravado em razão dos morros serem considerados realengos, impedindo-se a distribuição de datas naqueles locais, o que restringia a área de mineração. Exemplos foram os morros da Pas- sagem, de São Vicente e de Catas Altas, entre outros. Mostrando a dificuldade de se impor as novas regras, no morro de Vila Rica, por exemplo, importantíssimo núcleo de mineração, os lavradores desprezavam as regulamentações e faziam o que bem enten- diam, "sem mais título que o da ambição e da injustiça". Os problemas eclodiam quando, nas vistorias, o Superintendente detectava a ocu- pação irregular dos morros e tentava reintegrar as lavras à Real Fa- zenda". Voltando à tumultuada situação de Vilado Carmo em 1713,como a revolta se generalizasse sem que fossem tomadas medidas para sua contenção, os oficiais da Câmara de Vila Rica recomendaram aos de Vila do Carmo que acabassem logo com o tumulto pelo "dano que da- quela sublevação podia resultar a todas [as] minas ... "42. Os oficiais da Câ- mara de Vila do Carmo reconheciam, entretanto, a legitimidade da atitude dos amotinados e solicitaram à Câmara de Vila Rica interce- der junto ao Ouvidor Geral para que fosse concedido perdão aos su- blevados, devolvidos os bens seqüestrados e as terras em que lavra- vam: A Câmara de Vila Rica, porém, tomou uma posição irredutíval a favor da decisão do Ouvidor Geral. Como castigo exemplar, os cabe- ças foram presos e, após a devassa, alguns foram condenados ao de- gredo para Benguela e outros a "degredo mais suaoe?", Não obstante a ameaça de castigo, as terras e os bens seqüestrados acabaram por ser devolvidos aos mineradores amotinados e, por determinação do Go- vernador, foi concedido o perdão aos revoltosos'". " CI. COELHO. José João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais. Belo Hori- zonte: Fundação João Pinheiro, 1994. p. 181-183. 42 ATA de 20 de maio de 1713. Doe. cit. 43 CARTA do Governador ao Rei de 28 de maio de 1716. APM. Seção Colonial. Códice SG 04 tis. 439 a 442. 44 Ibidem. 32 Vassalos Rebeldes: violência nas Minils na primeira metade do Século XVIII Em circunstâncias semelhantes às da eclosão do motim de Vila do Carmo, os moradores do distrito de Itaverava revoltaram-se con- tra o escrivão das datas, responsável pela repartição de "algumas la- vras velhas". O povo de Itaverava reuniu-se em armas para reparti-Ias "sem autoridade do guarda mor com o pretexto de que nesta forma repartia o povo as datas no princípio [das] minas=" . Estas revoltas explicitam a dificuldade que tinham as autorida- des em impor regras sem respeitar aquelas estabelecidas no convívio da comunidade. Foram revoltas claramente reativas, nas quais os mineradores não pretendiam colocar em xeque as regras estipuladas para o jogo colonial, mas tão somente lutavam para garantir a manu- tenção de determinados procedimentos, inaugurados no alvorecer das minas e, em geral, considerados razoáveis pela sua população. . Da mesma maneira se comportaram os atores de outras revol- tas, ocorridas na Capitania das Minas Gerais na primeira metade do Setecentos. A exemplo das tax rebellions européias, a tentativa de al- teração da forma de arrecadação dos impostos provocou inúmeros conflitos. -No ano de 1715, o povo das minas se levantou contra o paga- mentodos quintos por bateía"'. Os mineradores exigiram que D. Brás Baltasar da Silveira, Governador da Capitania, declarasse as minas isentas para sempre desta forma de cobrança, e fixaram o valor do pagamento do quinto em 30 arrobas anuais. Declararam que não dis- cutiam a justiça do pagamento do tributo com o qual volunta- riamente se dispunham a arcar, mas que nada pagariam caso a for- ma da arrecadação fosse alterada. Por Carta Régia de 24 de julho de 1711,havia sidp_d~J~Jm.inado que a cobrança do quinto se faria por bateias. Contudo, o Governador Antônio de Albuquerque, ciente das dificuldades de se cobrar o quin- to desta forma, suspendeu a execução da carta régia, explicando ao Rei as razões da adoção da medida. A capitação se manteve suspensa até o governo de D. Brás Baltasar da Silveira, que convocou uma Jun- ta a Vila Rica em 7 de dezembro de 1713, com o intuito de lembrar a 45 CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira para o Ouvidor Geral da Comarca de São João dei Rei de 12 de janeiro de 1716. APM. Seção Colonial. Códice SG 0911.45. 46 "Pela palavra bateia se designarn os escravos, de sorte que o quinto por bate ia ou por cabeça de escravo vinha a ser uma rigorosa capitação". CI. VASCONCELOS, Diogo P.R. de. Minas e Quintos do ouro. Revista do Arquivo Público Mineiro. 6 (1901) p. 856. A análise subseqüente sobre o estabelecimento da cobrança do quinto por bateias baseia-se na obra citada. p. 856 passim. 33 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII promessa que os mineradores haviam feito ao seu antecessor de pa- garem dez oitavas por bateia. Como os povos estavam indispostos com a nova taxa, a Junta apresentou uma contra-proposta ao Gover- nador pela qual os mineradores se dispunham a arcar com30 arrobas de ouro pelos quintos de um ano. Esta taxa foi finalmente ratifica da em 06 de janeiro de 1714, regulando-se a forma da sua arrecadação. Não obstante a concordância de D. Brás com o pagamento pro- posto pelos minera dores, o Rei, por Carta Régia de 16 de novembro de 1714, insistiu na imposição do sistema de bateias, estabelecendo que cada escravo seria tributado em 12 oitavas de ouro. . Tamanho era o repúdio à cobrança do quinto pelo novo modo de arrecadação, que os mineradores ofereceram, à nova Junta de 13 de março de 1715, vinte e cinco arrobas sobre as trinta já acordadas. No entanto, as ordens do Rei foram taxativas. D. Brás pressionou as Câ- maras para que aceitassem a cobrança por bateias e conseguiu sua concordância com o pagamento de 12 oitavas por escravo, o que ficou ajustado em termo feito na Câmara de Vila Rica em 15 de março de 1715. Imediatamente os moradores do Morro Vermelho, termo de Vila Nova da Rainha, levantaram-se em motim, reivindicando isenção do tributo para os povos das minas. Preocupado com o movimento que avançava para Vila de Sabará, Vila Rica e Vila do Carmo, o Governa- dor suspendeu a medida e retornou ao ajuste do pagamento das trin- ta arrobas de ouro anuais. Nesta ocasião, D. Brás informou ao Rei que se insistisse no estabelecimento da nova taxa "provocaria uma geral su- oleoação=", Em carta de 28 de março, o Governador dava conta ao soberano de sua " ...mágoa (...) de não poder dar a execução das ordens de [Sua] Majestade sobre o pagamento dos quintos ser por bateias ..."48 . O Rei de Portugal acatou a decisão do Governador. Em Carta Régia de 04 de março de 1716, que concedia perdão aos revoltosos, afirmou a D. Brás que fizera bem " ... em sossegar esses povos com deixar .7 CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira ao Rei de 28 de março de 1715. APM. Seção Colonial. Códice SG 04 fls. 396 a 398 . •• Ibidem. Em carta a Francisco de Távora, Provedor da Fazenda, D. Brás informava ter Sua Majestade lhe ordenado 'fizesse praticar nestas minas a cobrança dos quintos por bate ias ( ...), sem embargo de todas as diligên- cias que [fez] a este respeito não pôde persuadir [os] moradores a que aceitassem esta forma de cobran- ça; e como de persistir nela poderiam originar-se algumas inquietações muito contra o sossego deste governo, [suspendeu] a execução por não arriscar [as] minas à última ruína ..." Cf. CARTA de D. Brás Baltasar para Francisco de Távora de 23 de abril de 1715. APM. Seção Colonial. Códice SG 09 fls. 39-40. 34 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII de executar as ordens para se cobrarem os quintos por bateias ... " permitindo " ...em que se continuasse com a forma estabelecida e assentada com todos os povos em trinta arrobas de ouro por ano ... ,,49. O Rei ainda comunicava ao Governador ter levado em conta as considerações apre- sentadas pelo Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas e pelos ofi- ciais das Câmaras das vilas envolvidas no conflito sobre a injustiça desta cobrança, "em razão de ser incerta nos escravos a ocupação de minerur'í" . Alguns motins setecentistas mineiros também apresentaram características que os aproximam dos food riots europeus, e explicitaram a luta dos moradores da Capitania contra a carência de produtos de primeira necessidade na região e contra o estabelecimento de contra- tos destes gêneros, em razão das possibilidades de desabastecimento e de aumentos dos preços dos produtos. 'Em setembro de 1721, a Câmara de Vila Real e o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Velhas resolveram por em contrato o corte das carnes consumidas naquela vila, até então livremente comercializadas. Ao tomar conhecimento do estanco, imediatamente os moradores amotinaram-se em razão de serem os contratos das carnes "odiosos e prejudiciais aos povos porque sempre [redundaram] em interesses particulares, principal- mente que, pela grande distância em que [os] povos se [achavam] do mar,lhes [faltava] o peixe e não [tinham] outra coisa que comer mais do que a carne ..."51. No mesmo ano, também os moradores da Vila de São João deI Rei se levantaram contra o estabelecimento do contrato de aguarden- te determinado pela Câmara, por ser o produto largamente consumi- do e também de livre comércio na região. Em carta a D. Lourenço de Almeida, o Rei criticava acidamente estes Ouvidores e Senados da Câmara pelo grande prejuízo que cau- savam ao Real serviço, em especial por serem responsáveis pela eclosão de motins "dificultosos de soeeegar'?", Pela mesma carta, convicto da .9 CARTA Régia de 04 de março de 1716. APM. Seção Coloníal. Códice SG 04 íls. 129 e 130. 