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A Importância do Ativismo Feminino para a formulação e efetivação da Lei Maria da Penha

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A IMPORTÂNCIA DO ATIVISMO FEMININO PARA A FORMULAÇÃO E EFETIVAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA
Jordham Moraes Barbosa[footnoteRef:1] [1: Aluno do 6º Período do Curso de Direito da Faculdade Estácio de São Luís.] 
RESUMO
Este trabalho busca discutir e analisar a atuação dos movimentos de ativismo feminino, seja com manifestações públicas ou a estimulação de debates sobre a problemática da violência doméstica e familiar, para a organização de mecanismos de combate às desigualdades entre gêneros e para a efetivação dos direitos fundamentais para as mulheres. Para isto, recorre-se ao levantamento bibliográfico sobre a temática e ao método indutivo para traçar as contribuições do ativismo feminino e chegar a uma resposta geral sobre sua relevância.
Palavras-chave: Ativismo feminino. Violência doméstica. Justiça. Lei Maria da Penha.
INTRODUÇÃO
A formulação de meios de proteção às mulheres, infelizmente, ainda é uma temática que requer discussão e avanços em direção à garantia dos direitos fundamentais. Nesse sentido, este trabalho se preocupa em discutir a importância histórica do ativismo feminino para a formulação e efetivação de mecanismos e órgãos que se destinem a criar uma rede de proteção às mulheres. Principalmente a importância do ativismo feminino para fomentar meios que levaram à elaboração da Lei Maria da Penha.
A partir disso, surge os questionamentos: o ativismo feminino de fato ocupou papel de destaque para a formulação de políticas sociais que beneficiaram as mulheres? Quais as principais contribuições que o movimento ativista agregou ao combate à violência doméstica e familiar? A investigação pauta-se no método indutivo, uma vez que analisa casos particulares para alcançar uma resposta mais geral. Utiliza-se também a revisão bibliográfica acerca do tema e o método comparativo para análise.
O trabalho divide-se em três capítulos: O primeiro que realiza um levantamento de atuação do ativismo feminino como fonte para a luta por direitos para às mulheres. O segundo aborda os obstáculos e a trajetória de ativismo que levou à aprovação da Lei Maria da Penha. Por fim, o terceiro capítulo discute os meios efetivos que, a partir da Lei Maria da Penha, levam à criminalização da violência doméstica e familiar contra mulheres. 
1. ATIVISMO FEMININO COMO FONTE DE LUTA POR DIREITOS
Por muito tempo as mulheres foram totalmente excluídas de qualquer processo de protagonismo na sociedade. Essa dinâmica não foi construída de forma simples e pode ser percebida ainda hoje em nossa realidade, pois o machismo estrutural ainda é uma das maiores fontes de desigualdade que temos conhecimento. Nesse sentido, a organização do ativismo feminino foi crucial para uma série de conquistas e avanços frente a sociedade patriarcal, no âmbito nacional e mundial.
Um marco temporal importante para essa discussão é a década de 60, em que o movimento ativista feminino ganhou contornos mais relevantes perante a sociedade e garantiu várias mudanças no tratamento das mulheres.
No entanto, é somente na década de 1960 que o movimento feminista se fortalece suficientemente para adquirir uma roupagem política e transformadora, devido a uma combinação de fatores, como o surgimento dos anticoncepcionais que possibilitaram o controle das gestações e o afastamento do sexo como fator de dominação do homem sobre a mulher, as mulheres conquistaram maiores oportunidades de educação e, consequentemente, um espaço considerável no mercado de trabalho. (LANGNER, MENDONÇA & ZULIANI, 2015, p. 3)
O dito movimento feminista se desenvolve tendo como diretrizes essa diminuição das diferenças de tratamento para homens e mulheres e atua como frente de embate para a reivindicação de melhores formas de vida e trabalho para as mulheres. “Diante disso, o movimento feminista pode ser definido como um compromisso de pôr fim à dominação masculina, segundo Manuel Castells, citando Jane Mansbridge, posto que busca negar a identidade da mulher tal como posta pela perspectiva patriarcal.” (LANGNER, MENDONÇA & ZULIANI, 2015, p. 3).
