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Psi-Escola- CRIANÇAS portadoras de queixa escolar

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4 CRIANÇAS PORTADORAS DE QUEIXA ESCOLAR: REFLEXÕES SOBRE O 
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO 
Cintia Copit Freller 
 
Com este artigo pretendemos repensar o atendimento psicológico clínico 
usualmente dirigido às crianças portadoras de queixa escolar. 
Nossa reflexão parte da pesquisa feita para a dissertação de mestrado, onde 
entrevistamos psicólogos que atenderam crianças com dificuldades escolares e 
analisamos os laudos por eles elaborados. 
Constatamos que a grande maioria dos profissionais propõe o mesmo 
procedimento diagnóstico seguido pelo mesmo tratamento para todas as crianças que 
procuram atendimento psicológico, independentemente da queixa ou do agente do 
encaminhamento. 
O processo psicodiagnóstico consiste em entrevistas de anamnese com a família, 
sessões de ludodiagnóstico e aplicações de testes de inteligência e projetivos. Para 
finalizar, é marcada uma entrevista devolutiva com a família, em que geralmente é 
recomendada uma psicoterapia para a criança e orientação para a mãe. Algumas vezes 
são sugeridos encaminhamentos para classe especial e outros atendimentos específicos, 
como por exemplo tratamento fonoaudiológico. 
Este padrão de atendimento tem sido considerado insatisfatório pelas crianças, 
pais, professores e até pelos psicólogos que o praticam. 
Os pais, especialmente aqueles provenientes das camadas populares, relatam a 
enorme dificuldade que enfrentam para seguir um tratamento tão longo, oneroso e 
muitas vezes incompreensível e injustificável. Muitas vezes não acham necessário tal 
processo, já que o filho não apresenta problemas em casa, só na escola. 
As crianças se sentem discriminadas e desvalorizadas pelos colegas, familiares e 
professores por necessitarem desse tipo de atendimento. Freqüentemente se dizem 
loucas, doentes ou burras e passam a agir como tal. Outras vezes dizem que são 
perseguidas pelas professoras, pois todas as crianças fazem bagunça, mas só elas são 
encaminhadas. Sentem-se injustiçadas e expressam seu descontentamento por serem o 
bode expiatório da classe. 
Por fim, os psicólogos, ao mesmo tempo em que se defrontam com altos índices 
de desistências no decorrer do processo de tratamento, são obrigados a dar conta de uma 
fila de espera cada dia maior para o início de atendimento. Expressam muitas dúvidas 
em relação à adequação do tratamento psicológico “clássico” dirigido à população de 
baixa renda. Problematizam, no entanto, os pacientes e não a prática psicológica 
proposta. 
Encontram também dificuldade para explicitar os objetivos que almejam com 
seu trabalho e uma certa insegurança em relação aos resultados obtidos. Afirmam que a 
maior parte da clientela infantil procura atendimento por problemas escolares, mas não 
incluem a escola no processo diagnóstico nem na proposta de tratamento. 
Assim, tratam as crianças e sua família sem problematizar os fatores intra-
escolares implicados na produção e manutenção da queixa escolar. Acreditam que todas 
as crianças têm algum nível de problema emocional que merece ser elaborado em um 
processo terapêutico. 
O desconhecimento dos psicólogos em relação à estrutura e ao funcionamento 
das escolas públicas no Brasil, somado ao preconceito em relação às famílias pobres, 
são muitas vezes justificados e camuflados por teorias psicológicas que explicam tudo 
pelos mecanismos intrapsíquicos da criança e pelas relações familiares precoces que os 
determinam. 
O depoimento de uma psicóloga que atende predominantemente crianças com 
problemas escolares em um ambulatório de saúde mental da periferia de São Paulo 
expressa bem essa realidade: 
A maioria das crianças que procura o posto vem com cartinha da escola, que 
quer um encaminhamento para classe especial, porque não acompanham nas classes 
normais. Eu não sei bem como funcionam essas classes, fico insegura de encaminhar... 
Sei que têm menos alunos e a professora pode dar mais atenção. Eles já têm pouca 
atenção em casa. Sabe como é, essas famílias numerosas, desestruturadas, a mãe 
trabalha e tem montes de filhos, não pode atender cada um, estimular, acompanharas 
lições. Então eu encaminho para classe especial. Acho que deve ajudar Pelo menos vão 
ter mais atenção da professora, que até é mais especializada neste tipo de criança. 