50lbidem. 51CARTA do Rei a D. Lourenço de Almeida de 15 de maio de 1722. APM Seção Colonial. Códice SG 20 fI. 40. 52lbidem. D. João V ordenou a D. Lourenço de Almeida que impedisse "as câmaras e ouvidores de usarem seme- lhantes procedimentos, [perturbando os povos} por suas conveniências particulares" sem ordem real.ex- pressa ou licença do Governador. 35 II ,I II 4 3 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII legitimidade das revoltas, ordenou ao Governador que suspendesse os contratos das carnes e da aguardente para que cessassem os movi- mentos. Por sua vez, os problemas de desabastecimento, recorrentes na região mineradora, também foram responsáveis pela eclosão de mo- tins na Capitania. A carência dos gêneros de primeira necessidade estampava-se em edital de 1722, publicado pela Câmara de Vila Rica, do qual cons- tava a "muita falta de víveres, assim vindos do Rio de Janeiro como do Sertão dos Currais'í", Outro edital de 1732, publicado em Vila do Carmo, in- formava que "no morro de Mata Cavalos e em outras partes há grande falta de mantimentos para o sustento dos negros e ainda dos brancos ... "54. Em geral, o desabastecimento era menos fruto da carência dos produtos na região do que do movimento dos atravessadores, os quais revendiam os gêneros de primeira necessidade produzidos próximos às vilas. Um bando de D. Lourenço de Almeida proibiu os "ganhos ilícitos que [aos atravessadores] resultavam de revenderem mantimentos [ocasionando] a falta de [víveres] de milho e farinhas que há tempo se [expe- rimenunxú'í'" . Podemos detectar os problemas causados pelos atravessadores na portaria enviada pelo Governador à Câmara de Vila Rica: "Porquanto em todos os Povos há um grande clamor contra os atravessadores de milho, de que me tem che- gado repetidas queixas, dizendo-me que vem mais Povo a esta vila por estar atravessado a maior parte dele assim no campo, como em as outras mais para- gens deste termo o que é em gravíssimo prejuízo des- tes povos, a respeito da suma carestia, de que sem- pre são causa os atravessadores ..."56 . 53APM. Seção Colonial. Códice CMOP 06115.2Bv e 29. Apud CHAVES, Cláudia M. G. e VIEIRA, Vera L. D. Tropas e tropeiros no abastecimento da região mineradora no período de 1693 a 1750. Belo Horizonte. Relatório apresentado a PRPq/UFMG/CNPq, 1991 (mimeo). 54APM. Seção Colonial. Códice CMM 03 fls. 113v e 114.lbidem. 55APM. Seção Colonial. Códices CMM 04 fI. 115v e CMOP 06 IIs. 44 a 45. Ibidem. 56PORTARIA do Governador mandada à Câmara de Vila Rica de agosto de 1"723.'APM. Seção Colonial. Códice CMOP 06 fI. 43. 36 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII O mesmo argumento encontra-se em edital da Câmara de Vila Rica de 1723: "...a nossa notícia veio que muitas pessoas, moradores na travessa do Teixeirae neste Ouro Preto, e mais par- tes desta vila, tem atravessado e costumam atravessar os mantimentos que vem para esta vila, e seu termo, dos portos do mar, como são peixe, azeite, vinagre, queijos, farinha do reino, e mais molhados, o que é em grande prejuízo do Povo, por estes tais atravessadores [pretendem] os revender, e principalmente retendo- os em casa, a esperar os maiores preços ...57 . I Exemplo destas dificuldades foi o motim ocorrido em setembro de 1744 em Vila Rica. João de Siqueira, juiz almotacel, responsável pela fiscalização docomércio dos gêneros de primeira necessidade, representou contra dois oficiais de justiça que estavam levando, com o conhecimento do Ouvidor, mantimentos para fora de Vila Rica. O Ouvidor não aceitou as acusações feitas por João de Siqueira aos oficiais de justiça, seus subordinados, e tentou fazer valer a sua autoridade, afirmando governar "sobre o passar dos ditos alimentos mais do que a Câmara"!", a qual nomeara o almotacel. A postura do Ouvidor evidencia os conflitos intra-autoridades na Capitania, em especial aque- les que opõem os interesses dos Senados da Câmaras e das comunida- des e os dos magistrados portugueses. Estes enfrentamentos foram extremamente freqüentes nas Minas durante a primeira metade do século XVIII. . Por sua vez, os moradores de Vila Rica, colocaram-se ao lado do almotacel e pressionavam João de Siqueira para que ele proibisse de- finitivamente a saída dos mantimentos de Vila Rica, argumentando que precisavam deles. Os amotinados incitaram a apreensão dos ali- mentos e sua repartição entre o pOVOS9.• Deve-se ressaltar que, não obstante o comportamento do Ouvidor de Vila Rica em 1744, os Senados da Câmara, no mais das vezes, tentaram garan~i: tanto o abastecimento das vilas quanto o bai- 57 EDITAL da Câmara de Vila Rica de janeiro de 1723. APM. Seção Colonial. Códice CMOP 06fls. 41, 41v. 58TERMOS de Acórdão de 20 de setembro de 1744. APM. Seção Colonial. Códice CMOP 50 fI. t 07. 59lbidem. 37 Vass~IOs. Rebeldes: violência nas Minas na pnmeira metade do Século XVIII xo ~reço dos alimentos. Exem 10 foi , .?bngação com os produtoretde 1 a I:ratIca de se firmar termos de Impedindo de vender os gên mantimentos e frutos da terra os Já em 1719 e 1722 eros aos atravessadores'". ' d d ' os moradores de P . ho a arremataçãodo impost d apagalO aviam discorda- taram matar o contratador o e passagem do Rio das Velhas e ten-, que escapo 1/ '1 uma bala, [e deitaram-lhe} as canoas ue ti hU :nl ag:osamente, passado de bandeira com as armas [de 5 M ~ tn a no abaixo e [tiraram-lhe} uma portoí'": ua a;estade} que estava, por sinal, naquele Parece claro que nas revolt .d ..(ood riots, motivadas tanto pela :tt~r:~hfIcadas às tax rebellions e aos Impostos ou da distribuição inicial d ç~o da forma de cobrança dos mento de contratos prejudiciais a as avras, quanto pelo estabeleci- pelo abuso de poder das autorídadea alut. pelo desabastecimento e se dentro das regras do jogo coloni 1';. luta dos_atores desenvolveu- tava estas regras e lutava nos s Ia . A populaçao da Capitania acei- como haviam sido, de início, a:::d~~~:~e~os, ~uscando preservá-Ias como enfatizam os recentes estudos b' st~ e? c~mpo da tradição, .Trabalhos históricos sobre . olê re a violência coletivaas m a VlOencia da multidã . . assas, em seus movimentos fo .. 1 ao revelam que rais e políticas que legitimavam' r~m mspIr~das por tradições mo-e ate prescrevIam seus atos'" E=-____________ . sses, 60 .Exemplo é o termo de obrigação firmado ?ilVelra, produtor de mantimentos e frutos ~~t;:r~a Se~ado da Câmarade Vila Rica e Francisco Gom d pelo Senado da Câmara [ficou obri suas roças reais no ano de 1741: es e para tornar a revende () _ gado] a fazer termo de não atrav . (...) ficando por este t:r~~ :u:~ ~e~~r os ditos mantimentos por ;::rp~::~/;;ntos ou frutos da terra se observa no expressado [d J t as as penas que o dito Senado lhe im que andasse pela rua comigo, Manoel de Queirós o errr;o e =r= assim o disse e se obri pusesse, cobrando-lhe o que Obrigação que faz Francisc~ e~~::: :aOclamara que por mandado dela !~~~Ze este. ter,:o que assinou 6'CAR e Ivelra(1741) APM S - assme/.Cf.TERMOde 6'. TA de 29 de janeiro de 1726. APM Se _ : ~ eçao Colonial. Códice SG 45. fI. 6 E interessante ressaltar ue a .: çao Colonial. Codice SG 29 íl. 16. . motins referidos às for q '. ro contrario da região mineradora do B' . muito comuns entre o~~~~~iltlcas coloniais, levantamentos contra a~~~~~olonlal na qual prevaleceram México várias tax rebellions oneses da América Espanhola. Em es eci çoes nas regras do jogo foram metropolitanas no mais da ao lado de incontáveis revoltas contra ~ ab ai, podem ser constatadas no in Colonial Me~ican vilfage~ v;~esf o ;orregedor. ciTAYLOR, William B Dr~~Z·dec:das autoridades 63 N E . . an or : Stanford University Press 1979' mg, omicide and Rebellion a uropa do seculo XVIII, considerav . - ,. das revoltas contra o aumenio de i a-se a multidão, que participava dos . uma besta de muitas cabe e Impostos, a "escória do populacho sem chamados motins de fome e como uma "muttidêo ! ças (.. .) uma ralé insens". Em Paris à m ' . ordem, sem freio, sem líder ( ) d o Ignorante governad I ,esma epoca os amoti d .. , a oportunidade de cometer ' . a pe os apetites dos que a incitam ' na os eram vistos Janeiro: Paz e Terra 1990 p i~~~uer tipo de crueldade". (Ver: DAVIS Natat e;r~mos de ttuve, à espera da aristocracia fre~te à ~uitidã . ~o seculo XIX, ao desprezo pela; mass~~ . ulturas do povo. Rio de empobrecidas do campo em o. ste medo generalizou-se e aprofund seçuiu-se o 'terror pânico' , constante movimento em direção à id d ou-se quando as populações 5 CI a es, ameaçaram revoltar-se, em 38 Vassalos Rebeldes: vlolôoclll nl'il MII\ •• na primeIra melad~ do SóculO XVIII ..