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Revoltas no Brasil Colonial

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Módulo: Revoltas no Brasil colonial
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Além de súditos: notas sobre revoltas e identidade colonial na América portuguesa. Tempo, Niterói, v. 10, 2000
A linha no fim do horizonte não apenas separava o Brasil de Portugal, mas dividia o espaço da justiça e da injustiça, fazendo do Atlântico um cenário [ ] dada a consecução de opressões e desassossegos, dos quais os colonos americanos eram as grandes vítimas.
Talvez a forma mais opressiva com que estas distancias foi sentida pelos colonos tenha sido através da política fiscal portuguesa. A elevada carga de impostos e o multiplicado número de donativos e contribuições, a serem pagos incessantemente para atender os gastos do reino, apareceram sempre combinados com a limitação na liberdade comercial, a ausência de participação dos colonos junto ao centro de decisão, os abusos de jurisdição por parte de funcionários e os preços desvantajosos nas relações mercantis a dificultar a vida material nas colônias.
As estreitas ruas das cidades na América portuguesa seriam muitas vezes ocupadas por multidões armadas, que, aos gritos, exigiam o fim de algum imposto ou a remoção de alguma autoridade acusada de abusos.
Revolta da cachaça
Na madrugada do dia 8 de novembro de 1660, um grupo de proprietários de terras atravessa a baía de Guanabara, navegando à sombra do Pão de Açúcar [...], e reúnem uma multidão no Paço da cidade. Milhares de pessoas ocupam a Câmara Municipal, destituem seus conselheiros e depõem o governador da capitania, que então se encontrava em viagem de negócios. Pelas ruas gritam por “Liberdade”, disparam a tocar o sino da câmara, dirigem palavras de ódio às autoridades e aclamam “Vivas a vossa majestade”, que reafirmaram como seu Rei o Senhor”. Revolta contra o Império dando viva a majestade???? R: Na mentalidade dos colonos o Rei nunca estava errado, estava enganado por maus conselheiros. [...] primeiro movimento de contestação nas colônias portuguesas, em que os funcionários nomeados pelo rei são substituídos por representantes dos moradores e administram uma cidade ao longo de seis meses. O evento merece ainda mais a atenção, quando se tem em conta que o Rio de Janeiro representava, então, um dos principais polos econômicos de todo o Império colonial português. 
Depois de superada a primeira onda de tumultos, um novo governo, composto por representantes de vários grupos da população, promove eleições para a Câmara Municipal e aprova uma espécie de constituição, com 15 capítulos, que reformavam o governo da cidade. Apesar do consenso na aprovação das reformas, os meses de revolta se passam com grandes aflições, decorrentes do temor de um contra-ataque do governador deposto, que se encontrava nas regiões circunvizinhas. Mesmo que intensas mobilizações tenham sido preparadas para rechaçar o retorno de Salvador Correia, a reação armada do governador e o isolamento dos amotinados, que não conseguem o apoio das capitanias vizinhas para sua causa, facilitam a reconquista da cidade, para a qual o general emprega 100 índios de suas fazendas e navios das frotas portuguesas. Com a entrada do governador e a retomada dos principais fortes da cidade, os amotinados são desmobilizados e, na mesma noite, enforcado o líder da revolta, Jerônimo Barbalho, ficando sua cabeça exposta no pelourinho da cidade. Quase uma dezena de presos é enviada para as masmorras, onde apodreciam por muitos anos, à espera de julgamento.
Na Bahia...
