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- -1 MECANISMOS BÁSICOS DE AGRESSÃO E DEFESA UNIDADE 3 - DOENÇAS INFECCIOSAS Mauricio Peixoto e Vinicius Canato Santana - -2 Introdução Nesta unidade, você irá descobrir aspectos das doenças virais e bacterianas e como nosso sistema imunológico combate os diferentes agentes patogênicos. Vivemos cercados de inúmeros microrganismos e muitas vezes não desenvolvemos uma doença. Mas por que isso acontece? Somente uma parcela dos microrganismos são patogênicos, ou seja, são capazes de desenvolver uma doença no ser humano. Nós possuímos inúmeras barreiras imunológicas que têm a função de impedir que alguns patógenos consigam entrar no nosso organismo. Mas, e se o patógeno tiver sucesso em vencer as barreiras imunológicas, o que acontece? Para responder a essa pergunta, temos que saber primeiro qual o patógeno que o sistema imunológico terá que combater. A partir desse ponto, têm início as respostas imunológicas inata e adaptativa. Existem também protocolos de imunização, por meio das vacinas, que nos fornecem proteção contra um determinado agente patogênico. A vacinação é uma “arma” de extrema importância para evitarmos e até erradicarmos inúmeras doenças. O objetivo principal da vacinação está na geração de memória imunológica duradoura. Essa memória gerada protege o indivíduo de infecções futuras por longos períodos. Mas você sabe por que não ficamos doentes quando somos vacinados? E como temos sucesso na vacinação que não utiliza o patógeno inteiro? Todas essas perguntas serão respondidas ao longo desta unidade. Acompanhe-nos e bons estudos! 3.1 Doenças bacterianas e fúngicas e resposta imune frente a microrganismos extracelulares As bactérias ocupam praticamente todos os ambientes, inclusive o corpo humano, sendo muitas delas patogênicas. Quando um microrganismo patogênico inicia seu processo de instalação, pode desencadear uma doença. Nesse momento, nosso sistema imunológico entra em ação, sendo responsável por garantir a eliminação desse patógeno. O início de uma infecção bacteriana se dá no momento em que essa bactéria consegue ultrapassar todas as barreiras imunológicas que impedem o acesso a diferentes tecidos do nosso corpo. - -3 A pele é considerada a primeira barreira física que a bactéria tem de vencer. Formada pelo tecido epitelial, é uma importante forma de impedir que esses microrganismos atinjam tecidos subjacentes. O epitélio possui peptídeos microbianos que controlam o tamanho da microbiota ali existente (MURPHY, 2014). Figura 1 - Os fagócitos são os guardiões que protegem o corpo contra as infecções por bactérias e vírus. Uma das primeiras células a chegar no local da infecção é o neutrófilo. Fonte: Blamb, Shutterstock, 2019. VAMOS PRATICAR? Quem nunca se machucou ou teve um ferimento que apresentou aquela secreção amarelo- esverdeada ou amarelada? Essa secreção, conhecida popularmente como pus, é composta de diversas células de defesa do sistema imunológico, dentre elas, os neutrófilos, que são as primeiras células a chegarem ao local da infecção. Nesta atividade, você vai exercitar sua capacidade de pensar sobre uma situação relacionada à infecção. Situação-problema Ao se machucar, seu ferimento começa a apresentar os sintomas clássicos de uma resposta inflamatória, como calor, vermelhidão, dor e inchaço. Acompanhado desses sintomas, o ferimento começa a infeccionar e apresentar pus. Ao procurar ajuda médica, baseado nos seus conhecimentos, você seria capaz de informar qual o agente patogênico que poderia estar causando esse processo infeccioso? - -4 Uma vez que essas bactérias conseguem atingir os tecidos mais profundos, a saúde do hospedeiro está em risco. Nesse momento, o sistema imunológico entra em ação para combater esses microrganismos. Assim, logo que o tecido é acometido por uma infecção, os macrófagos residentes são responsáveis por iniciar a resposta imune inata. Nem sempre a resposta imune consegue eliminar o patógeno, sendo preciso que elementos da resposta adaptativa entrem em ação. Os linfócitos que estão nos órgãos linfoides precisam entrar em contato com os antígenos provenientes deste patógeno. As células dendríticas são responsáveis por fagocitar o patógeno, processá-lo e transportá-lo até os órgãos linfoides. Logo após a internalização do patógeno, ocorre a expressão de receptores de quimiocinas na superfície das células dendríticas, responsáveis por guiar essas células até os vasos linfáticos. Uma vez que as células dendríticas conseguem entrar nos vasos linfáticos, elas são transportadas até os linfonodos, onde apresentarão o antígeno para os linfócitos que ali residem. 