----- . por sua vez, não foram casuais, sem limites, mas dirigidos a alvos definidos e escolhidos dentre um repertório de formas de destruição tradicionais64 • Assim é que George Rudé, analisando levantamentos populares ocorridos na França e na Inglaterra, afirma que "0 crime e o motim, longe de serem companheiros inseparáveis, foram apenas companhei- ros ocasionais, e não muito à vontade entre Si"65. Em geral, a violência era dirigida às propriedades e aos símbolos que representavam a sujeição dos revoltosos. Raramente atentava-se contra a vida nos enfrentamentos.Também não se pode esquecer um dos argumentos fun- damentais da literatura recente sobre a violência da multidão - a cons- tatação do caráter propriamente político dos movimentos pré-indus- triais (se é que podemos chamá-Ios, assim). A atribuição de um caráter político ao s motins invalida, sem dúvida, a perspectiva da irracionalidade dos atores, ainda que se deva relativizar o significado de político. Nicolas Roger, por exemplo, ao analisar motins em Lon- dres no início do reinado de George 1, afirma que os historiadores, não obstante os avanços no tratamento metodológico da multidão, especial na década de 1840. Em linais do Oitocentos, a critica à multidão encontrou, segundo as palavras de Hirschman, "uma expressão mais refinada nas teorias sociais científicas quando as descobertas médi- cas e psicológicas demonstraram que o comportamento humano era motivado por forças irracionais em medida muito maior que fora reconhecido anteriormente". Expressão desta corrente foi Gustave Le Bon, que viu a multidão como uma forma de vida inferior, embora potencialmente perigosa. Segundo Le Bon, pouco apta para raciocinar, a multidão era, ao contrário, muita apta para a ação. Esta ação teria assumido, no mais das vezes, a lorma de surtos anômicos por parte das multidões criminosas ou de movimentos de massa manipulados por líderes demagógicos. (Ver: HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência. São Paulo: Cia das Letras, 1992. p. 27-28).Durante muito tempo, a retórica conservadora sustentou e manteve viva nas ciências sociais a tese da irracionalidade da multidão. Foi a partir de meados deste século que estudiosos procuraram recuperar a imagem dos desordeiros, rebeldes e amotinados, através de análises da composição social das massas. Os historiadores, em especial, negaram a concepção corrente segundo a qual a multidão seria uma turba incontrolável que praticava uma violência gratuita e irracional. / •• CI. DAVIS, Natalie Z. Op. clt, Ver também, entre outros: RUDÉ, George. Ideologia e protesto popular. Petrópolis: Zahar Editores, 1982; RUDÉ, George, A multidão na história. Rio de Janeiro: Campus, 1991; THOMPSON, E.P. La "economia moral' de Ia multitud en Ia Inglaterra dei sigloXVIII. In: -r-. Tradición, revuelta y consciencia de clase. Barcelona: Editorial Critica, 1984; KRANTZ, Frederik, org. A outra história. Ideolo- gia e protesto popular nos séculos XVII a XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zanar Editor, 1990; HUNT, Lynn, org. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, em especial o artigo de Suzan ne Desan, "Mas- sas, comunidade e ritual na obra de E.P. Thompson e Natalie Davis'; TILLY, Charles. The Changing Place 01 Collective Violence. In: scort James C. Weapons of the weak. Everyday forms of peasant resistance. New Haven: Yale University Press, 1985; Scon, James C. Domination and the arts of resistance. Hidden transcripts. New Haven: Yale University Press, 1990; TAYLOR, William B. Drinking, homicide and rebellion in colonial mexican vil/ages. Stanford: Stanford University Press, 1979; ROGER, Nicolas. popular Protest in Early Hanoverian London. Past & Present. 79 (1978): 70-100, entre outros inúmeros artigos sobre o tema nesta mesma revista. 65RUDÉ, George. A multidão na história. p.219. - ----- 39 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII têm desprezado a possibilidade de os levantamentos populares se tra- duzirem em uma política de rua muito particular das massas. Dentro desta perspectiva - a do caráter político dos motins - o trabalho de Thompson é exemplar". Thompson empreendeu uma análise cultural do comportamento e das atitudes populares. Enfatizou, particularmente, o significado, as motivações e os meios de legitimação da violência coletiva. Os motins de subsistência na Inglaterra foram, para Thompson, formas muito complexas de ação popular direta, disciplinada e com claros objetivos. A motivação maior dos levantamentos - a fome - co- locava a questão da legitimidade da comercialização dos gêneros de primeira necessidade, da cobrança de impostos etc. À idéia tradicio- nal das normas e obrigações sociais das funções econômicas, próprias dos distintos setores dentro da comunidade (tomados em seu conjunto), Thompson denominou economia moral dos pobres. Qualquer atropelo a estes supostos morais seria ocasião habitual para a ação direta da multidão. O autor critica a idéia de que a multidão, no período anterior à Revolução Francesa, agisse de forma mais compulsiva do que auto- consciente ou auto-ativada, gerando distúrbios sociais repentinos que nada mais seriam do que simples respostas a estímulos econômicos. Thompson detecta nos levantamentos a noção legitimizante dada pela multidão aos conflitos na medida em que os revoltosos acreditavam, firmemente, estar defendendo direitos ou costumes tradicionais e, via de regra, estavam apoiados por amplo consenso da comunidade. Embora, de acordo com Thompson, não se possa afirmar que esta economia moral seja estritamente política, tampouco se pode considerá-Ia apolítica "posto que supõe noções de bem público categórica e apaixonadamente sustentadas". Como bem nos ensina Charles 1111y,os food riots e as tax rebellions, caminhos que a multidão encontrou na busca de interesses partilha- dos, tiveram sua própria racionalidade e seu próprio e significativo lugar na política. Contudo, embora reconheça o papel crucial desempe- nhado pela tradição nesses movimentos, Tilly, diferentemente de Thompson, defende o desenvolvimento de um repertório mais elásti- co da ação coletiva em resposta a determinadas mudanças econômi- cas, políticas e sociais. O autor investigou escolhas feitas pelos atores I, , I ,I 66 THOMPSON, E. P.Op. cit. 40 ·1 J' i. I' - --'-"'-'..,,~'~--~- Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII entre cursos de ação disponíveis, o que pode tornar mais dinâmica a análise da violência coletiva 67 • O padrão dos motins das Minas nas primeiras décadas do Sete- centos não foi muito diferente do padrão geral do comportamento da multidão durante os food riots e tax rebellions europeus. Também nas áreas mineradoras, homens encapuzados, ao som de tambores, des- truíam as propriedades de suas vítimas e os documentos oficiais que simbolizavam sua sujeição; queimavam seus inimigos políticos em efígie, matando-os simbolicamente. Assim, explicitava-se uma das importantes características do comportamento da multidão pré-indus- trial - a preservação, no mais das vezes, da vida humana, restringin- do-se os levantes à destruição da propriedade. Além da semelhança ritualística, alguns dos motins ocorridos na Capitania eclodiram, como mostrei, por motivos também próxi- mos àqueles responsáveis pelos levantamentos das populações fran- cesa e inglesa entre os séculos XVII e XIX - aumento dos preços dos alimentos, tributação excessiva, carência de gêneros em virtude da especulação, entre outros. Estes levantes europeus são considerados movimentos de cará- ter reativo e/ ou regressista. Charles Tilly, por exemplo, ao julgar estas revoltas reativas, partiu do comportamento do povo frente às deman- das crescentes do Estado em processo de centralização e da expansão do mercado nacional de insumos; enfim, caracterizou-as como uma forma peculiar de se resistir à emergência do Estado-Nação centrali- zado. As tax rebellions, mais especificamente, colocavam em xeque o direito do governo central intervir na vida local e derivaram, em larga medida, das exigências de um Estado ávido, em expansão'". Rudé, por sua vez, ao tratar dos food riots e das tax rebellions considera-os regressistas, provocados "tanto por lembranças de direitos costumeiros ou pela nostalgia de utopias do passado, como pelas reivindicações presentes "69 • 67 Cf. HUNT, Lynn. Charles Tilly's Collective Action. In: SKOCPOL, Theda. Vision and method in historical sociology Cambridge: Cambridge University Press, 1984. 68 Cf. TILLY. Charles. The Changing Place of Collective Vio/ence. Op. clt, p. 146. 69 RUDÉ, George. A multidão na história. p.4. Entre vários outros, os motins Rebeca, ocorridos no País de Gales na primeira metade do século XIX, foram movimentos exemplares que tanto podem ser considerados reativos quanto regressistas. Em finais de 1838, Rebeca, rebelde travestido de mulher, e suas 'filhas", o grupo de revoltosos. levanta- ram-se em motim contra o arrecadador profissional de impostos que havia assumido a direção de todas as barreiras, anteriormente controladas por vários concessionários, e que passara a cobrar taxas mais altas. Além do aumento dos impostos, o coletor construiu novas barreiras, muitas delas localizadas em estradas secundárias onde nunca antes haviam sido instaladas. Estas barreiras apresentavam um inconvenlentà particular para os agricultores que transportavam cal de um forno próximo e que teriam de pagar o pedá- 41 ,r I I, Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII Muitos motins, com estas características, ocorreram na Europa entre os séculos XVII e XIX. Na maioria deles, mas não em todos, a tenta- tiva de manter inalterada a ordem das coisas,como elas haviam sempre sido no passado, foi a tônica dominante. Nestes movimentos, lutava-se contra o aumento do preço do pão e dos impostos, enfrentava-se as ten- tativas de cercar os rocios e instituir pedágios nas estradas. Nas Minas do Setecentos, os movimentos desta natureza em geral ficaram adscritos às duas primeiras décadas do século XVIII. Originados por questões fiscais, abusos de poder das autoridades, problemas derivados da arrematação de contratos e da comercialização de produtos de primeira necessidade, foram movimentos nos quais os atores lutaram pela manutenção de determinados procedimentos que, não obstante impostos pela Metrópole, eram considerados "jus- tos" e "comedidos" pela população colonial/Estes levantàmentos, que visavam a restaurar um equilíbrio tradicional, buscaram estabelecer um nível razoável de negociação com as autoridades portuguesas e, via de regra, saíram vitoriosos nas suas reivindicações (muito embora a repressão