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Especialização em Educação do Campo e Saberes Agroecológico.

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PLASTICIDADE DO TRABALHO, POLÍTICAS PÚBLICAS E MOBILIDADE FORÇADA: um estudo com trabalhadores do Assentamento Gleba XV de Novembro
Jonathas Moreira Silva
jonathas.moreira007@gmail.com
Orientador:
Fernando Mendonça Heck
fernandomheck@gmail.com
RESUMO
O objetivo do presente artigo consiste em compreender a mobilidade forçada na sua relação com a plasticidade do trabalho constantemente redesenhada motivada pela ineficiência das políticas públicas destinadas à agricultura camponesa. A pesquisa consiste na análise qualitativa através de entrevistas semi-estruturadas com assentados do setor três do assentamento Gleba XV de Novembro em Rosana (SP). Os resultados alcançados mostram que a migração para o trabalho é imposta principalmente pela ineficiência das políticas públicas ao mesmo tempo em que o elemento subjetivo da resistência camponesa é um componente fundamental para a permanência no campo mesmo em condições adversas, o que não nos permite verificar uma tendência homogênea de abandono dos lotes nos assentamentos. 
Palavras-chave: plasticidade do trabalho; mobilidade forçada; migração; trabalho; movimentos sociais
Introdução
A questão agrária continua sendo um debate muito importante para os trabalhadores no Brasil, sobretudo a real democratização do acesso à terra através da reforma agrária. Muito se tem argumentado sobre a sua falência com a emergência do agronegócio “produtivo” o que não mais motivaria a necessidade da reforma agrária. Nada mais falacioso.
Também, argumenta-se a inviabilidade dos assentamentos considerados por alguns como verdadeiras favelas rurais[footnoteRef:1]. Curiosamente, aponta-se dados de evasão dos assentamentos, falta de acesso à iluminação elétrica, estradas com acesso ruim e a falta de acesso à saúde pública, muitas vezes, sem considerar que a política pública agrícola tem destinado orçamento seis vezes maior para a agricultura empresarial que concentra o maior estoque de terras, gera menos emprego e produz menos comida em detrimento da agricultura camponesa onde encontra-se o maior contigente populacional no campo, a maior geração de emprego e de gêneros alimentícios que de fato garantem a alimentação do povo brasileiro (OLIVEIRA, 2003). [1: Personalidades como o ministro Gilberto Carvalho (PT), juntamente com Xico Graziano (PSDB), Reinaldo Azevedo e outros apaniguados direitistas defensores da propriedade privada a qualquer custo, figuram entre protagonistas de tal “conceito”.] 
Na contramão das tendências conservadoras construímos o presente artigo. O objetivo central está em demonstrar como a ineficiência das políticas públicas para permanência no campo têm se configurado num elemento fundamental para a mobilidade forçada de camponeses em busca de emprego fora dos assentamentos, redesenhando constantemente a plasticidade do trabalho. Por isso, a conquista do território não é suficiente para os movimentos sociais, é um passo fundamental, mas, que não garante a permanência no campo.
Sendo assim, organizamos o artigo em duas seções. Na primeira, tratamos dos conflitos territoriais presentes no âmbito da formação do Assentamento Gleba XV de Novembro em Rosana (SP). Em seguida, a problematização da permanência no campo aparece, sendo que no segundo item apresentaremos a relação entre ineficiência das políticas públicas e mobilidade forçada/plasticidade do trabalho, abordando esse processo a partir da trajetória dos trabalhadores entrevistados.
Conflitos históricos pela conquista do território: a formação do Assentamento Gleba XV de Novembro em Rosana (SP)
Na luta contra a ocupação irregular das terras do Pontal do Paranapanema (SP) por parte dos grileiros e latifundiários pecuaristas, os movimentos sociais tiveram um papel de suma importância. Houve, pelo menos desde a década de 1980 na região administrativa de Presidente Prudente 879 ocupações de terra com 114.158 familias envolvidas que resultaram na criação de 117 assentamentos rurais (DATALUTA, 2013).
Tal fato confere ao Pontal do Paranapanema papel central nos conflitos fundiários do estado de São Paulo (Figura 1 e 2), sendo que o assentamento Gleba XV de Novembro é resultado dessas ações dos trabalhadores.
Como se pode perceber os conflitos territoriais entre trabalhadores rurais sem-terra e latifundiários são antigos. No entanto intensificaram-se nas décadas de 1960/70, com o termino dos contratos de arrendamento e parcerias[footnoteRef:2] entre fazendeiros e trabalhadores rurais. Muitos dos trabalhadores rurais decidiram permanecer nas fazendas onde havia tais contratos, pois já tinham conhecimento que as terras que motivavam os conflitos estavam sendo disputadas judicialmente entre o Estado e os fazendeiros, e se o primeiro ganhasse a disputa pela posse do território ocupado irregularmente, havia chance da mesma ser conferida aos trabalhadores rurais sem-terra. [2: Os contratos eram firmados entre fazendeiros e trabalhadores rurais, onde os primeiros destinavam um espaço nos lotes para que os segundos desenvolvessem as culturas agrícolas que lhes conviessem. Em contrapartida os trabalhadores rurais teriam que formar pastos nos demais espaços para os fazendeiros. Essa prática servia para legitimar a posse da terra, pois se houvesse fiscalização havia sempre pessoas ocupando a terra com isso procurava-se justificar a posse que em sua maioria eram ilegais frutos de grilo. Para mais informações sobre o processo histórico de grilagem das terras no Pontal do Paranapanema consultar o trabalho de doutorado do Prof. Carlos Alberto Feliciano intitulado “Território em disputa: terras (re) tomadas. (Estado, propriedade da terra e luta de classes no Pontal do Paranapanema)” defendido em 2009.] 