Se, na segunda metade do século XVII, o Rio de Janeiro se afirmara como importante eixo articulador do Império ultramarino português, no século seguinte caberia à Bahia de Todos os Santos papel de relevo. [...] Sua posição geográfica era também estratégica, na defesa dos domínios de Portugal no Atlântico, além de porto obrigatório para as carreiras que seguiam rumo às especiarias das Índias orientais. No entanto, para ocupar esse lugar privilegiado no funcionamento do sistema colonial, seus habitantes pagavam um alto preço. Os moradores da cidade sofriam pesada taxações para sustentar as forças de defesa do cobiçado nordeste açucareiro, além de se verem obrigados a alojar em suas casas os soldados sem quartel. Por ali, os anúncios de novos impostos também eram sempre notícias incendiarias. Quando, em 1711, toma posse no cargo o Governador-Geral do Brasil e se divulga uma série de novas medidas fiscais, acaba-se por provocar um motim nas ruas de Salvador. [...] Em seus primeiros dias de gestão, quando então se reunia com os conselheiros municipais, o novo governador assistiu, chocado, à casa da câmara ser invadida por uma multidão, exigindo o cancelamento dos novos tributos e a redução do preço do sal. [...] Sem poder contar com o contingente de soldados da cidade, que aderiu ao movimento desde as primeiras horas, ao governador poucas alternativas sobraram, além de aceitar as exigências que lhe eram feitas: suspense os novos impostos e reduz o preço do sal. [...] um mês depois, conclamando nova revolta contra o mesmo governador, desta vez acusado de negligencia e covardia. Aos gritos de “Viva o Povo e morram os traidores”, obrigam-no a mobilizar contingentes e recursos financeiros para atacar os franceses, que haviam invadido o Rio de Janeiro. Após a pacificação das duas revoltas, o governador recorre à dissimulação, como em muitos dos processos repressivos a que se assistiria no Brasil Colônia. Prende os envolvidos, sequestra bens de vários deles, condena alguns ao degredo e açoita em praça pública outros, que se destacaram na liderança. Mais uma página de violência seria virada na História do Brasil.
Nas Minas...
Mas dentre todas as regiões da América portuguesa, o verdadeiro berço da rebelião e dos protestos contra a política fiscal esteve em Minas Gerais.
Nas primeiras duas décadas de produção de ouro (1700-1720), os interesses portugueses encontram-se reféns dos poderosos locais, obrigados a conformar com o que os moradores consideravam justo oferecer, como tributo pelo ouro que mineravam. Os governadores e os primeiros mandatários do rei tiveram dificuldade de atuar na região, alguns deles sequer conseguindo entrar na área, barrados por bandos armados que se recusavam a obedecer às novas autoridades. Lentamente, o aparato administrativo e o militar vão sendo organizados, conseguindo atuar nos centros produtores mineiros [...]. Comarcas são criadas e passam a dividir a jurisdição do território, e autoridades religiosas e civis cuidam da justiça e da fé e, evidentemente, dos impostos.
Embora conflitos tivessem sempre estalado nas zonas mineradoras, desde os primeiros tempos, a cada tentativa feita pelos oficiais reais, seria nos anos 20 do século XVIII que a grande onda de revolta tomaria conta da região, chegando mesmo a ameaçar a soberania da metrópole sobre as minas de ouro. Depois de circularem rumores de que estavam sendo preparadas formas mais rígidas de cobrança do quinto, a chegada do Alvará, determinando que o governador colocasse em prática a construção de Casas de Fundição — onde de agora em diante todo o ouro da capitania deveria ser fundido e subtraído em sua quinta parte — acende um violento motim. [...] Os protestos se espalham por várias localidades próximas, formando grandes grupos, que se dirigem pelas estradas em direção ao palácio do governador, na cidade vizinha. Ali cercam as principais autoridades da capitania, que se encontram refugiadas e exigem a não aplicação das Casas de Fundição, embora concordassem em continuar pagando baixos volumes do quinto. Sem alternativas, o governador concorda com os amotinados, sendo obrigado ainda a conceder o perdão generalizado.17 Dias depois, esperando momento oportuno, quando a calma se restabelece, reúne a tropa de elite, que chegara especialmente para atuar nas Minas do ouro, e massacra os principais envolvidos.