pudesse estar presente no processo de contenção do mo-vimento). Devemos acrescentar, porém, que pelo menos dois significati- vos movimentos ocorridos nas Minas, na primeira metade do Sete- centos, apresentaram tanto características dos motins dentro das re- gras do jogo colonial quanto evidências de terem se originado em con- textos de soberania fragmentada e serem revoltas referidas às formas políticas coloniais. Isto é, estes motins reuniram elementos tipicamen- te reativos, em geral encarnados nas reivindicações da gente miúda, com elementos característicos de competição entre atores sociais com maiores recursos de poder. Como estes movimentos combinam, com maior ou menor intensidade, elementos de comportamentos dos ato- res tanto dentro das regras quanto referidos às formas políticas colo- niais, são considerados casos híbridos de atuação dos atores. Referimo- nos à revolta de 1720, ocorrida em Vila Rica, e aos chamados motins do Sertão do São Francisco que eclodiram no noroeste de Minas em 1736.li II ri il 'li, i I' I !I :1 'I11 li I' ! gio três ou quatro vezes em um pequeno trecho da estrada. Segundo Rudé, ''não era tanto o volume do tributo cobrado, mas sim a multiplicação de barreiras que constituía o principal motivo de reclamação e levou o ressentimento a incendiar-se em conspiração e violência". Em janeiro de 1839 construíram-se quatro novos postos fiscais, e quase que imediatamente foram todos destruídos "à noite, por homens de rosto pintado de preto, vários deles vestidos de mulher. Rebeca e suas 'filhas' (...) tinham feito sua primeira aparição". Seguiram-se outros motins e a decisão do concessionário de levantar novas barreiras foi revogada, em razão de uma moção do deputado do condado no Parlamen- to. Rebeca e suas "filhas", nesta primeira fase dos motins, haviam saído vítoriosas. Nova fase dos motins iniciou-se no inverno de 1842. Arrendatários queimaram os cereais pertencentes à pequena nobreza e reiniciaram a campanha de Rebeca contra as barreiras. O movimento perdurou duran- te todo o ano de 1843, e alguns incidentes isolados ainda ocorreram nos últimos meses de 1844. O padrão de comportamento dos amotinados foi o mesmo dos movimentos de 1839. As barreiras eram destruídas ou retiradas à noite, ocasionalmente as guaritas ou cabanas dos vigias eram incendiadas. Segundo Rudé, "Rebeca, como seus historiadores nos lembram, era rigorosamente sabatista. Nunca operava aos domin- gos e até mesmo evitava, cuidadosamente, agir nas noites de sábado e nas madrugadas de segunda- feira. Era notavelmente discriminatória: só as barreiras consideradas injustas eram atacadas,.em par- ticular as que enchiam as estradas secundárias que, por sua proliferação, criavam um pesado custo extra sobre o transporte de cal". "Beca", líder dos amotinados, em carta aos guardas especiais, que confirma o caráter reativo do movimen- to, afirmava: "Podem ter certeza de que todas as barreiras dessas pequenas estradas serão destruídas, mas desejo que as barreiras das estradas reais fiquem". Rebeca e suas "filhas", na "guerra" contra as barreiras, saíam em grupos de 40 a 100 pessoas os quais, algumas vezes, chegaram a somar 250 amotinados. Os revoltosos agiam disfarçados ou simplesmente pintavam o rosto de preto. Não obstante agissem armados, usavam pólvora, muito raramente balas e, ao longo de todo o período de agitação, Rebeca só fez uma vítima: uma velha abatida a tiros em sua barreira. CI. RUDÉ, G. Op. cit, p. 172 passim. 42 II 43 I;, ,1 ~ -,-, .._- .._ ..~~-_ ... _--- .__.~~--" ..• ,..••....... __ .,.;,.,. .::,,,,,",,,","~~'';'--~.,,----,, .• '_:!:_ . CAPíTULO 2 MASCARADOS FACINOROSOS: a sedição de Vila Rica "... se os principais dos cabeças interessavam no mo- tim a conservação do respeito, a imunidade dos cabedais, e as esperanças do mando, os de menos nota se prometiam também em não ser avexados pelas suas dívidas, de não ser punidos pelos seus crimes. Donde parece que os motins (...) por estes dois diferentes princípios se compõem neste país de duas qualida- des de pessoas, ou de dois gêneros de maldade. Da malícia daqueles que, levados do incrível desejo de dominar o governo se tinham antigamente apoderado da autoridade e mando de que hoje se achavam desti- tuídos, e o procuraram por meio tão ilícito recobrar; (...) e do furor de alguns da ínfima plebe, que reduzi- dos da fortuna à última miséria, e temerosos da justiça pelos seus empenhos e delitos (...) se agregavam livre- mente a esta facção'"? . -A citação do trecho significativo do Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720, cuja autoria é atribuída, pelo menos na sua primeira parte" , ao Conde de Assumar, se justifica ao considerarmos que este fragmento permite entrever o duplo caráter da sedição de 1720, ocorrida em Vila Rica. Por um lado, o levantamento apresentou reivindicações típicas de tax-rebellions ou food-riots, contidas nos parãmetros do jogo colonial, com a condena- ção do estabelecimento das Casas de Fundição, de contratos novos e do pagamento dos direitos de entrada no registro de Borda do Cam- po; a defesa do controle sobre o processo de aferição e sobre os abusos de poder do Senado da Câmara". Por outro lado, pode ser constatada 70 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas minas houve no ano de 1720. 'Belo Horizon- te: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. p. 83/84. 71 VER SOUZA, Laura de Mello e. Estudo 'Crítico.ln: Discurso histórico e político. Op. cit. p. 13/56. 72 TERMO que se fez sobre a proposta do povo de Vil~ Rica na ocasião em que veio amotinado a Vila do Carmo de 02 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 06. tis. 95 a 97. Ver Anexo I. 45 li -_.."=..,:~,~-- -----~."~..-"'~= •."•.•••.._._--,,.,,--_._~,-.--~ .._~_._----- Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII , 1 1:, . :.'I', I, ) ' I: c f I' li iJ, li' 'I I' I 'I 'i uma situação de soberania fragmentada, exteriorizada pelo com- portamento rebelde dos potentados, dos ouvidores de Vilas e Comarcas e dos oficiais das Câmaras" . Tendo sido ajustada a cobrança dos quintos por arrobas no gover- no de D. Pedro de Almeida, de acordo com Regimento de 04 de março de 1718, uma das medidas cruciais adotada foi a de retirar das Câmaras a administração dos quintos, pelo desserviço que faziam ao Tesouro Real. Para isto foi decisiva a opinião do Conde de Assumar ao informar ao Rei de um motim, liderado por Manoel Dias de Menezes, oficial da Câmara de Vila Rica, que poderia ter posto a "perder a causa do ouinto?" . O Rei, ciente das desordens observadas na distribuição da finta das 30 arrobas, resolveu estabelecer Casas de Fundição nas Minas, buscando evitar os descaminhos do ouro"'. Ordenou ao Governador I: li , I' ':, 11:Ij i 1 1" , Ir J j I ~i , 'I"tr:! !II! lil'i Ii I I 73 A sedição de 1720 aparece na literatura tanto aproximada a uma tax-rebellion quanto contendo elemen- tos típicos de uma situação de soberania fragmentada. Diogo Pereira R. de Vasconcelos, C, R. Boxer e, mais recentemente, Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, não obstante a diferença de estilos e a diver- sidade das fontes utilizadas, a consideram o resultado da ameaça de se estabelecer as Casas de Fundi- ção nas minas. C. R. Boxer e Diogo P.R. de Vasconcelos acrescentam a impopularidade do Ouvidor de Vila Rica, Martinho Vieira, aos motivos da eclosão do levante. Ainda Boxer e Luciano R. A. Figueiredo susten- tam estar a sedição de 1720 inserida numa série de motins, ocorridos em vários distritos da Capitania, que se originaram do enrijecimento da tributação a partir de 1719. Tais considerações imputam à sedição de Vila Rica caracteristicas de movimento no qual o comportamento dos atores está contido nos parâmetros das regras do jogo colonial. João José Teixeira Coelho foi econômico na análise da sedição de 1720. Afirma ter adquirido o levante o 'caráter de uma "rebelião formar por culpa dos pau listas, "inimigos irreconciliáveis dos europeus'. Por sua vez, Diogo de Vasconcelos e Teófilo Feude Carvalho perceberam no levante de Vila Rica compor- tamento sedicioso decisivo dos potentados locais e a luta pelo poder que se travava entre os atores coloniais. Dr. Diogo apresenta como as razões principais para a eclosâo do motim: a perda dos postos de oficiais de ordenança, que eram preenchidos pelos homens principais da Vila, e o declínio do poder dos potentados em decorrência da atuação política do Conde e do Ouvidor de Vila Rica, Martinho Vi eira. Ver: VASCONCELOS, Oiogo Pereira Ribeiro de. Breve descrição geográfica, fisica e política da capitania de Minas Gerais (1807). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Cultu- rais, 1994, p. 11"7; BOXER, C. R. The golden age of Brazil. 1695-1750. Berkeley: University of California Press, 1962. p.193-195; FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Alrneica. Tributação, sociedade e administra- ção fazendária em Minas Gerais no século XVIII. IX Anuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto, 1993. p. 96-100; COELHO, José João Teixeira. Op. cit. p. 135-136; VASCONCELOS, Oiogo de. História antiga de Minas Gerais. Belo Horizonte: ltatiaia, 1974. v.2. p. 172-209; CARVALHO, Feu de. Ementário da história mineira. Filipe dos Santos Freire na sedição de Vifa Rica em 1720. Belo Horizonte: Edições Históricas, s/do Ver especialmente o estudo critico de Laura de Mello e Souza em: DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Op. cit. p. 13-56. 74 VASCONCELOS, Oiogo P R. Minas e quintos do ouro. Op. cit. p. 862. 