Buscar

Resenha- Educação para além do capital

Prévia do material em texto

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. (trad. Isa Tavares), (ed. 2). São Paulo: Boitempo, 2008. 125 p.
Resenha
Felício Oscar deleprani
A obra, já no prefácio, antecipa seu conteúdo: uma crítica ao modelo educacional que sustenta o sistema político econômico capitalista. De forma específica, o autor desenvolve uma tese na qual, a lógica capitalista define um sistema de educação que garante o atual estado social de exploração por parte da classe dominante. 
A tese desenvolvida, ao longo do livro, fica ainda mais clara a partir das epígrafes, são três: a primeira, remontando o pensamento de Paracelso, do século 16, diz que a “educação é para vida inteira”, segundo esse pensador, “ninguém passa dez horas sem aprender alguma coisa”; a segunda epígrafe, do filósofo cubano José Martí, para quem, o ser humano vem a esse mundo como um boneco de cera e, aqui chegando, encontra moldes feitos e, por isso, não importa se a educação é para vida toda, se ela é um molde para conduzir a opressão. Por fim, a última epígrafe é de Marx, que sugere uma postura ativa do indivíduo em romper com os “moldes”, pré-fabricados e tornar-se um sujeito ativo da educação. (p. 22).
A crítica, no entanto, não se restringe apenas ao sistema capitalista, mas, a partir deste, tange pensadores do socialismo utópico que, na visão do autor, lidam com os “efeitos”, quando na verdade, seria preciso pensar na “causa”: a “lógica capitalista”. (p. 30). Essa lógica capitalista, segundo afirma, é o uso da educação com a finalidade “fornecer conhecimentos e o pessoal necessário” para a “expansão do sistema do capital” e, além disto, “gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses” da classe dominante. (p. 35). Quando não se pensa nas causas, mas nos efeitos, mesmo como boas intenções, como é citado o caso do reformista Robert Owen (p.33-34), os projetos acabarão por serem suplantados pela força esmagadora da lógica capitalista. 
O problema da lógica capitalista, reconhecido inclusive por liberais, como Adam Smith, é a divisão do trabalho que limita o homem a tarefas específicas. Mas, esse mal social é geralmente ignorado e, para remedia-lo, supõe-se que a educação seja suficiente. Contudo, a educação, organizada pela própria classe dominante, tende a manter essa unilateralidade humana. 
Para se legitimar a lógica do capital, uma das estratégias discutida pelo autor é “distorção da história” que coloca os atores sociais capitalistas na posição de heróis. Um exemplo claro é retirado de uma citação de Fidel Castro em uma discurso sobre a Guerra da Independência Cubana onde afirma que, depois da guerra já ganha, a custo de muito sangue patriota e dos verdadeiros heróis cubanos, os EUA chegaram ao país, combateram os já vencidos espanhóis e avocaram para si o papel de salvadores da pátria. 
Para contrastar o pensamento dos conservadores capitalistas e a defesa de um modelo educacional socialista, são postos em diálogo o pensamento de Karl Marx e John Locke. Para Locke, a pobreza teria que ser combatida com a imposição de leis sobre os pobres, que os obrigassem a trabalhar por qualquer salário oferecido pela classe dominante, sugerindo um salário diário de 1 centavo (p. 39- 40), mutilar aqueles que, em função da miséria em que vivia, cometesse algum crime como furtos, inclusive, que tivesse as duas orelhas cortadas e que os filhos dos pobres deveriam frequentar escolas que os capacitassem para o trabalho industriário e para seguirem a religião dominante. (p. 41-42). 
Como contraponto a esses conceitos, são trazidos à discussão o pensamento de Marx que sugeria uma releitura das causas e da manutenção da desigualdade social. Para Marx, a velha história contada e recontada sobre algo que parecia um “pecado original” da pobreza era falsa. Essa velha história de que, em um passado muito distante, houve homens austeros e outros devassos, resultando em duas classes, uma de ricos e outra de pobres, para Marx, é um discurso falso. (p. 38). Assim, desenvolver, de dentro para fora um modelo de educação que fosse capaz de unir educação e trabalho e, principalmente, romper com “internalização” de valores destorcidos que legitimam a ordem social da classe dominante é, sobretudo, a primeira preocupação de uma educação para além do capital. 