Se a violenta repressão pôs fim às resistências dos mineradores, o avanço da fiscalidade no sertão de Minas Gerais colocaria novamente os funcionários do rei sob difíceis circunstâncias. A causa, dessa vez, seriaa tentativa de fazer com que, a partir de 1735, os fazendeiros que criavam gado no interior da colônia pagassem ao rei o direito do quinto sobre cada escravo que possuíssem. A enorme resistência que os sertanejos fariam ao imposto baseava-se num princípio simples: o de que não eram mineradores, não sendo justo que fossem obrigados ao pagamento do direito do quinto, além de já contribuírem com vários outros tributos, que incidiam sobre o comércio do gado.
Gritos de “Viva o Povo e Morram os Traidores” circulam pelo interior. Por alguns meses forma-se um governo popular, do qual o general comandante dos exércitos amotinados era um mameluco, e vários postos do governo, ocupados por pessoas de baixa condição, como índios e mulatos pobres. [...]Usando de enorme dissimulação, o governador prende os grandes fazendeiros da região, sequestrando suas propriedades e bens. A pacificação da região se traduziria no controle efetivo, por parte da Coroa, da retaguarda da mineração.
Considerações finais
Essa memória de vassalo dedicado e leal, levado à ruína diante da opressão fiscal da metrópole, transforma-se num elemento da identidade colonial, que rejeita a intromissão do rei no patrimônio privado. O tributo que destrói a fortuna individual torna-se, nessas circunstâncias, o pior dos monstros.
Onde desaparece o súdito, nasce o colono.
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Maquiavelianas brasileiras: dissimulação, ideias políticas e revoltas coloniais (Portugal, séculos XVII e XVIII). Tempo, Niterói, v. 20, 2014.
Resumo:
A teoria política sobre o poder da monarquia católica em Portugal, apesar de não ver com bons olhos os expedientes dissimulatórios, não conseguiu evitar seu uso diante da gravidade que assumiu a luta de resistência dos súditos na América. Em muitas dessas situações, se sustentou o uso da dissimulação, especialmente entre 1640 e a primeira metade do século XVIII. Na mais importante esfera de debates dos problemas políticos da colônia — o Conselho Ultramarino —, a recomendação da arte do segredo foi francamente defendida, mas, progressivamente, condenada, uma vez que, aparentemente, foi incapaz de reduzir as revoltas. A defesa da dissimulação em O príncipe, mesmo se distinguindo da razão de Estado católica, baliza o debate que toma conta dos autores da política cristã nos séculos XVI e XVII.
A intenção e o gesto
A década de 1640 do século XVII foi duríssima para os moradores da cidade do Rio de Janeiro. Afetados pelas disputas europeias que repercutiam no império português, uma enorme pressão fiscal, agravada por problemas na comercialização do açúcar e da aguardente da terra, exigiu dos fluminenses colaboração para financiar a defesa do porto ante a aproximação dos holandeses, que haviam ocupado o nordeste em 1630 e Angola em 1641. Colaborando para o clima tenso, a divulgação do breve papal de 1639, proibindo a escravidão indígena, indispõe os colonos com os jesuítas. Para completar, nos primeiros anos da década, uma epidemia de varíola devasta boa parte da população de escravos.2 É nesse ambiente delicado que o governador Luís Barbalho recebe ordem do soberano, em 1643, para enviar à Bahia todo o dinheiro cunhado no Rio de Janeiro, a fim de ajudar na defesa da capital da América portuguesa. Os fluminenses reagem à sangria com um motim, tentando tomar das mãos do governador o cofre com as moedas cobiçadas.
O século das revoltas no Brasil exigiu que novas formas de reação fossem elaboradas a fim de enfrentar a desarmonia que sacudia o corpo político da monarquia
[...] a Catalunha, também por meio de uma rebelião, rompe com a Coroa espanhola e busca a sujeição ao rei francês. Na percepção dos conselheiros, os riscos provocados pela sedição fluminense poderiam ir pelo mesmo caminho: a alta traição ou o irridentismo dos seus próprios vassalos.
Elogio, hesitação, ocaso
Em 1709, num dos episódios mais dramáticos dessa disputa entre as autoridades a serviço de Portugal e os conquistadores das minas, paulistas e emboabas, o governador do Rio de Janeiro, D. Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre, foi expulso pelos vassalos rebeldes ao tentar entrar com sua comitiva nos domínios auríferos.