75 "Inteirado el rei das desordens acontecidas na distribuição das trinta arrobas, se resolveu a estabelecer em Minas uma e mais casas de fundição, aonde o ouro se reduzisse a barras marca das no cabo superior com as armas reais, tendo no inferior contramarcas ... Haveria livros de registro para o assentamento das barras, peso delas, quilates do ouro (...). Nas ditas casas se deduziria o quinto do ouro, e correriam por conta da Fazenda Real as despesas delas. (...) as pessoas que tivessem ouro a fundir o deviam levar às casas para nelas se lhe reduzir a bsrre, bem entendido, que se Ihes não tiraria o quinto do adquirido durante a finta, senão do que houvessem depois ..". Cf. VASCONCELOS, Oiogo P. R. Ml'nas e quintos do ouro. Op. cit. p. 862-863. , ~',', ', , I: ", I li :1; il,l' 11' I" 1 ! , IIli ' '1 46 t,] ..- Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII em 11 de fevereiro de 1719 providenciar a construção das casas. O material necessário seria enviado de Portugal pela frota, e da Bahia e do Riode Janeiro lhe seriam expedidos oficiais e instrumentos indis- pensáveis ao seu funcionamento. I' Na frota de 1719, vieram os livros e material destinados às Ca- sas de Fundição e também a Carta Régia de 29 de março de 1719, que ordenava caber ao Governador escolher os lugares nos quais seriam erguidas. Em Junta, reunida a 16 de junho de 1719, decidiu-se pelo estabelecimento de quatro casas, cada uma delas localizada nas cabe- ças das Com arcas, a saber Vila Rica, Sabará, São João deI Rei e Vila do Príncipe. Nesta mesma Junta, ficou resolvida a criação de um !:~strQ..., em Borda do Campo, um outro próximo ao Rio Grande e um terceiro . na Comarca do Rio das Velhas. Ainda, fixou-se o prazo de um ano, a partir de 23 de julho de 1719, data estipulada para o encerramento do sistema de fintas, para que fossem inauguradas as Casas de Fundição a serem construídas às custas dos povos da Capitania. Durante este intervalo, a finta seria mantida. A ameaça de alteração na forma da cobrança dos quintos gerou inquietações nas Minas. De acordo com a análise de D. Lourenço de Almeida, sucessor do Conde de Assumar no governo das Minas, os "povos todos têm concebido grande horror a estas casas, porque lhe servem do maior prejuízo "76 . D. Lourenço apresentou ao Rei as razões que ele acre- ditava serem responsáveis por este prejuízo alegado pelos minera- dores. Em primeiro lugar, a desorganização que acarretaria ao siste- ma de crédito, de uso generalizado nas Minas/": a seguir as dificulda- des técnicas encontradas na extração do ouro nas Minas que elevari- am em muito os custos de produção". Finalmente, a dupla taxação 76 CARTA de O.Lourenço de Almeida ao Rei de 31 de outubro de 1722. Revista do Arquivo Público Mineiro. 31 (1980).p.152-153. 77 "Nestas minas não há pessoa por abundante que seja de cabedais que não deva grossa fazenda, porque como todos esses homens são mineiros e o estilo é comprar-se tudo fiado a pagamento de um e dois anos (...). Os escritos e créditos que se passam destas dividas, é com a condição que se houver novo imposto de pagar, o devedor dá mais o que importar a maioria da imposição, e como havendo Casas de Moeda e de Fundição se há de pagar o quinto de todo o ouro. estão os devedores obrigados por cada mil oitavas que deverem, a pagarem mil e duzentas oitavas, e como esta maioria compreende a todos estes moradores, porque todos devem muito, é uma das causas de grande horror que têm às Casas de Fundl- ção".lbidem. p. 152. " "... O ouro todo que hoje se lira das minas que se abrem, todo é de oiteiros, porque os dos veios da água, que era o mais fácil, está extinto, e para se abrirem lavras nos oiteiros é preciso ser como regatos de água para desmontarem a terra, a qual água trazem encaminhada muitas vezes de distância de léguas (u.) {neste serviçal gastam grande cabedal, porque há serviços que gastam um e dois anos de tempo traba- • Ihando nele com quarenta e sessenta negros e muitas vezes com muitos mais ..."lbidem. p. 153, 47 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XV111 que incidiria sobre os negros vendidos nas Minas, uma vez que se continuariam a pagar os outros impostos costumeiros. Estes motivos teriam sido os responsáveis pela repugnância dos povos quanto à alteração na cobrança dos quintos e, em conseqüência, pelo levantamento da população de Vila Rica em junho de 1720. Por outro lado, os insustentáveis conflitos referidos às formas políticas coloniais entre autoridades e potentados, Governador e Câ- mara e, especialmente, Ouvidor e ex-Ouvidores prepararam o terreno para a eclosão do motim, o qual se restringiu, oficialmente, até o 16 de julho, mas que contribuiu para a instabilidade nas Minas até os pri- meiros meses de 172179• O Conde reforçou a face mais rebelde do movimento: "Vários têm sido os motins e sublevações que em di- versos tempos houve nas Minas. Mas nenhuma de tão perniciosas conseqüências, e tanto para temer, como a presente do ano de mil setecentos e vinte, pelo te- merário e inaudito fim a que se encaminhava e diri- gia, qual era alçar a obediência ao seu príncipe, usur- par ao patrimônio real esta rica porção, e introduzi- rem-se nela despoticamente soberanos, os mesmos que ainda eram indignamente vassalos'"" . Estas perniciosas conseqüências da sedição podem ser detecta- das na carta de D. Pedro de Almeida ao Vice-Rei, Vasco Fernandes César, em que informava as dificuldades de outra vez se tentar esta- belecer as Casas de Fundição e Moeda. Segundo o Conde, os cabeças da sedição, presos no Rio de Janeiro, e seus seguidores, que continua- ram nas minas, influíam nos povos divulgando o boato que a Casa da Moeda seria transformada em Casa de Fundição. Esta notícia horrori- zou a população da Capitania de tal forma que " ...passados alguns me- i,, 79 Na opinião de D. Pedro de Almeida, a atuação dos ouvidores e das Câmaras loi decisiva na eclosão de motins nas Minas: u••• a experiência tem mostrado que depois que há ouvidores nas minas, todas as alterações que os povos têm movido são nascidas das suas injustiças ou movidas por eles mesmos" (SOBRE o modo de se trata- rem os quintos na Casa da Moeda. Carta de D. Pedro de Almeida ao rei de Portugal de 10 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 04. IIs. 849 a 855. e "... encostando-se as Câmaras as opiniões dos povos acham nelas um grande apoio". SOBRE o estado deste governo e da eleição das Câmaras dele. Carta de D. Pedra de Almeida aoRei de Portugal de 14 de janeiro de 1721. APM. Seção Colonial. Códice SG 04. Ils. 906 a 909. eo DISCURSO histórico e político. Op. cit, p. 59. 48 '(f I..~ ~-~-~ .._-'~'. a V.s.alol R.b.ldu: vlullrlalroMil MlnH na prlmolr. m.lltJ. do '''uIlIlYIII ses da quietação (...) quase todo este governo [estava] não menos que subleva. do (...), intestinamente [estavam] os ânimos não menos levantados que estl. oerum'T", Em carta ao rei, novamente se referia o Governador ao estabele- cimento das Casas de Fundição e aos "ânimos alterados e suspeitosos" nas comarcas do Rio das Mortes e do Rio das Velhas. Afirmava o Con- de correr nas minas o boato de que os responsáveis pela sedição de 1720 estavam inocentes, e que logo estariam em liberdade, sussurros que conduziam o governo ao desassossego". Reiterava D. Pedro a Ayres de Saldanha de Albuquerque, go- vernador do Rio de Janeiro, que se renovavam "...por toda a parte as sedições querendo envolver nelas os povos com a sugestão de que [o Conde] tinha jurado por as casas de fundição a todo o risco ...". Tanto em Vila Rica quanto nas outras vilas haviam sido publicados vários pasquins sedi- ciosos induzindo os povos a não pagarem os quintosO Conde, preq- cupado com as dificuldades que enfrentaria na cobrança do imposto, seguro de serem os presos do Rio de Janeiro os responsáveis pelas alterações, solicitou ao governador Ayres de Saldanha de Albuquerque que os remetesse com a maior brevidade para Lisboa de forma a "aia- lhar este grande dano't'" . Quanto mais intransigente tornava-se a cobrança dos impostos e visível o abuso de poder, mais precária ficava a situação de acomo- dação nas Minas. Em muitas circunstâncias, os povos haviam se le- vantado contra as alterações na forma da tributação, o estabelecimen- to de contratos, em especial os da carne e da aguardente e a eventual tirania dos ouvidores ou dos Senados da Câmara, conflitos inscritos dentro das regras do jogo colonial. Mas, também, as instáveis estrutu- ras acomodativas, observadas entre os atores coloniais perderam 81 CARTA de D. Pedra de Almeida para Vasco Fernandes César de Menezes de 10 de janeiro de 1721. APM. Seção Colonial. Códice SG 13. Ils. 15, 15v. De acordo com Delumeau, os rumores nascem de um 'tunda prévio de inquietações acumuladas', em geral a "espera de um infortúnio", particularmente o medo do aumento de impostos. Na França de linais do século XVII e início do século XVIII, a crescente tributação gerou a máxima que do "Estado tudo se pode temer", Segundo Delumeau, nessa perspectiva, as sedições eclodem porque "amadurecido numa espera inquieta e alimentado portada uma mitologia anti-fiscal, um rumor basta para incendiar a pólvora". Exem- plo importante da relação estreita entre rumores e sedição foi o Grande Medo da 1789 na França. CI. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente 1300-1800. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. p. 179- 188. S2 CARTA de D. Pedra de Almeida ao rei de Portugal de 21 de janeiro de 1721. APM. Seção Colonial. Códice SG 04. IIs. 909 a 911. 83 CARTA de D. Pedro de Almeida ao governador do Rio de Janeiro de 23 de janeiro de 1721. APM. Seção Colonial. Códice SG 16. Ils. 2v, 3. 