Perguntamos a esta psicóloga se ela já esteve em alguma destas escolas, 
conversou com a professora, procurou conhecer como funciona de fato uma classe 
especial. Ela responde: 
Nunca fui nestas escolas que encaminham. Às vezes fico com vontade de 
conversar com a diretora de uma escola aqui perto que encaminha praticamente uma 
criança por semana, ou porque não aprende ou por indisciplina. Mas eu nem saberia 
como entrai; com quem falar... A nossa formação é diferente, é clínica, e o que importa 
é o que observamos no contato com o cliente como é sua relação com o psicólogo, com 
os brinquedos, os resultados dos testes, o que a mãe fala. Aí trabalhamos com a 
criança, para ajudar ela. Nem daria para ir na escola, conversar com a professora. São 
muitas escolas, muitas professoras. Às vezes eu mando um bilhete perguntando alguma 
coisa, como ele é na sala de aula, para ajudar no diagnóstico. 
Esta psicóloga procura justificar a exclusão da escola do diagnóstico e 
tratamento destas crianças através de dificuldades práticas, e principalmente recorrendo 
a determinadas teorias psicológicas que orientaram sua formação e dirigem sua prática 
atual. 
Ela atendia Carlos, um menino de 8 anos, em terapia grupal, enquanto outra 
psicóloga, do mesmo posto, atendia a mãe em orientação. A mãe procurou atendimento 
porque a professora de Carlos chamava-a freqüentemente para reclamar que ele era 
imaturo, agitado, não queria fazer as lições e só pensava em brincar. A professora 
deixava-o de castigo, sem recreio, olhando para a parede. A mãe, recém-separada do 
pai, não agüentou a pressão da professora, resolveu tirá-lo da escola e tratá-lo, para 
quando melhorar retomar o processo de escolarização. 
A psicóloga, através do psicodiagnóstico, constatou que problemas emocionais 
comprometiam o rendimento escolar de Carlos, entre eles uma relação doentia com a 
mãe, que o infantilizava, além do sofrimento decorrente da ausência do pai, que era seu 
modelo masculino e seu aliado. Essa problemática, segundo a psicóloga, merecia ser 
elaborada através de um processo terapêutico, prontamente iniciado. 
Carlos fazia terapia duas vezes por semana e passava o resto do dia 
acompanhando a mãe, passivamente, nas suas tarefas domésticas, fora da escola e do 
contato com outras crianças. Isso não foi abordado e discutido pela psicóloga. Ocupada 
com os aspectos emocionais, os vínculos transferenciais, o inconsciente, etc., 
descuidou-se da realidade objetiva do menino de oito anos, que deve, até por lei, se 
escolarizar. 
Precisamos então refletir sobre os pressupostos teóricos, crenças e pré-juízos que 
sustentam essa prática, e analisar suas conseqüências para a criança e para a escola. 
Acreditamos que o psicólogo, ao aceitar a criança inadaptada na escola como paciente e 
propor um psicodiagnóstico para conhecê-la melhor, sem problematizar os fatores intra-
escolares envolvidos no caso, está limitando seu campo de compreensão e de ação. A 
priori ele ratifica as concepções do agente encaminhador, em geral a escola, e procura o 
problema na criança ou em sua família. Assim como os teóricos da carência cultural 
desviam o olhar da escola e o fixam no aluno ou em sua família, que mais uma vez são 
culpabilizados pelo fracasso escolar. 
Há um pressuposto comum entre ambos os profissionais de que o fracasso 
escolar é causado por problemas de ordem emocional e intelectual gerados por 
privações afetivas ou materiais. O vínculo entre rendimento escolar e relacionamento 
familiar precoce é estreito, linear e mecânico. 
Um exemplo dessa relação encontra-se no laudo psicológico de uma criança 
encaminhada para classe especial: 
 Háum caráter deficitário do ponto de vista intelectual já instalado, devido à 
problemática emocional, assim como às privações encontradas em sua história de vida. 
Em outro trecho do laudo encontramos: 
Há uma carência afetiva muito grande... A sua auto-imagem encontra-se muito 
prejudicada, há uma descrença na sua própria capacidade, assim a criança evita 
entrar em contato com a dificuldade, com a experiência. 