Figura 1 – Número de Assentamentos Rurais em São Paulo (1979-2012)
Figura 2 – Ocupações de Terra em São Paulo (1988-2012)
Os fazendeiros reagiram às ocupações de terra de maneira enérgica, ameaçando os trabalhadores de morte, queimando lavouras e casas daqueles que desobedecessem às ordens de deixarem as fazendas após o final do contrato de arrendamento e parceria, bem como entraram na justiça com ações de despejo acatadas em sua grande maioria pelo judiciário local. 
Para amenizar os confrontos entre fazendeiros e trabalhadores rurais sem-terra, o governo destinou recursos públicos para construção de três usinas hidrelétricas e de três usinas de álcool que geraram milhares de empregos na região. Muitos desses trabalhadores rurais sem-terra acabaram abandonando os acampamentos destinando-se ao trabalho nas usinas hidrelétricas e de álcool. Por mais que o sonho da posse da terra estivesse sendo adiado as necessidades imediatas das famílias estavam em primeiro plano.
Mas, não tardaria a iniciar novamente os conflitos pela posse do território. Entre os anos de 1982 e 1983 as usinas hidrelétricas diminuíram o ritimo das obras e demitiram milhares de trabalhadores, muitos dos quais haviam participado das ocupações e lutado pela posse do território ocupado irregularmente pelos grileiros e latifundiários da pecuária. 
A primeira ação organizada pelos trabalhadores rurais sem-terra[footnoteRef:3], se deu no dia 15 de novembro de 1983, nas fazendas Tucano e Rosanela, pertencentes ao município de Teodoro Sampaio, mas essa ocupação durou pouco tempo. Seis dias após a ocupação o juíz da comarca de Teodoro Sampaio legitimou-a mas, a instância júridica estadual decidiu o contrário, aprovando a liminar de despejo, ordenando a saída dos quase 350 trabalhadores sem-terra. Ao contrário do que esperavam as elites do Pontal do Paranapanema, esta ação judicial de despejo não desarticulou os movimentos sociais de luta pela terra, que na década seguinte organizaram-se no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), expandiram as ocupações e conquistaram significativas porções de terra na região. [3: Esses trabalhadores não eram ligados a nenhum dos movimentos sociais instituídos e conhecidos como o MST, por exemplo. Tratou-se naquela época de uma organização configurada por líderes comunitários que se mobilizaram em prolde um objetivo comum que seria a conquista do território.] 
Logo após a saída dos trabalhadores rurais sem-terra das fazendas Tucano e Rosanalela, formou-se dois acampamentos às margens da Rodovia SP-613. O acampamento era composto em sua grande maioria por trabalhadores demitidos da usina hidroelétrica e de álcool, conforme argumenta Fernandes (1993, p.3):
Entre os trabalhadores acampados, cerca de 46.50% eram desempregados das obras das empreiteiras da CESP, (Camargo Correia, C.B.P.O. e Mendes Junior) e de outras empresas subempreiteiras; 37.50% eram trabalhadores temporários, despedidos da Destilaria de Álcool Alcídia e, 16% eram de Ilhéus e Ribeirinhos, posseiros, parceiros e arrendatários desabrigados da última enchente do Rio Paranapanema, 1983, e que estavam temporariamente abrigados nos centros comunitários e albergues dos Distritos de Rosana e de Euclides da Cunha Paulista ambos no município de Teodoro Sampaio (FERNANDES, 1993, p3).
O momento seguinte (1984) na luta pela posse do território se deu na organização dos acampamentos 15 e 16 de novembro. No entanto, assim que os trabalhadores fixaram o acampamento em um local previamente definido pela Companhia Energética de São Paulo (CESP), foram montados grupos para a organização do mesmo. Nesse momento segundo Walter Gomes[footnoteRef:4], um dos lideres dos trabalhadores rurais sem terra, a ordem estabelecida pelo movimento social e suas lideranças foram ignoradas quando da formação dos grupos que teriam como função a organização do acampamento, segundo ele, essa organização foi institucionalizada. [4: Entrevista realizada no dia (13/09/2014) na casa do entrevistado, que está localizada no setor três da Gleba XV de Novembro.] 
Entre as tarefas estavam a construção de barracas para moradia, armazenamento de alimentos, local de refeição e de reuniões escolares e religiosas. Havia também grupos envolvidos nas questões de saúde, alimentação, segurança e educação, ao passo que formavam-se comissões para buscar apoio junto aos orgãos do governo do estado de São Paulo e prefeituras municipais. As necessidades existentes nos acampamentos eram muitas, desde dificuldades para conseguir alimentação até a falta de água. Contudo os trabalhadores rurais sem-terra conseguiram sensibilizar algumas secretarias do estado que ajudaram com cestas básicas (Defesa Civil) e fornecimento de água potável (CESP) bem como muitas pessoas da comunidade regional que também solidarizaram-se realizando doações dos mais variados gêneros indispensáveis para a manutenção dos acampamentos. Em decorrência, até mesmo a Igreja católica distribuiu alimentos, roupas e cobertores aos trabalhadores que permaneciam acampados às margens das rodovias.