49 V•••• loall.b.ld •• : vlolOool. nas Mina. '''' I',hnll'. ,notldo do Século XVIII muitas vezes sua viabilidade em decorrência da intensa disputa pelo poder dos principais atores políticos, os quais ao arregimentar o povo na defesa de interesses particulares ou compartilhados, engendraram graves situações de soberania fragmentada. Em Vila Rica, não foram diferentes as razões da ec1osão do le- vante de 1720. Na noite de 28 para 29 de junho, aproveitando o entretenimento da população em virtude dos festejos de São Pedro, mascarados ar- mados, ao som de tambores, desceram do morro do Ouro Podre, e ajuntando-se a moradores da Vila, foram à casa do Ouvidor Geral da Comarca, Martinho Vieira, "...para o matarem, e não o acharam (...) aque- les tornaram a rasgar-lhe a livraria e apregoar os autos e deitá-Ias pela janela abaixo ..."B4. Saindo da casa do Ouvidor, concentraram-se os revoltos os na praça em frente à Casada Câmara e lá permaneceram por toda a noi- te. Um letrado redigiu o memorial de reivindicações dos amotinados que foi encaminhado ao Conde Covernador'". D. Pedro, não obstante ciente da situação explosiva no distrito, confessou-se perplexo aos oficiais da câmara de Vila Rica, admirado do levantamento da vila, " ...entre todas [dele] a mais estimada't'", Na ocasião, condenou a infidelidade dos oficiais da Câmara os quais " ...todos foram cúmplices no pouco zelo que mostra- ram e esta é cousa bastante para que não seja injusta a indignação de Sua Majestade, e que afronta será para Vila Rica se virem privilégios a todas as outras câma- ras menos a esta, ou de servir a afronta de Vila Rica de glória às demais vilas, particularmente daquelas que souberam distinguir-se nesta ocasião para fazer mais negra e mais feia a nódoa da infidelidade que nesta vila foi pública e manífesta=" . De posse do memorial, o Conde achou por bem não levar em conta as exigências dos revoltosos. 84 APM. Códlce Costa Matoso (cópia). fI. 36v, 37v. Para a descrição minuciosa do conflito ver:VASCONCE- LOS, Diogo. Op. cit. p. 172/209. B5 Ver Anexo I. ss PARA os oficiais da cãmara de Vila Rica de 30 de junho de 1720. APM. Códice SC 11. fI. 242v, 243r; Cãmara Municipal de Ouro Preto. Códice CMOP 06. tis. 23, 23v. 87 TERMO de vereança de 17 de agosto de 1720. Atas da Cãmara de Vila Rica. Revista do Arquivo Público Mineiro. XXV (1937). p. 146. 50 ,J I. V•••• Io. Rebeld.e:vlo16no1lnU Mlnu na p,lmllra metad. do .~Io)M1I I. Em 29 de junho, novamente o povo se levantou e enviou três procuradores à Vila do Carmo exigindo resposta às suas reivindicações, O Governador lhes concedeu o perdão mas não atendeu os pon- tos apresentados no memorial. Em 02 de julho, revoltados, os mais de mil amotinados obrigaram os oficiais da Câmara da Vila a acompanhá- 10s à Vila do Carmo e pressionar o Conde a uma resposta favorável" . Quando os rebeldes aproximaram-se da sede do governo, o Conde determinou ao Senado da Câmara da Vila do Carmo, que fosse com seu estandarte arvorado, ao encontro deles no Alto do Rosário. En- víou com o Senado o tenente José de Morais, tom ordens de não per- mitir que os revoltosos seguissem em frente e de persuadi-Ias a envi- arem um procurador ao encontro de D. Pedro, sem o que seriamrepe- lidos à mão armada. Na opinião do Governador, os cabeças do motim esperavam -ique ele discordasse das reivindicações " ...para terem pretexto de jazer sublevar todas as minas na dúvida se [ele se] opunha ao interesse comum em que todos estavam uniformes de não querer Casas de Fundiçãoí" . O Gover- nador porém, acatou todas as proposições, justificando que o havia feito por duas razões "mui urgentes". A primeira porque estava segu- ro da intenção dos cabeças que era I li Segundo pitoresca narração de J. V.Couto de Magalhães, os oficiais da Câmara de Vila Rica acabaram por concordar em seguir à frente dos revoltosos até Vila do Carmo porque foram vencidos pela fome. Segundo Magalhães: ' "No dia seguinte o jejum tinha operado merevitne« [nos oficiais da Câmara de Vila Rica]; os mais pertina-Z., estavam completamente corda tos e mais que prontos a irem levar ao general a proposta dos rebeldes. É verdade que os castelos que tinham fundado no protesto de sua fidelidade esvaeciam-se completamen- t•• Mas em suma nenhum deles tinha assentado que daria testemunho de fidelidade mesmo a despeito da fome e, portanto, de comum acordo, deliberaram pôr-se a caminho para vila do Carmo. A crônica ou a trsdlçlo não diz se os conjurados permitiram que eles começassem a execução do tratado por algum ,Imoço, ou se os obrigaram a fazer as duas léguas de viagem naquele mesmo rigoroso jejum a que os tinham submetido por 24 horas'. MAGALHÃES, J.V.Couto de. Um episódio da história pátria (1720), Revista do Instituto Histórico, Geográ-- /Ro.fJ Etnográfico do Brasil. 25 (1862). p. 333. ~,~08 principais cabeças da sedição de VilaRica foram o mestre de campo Pascoal da Silva Guimarães, "o m,'. pfJrnlcloso', homem riquíssimo. proprietário de mais de 2.000 homens. entre escravos e camaradas, oonoentrados no morro de Ouro Podre, distrito de Vila Rica; o sargento-mar Sebastião da Veiga Cabral, o . ex-ouvldor Manoel Mosqueira da Rosa; seu filho, Frade Bento; Frei Francisco de Monte Alverne, amigo pllaoal de Pascoal da Silva Guimarães e Filipe dos Santos que tez, segundo o Conde. "causas inauditas nlltll motins'. No que ae relere às Casas de Fundição, é interessante a seguinte passagem do Discurso histórico e polltlco: "P'rsoe qUfJa Inquieta sorte dos passados r.. .) inventou esta lei de quimos e casas de fundiçlo só para ."vlrem dfJ capa ao atrevimento com que os rebeldes, socolor de utilidade comum, amotinaram os po- vo."," .' " DISCURSO histórico e político. Op. cit. p. 68. /' - -, ,.~. 51 Vassalos Rol na primeira r muita: poder na dei grave: vante da po mado ajunte: Coma les tor abaixo praça, te. VIi que f~ confe' do lei ocasii ! conta I 84 APM.! LOS, DI B5 Ver A, se PARA Câmarei "TERJ Mineir~! 50 veesace Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII "sugerir o povo com pretextos aparentes da sua con- veniência e valer-se desta para que não houvesse go- vernador, nem ministros nestas minas, nem tornas- sem a admitir-se outros postos por [Sua] Majestade, conspiração mui semelhante a de Catalina e urdida [por] pessoas que na desesperação de não poderem pagar a ninguém as exorbitantes dívidas que deviam, e querendo ainda assim conservar respeito e autorida- de despótica maquinaram muito tempo". A segunda razão do Conde residia na sua expectativa de, uma vez atendida as reivindicações dos povos, restarem amotinados só os cabeças e seus negros, "como depois mostrou a experiência't'", Premido entre as duas faces da sedição de 1720, D. Pedro de Almeida buscou conciliar a resolução dos interesses do povo de Vila Rica, inscritos dentro das regras do jogo colonial, com a situação de soberania fragmentada, explicitada em movimento referido às formas políticas coloniais pelo qual os poderosos tentavam minar a autorida- de do Governador e dos demais ministros da Comarca. -No calor da revolta em Vila Rica, o Conde escreveu ao Rei de Portugal sugerindo que a idéia do estabelecimento das Casas de Fun- -> dição nas minas fosse abandonada pela sua pouca utilidade'". Argu- mentava o Governador que o descaminho do ouro era inevitável em razão dos "infinitos portos de mar". Exemplo aludido na época foi o desvio do ouro pata o resgate de negros na Costa da Mina, e daí para as nações estrangeiras sem que fosse pago o quinto de Sua Majestade e sem "tirar deste comércio utilidade nenhuma para a fazenda [real]"92. -_'.,_ContinuavaD. Pedro afirmando ao rei negarem-se os povos a pagar o "quinto rigoroso'<" e, com a política das Casas de Fundição, torna- ram-se inflexíveis na recusa de pagá-Ias. Para a população da Capitania, não era justo o pagamento do "quinto rigoroso", uma vez que o trabalho de extração do ouro reve- lava-se excessivo e dispendiosa a aquisição de negros. Além do que, os mineradores arriscavam seu cabedal, correndo o risco de serem 90 SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeças deles, Carta do governador ao rei de 21 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 04, fls. 855 a 878, ., SOBRE o modo de se tirarem os quintos na casa da moeda, 10 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 04. fls. 849 a 855, " Ibidem. 