Mas, romper com essa lógica é uma tarefa que, mais que um modelo educacional, precisa superar o capitalismo. E, é neste ponto que o autor discute a ideia de “para além do capital”. Na sua visão, todo esforço que passe apenas pela ideia de negar o capital será frustrada, pois ao construir um modelo social sob a premissa de negar o capital, essa nova sociedade estará, de certa forma, ainda condicional ao capital. Portanto, é preciso uma “ordem social” que “sustente concretamente a si própria”. (p. 62). Em outras palavras, o autor está dizendo que, ao negar uma determinada ordem social (no caso a capitalista) e, justificando-se nesta negação,
 propor uma nova ordem social, essa nova ordem continuará, enquanto perdurar, sendo dependente da antiga ordem negada que, por fim, voltará a predominar, ainda mais forte. 
Um termo constante que aparece na obra como uma espécie de conceito sustentador da lógica do capital e que precisa ser superado pela educação abrangente é o conceito de “reificação”. Para o autor, na medida em que as abstrações do capitalismo são tomadas como coisas concretas, isto é, o lucro empresarial, a livre concorrência, a globalização etc. as pessoas se colocam a disposição de uma ordem social que jamais será capaz de realizar nelas seus anseios. É por isso, portanto, que a educação precisa incluir, isto é abranger, esses aspectos da vida social. (p. 73).
E, para ser abrangente, a educação precisa ser continuada, não vocacional e não geral. Isto é, por vocacional, entende-se a ideia de a o jovem escolher uma profissão, ou vocação, e, a partir desta escolha, a escola o limitar a um grupo de disciplinas; por geral, trata-se de um modelo de educação voltada para valores, mas deslocadas da realidade da produção da vida material. (p. 75). 
Na parte final da obra, um apêndice cujas notas de rodapé informam ser a integração de outra obra do autor: “O desafio e o fardo do tempo histórico” (Boitempo, 2007), trata, de início do “ethos” capitalista. É, pois, no conjunto de hábitos e “crenças”, especialmente, os “imperativos reificados” que se subsome, “consensualmente” toda a sociedade. Tal subsunção faz sucumbir toda e qualquer possibilidade de, por meio de uma proposta de educação formal, como as de Kant e Schiler, operar uma transformação real no âmbito social. (p. 81).
O conceito de “educação capitalista” inclui, segundo o autor, a) a criação de uma consciência nos indivíduos de que são autônomos e a considerarem os preços das mercadorias como “algo lógico e natural”; b) a negação de que haja uma ideologia e sim “um sistema de crenças positivo” que é compartilhado de forma positiva; c) que não é não é necessária nenhuma mudança significativa, apenas reformas, ou, nas palavras do autor “regulação mais exata” (p.82). 
Esse modelo educacional é crítico, segundo o autor e, é exatamente por isso que se diferencia daquele surgido no iluminismo em que, filósofos e intelectuais, como Kant, Goethe, Schiller e outros ainda acreditavam que, mesmo dentro do sistema capitalista, poderia existir um modelo de educação abrangente e transformador, baseado nos valores. Contudo, ao assumir comportamento estranhos como, por exemplo, o direito de usar armas nucleares, a ideia de “supremacia racista” e o “imperialismo liberal, tal possibilidade desapareceu de vez. (p. 83).
Em contraposição a visão de educação capitalista, o autor aponta para a algumas vantagens de um modelo de educação socialista, pois, no socialismo a educação não teria dificuldades em enfrentar os problemas reais, tal qual eles são, isto é, não seria necessário o esforço para a reificação de condições irrealizáveis. Outro contraponto, tange a questão da moral. No capitalismo, a moral é externa, vem de cima e baseia-se no “tem de ser” de caráterreligioso; já a moral socialista, segundo o autor, decorre da “avaliação” dos indivíduos, por eles mesmos, sobre a parte da tarefa que, conjuntamente escolheram realizar. (p. 88).
Outro ponto fundamental, que o autor coloca como necessário a um programa de educação socialista é a consciência, ou a redescoberta da consciência do “metabolismo social”. Essa expressão, empregada por Marx, relaciona-se à forma como o homem, de forma consciente, transforma a natureza para produzir sua vida material, por meio do trabalho. Nessa relação, homem-trabalho-natureza, está, portanto, o foco da educação. O capital, segundo o autor inverteu essa lógica, transformando o homem em coisa (reificação) e dando às coisas um caráter pessoal (personificação fetichista). De forma sucinta, não adianta "tentar" resolver o problema do homem, por meio de "reformas", enquanto ele continuar do lado errado da equação, pois, no sistema capitalista, tudo pode "sofrer" variações, desde que a "propriedade" mantenha-se intacta. Numa proposta de educação. (p. 90-92). 