Esta mesma psicóloga, se conhecesse a história escolar desta criança, poderia 
concluir que o déficit intelectual (apurado através dos testes de inteligência, sem que seu 
desempenho global na vida cotidiana fosse levado m conta) pode ser conseqüência de 
uma experiência escolar desastrosa, marcada por sucessivas mudanças de professores e 
técnicas de alfabetização, entre outras coisas. No seu primeiro ano de escolarização 
cinco professoras assumiram a classe, determinando uma repetência em bloco de todas 
os alunos. A partir de então as repetências foram se sucedendo, a carreira de fracassos 
se consolidando até o encaminhamento para classe especial, prejudicando sua auto-
imagem e provocando uma descrença na sua própria capacidade. 
O psicodiagnóstico usual avalia fundamentalmente os conhecimentos e 
habilidades já adquiridos pela criança, visando medir respostas, resultados, enfim, o 
produto final. Feuerstein, por outro lado, através de sua proposta de psicodiagnóstico 
apresentada no XVII ISPAI/II CONPE, objetiva conhecer o potencial da criança e o 
processo que utiliza para chegar aos resultados. Ele acredita que todas as crianças são 
capazes de aprender, independentemente do sintoma que apresente. Essa crença na 
capacidade da criança pobre é muito frágil por parte dos psicólogos e professores que 
trabalham diretamente com essa população, sendo apontada por pesquisadores da área 
como importante causa do fracasso escolar. Na verbalização de outro psicólogo, a 
descrença nestas crianças é patente: 
As crianças que chegam no posto, até os pais decidirem trazer é porque têm 
problemas sérios mesmo. São várias as carências, deficiências e problemas cognitivos 
já instalados. Aparecem crianças com 5, 6 anos de repetência! Tem caso que o que dá 
para a gente fazer é pouco perto dos problemas que o rodeiam. Aí eles acabam 
desistindo do tratamento, percebem que não vai mudar muita coisa. 
A história familiar e as carências materiais são utilizadas para explicar, com 
exclusividade, os problemas escolares. A maioria dos psicólogos não se preocupou em 
conhecer as práticas que produzem e mantêm o fracasso escolar para articular a história 
escolar com a história pessoal do aluno e, assim, propor alternativas de mudança na 
própria escola, além do trabalho centrado na criança e sua família. 
A concepção corrente é de que os mecanismos intrapsíquicos, tomados como 
principais causadores dos problemas na escola, são inatos ou formados nas relações 
entre o bebê e sua mãe nos primeiros anos de vida, O bebê já nasce com um mundo 
interno bastante formado, marcando sua personalidade e seu padrão de relação com o 
mundo externo, como, por exemplo, maior ou menor resistência à frustração, inveja, 
agressividade etc. As relações familiares precoces também são consideradas 
estruturantes e fundantes da organização psíquica do sujeito. 
A escola e outros fatores ambientais posteriores não são considerados 
estruturantes, e sua participação influenciaria pouco o desenvolvimento do sujeito e a 
formação de distúrbios afetivos e sociais. A capacidade de enfrentar um ambiente 
adverso depende dos mecanismos intrapsíquicos do sujeito e conseqüentemente o 
fracasso ou o sucesso escolar dependem, em última instância, da própria criança. Isso 
explicaria porque um aluno consegue aprender em uma péssima escola e outro nada 
consegue em uma escola considerada boa. 
Nesta perspectiva, para entender um sintoma ou conflito que o indivíduo está 
enfrentando no presente, o psicólogo busca as causas nas marcas deixadas pelas 
relações primitivas e procura, entre outras coisas, conhecer (avaliar) os vínculos 
familiares (no caso da psicanálise, relações dinâmicas inconscientes) através do 
psicodiagnóstico. 
Junto com os testes e questionários, o psicólogo carrega também preconceitos e 
“descrenças” que desviam sua escuta das forças emocionais encobertas e do sentido do 
discurso que lhe é comunicado. Sua escuta muitas vezes fica presa no concreto, distante 
do desejo e daquele que deseja, colada só no sintoma e seu efeito no social. Distancia-se 
do particular, do individual, estreitando sua capacidade de entender e ir ao encontro das 
necessidades do paciente, deformando sua capacidade reveladora e limitando suas 
escolhas. 