A persistência dos trabalhadores nos acampamentos, mesmo em meio à série de repressões das elites locais, bem como do judiciário e da mídia, conferiu a conquista do território. Que se deu do seguinte modo:
 
Nos meses de julho e agosto de 1984, os 446 trabalhadores rurais e suas famílias foram transferidos e assentados numa área de 13 310 hectares. Esta área, desapropriada para utilidade pública, pelo governo paulista, no município de Teodoro Sampaio, possibilitou a implantação do projeto de valorização das terras do Pontal: Gleba XV de Novembro e o fim do segundo momento do movimento social rural. O terceiro momento do movimento social da Gleba XV de Novembro se deu quando ocorreram as formas de organização da produção nos lotes rurais, após a divisão da gleba, em lotes para a lavoura e em lotes para a pecuária, foram elaborados os critérios de seleção dos beneficiários e o sorteio dos lotes (FERNANDES, 1993, p.3).
Essa divisão em lotes destinados a lavoura e a pecuária leiteira, não se configurou na prática, pois a grande maioria dos mesmos, destinam-se à pecuária leiteira atividade mais rentável economicamente. Mas, mesmo com a renda principal sendo proveniente do leite, observamos durante o trabalho de campo realizado em setembro de 2014, que em boa parte dos lotes visitados os assentados destinam um espaço para a agricultura com hortas de verduras e legumes que possuem um significado importante para a manutenção da família ou seja, boa parte dos alimentos consumidos mensalmente são provenientes do lote[footnoteRef:5] (Figura 3). [5: A configuração da Gleba XV de Novembro ficou da seguinte forma: “Os 13 310 hectares da área total do Projeto Gleba XV de Novembro foram assim subdivididos: a) 8 000 hectares de terras para lavouras temporárias e perenes com lotes variando entre 15 a 18 ha., beneficiando 417 famílias; b) 2000 hectares de terras para pecuária leiteira como lotes de 40 ha., beneficiando 23 famílias. Foram reservados 70 lotes para futura expansão, mas já estão ocupados com pecuária leiteira; c) 3000 hectares destinados para reservas florestais, com áreas de Preservação, Recuperação Florestal e matas nativas e áreas para silvicultura, com eucaliptos” (FERNANDES, 1993, p.4).] 
Figura 3 – Horta no Assentamento Gleba XV de Novembro
Sendo assim, a conquista do território concretizou-se e toda uma série de novos desafios entram em cena, como a permanência na terra. Isso porque somente a posse da terra não garante que os assentados sobrevivam dos seus respectivos lotes, haja vista que para iniciar qualquer atividade agrícola se faz necessário recursos financeiros, e sem políticas públicas eficientes, voltadas a dar condições financeiras aos assentados criam-se sérias dificuldades para a permanência na terra. Conforme Bergamasco e Norder (1996, p.10):
Após a conquista da terra, inicia-se uma nova luta, agora pela consolidação da posse da terra, pela obtenção de condições econômicas e sociais mais favoráveis ao estabelecimento destes trabalhadores rurais enquanto produtores agrícolas.
Nesse sentido, percebemos que apenas a conquista do território não é suficiente para permanência na terra tendo por objeto de reprodução da vida somente o trabalho realizado nos lotes conquistados através da luta pela terra. Esse é um fenômeno que temos percebido no Assentamento Gleba XV de Novembro, pois percebe-se vários movimentos pendulares diários para o trabalho nas cidades, usinas de açúcar, entre outros na escala regional, todavia, há deslocamentos mais longos em escala interestadual que podem durar semanas e meses como nos casos do trabalho em obras do Programa de Aceleração do Cresicmento (PAC) do governo federal como em Jirau (RO) e para construção civil, sobretudo em Maringá (PR). 
Procuraremos entender essa mobilidade espacial do trabalho à luz do prisma teórico da mobilidade forçada (GAUDEMAR, 1977; GEMELLI e CARVALHAL, 2011; PERPETUA, 2010) e do contexto da plasticidade do trabalho (THOMAZ JUNIOR, 2009), isto é, compreender analiticamente a mobilidade do trabalho como resultado da imposição do metabolismo social do capital[footnoteRef:6] e no caso específico dos assentamentos da ausência de políticas públicas efetivas, ou seja, de uma política agrária e agrícola permanente destinadas à agricultura camponesa (LEAL, 2013). [6: Aqui fazemos referência à obra do filósofo marxista István Mészáros quando argumenta que o metabolismo social do capital é um produto histórico e por esse motivo a sociedade de classes capitalista possui limites históricos não tratando-se de um modo de produção eterno e imutável. Cf. MÉSZÁROS, 2002.] 
Mobilidade forçada e plasticidade do trabalho no Assentamento Gleba XV de Novembro
A mobilidade dos homens e mulheres faz parte de toda a história da humanidade. No entanto, as condições para o deslocamento de um lugar para outro possuem características históricas possíveis de serem apreendidas. Segundo Perpetua (2010) no capitalismo a mobilidade assumiu uma centralidade e importância muito maior do que nos modos de produção pretéritos.