Antes mesmo da efetivação da Lei Maria da Penha, objeto deste trabalho, várias outras medidas foram alcanças a partir do engajamento ativista de mulheres por todo o mundo, como:
Dentre as conquistas mais impactantes, fruto de lutas históricas, cita-se o direito da mulher ao voto, a criação dos métodos contraceptivos, as leis de proteção contra a violência da mulher (como a Lei Maria da Penha no Brasil), a licença maternidade e outros direitos trabalhistas. (LANGNER, MENDONÇA & ZULIANI, 2015, p. 4).
Cabe ressaltar que tais movimentos em busca de conquistas para as mulheres não se deram com facilidade e sem obstáculos agressivos, como se já imagina, uma vez que se busca romper com anos de desigualdade, há um outro lado que também busca manter seus privilégios, e para isso conta, em muitos casos, com a legitimação do próprio sistema de legislações, que na teoria deveria zelar belo bem estar e garantia de direitos iguais para todos.
O reconhecimento dos direitos humanos das mulheres, assim como a estruturação de políticas públicas para sua garantia, não tem significado uma estabilidade nas relações com o Estado. Desde as primeiras conquistas no período de redemocratização até as recentes legislações aprovadas, o quadro sempre foi de tensões constantes, em menor ou maior grau, a depender da conjuntura política, social e econômica. As violações de direitos humanos denunciadas pelos movimentos feministas e de mulheres se dão em maior proporção do que as respostas positivas do Estado diante de suas reivindicações e, muitas vezes, este tem legitimado essas violações através da reprodução das mesmas crenças e práticas que definem os papéis sociais que têm moldado as relações de desigualdade entre homens e mulheres. (OLIVEIRA, 2017, p. 618)
Visto isso, entende-se que, ao se manter “neutro” em situações, ou seja, não proporcionar meios para que se diminua as desigualdades estruturais de acesso e tratamento que existe entre homens e mulheres, o Estado acaba sendo conivente com diversas situações abusivas.
A naturalização das diferenças construídas socialmente entre homens e mulheres é fundamental para essa atuação supostamente neutra do direito. Ao propor um tratamento formalmente igualitário para as mulheres, o Estado o faz partindo de diferenças que se materializam em desigualdades e em desvantagens para as mulheres e, dessa forma, a igualdade materializa-se como injustiça. Na análise de Maria Salete da Silva, o direito cumpriu (e ainda cumpre) papel importante como mantenedor “do status quo masculino e reprodutor de um sistema de subjugação da mulher e de outras categorias historicamente oprimidas, exploradas e excluídas na dinâmica social”. (OLIVEIRA, 2017, p. 622)
Entende-se que para superar essa desigualdade estrutural é preciso que se formule leis e órgãos específicos para atender e facilitar o acesso de mulheres em situações de abuso aos aparatos de legais de justiça. Nesse sentido, destaca-se a atuação dos movimentos ativistas femininos, que surgem como fonte de luta na busca pela superação do sistema patriarcal e desigual da sociedade, e “proporciona alterações significativas na base da sociedade e nos valores consolidados, levantando bandeiras como a liberdade sexual, o questionamento da família tradicional e dos papéis na sociedade, a afirmação da própria personalidade e a desconstrução de uma cultura predominantemente masculina. (LANGNER, MENDONÇA & ZULIANI, 2015, p. 5). A atuação de tal movimento influencia ainda na criação de políticas sociais específicas para as mulheres, a ampliação do espaço para mulheres nos mercados de trabalho, até então dominados por homens, além de viabilizar leis que protejam as mulheres, como a Lei Maria da Penha.
2. O CAMINHO DE LUTA ATÉ A CONQUISTA DE MARIA DA PENHA
A partir da década de 1960, o ativismo feminino ganha grandes proporções no mundo todo. Dentre suas pautas estava a superação das desigualdades de condições de trabalho entre mulheres e homens, a liberdade de comportamento para as mulheres ea busca pelo fim do regime de violência doméstica que desde sempre assolou as mulheres.
No Brasil vivia-se uma ditadura militar nos anos 60, e a busca por manifestações sociais, não somente as femininas, ganhavam contornos mais dramáticos, por medo da repressão do sistema autoritário vigente no país.