Constatamos também certa ambigüidade no trato com a realidade concreta dos 
pacientes. No caso da história escolar, o que importava para os psicólogos eram as 
representações e fantasias que a criança tinha da escola. No caso das relações familiares, 
as condições concretas de vida tais como privações materiais e afetivas eram 
efetivamente consideradas. Muitas vezes era frustrada a tentativa de ir além da realidade 
objetiva e depreender como tal ou qual situação marcou e se inscreveu naquele sujeito 
particular: 
Os pais de Carlos são separados, brigam muito e essa situação familiar parece 
ser responsável pela sua grande instabilidade emocional e insegurança. Essa 
problemática emocional compromete o seu rendimento escolar, dificulta sua 
concentração... 
A aproximação dos psicólogos da situação familiar dessas crianças pobres é 
marcada por desconhecimentos encobertos por preconceitos: “as famílias são 
desestruturadas, não se preocupam em atender às necessidades culturais e afetivas das 
crianças, não cuidam dos seus filhos, gerando toda sorte de privações e lacunas, têm um 
filho atrás do outro, bebem etc.”. 
 Para muitos destes profissionais, essas famílias estabelecem relações pobres em 
estímulos e afetos, requerendo a atuação de profissionais especializados que possam 
ajudá-las a modificar e incrementar esses vínculos, gerando crianças mais capacitadas e 
mais adaptadas à escola e à sociedade. 
 Como constatou Nicolaci-da-Costa (1987), as características específicas do 
modo de viver dessa população são consideradas inadequadas, o sistema simbólico das 
famílias das camadas populares, mais do que diferente, é considerado “pior” do que o 
das famílias de classe média. E a definição pela ausência, pelo que falta ou pelo que 
essas crianças têm de inadequado. 
Essa autora analisa as características das intervenções propostas pelos teóricos 
da carência cultural para preencher as lacunas deixadas pela educação familiar 
supostamente inadequada das crianças pobres. São programas que visam oferecer uma 
educação compensatória, que consiste em desenvolver na criança habilidades e 
comportamentos adequados, ou que almejam agir sobre os pais, ensinando-os a educar 
seus filhos adequadamente. 
Em ambos os casos o tratamento é dirigido às crianças e a suas famílias para 
ajudá-las a, em última instância, ter sucesso em um sistema educacional que não é 
modificado, nem sequer problematizado profundamente. 
Respondem ao nível do fenômeno manifestado, do sintoma: angústia dos pais, 
perturbação escolar ou caracterial da criança, por um emprego de dispositivos de 
socorro específicos, preconizando medidas terapêuticas ou corretivas destinadas a 
reeducar (Dolto, 1981). 
Freqüentemente são encaminhadas crianças cuja queixa é maturidade, 
indisciplina, desobediência. Elas não correspondem à expectativa da instituição escolar, 
não apresentam os comportamentos esperados pela professora, como ficar sentado, 
quieto, fazendo as lições e obedecendo ordens. São geralmente crianças normais, 
apresentando uma gama diversa de comportamentos esperados para a idade e outras 
vezes reativo a situações de ensino aborrecidas e/ou desrespeitosas. Cabe à escola 
entender esses comportamentos e educar,no sentido de permitir seu acesso à cultura e 
não no sentido de moralizar e domesticar. 
Muitas crianças de sete, oito anos chegam às clínicas de psicologia porque são 
“agitadas, imaturas, não conseguem passar a manhã sentadas, sem falar com os colegas, 
fazendo seus ditados e cópias”. “Só quer saber de brincar”, fala a professora; “ele não 
quer aprender, afirma a mãe”. “Vamos tentar entender as causas do seu problema para 
poder ajudá-lo”, decreta a psicóloga, psicologizando e patologizando um 
comportamento esperado para crianças dessa idade, que estão iniciando seu processo de 
escolarização. Não se importam se a criança brinca, é criativa, vivaz, alegre, 
características reveladoras de saúde mental. Atêm-se apenas ao caráter “perturbador” 
desses comportamentos e, ainda que involuntariamente, trabalham para a submissão e a 
adaptação da criança ao seu meio social. 
Ao atender essas crianças o psicólogo confunde, como nos ensina Costa (1984), 
tipo psicológico ordinário com saúde mental. O primeiro refere-se a uma série de 
características consideradas ideais por uma determinada classe social para serem 
atingidas por seus membros. O segundo remete a uma estrutura psíquica patológica. 