Na Bahia, a circulação de boatos entre os moradores de Salvador anunciando impostos, aumento do preço do sal e outras novidades azedam a recepção do novo governador-geral do Brasil, D. Pedro de Vasconcellos e Souza, em 1711. Para completar, o pagamento dos soldados estava atrasadíssimo. Em outubro, em um dia de fúria dos moradores, o governador foi cercado e assistiu impávido toda a cidade se rebelar — marinheiros, padres, soldados, oficiais mecânicos, pequenos comerciantes. Liderados por um traficante de escravos, carente de um dos braços e, por isso, alcunhado de “o Maneta”, destroem algumas casas até se acalmarem diante de uma procissão que o arcebispo improvisou. Antes de acabar o dia, as negociações resolvem a crise e o governador, coagido, perdoa a todos e suspende qualquer possibilidade de novos tributos e aumento de preços.
[...] o Conselho Ultramarino não tem muitas dúvidas de que a pacificação das revoltas foi um total desastre. D. Pedro de Vasconcellos teria metido os pés pelas mãos, dando provas de total inabilidade na condução política com aquele tipo de distúrbio na Colônia.
O século das revoltas no Brasil exigiu que novas formas de reação fossem elaboradas a fim de enfrentar a desarmonia que sacudia o corpo político da monarquia
A conclusão não chega a surpreender: “se se perdoar com[o] os outros não haverá povo algum no Brasil que não tumultue e se oponha contra as resoluções de Vossa Majestade, com tanto prejuízo do bom governo e paz”.
Com ou sem dissimulação, a aplicação de castigos nesse tipo de protesto, integrado quase sempre pelas elites locais, poderia trazer efeitos contrários. Ao invés de amedrontar, provocar irritação dos súditos baianos. Considerando-se a permanente presença de inimigos farejando riquezas e alianças com os moradores brasílicos numa costa tão afastada do reino, não era bom negócio se indispor com eles. Medo de perder a Colonia por uma revolta, já que os colonos podiam recorrer à impérios rivais, como Espanha, França...
“Grande virtude é a da clemência, principalmente nos príncipes. Mas é de tal natureza, que se exercida repetidas vezes, e de ordinário, degenera em vício, porque convida a delinquir”
Em passagem da carta escrita em 1715 ao governador de Pernambuco, Félix Machado, recordaria as opiniões conflitantes que circulavam: Sempre entendi que nenhuma república se podia conservar faltando nela prêmio para os bons e castigos para os maus. A esta última classe, pelo que a experiência tem mostrado, pertencem muitos dos moradores dessa capitania [Pernambuco] e como sempre [se] livraram bem das insolências com que as cometeram, como era possível que deixassem de as continuar?
Após semanas de tumulto popular, pressões, manifestos e ações armadas, o conde de Assumar reúne a Companhia dos Dragões, tropa de elite que chegara especialmente para atuar contra motins no Brasil, e massacra os principais envolvidos.
“Grande virtude é a da clemência, principalmente nos príncipes. Mas é de tal natureza, que se exercida repetidas vezes, e de ordinário, degenera em vício, porque convida a delinquir”
Elas guardavam sintonia com as ordens apregoadas por D. João V, em 11 de janeiro de 1719, proibindo os governadores do Brasil de concederem o perdão em caso de rebelião, sob a justificativa de que, graças ao perdão, as rebeliões vinham aumentando.
Sob a ideia da razão de Estado, reivindicando princípios católicos, o caminho parecia aberto para justificar o uso da dissimulação nos domínios distantes, tornando-se a América seu grande laboratório
Não poucas vezes, a recomendação para não castigar rebeldes no Brasil Colônia fazia par com a imposição de um silêncio geral a respeito. “Que se ponha perpétuo silêncio nesta causa”, muitas vezes se escreveu. Tratava-se aqui de atualizar no Novo Mundo lições da política cristã, especialmente a respeito da justiça punitiva dos príncipes.[...] a dissimulação foi acolhida em um papel decisivo como instrumento de governo.