Em decorrência, a mobilidade espacial do trabalho no capitalismo consiste num processo imposto historicamente absolutamente necessário para a reprodução do capital configurando-se em mobilidade forçada onde existe a necessidade objetiva de venda da força de trabalhopor parte dos trabalhadores com vistas a garantir sua sobrevivência. Isto é, os trabalhadores não são livres para si mesmos, mas sua liberdade é circunscrita aos limites impostos pela sociedade do capital. Segundo Gaudemar (1977):
Ainda a respeito das características da força de trabalho, reitera-se que a mobilização para o trabalho, só é possível porque no capitalismo o trabalhador é livre. Como apontou Marx, o trabalhador dispõe apenas de sua força de trabalho enquanto mercadoria e não tendo outra mercadoria para vender, sendo livre de tudo, por meio da venda de sua força de trabalho o dinheiro se transforma em capital. Destaca-se, além disso, que o trabalhador é livre para o capital, assim sua liberdade é condicionada aos interesses do processo de produção capitalista, de modo que, durante o processo produtivo, por exemplo, o trabalhador não tem liberdade alguma, sendo que, em alguns casos, a não liberdade do trabalho não está condicionada apenas ao momento em que o trabalhador está desenvolvendo suas funções produtivas, de modo que os anseios do capital podem ditar as regras dentro e fora do ambiente do trabalho (GAUDEMAR, 1977, p.189-190).
 Embora Gaudemar (1977) esteja se referenciando à mobilidade forçada do proletariado clássico em Marx, percebemos que esse processo também ocorre com os camponeses com algumas características específicas que inclusive trazem desafios teóricos para a compreensão do trabalho e da classe trabalhadora no século XXI.
Por isso, optamos em aprofundar a análise com o conceito de plasticidade do trabalho (THOMAZ JUNIOR, 2009), isto é, buscando compreender os processos que fazem o camponês-assentado migrar em busca de trabalho assalariando-se em obras do PAC, construção civil, corte de cana-de-açúcar, bem como, outras formas de inserção no trabalho assalariado. 
Segundo Thomaz Junior (2009) a plasticidade do trabalho é constantemente redesenhada e percebê-la é absolutamente fundamental para o entendimento da classe trabalhadora na contemporaneidade. O autor constatou em suas pesquisas, utilizando-se, por exemplo, do estudo de caso do trabalho no setor canavieiro esse movimento que conceituou de plasticidade do trabalho. Ele percebeu que os trabalhadores proletários agrícolas nas frentes de corte manual possuem distintas trajetórias e identidades, pois, no mesmo ambiente laboral coexistiam assentados de reforma agrária e migrantes nordestinos vivenciando a condição de trabalho assalariado. Isso significava, para o caso dos assentados, que os mesmos vivenciavam num mesmo dia a condição de camponês e proletário, um movimento quase nunca percebido e, por conseguinte negado pela teoria e que fundamenta o conceito de plasticidade do trabalho. Segundo o autor:
Deixar de ser camponês e vivenciar o universo clássico do trabalhador proletário, com ou sem vínculos formais, ou externalizando, no limite, a plasticidade do trabalho constantemente redesenhada, podendo então, participar das inúmeras formas de subordinação e de dominação às relações hegemônicas capitalistas, é um aspecto da realidade do trabalho a ser considerado nas nossas pesquisas, sob pena de negligenciarmos sua própria existência diferenciada e contraditória, na sociedade do capital (THOMAZ JUNIOR, 2009, p.223).
Todas essas formas de inserção laboral fora da atividade no assentamento, sem que o camponês perca sua condição de existência no assentamento que fundamentam a plasticidade do trabalho no constante redesenhar, também se relaciona à mobilidade forçada. 
Nesse sentido, na pesquisa procuramos entender através da trajetória dos assentados na Gleba XV de Novembro a mobilidade forçada pela condição precária de manutenção no campo, desassistido por uma efetiva política pública agrícola que configura num dos aspectos do movimento da plasticidade do trabalho. Segundo Medeiros e Esterci (1994):
Parece ser possível constatar uma precariedade material nos assentamentos, resultado, [...], da carência de investimentos efetivos por parte de Estado no sentido de dotá-los não só de um mínimo de infra-estrutura, mas também proporcionar-lhes recursos para plantio, comercialização, assistência técnica etc. [...] A essa precariedade, os assentados respondem buscando alternativas que lhes permitam a sobrevivência, mas mantendo-se de posse da terra (MEDEIROS e ESTERCI, 1994, p. 24).
Percebe-se também que os assentados forçados a migrar buscam aplicar os poucos recursos obtidos via assalariamento para a melhoria na condição dos lotes, com isso alimentam o desejo de viverem apenas do trabalho na terra elemento subjetivo importante para entendermos a resistência camponesa.