A luta contra ditadura militar de 1964 e a atuação dos grupos de esquerda no Brasil marcam profundamente o feminismo brasileiro, pois é um momento em que as mulheres se envolvem com as lutas sociais e passam a participar ativamente das ações e estratégias de resistência ao regime. Todavia, é um momento em que se deparam com a discriminação nos grupos e partidos de esquerdas aos quais pertenciam, ao mesmo tempo em que entram em contato com o movimento feminista internacional e passam a reivindicar, como parte da luta contra as opressões, o fim da violência contra as mulheres, pautadas politicamente pela luta contra o patriarcado e pelo direito ao corpo e ao prazer. (OLIVEIRA, 2017, p. 623-624)
Durante todo o regime militar, mulheres ocupavam lugares de destaque na organização de movimentos sociais que atuavam em prol de liberdade de expressão, condições melhores de vida e anistia para perseguidos pelo regime, sem contar a sua agente principal, que era a diminuição na desigualdade de tratamento para homens e mulheres.
Em escala mundial, cita-se que em 1975, a ONU promoveu o primeiro Dia Internacional da Mulher, onde se estabeleceu várias formas específicas de violência contra a mulher.
No Brasil, criou-se, a partir da atuação do ativismo feminino, o Centro de Mulher Brasileira, em 1975, importante para marcar a atuação protagonizada pelas mulheres por seus direitos.
No que diz respeito ao combate específico à violência doméstica, já na década de 1980, esse campo passa a ser colocado como pauta principal nas reivindicações dos movimentos de ativismo feminino. Cita-se o assassinato de Ângela Diniz, em 1976, em que o assassino foi absolvido após alegar legítima defesa de sua honra. Tal caso gerou indignação popular e fez parecer que qualquer assassinato de uma mulher seria legitimado em casos que envolvesse a alegação de traição e defesa da honra masculina.
A partir disso, destaca-se a criação de organizações que se destinavam especificamente a combater a violência contra as mulheres, como o SOS-Mulher, que acabaria influenciando muito na criação da Lei Maria da Penha.
A década de 1980, portanto, é marcada por essa “nova” relação entre movimentos feministas e de mulheres no Brasil e o Estado, já se constituindo no que Santos (2014, p. 155) aponta como o primeiro dos três momentos institucionais que moldaram e refletiram as lutas feministas no contexto dessa relação, “primeiro, o momento da criação das delegacias da mulher, em 1985; segundo, o do surgimento dos Juizados Especiais Criminais, em 1995; terceiro, o do advento da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006”. (OLIVEIRA, 2017, p. 627)
Sobre a criação de mecanismos específicos para resguardar o acesso a direito às mulheres, destacam-se alguns entraves que as próprias instituições jurídicas apresentaram no sentido de evitar medidas que não abarcassem a população de forma universal, mas que acabavam preservando e legitimando padrões de desigualdade enraizados na nossa sociedade.
Ao analisar as primeiras mobilizações de visibilização da violência doméstica na década de 1980, especialmente com a criação do SOS-Mulher, e o caminho percorrido até a aprovação da Lei Maria da Penha, a centralidade do Poder Judiciário nos debates acerca dos direitos humanos das mulheres e as estratégias articuladas para sua garantia, deixam nítido um posicionamento de resistência do direito e das instituições jurídicas às perspectivas não androcêntricas impostas pelos feminismos. (OLIVEIRA, 2017, p. 625)
A criação dos SOS-Mulher foi crucial para que se debatesse sobre a violência doméstica e foi um marco no que diz respeito aos atendimentos às mulheres vítimas de violência.
Apesar de seu pioneirismo e sua relevância para atuar frente os casos de violência doméstica, os SOS-Mulher enfrentaram grandes problemas, como: o fato de que as vítimas acabavam não se conectando com as pautas levantadas pelo movimento feminista e acabavam se distanciando; as vítimas voltavam ao convívio com seus agressores, em grande número de casos, eram seus companheiros; e a falta de medidas do Estado que promovessem melhores condições de estrutura e atendimento.
Um conjunto de fatores, tais como a falta de estrutura e apoio, o isolamento da instituição e as já mencionadas concepções feministas que conflitavam com os interesses das mulheres vítimas de violência, culminou no fechamento do SOS-Mulher. É interessante observar que grande parte destes problemas iriam se repetir e marcar posteriormente outras experiências de combate à violência contra a mulher, tanto nas práticas governamentais como não-governamentais. (RIBEIRO, 2010, p. 46)
Os SOS-Mulher acabaram fechando e tiveram que ser substituídos por outros centros de atendimentos e as delegacias especializadas.
A partir desses centros, muitos avanços foram conquistados, mas a formulação de uma lei em 1995 acabou representando um entrave no que diz respeito aos julgamentos dos acusados de terem cometido violência doméstica.