93 O "quinto rigoroso" referia-se ao pagamento da exata quinta parte do ouro extraído, 52 V•••• Io. Rsbsld •• : vlol&noll no. Minas na primeira m.tld. do SlIoulo XViii diminutas as catas. Os povos das Minas haviam argumentado que, nas índias de Castela, o Rei fornecia índios necessários para o traba- lho mineral a um grande número de vassalos. Ainda mais; nas minas de ouro de lavagem e de manchas incertas da América Espanhola (ca- racterística da maioria dos serviços minerais na Capitania), do ouro tributava-se menos do que da prata e os mineradores não eram execu- tados por dívidas cíveis. Nas Índias de Castela, o imposto dependia essencialmente da abundância do ouro que se extraía, pagando uns minera dores o décimo, outros o oitavo ou o sétimo" . Tratando desta situação difícil dos mineradores das Gerais, os oficiais da Câmara de Vila Rica justificaram ao Rei a revolta de 28 de junho de 1720 pelo crescente endividamento da população e a sua dispersão pela capitania, o -que gerava desordens'": --;9 A aversão dos mineradores ao estabelecimento das Casas de Fundição representou, portanto, o repúdio à tentativa da Coroa de cobrar o "quinto rigoroso". O Conde tentou contornar a situação de conflito, propondo ao Rei a criação da Casa da Moeda no lugar das Casas de Fundição e a taxação do ouro em 12%. Ou seja, enquanto as reivindicações dos mineradores de Vila Rica estavam contidas dentro das regras do jogo colonial existiu, por parte do Conde, --ª-di~f2.0J?ição de negociar. As reivindicações constantes do memorial do povo da Vila, entregue ao Governador, não ameaçavam a ordem colonial. Por seu lado, a indisposição dos moradores e dos principais do distrito com o ouvidor Martinho Vieira sequer espantava o Conde pelo comportamento pouco amistoso e pouco ético do ministro" . De acor- do com as palavras do Governador, Martinho Vieira era dotado de modos altivos, preterindo If os termos judiciais e (...) obrava tão sumária e executivamente com as partes até que a sua exasperação prorrompeu neste desatino'í", Não obstante os contínuos tumultos, o Conde acreditava, •• SOBRE o modo de se tirarem os quintos na casa da moeda. Doe. cit, .5 SOBRE a revolta de 1720, Carta da Câmara de Vila Rica ao rei; 15 de julho de 1720, Anuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto: v. VI, 1955-1957, p. 61. ., Antes de eclodir o motim, quando da prisão de João Lobo, ex-capitão-rnor de Pitangui, na casa de Pascoal da Silva Guimarães, o Governador recomendou ao ouvidor Martinho Vieira tomar cuidado com suas atitudes porque "estes tais sujeitos [os poderosos do distrito de Vila Rica] lhe [queriam] fazer guerra por via dos outros ouvidores". PARA o ouvidor da comarca, 25 de junho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 11. fi. 240v. .7 SOBRE o modo de se tirarem os quintos na Casa da Moeda. Doe. cit, O ouvidor foi descrito no Discurso histórico e político como ligeiro e leviano, "descomposto nas ações, solto de lingua, e que de todos falava com desprezo, sem exceção de pessoa ...". DISCURSO 'histórico e político, Op, cil. p. 75. 53 VassaJos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII 1 I I I I porém, que a revolta chegaria logo ao seu término. No entanto, ao reunir-se, em 10de julho, com o Ouvidor Martinho Víeira, Eugênio Freire de Andrade, superintendente das Casas de Fun- dição, o tenente geral Félix de Azeredo Carneiro e Cunha e o capitão de dragões [oseph Rodrigues de Oliveira, D. Pedro lamentou comunicar que o povo continuava em tumulto não só com "...tenacidade mas também com indução de outros para engrossar o seu partido (...) com armas nas mãos intentando vir nesta forma a (Vila do Carmo ]"98 . O Conde informou tam- bém que os cabeças do motim, por sua vez, haviam enviado cartas a todas as comarcas, especialmente à do Rio das Velhas, para que os apoi- __> assem. Nas noites que se seguiram, os cabeças enviaram emissários à Vila Rica, convocando os moradores que os acompanhassem "0que acha- va fácil aceitação por servirem todos no interesse comum de requerer contra os quintos e casas de [undição"?". D. Pedro ainda informou aos presentes, comentar-se na Vila que os amotinados preparavam mais rei- vindicações além daquelas já arroladas no memorial. -> Àquela altura, o Conde acreditou ser prudente considerar o perdão que os rebeldes pediam através dos procuradores do povo.A decisão de conceder o perdão foi unânime, tendo em vista a ocupação dos morros e desfiladeiros pelos amotinados que punham em perigo, durante os ataques aos revoltos os,pessoas inocentes, "constrangidas por força no mesmo tumulto", e a "aceitação da casas de fundição (...) tão meiindroea'"?', De acordo com informações dos oficiais da Câmara de Vila Rica ao Rei, o Governador teve de ceder já que a revolta, apoiada por grandes e pequenos, se generalizava, atingindo Sabará e Mato Dentro. Se o indulto não fosse concedido " ...entravam os povos destas minas em uma geral subleoação"?" . Não obstante o perdão, em 5 de julho o povo de Vila Rica nova- mente levantou-se. Revoltou-se pela ameaça da cobrança das 30 arrobas de ouro dos mineradores de Vila Rica, tributação que se refe- ria a toda a Capitania'?", Em carta aos oficiais da Câmara, o Conde I, I •• TERMO de perdão dado ao povo de Vila Rica na ocasião que se levantou de 01 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice 5G 06. IIs. 94, 94v. "Ibidem. 100Ibidem. Em edital de 01 de julho de 1720, consta que o Conde u•••{howe] por bem conceder a rodos os moradores desta vila e à outros quaisquer que se acharam no dito tumulto ou fossem cabeças dele, ou não, perdão ...". SOBRE o perdão concedido aos moradores de Vila Rica de 01 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice 5G 11. fI. 289r. 101SOBRE a revolta de 1720. Carta da Câmara de Vila Rica ao rei de 15 de julho de 1720. Doe. eu. 102PARA os oficiais da Câmara de Vila Rica; 6 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice 5G 11. fI. 243v. Ver nota de rodapé 35 deste capítulo. 54 ..~ ~ i ~ I I i ~. 11·v VassaJos Rebeldes: violência nll Mino. na primeira metade do Século XVIII mostrara-se perplexo com a "imaginação" do povo, Como cobrar to- das as 30 arrobas de Vila Rica, se já era difícil cobrá-Ias de todas as Minas? D. Pedro reiterava aos oficiais sequer estar estabelecido o pa- gamento que caberia a cada uma das Vilas e que Vila Rica pagaria sua parte na tributação como qualquer outra localidade na Capitania'?", A face propriamente rebelde da sedição, aquela que caracteri- zamos como referida às formas políticas coloniais, explicitou-se com a presença de Pascoal da Silva Guimarães e Manoel Mosqueira da Rosa em Vila Rica, os quais tentavam persuadir o Governador de que. os conflitos só cessariam, uma vez que eles ocupassem os postos mais . importantes da Comarca.r O objetivo, c1aramemte explicitado, dos .. / potentados era o de tomar os lugares do Conde Governador e do Ouvidor Geral da Comarca. Para acalmar os ânimos dos revoltos os, o Conde de Assumar providenciara a saída do ouvidor Martinho Vieira da Comarca. Ten- tando neutralizar Manoel Mosqueira, nomeou-o Provedor da Fazen- da Real, na ausência do Ouvidor, e solicitou ao Bispo do Rio de Janei- ro que o nomeasse Provedor dos defuntos e ausentes. Enviou ao ex- Ouvidor Mosqueira uma carta na qual expressava toda sua admira- ção e lhe pedia que /I ••. [ assistisse] em Vila Rica para sossegar com seu res- peito toda e qualquer alteração procurando que pelas passadas [ficassem] os ânimos quietos e sossegados em virtude do perdão que lhes [concedera] ..."I04. I ·f f Mosqueira, contudo, não ficou satisfeito com o ofício de Prove- dor da Fazenda Real. Desejava tomar o lugar de Martinho Vieira e por isso incitou um novo motim no qual deveria ser aclamado Ouvidor. Por sua vez, o sargento-mor Sebastião da Veiga Cabral pretendia tor- nar-se Governador. Insistia Veiga Cabral que os tumultos cessariam uma vez que o Conde se retirasse para São Paulo, já que o desejo dos amotinados era fazer-lhe Governador. Para por fim ao conflito, o sar- gento-mor sugeriu ao Conde fingir-se de doente e deixar o governo em suas mãos por alguns meses. Em razão da sua permanência nas Minas, D. Pedro foi informa- do de um novo motim a iniciar-se em 12 de julho, visando colocar 103lbidem. 104ORDEM do Governador de 10 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice 5G 11 fi. 244v. 55 ! II I [ i III ; II':, , ........ " .. , ........•• _--.,..~.,..- ..__ ...,,-_.~_ ..... _ .._._--- Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século XVIII Sebastião da Veiga Cabral no poder e preencher os outros cargos e ofícios já previamente divididos por Pascoal da Silva Guimarães'?". A esta altura, o Governador tratou de por ordem em Vila Rica. Através do bando de 13 de julho, determinou "... para evitar todo o gênero de desassossego que têm com os mascarados, tornando estes insolentes a apare- cer lhe atirem e os matem por serem perturbadores do sossego público e inquietadores do pOVO"106• .>, Aqueles que exterminassem os mascarados, freqüentadores do morro de Ouro Podre e de Vila Rica, não incorreriam em crime algum e ainda seriam recompensados com cem oitavas de ouro'?". Segundo o Governador, estes homens disfarçados, geralmente os cabeças dos motins, tinham "urdido uma conjuração feita entre eles para expulsar [das] minas Governador e ministros e todos mais oficiais de Sua Majestade", pata dominarem os povos, apossarem-se de seus bens e ficarem isentos de suas dívidas'!". Com a reincidência do motim, o perdão concedido em 10 de julho continuou em vigor somente para o povo da Vila, ten- do sido revogado para os líderes da sedição. . .> O Conde determinou que o ajudante de tenente Manoel da Cos- ta Pinheiro, o alferes Manoel de Barros Guedes e o capitão Manoel da Costa Fragoso, juntamente com 30 dragões, prendessem os cabeças da revolta, missão concluída com êxito. Foram presos Manoel Mosqueira da Rosa; o mestre de campo Pascoal da Silva Guimarães; Frei Vicente Botelho: Frade Bento, filho de Mosqueira e Frei Francisco de Monte Alverne, amigo pessoal de Pascoal da Silva'?". A prisão dos cabeças desencadeou um novo motim. Homens mascarados, com um número considerável de negros armados, inva- diram Vila Rica, quebraram portas e janelas, arrombaram e saquea- ram as casas, ameaçando incendiar toda a Vila. Generalizada a desordem, dirigiu-se o Conde em 16 de.julho para Vila Rica, acompanhado de todas as 'pessoas principais do distri- 105SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeças deles. Carta do Governador ao Rei de 21 de julho de 1720, APM. Seção Colonial. Códice SG 04, tis. 855 a 878. 106BANDO de 13 de julho de 1720, APM. Seção Colonial. Códice SG 11.fls. 291r, 291v, 1°'lbidem. . . 108SOBRE se querer somente castigar os cabeças do motim de Vila Rica; 14 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 11.tls. 290v. 291 r. 109SOBRE os motins de Vila Rica e castigos feitos nos cabeças deles, Doe, cit, 56 ...._ .... ,,~.~--_. . •..._._. Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira melade do Século XVIII to de Vila do Carmo, com um montante de 1500 negros armados e a companhia de dragões "... para por em sossego [VilaRica1 e livrar o seu povo das vexações,hostilidades, inquietações e extorsões que lhe faziam os cabeças amotinadores e perturbadores do sossego público ..."110• D. Pedro queria uma platéia expressiva para presenciar o casti-, go exemplar reservado aos amotinados, para que não se repetisse o "horroroso atentado como para não deixar a mão alçada para outro". Era inconcebível um povo "... no domínio [de Sua Majestade] rebelado contra as suas leis e reais ordens, fazendo lubibrio delas, ul- trajando-as e inventando novas leis para se observa- rem; desatino tão atroz que ofende os ouvidos de quem o ouve escandalizadamente mais aos que com media- na fidelidade o presenciaram"!" . Chegando à Vila, o Governador ordenou atear fogo às casas de Pascoal da Silva Guimarães e em muitas dos seus cúmplices situadas ~? no morro do Ouro Podre de onde originavam, todas as noites, os mo- tins. Durante o começo de uma sublevação, ocorrida também em 12 de julho, no sítio de Cachoeira do Campo, prendeu-se Filipe dos San- tos, acusado de cabeça e instigador do levantamento, que foi executa- do sumariamente. Em 17 de julho, o Conde publicou um bando pelo qual determi- nava que todos os proprietários de casas ou vendas localizadas no morro de Ouro Podre se desfizessem delas no prazo de quinze dias, e fossem se estabelecer em Vila Rica ou qualquer outro lugar que dese- jassem. Segundo costume daépoca, as casas e vendas seriam arrasa- das e queimadas "para que não houvesse mais memória delas"?" . O ban- I ! I I I. I r I "0 TERMO de vereança de 17 de agasto de 1720. Atas da Câmara de Vila Rica. Revista do Arquivo Público Mineiro. XXV (1937), p. 145. t t t Ibidem. 112 O ritual de arrasar e queimar com o usa do fogo os loei da desordem na colônia simbolizava a purifica. ção e a regenerescência destes locais, aspectos positivos da destruição. Por sua vez, o uso do 811,apóI a destruição pelo fogo. representava a tentativa de tornar estes lugares inférteis para sempre, Inibindo I geração de novas idéias rebeldes e a recorrência das desordens. Este ritual já era observacto entre 01 romanos, que jogavam sal nas terras das cidades que destruíam para-tornar o solo eternamente 111.rll. Cf. CHEVALlER, Jean et ai. Dicionário de símbolos, p. 440-443; 797-798,r. I 87 \ 1\ I il I, I ,I i Valllo, Rebeldea: violência nas Minas na primeira melada do Século XVIII do especificava ainda que todos os moradores de Vila Rica deveriam estar recolhidos às suas casas no prazo de três dias sem o que seriam considerados cabeças dos rebeldes e traidores de Sua Majestade, ten- do os bens confiscados e estando sujeitos às penas da lei pelo horroro- so crime em que ficariam incursos'"'. Em 20 de julho, o Conde convocou o Ouvidor Martinho Vieira para reocupar o seu lugar na Comarca, comunicando-lhe a prisão dos principais da sedição e o esquartejamento de Filipe dos Santos'" . Nem por isso a inquietação em Vila Rica e nos demais distritos da Capitania foi aplacada. O Conde de Assumar queixou-se ao secre- tário de Estado, Diogo de Mendonça, dos poderes limitados dos go- vernadores na contenção das desordens nas minas onde " ...a malícia dos mal contentes [era] muitas vezes mais atendida que a sua [dos governa- dores] justificada razão'T": A eclosão de motins que entendemos como referidos às formas políticas coloniais derivava, na opinião de D. Pedro de Almeida, da "...soltura com que vivem os poderosos nesta terra, e não haver lei que [proporcionasse] os termos à sua sol- tura (...) um dos danos maiores, senão for o mais es- sencial (...) e que não pode haver uma lei geral (...) para todos os climas, e favorecendo [o das minas] a liberda- de e a dissolução, e usando-se só dos meios que apon- Este procedimento de queimar e salgar propriedades dos cabeças das revoltas foi utilizado, por exemplo, nas casas e roças de Domingos Rodrigues do Prado, líder da sedição de Pitangui (ver capitulo 4 deste trabalho). Exemplo mais conhecido deste ritual está ordenado na sentença de condenação de Tiradentes, a qual determinava arrasar e salgar a casa em que vivia o Alferes Joaquim José da Silva Xavier "para que nunca mais no chão [coisa alguma] se editioue". Existe uma polêmica quanto à destruição do morro de Ouro Podre que teria sido totalmente incendiado e passado a se denominar Morro da Queimada. Cf. VASCONCELOS, Diogo de. Op. cit. Apesar do bando do Conde de Assumar, que ameaçava arrasar e queimar casas e vendas situadas no morro, não encontra- mos nenhum documento que confirmasse a sua destruição total. Somente foram queimadas as proprieda- des de Pascoal da Silva Guimarães. Não obstante vários são os relatos que atestam a destruição total do Morro de Ouro Podre, incorporando a versão na história dos motins de 1720 em Vila Rica. 113BANDO de 17 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 11.fI. 291v. Em razão das desordens, por termo de acórdâo, a Câmara de Vila Rica resolveu eleger seis cabos das rondas, "homens dos mais capazeS' que deveriam, cada um, reunir 12 homens e, repartidos pelos bairros de Vila Rica à noite, "...con- vir ao sossego e quie/ação destes moradores, observando em tudo o regimento que Ihes havia de dar o Senado para melhor expedição às obrigações de que Ihes faziam cargo". TERMO de acórdão de 08 de agosto de 1720. ATAS da Câmara de Vila Rica. Revista do Arquivo Público Mineiro. XXV (1937). p. 139. ,1<PARA o Dr. Martinho Vieira, 20 de julho de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 11. IIs. 248r, 248v. 115CARTA para o secretário de Estado, Diogo de Mendonça, de 14 de dezembro de 1720. APM. Seção Colonial. Códice SG 13. IIs. 11, 11v e 12. 58 Vassalos RebeldeS; violêncIa nas Mlnu na primeira metade do Século XVIII ta a Ordenação do Reino, demasiadamente benignos para tanta perversidade, não [era] possível que se [con- servasse] a paz, aonde todos [conseguiam] com as ar- mas na mão tudo quanto [intentavam]"1l6. A próxima sedição examinada, mais um caso híbrido de com- portamento dos atores, é um exemplo desta liberdade de ação dos potentados e das dificuldades de o governo controlar a Capitania das Minas Gerais. 116Ibidem. et , I , , I1 ! I ! i I ~ I I I I I I i I r r I i CAPÍTULO 3 POTENTADOS E BANDIDOS: os motins do Sertão do São Francisco /I onde nunca se conheceu Rei." Em 1736, levantou-se a região noroeste da Capitania de Minas Cerais'" . A revolta do Sertão do São Francisco compreendeu urna sé- rie de motins os quais constituíram "uma rebelião declarada que (...) não achamos na história de minas tempestade mais temerosa em todo o período cotoniai"?", Os motins resultaram do repúdio dos moradores do noroeste de Minas ao estabelecimento, em fevereiro de 1736,da taxa de capitação no Sertão do São Francisco e se generalizaram a partir dos entendi- mentos entre a gente miúda e os grandes potentados. Embora os motins possam ter se iniciado apresentando caracte- rísticas de uma tax rebellion, logo definiram seus contornos de revolta referida às formas políticas coloniais. A sedição de 1736 apresenta par- ticularidades se comparada aos motins híbridos ocorridos em Vila Rica em 1720. Além de contar com a participação das camadas mais baixas da população do São Francisco nas assuadas - mulatos, mamelucos, índios - os motins de 1736 foram muito violentos, provavelmente pelo desenvolvimento singular da região. A dinamização do noroeste de Minas O Sertão do São Francisco estava, na terceira década do século XVllI, sob a jurisdição da Comarca do Rio das Velhas. Embora distan- te de Sabará, a sua inclusão nesta Comarca se explicava pela indefinição 117 A região noroeste de Minas, que denominamos o Sertão do São Francisco, compreendia os arraiais de São Romão, Manga, Brejo do Salgado (hoje Januária), Capela das Almas, Japoré (hoje Nhandutiba), barra do Rio das Velhas (hoje Guaicui). Montes Claros, entre outros núcleos urbanos menores. Sobre o assunto ver: MATA MACHADO, Bernardo. História do sertão noroeste de Minas Gerais. 1690-1930. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. p. 11 passim. t18 VASCONCELOS, Diogo de. História média de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1918. p.98. 61 Vassalos Rebeldes: violência nas Minas na primeira metade do Século xvm dos limites territoriais de cada jurisdição1l9 . A região, submetida ad- ministrativamente à Comarca do Rio das Velhas, ligava-se porém, no que se referia à jurisdição eclesiástica, aos Bispados de Olinda e. da Bahia, em razão da tardia criação do Bispado de Mariana 12o • Como o Sertão do São Francisco não se vinculava à economia de exportação, podia-se observar, nesta área, grande fluidez adminis-' trativa e uma organização sócio-econômica bem diferenciada daque- la da região mineradora, embora sua formação e desenvolvimento estivessem intimamente ligados a estas. A ocupação do São Francisco desviou-se dos pressupostos administrativos básicos da política me- tropolitana para as regiões mineradoras - montagem de um vasto aparelho burocrático, tributário e fiscalizador. --;> Somente após a instalação do Arcebispado da Bahia foram cria- das freguesias no Sertão, nas quais era cobrado o imposto, meio civil meio eclesiástico, do dízimo. A Carta Régia de 20 de janeiro de 1699 representou o primeiro esforço para introduzir alguma ordem no Ser- tão. Foram criados juízes, à semelhança dos juízes de vintena, e desig- nados o capitão-mor e cabos de milícia para sustentarem as decisões judiciais.A resistência à tentativa
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