Essas alternativas que lhes permitem a sobrevivência e a manutenção da posse da terra, lhes são impostas. É esse movimento que procuraremos mostrar analisando as diferentes formas do trabalho, realizados dentro e fora do assentamento. Entendemos essas diferentes formas de mobilidade enquanto uma lógica ditada pela condição imposta pelo capitalismo na sua ligação com a superestrutura jurídico-política[footnoteRef:7] do Estado o qual não destina recursos suficientes para manutenção dos assentamentos via políticas públicas, ao mesmo tempo que no âmbito da subjetividade do trabalho se percebe também que os camponeses tem buscado no assalariamento recursos para a manutenção nos seus lotes e não abandonando-os, o que entendemos enquanto resistência a lógica perversa do trabalho estranhado típico da proletarização. [7: Marx entendeu que sob a base das relações de produção se ergue uma superestrutura jurídico-política que consistia em dar o subsídio legal à manutenção de determinadas relações de produção: “(...) na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado do desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência” (MARX, 2008, p.47).] 
Findada a luta pela posse do território inicia-se a luta para se manter-se na terra, algo tão difícil quanto à tão sonhada conquista do território. A falta de políticas públicas eficazes faz com que muitos assentados deixem os assentamentos temporariamente, pois não havendo condições financeiras para permanecerem em seus lotes, muitos estão buscando fora do assentamento uma maneira de continuar de posse do território conquistado condição que lhes é imposta[footnoteRef:8]. Entendemos que se trata não só de uma mobilidade forçada, mas também de uma forma de resistência, pois o dinheiro que é ganho na obra é enviado à família, para sua manutenção e investimento no lote, já pensando em um retorno que sempre acontece. [8: No presente artigo não temos por temática investigar os motivos que levam ao abandono efetivo dos lotes por parte dos assentados.] 
A complexidade marca a abordagem das dimensões constitutivas desse modo de vida. Para os assentados, o espaço do assentamento é um espaço conquistado que deve ainda ser “domesticado”. É um espaço de dificuldades, mas carregado de esperanças. Neste espaço constrói-se ou reconstrói-se a história individual e a sociabilidade. É um espaço de experiências, práticas e transformação de habitus que ressocializam os trabalhadores para alternativas jamais previstas. A criatividade demonstrada por muitos assentados, homens e mulheres que “se fazem” enquanto constróem os assentamentos, enriquece de especificidades o caleidoscópio de situações particulares (FERRANTE e BARONE, 2008, grifos do autor, p.275).
 
Nos últimos anos os destinos, sobretudo dos jovens assentados que migram em busca de emprego vem se alternando. Por exemplo, entre os anos de 2010 e 2012 migraram cerca de 80 assentados e filhos com destino às obras da Usina Hidrelétrica de Jirau em Rondônia.Em entrevista realizada com alguns jovens que lá estiveram nos foi relatada à precariedade do trabalho, onde havia uma jornada diária que poderia chegar a 16 horas diárias, já que em virtude dos baixos salários os trabalhadores desempenhavam uma grande quantia de horas extras para aumentar seus recursos. Além disso, os alojamentos durante a obra eram absolutamente precários, pois em um único contêiner moravam quatro pessoas e levando em consideração o calor local, que tem temperatura média em torno dos 38º graus, dá para se imaginar as dificuldades para permanecerem nestes alojamentos.
 As funções na obra deveriam ser realizadas em noventa dias seguidos, após esse período, havia de dez a quinze dias de visita a família, que na grande maioria das vezes, eram vendidos pelos trabalhadores às empresas com vistas a arrecadar mais recursos. Em 2011, durante visita na obra de Jirau percebemos que as condições de trabalho eram extenuantes, com temperatura elevadíssima, ausência de equipamentos de proteção individual (EPI), além disso, ao visitarmos o setor de resíduos domésticos, o cheiro era horrível e se alastrava por centenas de metros. Verificou-se também um resgate de pirarucus, feitos pelo pessoal da equipe de fauna e flora, em um desvio feito no curso do Rio Madeira, onde os trabalhadores ficavam submersos na água e após os resgates, não trocavam de roupa e botas de segurança, as mesmas secavam no corpo. 
Contudo, entre 2013 e início de 2014, a rota do fluxo de saída dos assentados parece ter conferido ênfase como destino principal à construção civil, na cidade de Maringá (PR). Em levantamento junto a alguns assentados que migram para o trabalho na construção civil, somente do setor três da Gleba XV de Novembro em torno de vinte assentados tem se deslocado com frequência para as obras de construção civil. 
As condições de trabalho, encontradas são tão difíceis quanto às encontradas em Jirau, com salários baixos, alojamentos sem as condições adequadas, e jornadas de trabalho excessivas e extenuantes. Os trabalhadores permanecem por um longo período de tempo sem visitar suas famílias, pois como constatou Diego[footnoteRef:9] existem inúmeras dificuldades encontradas para sua manutenção nessa nova conjuntura da relação de assalariamento. Dentre as dificuldades elencadas por ele, podemos citar a ausência da família, muitas horas de trabalho diário e precariedade do alojamento. O mesmo narrou em sentido de saudosismo o tempo em que não precisava sair da Gleba para trabalhar, condição que nos dias de hoje não é mais possível, relatando ainda que caso houvesse investimentos por parte do governo, com valores adequados a prática agrícola a ser trabalhada, não seria necessário sair para trabalhar fora do assentamento. Afirma também que existem projetos voltados ao pequeno agricultor citando o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), mas os valores disponibilizados são irrisórios e não configuram como renda principal da maioria dos assentados, soa mais como uma política assistencial. [9: Entrevista realizada no dia (27/09/2014) na casa do entrevistado, Gleba XV de Novembro, setor três.] 