Apesar do contexto de avanço nas legislações e de preocupação dos legisladores com a temática da violência contra as mulheres nas décadas de 1990 e início de 2000, registrava-se a existência de um conflito na interpretação entre a Convenção de Belém do Pará e a lei 9.099/95, pois, na medida em que a convenção declarava a violência contra a mulher uma violação de direitos humanos, a lei 9.099 a tratava como infração de menor potencial ofensivo. (OLIVEIRA, 2017, p. 629)
A lei 9.099 não possibilitou o julgamento das particularidades que se apresentam nos casos de violência doméstica, como a reincidência dos casos ocasionada pelo fato da vítima ainda manter relação com o agressor.
A lei 9.099 não foi construída e aprovada a partir das características que marcam a violência doméstica e familiar, o que se apresenta como central para uma política pública efetiva. As peculiaridades desse tipo de violência demandam respostas específicas e qualquer solução que as ignore está fadada a não funcionar, penas tem o condão de estimular essa violência. Para Campos (2016), a lei dos JECrims foi construída sob o senso comum masculino e os dados que confirmam que a maioria dos casos julgados sob esta se referem à violência doméstica cometida pelo homem contra a mulher e de forma habitual, implicam na constatação de que esta estava atuando distante de sua concepção original. Para a autora, a lei foi criada para punir a conduta criminosa que não se insere nos contextos de violência doméstica e familiar, ou seja, uma criminalidade de natureza eventual e não habitual. (OLIVEIRA, 2017, p. 629)
Mais uma vez vem à tona a importância do ativismo feminino, pois percebendo os entraves que tal lei criou, suas ações se intensificaram. “As críticas ao tratamento dado pela lei 9.099 aos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres provocam mudanças importantes na luta pelos direitos humanos das mulheres, pois intensificou a participação e intervenção direta dos movimentos feministas e de mulheres no sistema jurídico.” (OLIVEIRA, 2017, p. 629).
A preocupação maior era com os casos em que as vítimas evitavam denunciar por medo dos agressores, uma vez que geralmente dependiam deles, e o temor pela impunidade
Antes de 2006, todos os casos de violência doméstica eram julgados em juizados especiais criminais, de forma que, sem precedentes legítimos, acabavam arquivados. Por isso, muitas mulheres acabavam com medo de denunciar seus agressores. Além da falta de resposta e segurança do Estado, em sua maioria, as mulheres ainda são dependentes financeiramente do seu agressor, sendo assim, não possuem outro lugar para habitar, e se observava que as autoridades policiais eram coniventes, crendo que as denúncias eram apenas "brigas familiares". (GRANDO, OLIVEIRA& PEREIRA, 2018, p. 134)
O fato crucial para uma virada de vez no tratamento às acusações de violência doméstica foi o caso de Maria da Penha Fernandes.
O caso de Maria da Penha Maia Fernandes é emblemático e representa, da violência sofrida às tentativas de condenação do agressor, o amplo contexto de violência que atingem as mulheres no Brasil. Em 1983, o ex-marido de Maria da Penha tentou por duas vezes assassiná-la: na primeira vez atirando nas suas costas enquanto dormia, o que a deixou paraplégica e, na segunda, tentando eletrocutá-la. O agressor só foi considerado culpado em 1996 e conseguiu recorrer, sem que uma decisão final fosse proferida pelo Poder Judiciário brasileiro. Quase vinte anos após as tentativas de assassinato e uma denúncia realizada à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998, é que o Estado deu resposta ao caso, prendendo o agressor em 2002, poucos meses antes da prescrição da pena. (OLIVEIRA, 2017, p. 632)
A repercussão que esse caso teve nacional e mundialmente marcou de forma positiva a forma como o Estado brasileiro se posicionaria diante dos inúmeros casos de agressão doméstica que são registrados todos os anos.
Os dados alarmantes sobre a violência doméstica e familiar registrados nos últimos 40 anos e a atuação dos movimentos feministas e de mulheres culminaram na década de 2000 com duas importantes frentes de incidência e mobilização: a denúncia do caso de Maria da Penha Fernandes à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA e a formação de um consórcio de mulheres e organizações não governamentais visando a elaboração de um anteprojeto de lei para definição de uma política pública de enfrentamento da violência contra as mulheres. (OLIVEIRA, 2017, p. 632)
A partir desse caso o Estado brasileiro é condenado por negligenciar essas questões e propõe-se a combater de forma mais ativa a problemática.