Nesse sentido, fracassar no acesso ao “tipo psicológico” que a instituição intenciona 
produzir pode até ser fonte de sofrimento, mas não reflete necessariamente doença 
mental, e não requer tratamento médico-Psicológico. Ao tratar a criança que não atinge 
o tipo almejado socialmente, o psicólogo está realizando um trabalho adaptativo e 
discriminatório, predominando a idéia de que a diversidade precisa ser domesticada e 
uniformizada. 
Como define Kupfer (1992), “A doença mental, por exemplo, é do âmbito do 
sujeito do inconsciente, e precisa ser tratada como tal; os problemas de aprendizagem, 
são na sua maioria problemas no funcionamento egóico, e portanto amplamente 
determinados pelas relações vividas pelas crianças no interior da instituição escolar”. 
Outro pressuposto que justifica a prática indiscriminada de diagnosticar e tratar 
psicanaliticamente os problemas de aprendizagem, sem levar em conta a necessidade 
individual do caso e a necessidade social (demanda excessiva gerando filas de espera 
enormes), é o de que “mal não faz” e que “a terapia é sempre útil para o 
autoconhecimento e para a elaboração de conflitos”. 
Percebemos uma preocupação ainda embrionária por parte dos psicólogos em 
discriminar os casos, na terminologia de Fernandez (1991), de fracasso escolar reativo 
(problema social em que a criança não se adapta como uma defesa contra mecanismos a 
que está submetida e não entende ou não concorda) e casos de fracasso escolar 
sintomático (inibições ou deficiências que podem ser localizadas mais especificamente 
na criança) para dirigir uma intervenção diferenciada que vá ao encontro das 
necessidades de cada caso. A maior parte das crianças que apresentam algum sintoma 
ou diferença que a escola julgue como problemáticos é geralmente encaixada no pacote 
psicodiagnóstico-psicoterapia. 
Os laudos, elaborados pelos psicólogos, não consideraram a possibilidade de 
determinados comportamentos refletirem um momento de crise, natural e esperado para 
crianças que estão em processo de escolarização. Prevaleceu entre os psicólogos a 
tendência a patologizar e psicologizar comportamentos que desviam do esperado pela 
sociedade e cronificar etapas de crise normais ao processo de crescimento. 
Sabemos que a criança enfrenta inúmeros momentos críticos, de desequilíbrio, 
que são etapas necessárias ao processo de crescimento, não demandando nenhuma 
interferência especial. A intervenção psicológica aplicada indiscriminadamente apenas 
estimula a crença no saber competente e a dependência dos professores em relação a 
profissionais especialistas para tratar qualquer sintoma e qualquer conduta diferenciada, 
diminuindo a confiança nos seus recursos e responsabilidades. E, como aponta patto, 
convence crianças e pais de sua suposta incapacidade e anormalidade. 
O cuidado em discriminar a necessidade de cada paciente, em particular da 
criança encaminhada com queixa escolar, e não “prescrever” psicanálise para todos é 
sugerido por vários psicanalistas. 
No artigo “Variedades de psicoterapia”, Winnicott (1987) discute modificações 
na técnica psicanalítica em função das necessidades do paciente e não do ponto de vista 
do terapeuta. 
Dos muitos pacientes que me procuram, de um modo ou de outro, apenas uma 
porcentagem muito pequena obtém, de fato, tratamento psicanalítico. 
O autor procura sempre a doença central numa família ou uma doença social, 
sempre levando em conta os aspectos econômicos do caso. 
Os analistas são especialmente propensos a atolar-se em longos tratamentos, no 
decorrer dos quais podem acabar perdendo de vista um fator externo adverso. 
Winnicott (1982) afirmava ainda que: nada é mais enganador na avaliação dos 
métodos educativos do que o simples êxito ou fracasso acadêmico. O êxito pode 
meramente significar que uma criança encontrou ser o da subserviência o caminho mais 
fácil para lidar com um determinado professor ou certo assunto, ou com a educação 
como um todo, uma boca sempre aberta com os olhos fechados ou um engolir tudo sem 
inspeção crítica. Isto é falso, pois significa a existência de uma completa negação de 
dúvidas e suspeitas muito concretas. Tal estado de coisas é insatisfatório no que respeita 
ao desenvolvimento individual, mas é matéria prima para um ditador. 