Mesmo assim, as políticas públicas assistenciais tem cumprido parte de seus objetivos, a exemplo do PAA, desenvolvido pelo governo federal desde 2003 com a finalidade de comprar parte da produção dos camponeses e destinar às entidades carentes como asilos, albergues, cozinhas comunitárias, restaurantes populares e a populações com insegurança alimentar e que tem exercido importante papel no apoio à comercialização da produção dos assentados no Pontal do Paranapanema (LEAL, 2013). Infelizmente o valor destinado para compra da produção gira em torno de R$ 6500 reais ano para produção agrícola e de R$ 8000 reais ano para pecuária leiteira, valores irrisórios se compararmos os valores destinado ao agronegócio[footnoteRef:10]. [10: A título de exemplo, no Plano Agrícola e Pecuário 2014/2015 serão destinados R$151,6 bilhões de reais para o agronegócio e para o Plano Safra da Agricultura Familiar do mesmo período destinam-se apenas R$24,1 bilhões. Mais informações em: <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/PAP-2014-2015-F.pdf> e <http://www.fetraf.org.br/sistema/ck/files/Plano%20Safra%202014-2015.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2014.] 
Mesmo com valores irrisórios recebidos via políticas públicas frente à agricultura empresarial, a luta dos movimentos sociais tem sido fundamental para pressionar o Estado no cumprimento da destinação dos recursos, bem como, nas ações que buscam a ampliação do montante dos mesmos. Segundo narram membros do MST sobre o PAA:
“Ele atua em várias frentes. Primeiro ele vai desempenhar o papel do movimento social de pressionar permanentemente o governo pra que o governo potencialize mais aquelas linhas que eu falei antes: botar mais recursos, contratar mais gente, transformar de fato a CONAB numa grande empresa de abastecimento de alimentos” [...] (J.P.S) (...) “E também procuramos organizar nossa base para que ela...venha motivar nossa base para que ela se organize para acessar o PAA, porque essa é uma outra característica, o PAA é um indutor da organização da produção, porque os agricultores dificilmente conseguem acessar o PAA, embora a DAP seja individual o melhor esquema para conseguir um volume maior da produção, para conseguir uma regularidade é que nos assentamentos as famílias se organizem em grupos, em associações se não houver cooperativas”. [...] (J.P.S) (...) [...] “acho que o papel do movimento social, acho que a gente sempre teve, tivemos agora em 2012. Eu tive presente numa reunião com o pessoal do Fome Zero lá em Brasília e com Silvio Porto da CONAB foi buscar mais recurso, mais receita, só de nós ta lá era 35 milhões para São Paulo já subiu para 51 milhões com a reivindicação nossa e assim para outros Estados também subiu. Então esse é o papel do Movimento pressionar o governo para mandar recursos para os Estados para atender os assentados, as famílias que estão precisando de recursos. Então acho que esse é o papel do próprio Movimento, acho que o outro papel, do próprio setor de produção do Movimento é incentivar e ainda tiver condições dar essa assessoria técnica, administrativa e orientando as associações a entrar no programa e orientar como é que faz né, só que tem que ir além do Movimento Social essa questão de orientar, de dar assistência técnica e jurídica, acho que o governo, o próprio órgão de assistência técnica tinha que ter pessoas capacitadas e contratadas com esse perfil, administradores, contadores, advogados para orientarem para que chegue a todo mundo” [...] (C.M.S) (LEAL, 2013, p.36)
 	Nesses depoimentos, fica evidente a preocupação dos representantes do MST no sentido de ampliação do número de camponeses atendidos pelo PAA, e que essa ampliação só virá com esclarecimentos sobre as formas de acesso ao programa que é um dos problemas enfrentados pelos camponeses. Nesse sentido, pensamos que as lideranças locais dos movimentos sociais podem fazer a divulgação desses programas destinados à agricultura camponesa em suas regiões de atuação, e com isso aumentar o número de assentados em tais programas.
	Contudo, a existência de tais políticas públicas como o PAA não são suficientes para manutenção dos camponeses nos assentamentos e esse é um dos motivos principais que resultam na mobilidade forçada para o trabalho assalariado.
Segundo Douglas[footnoteRef:11] que atualmente está trabalhando na construção civil da cidade de Maringá no Paraná, a motivação da migração para o trabalho é econômica e voltada a investir parte do que foi ganho no trabalho, no lote onde o mesmo reside com seus pais e irmãos. Apesar da formação acadêmica do entrevistado[footnoteRef:12], ele não encontrou condições para aplicar seus conhecimentos no assentamento, todavia, percebemos muitas ideias por parte dele para permanecer no mesmo, fazendo do lote de seus pais um local possível para geração de renda para família. Entretanto, o órgão regulador e fiscalizador do assentamento, Instituto deTerras do Estado de São Paulo (ITESP) não relacionam a formação oferecida para os jovens assentados, com a futura permanência desses jovens no assentamento. No próprio assentamento é oferecido o curso Técnico em Agroecologia pelo Centro Paula Souza, mas após a conclusão do curso, os conhecimentos adquiridos são perdidos por falta de investimento nos projetos que são estudados e viáveis para aplicação na maioria dos lotes do assentamento[footnoteRef:13]. [11: Entrevista realizada no dia (18/10/2014) na casa do entrevistado, Gleba XV de Novembro, setor três.] [12: Técnico em Agroecologia e Técnico em Segurança do Trabalho.] [13: Como não é nosso objetivo central no artigo discutir a agroecologia, indicamos o trabalho de monografia do Prof. Diógenes Rabello intitulado “Campesinato e agrohidronegócio canavieiro no Pontal do Paranapanema: os desafios para a transição agroecológica” referência para pensar as práticas agroecológicas no Pontal do Paranapanema.] 