 
A denúncia realizada por Maria da Penha junto com as organizações CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e CLADEM-Brasil (Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) resultou na condenação do Estado brasileiro por negligência e omissão no ano de 2001 e em recomendações ao Estado brasileiro, dentre estas: Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil; adotar medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica; simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo. (OLIVEIRA, 2017, p. 632-633)
A luta do ativismo feminino e de Maria da Penha resultaram na formulação da Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, que recebeu o nome de “Lei Maria da Penha” é um mecanismo essencial no combate e julgamento de casos de agressão doméstica e familiar contra a mulher.
3. A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA APÓS A APROVAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA
O ativismo feminino também influencia na instauração de ambientes em que se busca debater e propor medidas que beneficiem a população feminina no país. O debate democrático e propositivo é extremamente positivo para que alcance melhores taxas de conscientização da população em geral e denúncia de mulheres, um dos maiores desafios atuais.
As estratégias do movimento feminista e de mulheres, portanto, se caracterizaram não só pelas ações específicas que foram articuladas durante esse processo como debates, reuniões e audiências públicas, assim como a pressão permanente dos legisladores por meio de correspondências cobrando a aprovação da lei, mas se materializaram também no uso dos instrumento democráticos disponíveis, o que os significa, como propõe Alvarez (2014), como campo discursivo de ação, em que estes se constituem em mais do que organizações voltadas para um determinada problemática; “eles abarcam uma vasta gama de atoras/es individuais e coletivos e de lugares sociais, culturais, e políticos”. (OLIVEIRA, 2017, p. 640)
Esses mecanismos de estimulação de debate são um traço forme no movimento ativista feminino desde sua gênese. Agora, sua importância também afeta a produção de estatísticas que podem influenciar no aumento de recursos para determinadas áreas e espaços. Além de sempre ser um grande foco de fiscalização da efetivação das medidas propostas.
A ação qualificada das feministas, por meio do uso de informações quantitativas e qualitativas, estudos confiáveis e interlocução com movimentos de mulheres de base como fonte de dados sobre a violência; a produção de conhecimento pelas organizações, movimentos de mulheres e pela academia; assim como a presença constante das feministas no debate público e no processo de redemocratização foram elementos importantes para a formatação do processo de incidência política do movimento. (OLIVEIRA, 2017, p. 640)
Um dos grandes passos para a efetivação da justiça é definir bem o objeto de análise – no que diz respeito à violência doméstica, tal passo é bastante influenciado pelos campos de debate que foram criados pelo ativismo feminino – e delimitar a forma como será tratado. Dessa forma, entende-se que uma das grandes conquistas da Lei Maria da Penha foi conceituar a violência doméstica.
Existem diferentes formas de conceituar violência doméstica dentre as quais a de melhor compreensão para o nosso entendimento é a que define a violência doméstica como aquela praticada no contexto familiar e que poderá ocorrer tanto com aqueles com laços sanguíneos, como com os que são considerados amigos, tendo sido a jurisprudência bastante categórica com esse tema. Ela poderá ser subdividida em violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Segundo o artigo 5º da lei 11.340\06: “Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. (COUTO, 2015, p.1)
Outro grande avanço foi a diminuição dos casos de impunidade, além da promoção de melhores condições de atendimentos às vítimas. Uma lei tal importante como essa acaba estimulando cada vez mais a conscientização da população em geral e promove um senso de proteção maior à população feminina.
Esta lei foi reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo em se tratando de violência contra as mulheres e institui mecanismos que tentam efetivar os direitos nela resguardados, pois pune o autor da agressão, e cria meios de promoção das políticas públicas destinadas a um atendimento humanizado às mulheres e uma conscientização de toda a sociedade. (COUTO, 2015, p.1)
A Lei Maria da Penha delimita os casos de violência doméstica, define punições e restrições e ajuda a acabar com o clima de impunidade e a dificuldade de acesso à justiça, que por muito tempo foram fatores que eram entraves à efetivação da justiça. “É importante analisar as mudanças substanciais que a Lei Maria da Penha trouxe para o atendimento das vítimas de violência doméstica e familiar, pois antes da promulgação da lei, não havia uma norma específica na legislação pátria para tratar a questão da violência contra a mulher.” (GRANDO, OLIVEIRA & PEREIRA, 2018, p. 134).