As justificativas de que a sociedade atual, capitalista, está invertida, considerando a supremacia do homem em relação às coisas, se desdobra nos fatos verificáveis, como o aumento da violência que, ordinariamente, é tratado de forma corretiva, impondo, de cima para baixo, uma “agenda de respeito” que, geralmente, falha e precisa ser, cada vez mais, endurecidos os meios repressores. (p. 93). Para se romper com essa lógica e atacar, essencialmente, o problema da violência, como no exemplo citado, seria necessário a educação socialista, na qual, o indivíduo, tomando parte na construção da sua sociedade ativamente se conforma a ela, pois ele a conhece a ajudou a construi-la. Uma situação diferente da lógica capitalista em que, o indivíduo, alienado da mesma, não reconhece seus princípios e valores. (p. 97). 
A educação, portanto, como elemento fundamental da transformação social deve considerar o “tempo disponível” dando aos indivíduos a consciência deste tempo. Pois, na ordem social alienante, o tempo exigido de trabalho está além daquele que é necessário para a produção de sua vida material, o excedente de trabalho, contudo, produz a vida material de outros, acima na estrutura social que vivem de forma “completamente parasitária”. A educação socialista, contudo, deve promover no indivíduo a tomada de consciência de que essa sobra de tempo, além de ser aproveitada com lazer etc. Pode ser aplicada na produção e “ampliação da riqueza social” comuns à sociedade, mas, não a outro indivíduo particularmente. Esse indivíduo, educado para orientar sua vida pelo tempo disponível e que emprega esse tempo considerando e garantindo, para ele e para a sociedade, de forma comum, tais riquezas, é o “indivíduo social rico” (p. 101-103). 
Quando questões, como por exemplo, o motivo pelo qual o sistema soviético falhou em implantar uma sociedade socialista, o autor ressalta que a tentativa foi autocrática, de cima para baixo, e não contou com a cooperação dos indivíduos, e que, tal cooperação, só é possível por meio de um sistema de educação engajado na causa. E mais, que a abrangência dessa educação seja internacional e cooperação entre os estados internacionais. Considerando, sempre, que tal modelo de educação deve ter por objetivo “superar’ e não apenas “confrontar” o atual modelo social. O autor ainda acrescenta, dentro deste mesmo conceito, que o que faz urgir a superação do atual modelo socioeconômico é o fato de o mundo ter produzido, nos últimos anos, uma condição autodestrutiva por meio de um arsenal atômico que pode dar cabo a extinção da espécie humana. (p. 105- 110). 
Para definir a educação como crucial no papel transformador para uma sociedade capitalista, o autor adverte que o educador, ou, todo aquele consciente da urgência da transformação da sociedade atual, devem ter em mente que irão lidar com indivíduos, especialmente aqueles que se submetem ao processo educativo, embebidos da cultura limitante capitalista que, por um lado é local e por outro é imediata. Essa situação cria um “horizonte temporal truncado” o que dificulta o desenvolvimento de “determinações transformadoras”. (p. 113- 115). 
O livro é concluído fazendo-se um apelo, com base nos escritos de Marx, para que a “teoria” seja “ajustada” às práticas socialistas, no sentido de atender as necessidades da sociedade e, só assim, será um movimento significativo e terá a adesão das massas. Esse movimento não deve ser, contudo, fundamentado em “populismos”, para não “cair na tentação” da demagogia. Mas, antes de tudo, estar atento aos momentos de “transições” sociais, que são os momentos mais adequados para a “revolução” de transformação. Para a efetivação dos pressupostos socialistas, a educação é fundamental, tanto no processo de transição da sociedade como no processo de internacionalização, pois um movimento atemporal e local está sempre fadado ao fracasso. (p. 115- 123).

Continue navegando

Outros materiais