Outro problema para sua permanência na terra está vinculado à condição do seu pai (titular do lote), pois o mesmo possui vínculo empregatício na esfera pública municipal e uma das condições para acessar as políticas públicas é não manter vínculo empregatício no serviço público. Sendo assim o jovem não pode ser inserido nesses projetos como, PAA e Programa Paulista de Agricultura de Interesse Social (PPAIS), todavia, Douglas ainda afirma que os jovens que estão na caderneta de campo não podem dar continuidade em atividades agrícolas subsidiadas por políticas publicas o que para ele é um dos maiores desafios para viver somente da produção do lote. 
Além disso, Douglas relata que durante a ocorrência de seu curso os estudantes procuraram reunir-se com um representante do ITESP, para tratar desse problema especifico. Foram expostos os problemas enfrentados pela impossibilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos no curso de técnico em agroecologia, por falta de políticas publicas que contemplassem essa perspectiva de produção. O ITESP prometeu procurar uma forma de esses jovens recém-formados aplicarem seus conhecimentos agroecológicos nos lotes, mas até o presente momento não foi feito nada nesse sentido, haja vista que a turma dele se formou no ano de 2011, algo que o frustra e lhe impõe a mobilidade forçada.
Um dos projetos estudados em sua formação técnica em agroecologia e que poderia ser posto em prática no seu lote seria voltado à pecuária leiteira. Segundo o jovem assentado, esse seria um projeto eficaz, todavia, os valores para pôr em pratica tal projeto estão muito além de suas possibilidades. É por esse motivo que ele migra em busca de trabalho tendo como desejo principal conseguir recursos por conta própria para que possa pôr em pratica o que aprendeu em sua formação técnica. 
Dessa maneira percebemos que os recursos públicos destinados à formação desses jovens não estão gerando possibilidades efetivas para a manutenção dos mesmos em seus lotes. No caso especifico do entrevistado, ele relata que, se houvesse políticas públicas eficientes no tocante ao aproveitamento de sua formação, ele não sairia do lote em busca de emprego.
No entanto, sem alternativa atualmente Douglas migra com frequência para Maringá trabalhar em obras de construção civil. Na cidade além da extenuante experiência do trabalho assalariado, narra que o alojamento onde reside durante a obra, consiste numa casa alugada em bairro afastado, com apenas 3 quartos, sala, cozinha e 1 banheiro, onde ficam alojados cerca de 17 pessoas. O transporte até a obra é realizado através de van, com capacidade para transportar apenas 12 pessoas e além da superlotação, o veículo encontra-se em péssimas condições. No canteiro da obra[footnoteRef:14], existem vários problemas, sendo o mais sério, no tocante a segurança com os riscos a integridade física, pois o mesmo fica exposto à elevada altura sem equipamentos de proteção como cinto de segurança e roupa própria para atividade laboral. [14: O entrevistado desempenha a função de ajudante de armador.] 
Ademais, os trabalhadores trabalham por diárias, ou seja, só recebem os dias trabalhados, sábado e domingo não são remunerados e as horas extras são pagas sempre faltando muitas horas de trabalho além de não possuírem vínculo empregatício com a empreiteira da obra. 
Esse conjunto de fatores vividos por Douglas são frutos do metabolismo do capital que impõe a migração forçada e no caso específico da sua condição de assentado da ineficiência das políticas públicas para permanência no campo, as quais são destinadas pelo Estado com recursos de maior monta para o incentivo da grande agricultura oligopolista empresarial. Por isso, a situação vivida por Douglas e que atinge outros camponeses no assentamento Gleba XV de Novembro, faz parte de uma mobilização para o trabalho imposta. Igualmente, a mobilidade forçada refaz constantemente a plasticidade do trabalho e possui relação com a prioridade do Estado na política agrícola onde privilegia a agricultura empresarial em detrimento da agricultura camponesa que gera mais empregos no campo e é responsável pela maior fatia de produção de alimentos.
Dezilda[footnoteRef:15], também migra diariamente para o trabalho na cidade de Rosana (SP). No entanto, a sua rotina de trabalho diária possui uma mescla entre a condição camponesa e assalariada. Conforme a trabalhadora sua rotina diária inicia-se as 05:30 da manhã. Antes de ir para o seu emprego na Escola Estadual Ribeirinhos enquanto funcionária pública da Prefeitura Municípal de Rosana-SP designada para a função de serviços gerais, ela alimenta os animais, porcos e galinhas em seu lote e depois segue para escola onde trabalha iniciando a jornada de trabalho que vai das 07:00 da manhã às 15:00. Ao retornar ao lote ela ainda tem tarefas a cumprir como providenciar água e sal para o gado. Por falta de tempo Dezilda narra que por ora não está tirando leite e no momento apenas cria o gado para engorda e venda dos bezerros. [15: Entrevista realizada dia (29/09/2014), na casa da entrevistada, Gleba XV de Novembro, setor três.] 