Dolto (1981), Mannonni (1981) e Winnicott (1975) afirmam que nem todos os 
casos de inadaptação escolar necessitam tratamento psicanalítico e que muitos poderiam 
ser cuidados pelo próprio círculo escolar em que estão inseridos. Alertam ainda que 
cabe ao psicanalista criar situações em que o ensino seja possível para todas as crianças. 
Mannonni (1981) relembra que: as nossas consultas são insuficientes para 
enfrentar o número excessivo de casos benignos de inadaptação escolar que poderiam 
ter sido resolvidos no âmbito de um ensino tradicional normal, se este último estivesse 
mais bem adaptado às exigências de cada indivíduo. Desta forma, as crianças rotuladas 
de doentes poderiam tirar partido de um ensino consentâneo com suas dificuldades. 
Dolto (1981) recomenda aos psicanalistas clínicos que só tratem casos 
decorrentes de desordens profundas da vida simbólica e não de dificuldades sadias à 
vida escolar atualmente efetivamente patogênica. Ela afirma que o papel do psicanalista 
é permitir que o sujeito neurótico ou psicótico encontre seu sentido, mas também dar 
seu grito de alarme diante da carência do ensino público (Isso na França!). 
A preocupação em estudar o contexto onde se produzem (ou reproduzem) e se 
manifestam os conflitos individuais é outro aspecto marcante dos escritos de Winnicott. 
Ele atribui um papel estruturante ao ambiente externo, inicialmente representado pela 
mãe e posteriormente pelos círculos mais amplos como família, escola e sociedade. 
Na sua teoria, o mundo externo não é concebido como repressor, representante 
do princípio da realidade cujo papel é somente frustrar, limitar, cortar. Como afirma Luz 
(1989), “ele é constitutivo na positividade, pois pensa a emergência do sujeito e do 
mundo humano em um espaço de jogo e tematiza as modalidades de subjetivação na 
experiência, que são singulares e variáveis”. 
Ainda segundo Luz (1989), a relação conflitante entre o mundo externo e interno 
é superada através do conceito de espaço intermediário entre esses dois mundos. Ao 
invés de estudar os processos intrínsecos de adaptação à realidade e à vida social, 
Winnicott estuda os processos através dos quais o indivíduo pode “criar” e, assim, 
aceitar a realidade. 
O autor propõe a possibilidade de uma intercomunicação com o mundo externo, 
característica de uma troca significativa que não pode ser expressa em termos de 
mecanismos de projeção e introjeção. 
Winnicott(1975) concebe “um papel contínuo de desenvolvimento humano, que 
começa antes do nascimento e prossegue ao longo de toda a vida, até a morte”. Portanto 
reflete, em vários artigos, sobre a evolução do ambiente e sua relação com o sujeito em 
crescimento. 
Desta forma o fracasso escolar não pode ser explicado apenas pelos mecanismos 
intrapsíquicos da criança ou por suas relações familiares primitivas, O ambiente escolar 
merece ser considerado. 
Winnicott acentua a importância da aprendizagem criativa e do uso positivo da 
agressividade para a experiência cultural, que é desenvolvida a partir dos primeiros 
objetos transicionais, passando pelo brincar até os processos mais elaborados de 
simbolização e produção cultural. Ele propõe um regime específico da experiência 
cultural, em continuidade direta com os fenômenos transicionais e o brincar. O fio 
condutor dessa experiência é a criatividade, que permite ao indivíduo transformar e se 
apropriar do que está dado. É uma experiência em que o sujeito está pessoalmente 
envolvido e descobre o mundo ao mesmo tempo em que descobre a si próprio, 
proporcionando um sentimento de que a vida vale a pena. 
Cabe ao meio ambiente, suficientemente bom, no início representado pela mãe e 
depois pela escola e por outras instituições, Proporcionar essa experiência ao invés de 
privilegiar uma relação com O mundo externo e com a cultura de cópia, adaptação e 
submissão. 
Nesse sentido a escola, se cumprisse seus objetivos de socializar o conhecimento 
humano, respeitando a individualidade de cada sujeito na recriação da cultura, 
potencializaria a criatividade humana, o que segundo Mello Filho (1989) é um dos 
objetivos de uma psicoterapia analítica. 