Sobre a questão de acesso à justiça e temor pela impunidade após as denúncias, entende-se que:
Antes a violência era punida segundo a lei 9.099/95, que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais, juizados que só tratavam da parte criminal, ficando a cargo da mulher a resolução de outras questões, como, por exemplo, a guarda dos filhos, pensão. Aqui era permitida a aplicação de pena pecuniária, sendo que muitas vezes era a própria mulher quem entregava a intimação para o agressor comparecer às audiências e não havia previsão da prisão em flagrante do agressor, que podia continuar frequentando os mesmos lugares quea vítima. (GRANDO, OLIVEIRA & PEREIRA, 2018, p. 135)
Um dos pontos em que a Lei Maria da Penha deixava a desejar foi resolvido com a posterior formulação da Lei 13.104/15, que trata sobre o feminicídio. Entende-se que é o crime praticado contra mulheres em razão de discriminação ou menosprezo ao sexo feminino ou em casos de violência doméstica.[footnoteRef:2] A partir da especificação desse crime na legislação, incluindo-o ainda no rol de crimes hediondos, cria-se um mecanismo melhor para proteger as mulheres. [2: Definição estabelecida no manual “Aprendendo com Maria da Penha: O Que Você Precisa Saber”, formulado pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar/TJMA (2018).] 
Os principais aspectos positivos da Lei Maria da Penha foi a definição da violência doméstica e sua ampliação, abrangendo a violência moral e patrimonial. Um detalhe importante, que se refere a violência física em si, e que passou despercebido pelo legislador, foi a inclusão do feminicídio na lei, também não sendo estipulados, as consequências do descumprimento das medidas protetivas. O legislador foi omisso ao não tratar dos instrumentos necessários que criem um verdadeiro mecanismo de proteção para a mulher vítima de violência doméstica. (GRANDO, OLIVEIRA & PEREIRA, 2018, p. 135)
A Lei Maria da Penha pode ainda ser aplicada às relações homoafetivas, desde que a violência ocorra no âmbito doméstico e familiar, ou em relação íntima de afeto independente de coabitação. Aplica-se ainda nos casos em que a vítima de violência é um transexual feminino, como aborda o manual “Aprendendo com Maria da Penha: O Que Você Precisa Saber”, formulado pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar/TJMA (2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir deste trabalho, buscou-se entender melhor de que forma o ativismo feminino obteve destaque na busca por diminuição das desigualdades estruturais entre homens e mulheres na sociedade. Destaca-se as conquistas advindas a partir da atuação desse movimento.
Verifica-se a importância do ativismo feminino como peça crucial para a elaboração de organizações voltadas ao atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar, além de fomentar o debate acerca das questões de gênero e a desigualdade evidenciada pelo machismo enraizado na nossa sociedade, que desde sempre privilegiou as bases patriarcais.
Destaca-se ainda a conquista da Lei Maria da Penha, um marco no combate à violência contra mulheres, pois é fruto de vários anos de luta contra o clima de impunidade e reincidência que assolava a população feminina. A partir desta lei, as denúncias e julgamentos de agressões aumentaram e a justiça brasileira deu um passo a mais em busca da justiça social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COUTO, Carla Gleiciane da Silva. A efetivação da Lei Maria da Penha desde seu surgimento até os dias atuais. Publicado em 09/2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42816/a-efetivacao-da-lei-maria-da-penha-desde-seu surgimento-ate-os-dias-atuais. Acesso em: 24/10/18.
GRANDO, Juliana Bedin; OLIVEIRA, Elisa; PEREIRA, Kristie Moraes. Ativismo judicial e a rede de proteção as mulheres. RICADI. Vol. 04. Jan/Jul 2018.
LANGNER, Ariane; MENDONÇA, Fernanda; ZULIANI, Cibeli. O movimento feminista e o ativismo digital: conquistas e expansão decorrentes do uso das plataformas online. Anais do 3º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade em rede. UFSM. Santa Maria/RS, 2015.
OLIVEIRA, Tatyane Guimarães. Feministas ressignificando o direito: desafios para a aprovação da Lei Maria da Penha. Revista Direito & Práxis. Rio de Janeiro, Vol. 08, Nº 1, 2017, p. 616-650.
RIBEIRO, Mônica. Movimento feminista na fonte dos centros de combate à violência contra mulheres. Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas. UEL/SC, 2010.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO. Aprendendo com Maria da Penha: O Que Você Precisa Saber. Formulado pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar/TJMA, 2018.

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