Numa condição parecida à de Dezilda está o assentado Gilmar[footnoteRef:16]. Sua rotina diária inicia as 05h30min da manhã, quando começa a fazer o percurso com a perua escolar[footnoteRef:17], indo até as casas dos alunos que fazem parte de seu trajeto. Segundo o entrevistado esse emprego como motorista consome boa parte de seu tempo, pois o mesmo trabalha em três períodos. Nas “brechas” de tempo que lhe restam Gilmar desempenha atividades no seu lote do assentamento. Como ele mesmo narrou, no período matutino sai às 05h30min transportando os alunos que estudam pela manhã retornando para o assentamento às 07h20min onde aproveita para tirar leite de algumas vacas e alimentar os outros animais. Às 11h45min retorna para escola e após levar todos os alunos para suas casas, começa o transporte dos alunos do período vespertino. Retorna para seu lote às 13h20min e destina seu tempo para os afazeres do lote, pois às 17h30min tem de retornar para escola transportar os alunos dos períodos da tarde e noite sendo que às 23h00min tem de retornar para escola para findar sua trajetória de trabalho diária. [16: Entrevista realizada na casa do entrevistado nos dias (13 e 20/09/2014), Gleba XV de Novembro, setor três.] [17: Gilmar trabalha como empregado numa empresa que realiza translado de alunos entre suas casas e a Escola Estadual Ribeirinhos nos períodos da manhã, tarde e noite.] 
Com isso, percebe-se que na trajetória diária de trabalho de Dezilda e Gilmar também se expressa o movimento da plasticidade do trabalho, pois os dois desempenham atividades em condição camponesa e assalariada num mesmo dia. Trata-se de uma mobilidade forçada, pois, Dezilda e Gilmar apontam em suas narrativas que as políticas públicas não são efetivas para permanência no assentamento, haja vista que o número de assentados que estão saindo em busca de trabalho fora do assentamento aumenta a cada ano o que inclui seus próprios filhos. 
Não obstante, ambosjamais pensaram em abandonar seus lotes e alimentam o desejo de viver apenas da produção dos mesmos. No entanto, sem essa opção mobilizam sua força de trabalho forçadamente, já que as políticas públicas existentes não estão sendo eficientes ao ponto da maioria dos assentados viverem de seus respectivos lotes. Portanto, a busca por emprego fora dos assentamentos não se trata de uma escolha, mas de uma imposição. 
Considerações Finais
Pelo exposto ao longo do artigo se percebe que a conquista do território não é suficiente para a efetiva manutenção na terra. Com isso, não alinhamo-nos às perspectivas conservadoras que afirmam a inviabilidade da reforma agrária no Brasil observando que a evasão nos assentamentos é grande e dessa forma atestam o fracasso da reforma agrária no Brasil sem tocar nos pilares fundamentais da permanência no campo. Pelo contrário, defendemos aqui a atualidade da questão agrária no Brasil e a necessidade de uma política pública agrícola que efetivamente vincule-se a dar condições materiais de manutenção e reprodução da agricultura camponesa.
A falta das políticas públicas à pequena agricultura, ou melhor, a sua pouca representatividade específica no campo é fruto das apostas do Estado na grande agricultura empresarial oligopolista. Disso resulta a mobilidade forçada dos assentados que redesenha constantemente a plasticidade do trabalho, conforme observamos na pesquisa com os trabalhadores entrevistados.
É isso que faz com que Douglas, Diego, Gilmar e Dezilda tenham de mobilizar forçosamente sua força de trabalho para atividades fora do assentamento. É esse movimento da plasticidade do trabalho que os leva a inserir-se num mesmo dia enquanto camponês e proletário, vivenciando diferentes formas de exploração. 
No entanto, se a mobilidade é forçada, o desejo de permanecer na terra parece ser uma constante e por isso entendemos na esfera da resistência camponesa. Seja aqueles assentados que migram para as cidades mais distantes quanto àqueles que trabalham no próprio assentamento e como empregado nas cidades locais buscam o emprego pela ausência das políticas públicas e com isso procuram angariar recursos para manter-se nos lotes. Esse elemento subjetivo é fundamental para entender a identidade dos assentados com a terra de trabalho (OLIVEIRA, 2001) e a imposição do assalariamento/proletarização como condição imposta pela ausência de uma política pública efetiva.
 Com isso observamos que mesmo com todas as dificuldades de se manter nos lotes, percebeu-se que não há uma tendência homogênea na qual todos os assentados estão dispostos a deixar o seu território migrando para as cidades. Entender o movimento da plasticidade do trabalho torna-se fundamental, pois possui uma relação direta com a mobilidade forçada dos trabalhadores através da venda da sua força de trabalho. Contudo, o desejo em permanecer na terra e a identidade com a terra de trabalho em detrimento da grande agricultura empresarial reviva a luta dos trabalhadores por reforma agrária e mantém viva a questão agrária no Brasil. 
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