Para que a criança possa ser responsável e se comprometer com atividades 
sociais e culturais é necessária a presença de um outro que receba, aceite e valorize sua 
produção, dê oportunidades e reconheça a agressividade como um componente 
necessário ao impulso de aprender (o que geralmente não ocorre na escola). 
A partir dessas idéias precisamos rever a prática clínica usualmente dirigida às 
crianças com problemas escolares e propor um processo preliminar, breve, de escuta de 
todos os personagens envolvidos para juntos delinearem uma intervenção que vá ao 
encontro das necessidades de cada caso. 
Esta intervenção, prévia e breve, nos problemas escolares toma como paciente 
não apenas a criança, mas também sua família e seus professores. O objetivo desse 
trabalho é criar um espaço onde todas as pessoas envolvidas possam formular questões, 
expressar seus conflitos, repensar vínculos, buscar determinantes históricos específicos 
de cada caso para procurar estratégias que possam promover o desenvolvimento da 
criança. 
Através desta intervenção penetramos no conflito predominante, promovendo 
mudanças, dissolvendo dificuldades, mobilizando ações, possibilitando a comunicação e 
facilitando um caminho progressivo no processo de amadurecimento da criança e das 
relações. 
Esse processo inclui um diagnóstico social, uma vez que parte do princípio que 
há alguma dificuldade ou deficiência ambiental mantendo e/ou causando os problemas 
escolares da criança. 
Assim, trata-se de uma intervenção iluminada pelas falhas ambientais (presentes 
e passadas) ocorridas, baseada na reconstrução da história da criança, feita junto a ela, 
seus pais e professores. Esse esforço conjunto pode facilitar seu crescimento, ao 
propiciar uma provisão ambiental mais adequada. 
O psicólogo deve preocupar-se em promover um clima lúdico, em que as 
múltiplas versões sejam expressas na área de superposição dos diversos espaços 
potenciais envolvidos, possibilitando uma experiência de jogo e de comunicação 
profunda em um espaço confiável. 
Seu objetivo principal não é localizar os problemas, as lacunas e as deficiências, 
produzindo uma culpabilização mútua. Sua prática se orienta no sentido de reconhecer, 
possibilitar e implementar o espaço de jogo na criança e nas áreas de Superposição entre 
ela e os demais sujeitos, promovendo e valorizando encontros das áreas do brincar. 
O brincar é uma experiência importante e tem efeitos terapêuticos para a criança, 
professores e pais. Como nos ensina Lins (1991), no brincar os paradoxos são mantidos, 
enriquecendo e movimentando a experiência. Através da brincadeira pode-se re-
significar e elaborar cenas vividas passivamente, através da recriação, enquanto sujeito, 
destas situações para então poder reagir apropriadamente. Produz mudanças de lugares e 
transforma desprazer em prazer. 
O psicólogo junto com os demais participantes se debruçam sobre os problemas, 
buscando uma revisão e um resgate das histórias individuais, escolares e do cruzamento 
entre elas. 
Nossa hipótese é que a compreensão da causa do conflito da criança (que não é 
só da criança), nesse novo enfoque que inclui o ambiente na delimitação dessa 
problemática, ajuda a instituição escolar, os pais e a própria criança a enfrentar melhor 
os problemas e a mudarem seus lugares. 
Desta intervenção inicial podem emergir outras propostas de atendimento, 
desdobramentos específicos para cada caso. Por exemplo, pode concluir-se pela 
necessidade de um atendimento individual da criança inadaptada ou, em outros casos, 
determinadas modificações na instituição escolar que facilitem a aprendizagem da 
criança, ou ainda um trabalho com a família. 
Nesse sentido destacamos nossa preocupação central em relação ao uso 
indiscriminado e automático do psicodiagnóstico da criança com problemas na escola e 
propomos um processo preliminar de atendimento ao grupo envolvido no fracasso 
escolar, que não é necessariamente fracasso da criança, mas também da escola, da 
família etc. 
Só então poderemos penetrar de fato nas complexas redes de relações envolvidas 
na queixa escolar e abrir uma possibilidade de desmonte do fracasso e de abertura para 
o crescimento da criança, da família e da escola. 
BIBLIOGRAFIA 
COSTA, J.F. Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro, Graal, 1984. 
DOLTO, F. Prefácio. In: MANNONI, M. A primeira entrevista com o psicanalista. Rio 
de Janeiro, Campus, 1981. 
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