ARAUJO, Ubiratan Castro de. A política dos homens de cor no tempo da Independência. Estud. av., São Paulo, v. 18, n. 50, p. 253-269, Apr. 2004.
O regionalismo baiano inspirou a exaltação deste movimento, batizado então de Inconfidência Baiana, mais radical nos propósitos de independência do Brasil e mais republicano do que a Inconfidência Mineira porque portador dos anseios das classes subordinadas do Brasil colonial. P 253.
Nos fins do século XVIII, a cidade atlântica do Salvador já estava abarrotada de gente. Esta era uma característica comum das cidades coloniais, sobretudo das portuárias. P 253-254.
Como qualquer grande cidade colonial, Salvador cumpria também o seu destino de ser uma das lixeiras dos impérios (Boxer, 1969). Aventureiros, excluídos de toda a natureza vindos do Reino, aqui buscavam fazer o seu “Brasil”, ou seja, mudar de condição social, fazendo valer apenas a brancura da pele e a condição de reinol, portanto superiores ao conjunto dos nascidos na Bahia, mesmo os mais ricos. P 254.
Os escravos e libertos africanos eram estrangeiros e prisioneiros de uma sociedade hostil. Tidos pela população do país como os mais ferozes dos bárbaros, os mais escravos entre os escravos, foram colocados no escalão mais baixo da sociedade urbana e submetidos aos trabalhos mais fatigantes e humilhantes. Solidários no cativeiro, terminariam por constituir uma identidade africana, unificada no exílio, a partir das várias matrizes culturais de que eram portadores. Eles não eram daqui, eles eram os Tios da Costa (d’África). Para eles, a cidade era o próprio cativeiro e para saírem da escravidão era imperioso sair da cidade ou conquistá-la para fazer dela uma cidade africana, como o fizeram os seus parentes no Haiti, que proclamaram “uma República dos Descendentes de Africanos na América”. Essa política africana desenvolveu-se na Bahia nos diversos levantes que se sucederam nos primeiros anos do século XIX, até o movimento dos Malês em 1835 (Reis, 1987). P. 255-256
Os negro-mestiços de Salvador formavam um contingente populacional chamado de “povo mecânico”. P 256.
Grande parte de “mecânicos” era progressivamente incorporada na força militar, a ponto de tornar-se nela majoritária e de transformá-la no principal foco de rebelião durante toda a primeira metade do século XIX. P 256.
Esses negros da terra, mecânicos e soldados, não mais africanos e sem chances de se tornarem portugueses, pensavam mais além do estômago. Eles sonharam vir a ser iguais em direitos aos brancos, o que só poderia ser viável em um outro Estado que os incluísse como cidadãos. O soldado Lucas Dantas, em 1798, dizia com propriedade que só a república interessaria aos homens pardos. P 257-258.
Pela manhã, apareceram dez manuscritos colados em pontos diversos da cidade, contendo propósitos revolucionários. Dez deles foram retirados e encaminhados às autoridades que iniciaram o processo repressivo, com a prisão de suspeitos e abertura de uma devassa. Um outro boletim não chegou até nós. Manoel Joaquim da Silva, rapaz branco de dezenove anos, dono de farmácia, viu e leu o que estava na parede de sua casa, às portas do Carmo. Descolou e entregou ao Capitão Antônio José de Mattos Ferreira e Lucena, que passava na hora, saindo de uma casa na mesma rua. Por sua vez, o Capitão levou o boletim ao conhecimento do pai, Coronel Ferreira e Lucena que o destruiu, queimando-o na chama de uma vela. Parece ter impressionado, o Capitão, que recordava pedaços: falava da próxima revolução, oferecia vantagens à tropa paga e prometia “liberdade aos escravos”. (Tavares, 1975, p. 20) Não apenas o Capitão Lucena ficou perplexo, há mais de duzentos anos. Ainda hoje, os historiadores se questionam mutuamente: Uma revolução liberal abortada? Uma revolução popular traída? Uma revolução negro-mestiça? Uma simples sedição militar? P 261.
O que estava escrito naqueles panfletos de tão assustador? Falavam de revolução, uma palavra nova introduzida na linguagem depois e por causa da Revolução Francesa. P 261.
Os homens de cor de 1798, além de pensarem no próprio soldo, apresentaram ao povo da cidade do Salvador as primeiras propostas concretas de resolução de uma crise urbana crônica que, ao mesmo tempo, configuravam uma avançada política de descolonização e de democratização da Bahia. Apesar da acomodação dos descontentes e liberais brancos e proprietários nos marcos do império português, especialmente após a transmigração da corte portuguesa para o Brasil e posterior elevação do Brasil a Reino Unido, apesar do governo de conciliação política do Vice-rei Conde dos Arcos, o povo mecânico não esqueceu os alfaiates. Suas propostas foram retomadas e ampliadas pelos sucessivos movimentos e rebeliões populares baianas, entre 1821 e 1837, em um tempo de Bahia rebelde, o que terminou por configurar um programa político popular cujos eixos principais eram a República, a democracia representativa, a autonomia regional, a igualdade racial inclusive no acesso ao emprego público, a reforma econômica pela abertura da fronteira agrícola e distribuição de sesmarias. P 267.
Afinal, o que fizeram aqueles homens de 1798? Não fizeram nem revolução, nem levante, nem sedição, pois nenhuma arma foi usada. Formularam propostas e buscaram alianças para superar coletivamente a crise da cidade. Propagandearam as suas idéias. Fizeram Política e por isso foram cruelmente reprimidos. P 267.
Anotações da aula
Texto 1:
História do padre: Era difícil para Portugal, minúsculo, manter uma colônia tão gigantesca como a que viria se tornar o Brasil.
Tempo administrativo: tempo demorado pela coroa para tomar decisões políticas. Nisto, a colônia se “auto governava”.
Texto 2
Os protestos eram “perdoados” ao público, no entanto, os revoltosos eram punidos posteriormente, o que é chamado, em conceito maquiavélico, de dissimulação, os falsos perdões eram feitos, o que gerava uma tensão, que poderia surgir ao revoltoso uma punição a qualquer momento, o que de fato acontecia. Isso acontecia pelo medo de perder a colônia por uma revolta, já que os colonos podiam recorrer à impérios rivais, como Espanha, França... No entanto, gerou controvérsia no Império, afinal, a dissimulação, era uma espécie de mentira, e cristãos não devem mentir. 
Logo depois o perdão é proibido, culpada pelo aumento excessivo das rebeliões:
A dissimulação foi condenada junto com o perdão que, até ali, alguns governadores podiam conceder. As palavras do conde de Assumar e dos conselheiros a respeito das novas diretrizes repressivas não são mais do mesmo. Elas guardavam sintonia com as ordens apregoadas por D. João V, em 11 de janeiro de 1719, proibindo os governadores do Brasil de concederem o perdão em caso de rebelião, sob a justificativa de que, graças ao perdão, as rebeliões vinham aumentando. P 12.
Texto 3:
“O como se escreve a história é mais importante que a narrativa em si”
Mácula do trabalho:
A sociedade colonial e imperial foram sociedades escravistas. Modo de produção escravista. Toda riqueza aqui produzida, foram produzidas a partir da mão de obra escrava. Ou seja, em todos os lugares, o trabalho manual era sempre escravo, e não somente na grande lavoura. Portugueses se limitavam aos trabalhos administrativos e intelectuais, ou não trabalhavam. Os mestiços vinham depois, mais desqualificados, mas ainda com seus privilégios de trabalhos. O africano era escravizado feito diante de várias justificativas. O racismo. O trabalho manual era considerado inferior. Macula do trabalho: o trabalho macula, deixa de ser imaculado, não trabalhar é chique, é para seres superiores. Logo, se tu, não trabalhas manualmente, não tem os privilégios.

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