3.1.1 Resposta inata e adaptativa A resposta inata é ativada já nas primeiras horas quando se instala a lesão. Assim que a bactéria invade o hospedeiro, os macrófagos iniciam sua função fagocítica visando eliminar o risco de desenvolver a doença, e começam a produzir quimiocinas e citocinas no tecido lesionado, formando um infiltrado leucocitário. Com a liberação das citocinas, ocorre a ativação do endotélio vascular, que envia um sinal para os leucócitos circulantes sinalizando que existe algum problema no local. As moléculas expressas na superfície dos leucócitos sanguíneos se ligam às moléculas de adesão das células endoteliais. Entre os principais recrutadores de leucócitos, estão as integrinas, as selectinas e as moléculas da superfamília das imunoglobulinas (MURPHY, 2014). Os neutrófilos são granulócitos que possuem grânulos primários e secundários com ação antimicrobiana. A eliminação do patógeno pelos neutrófilos inicia no momento em que os receptores de reconhecimento de padrão (PRRs) se ligam aos padrões moleculares associados ao patógeno (PAMPs) presentes na bactéria. Uma vez que houve essa interação entre o PRR e o PAMP, ocorre a formação do fagossomo (vesícula fagocítica) com a bactéria em seu interior. O fagossomo se une ao lisossomo formando o fagolisossoma. VOCÊ SABIA? As primeiras células leucocitárias a chegarem no local atingido por uma infecção bacteriana são os neutrófilos – uma vez que existem em grande quantidade na corrente sanguínea –, resultando em um infiltrado leucocitário no tecido. Esse infiltrado tem sua importância no combate à proliferação bacteriana. Nesses casos, ainda, ocorre um aumento dos neutrófilos, causando o quadro conhecido como neutrofilia. - -5 Figura 2 - O processo de eliminação do patógeno tem início com o reconhecimento dos PRRs com os PAMPs presentes na bactéria. Ocorre a formação de vesícula fagocítica (fagossomo) com a bactéria em seu interior. A união do fagossomo com lisossomo forma o fagolisossoma. Fonte: Designua, Shutterstock, 2019. No processo de fagocitose, ocorre um aumento na produção de espécies reativas de oxigênio (radicais livres), levando à morte do neutrófilo e consequentemente do microrganismo fagocitado. 3.1.2 Linfócitos e diferentes moléculas Caso a resposta imunológica inata não consiga eliminar o microrganismo patogênico, a resposta adaptativa inicia sua ação. As células B e T são recrutadas para evitar que a infecção tome grandes proporções. Assim, inicialmente, as células B e T precisam ser ativadas por meio do reconhecimento do antígeno pelo receptor de células B (BCR) ou receptor de células T (TCR), respectivamente. É importante lembrar que os TCRs só reconhecem antígeno proteico e os BCRs, podem reconhecer antígeno não proteico. Após a ativação desses linfócitos, eles se diferenciam em linfócitos efetores e células de memória. Quando um linfócito B reconhece um antígeno pelo BCR, ele se diferencia em plasmócitos, que são capazes de - -6 Quando um linfócito B reconhece um antígeno pelo BCR, ele se diferencia em plasmócitos, que são capazes de produzir e secretar anticorpos. Esses anticorpos são dispersos pela corrente sanguínea e podem chegar até o local da infecção. Os anticorpos que estão presentes no sangue, podem ter como funções: Opsonização do microrganismo (anticorpos recobrem patógeno, facilitando fagocitose). Ativação do sistema complemento (formando poros queinduzem a morte do microrganismo). Neutralização dos antígenos (impedindo que ele adentre à sua célula alvo). Ativação da citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC) – que possui como célula efetora a célula NK, que reconhece um anticorpo aderido à superfície de uma célula infectada e a mata. Todas essas funções são importantes para a resposta contra uma infecção por bactérias. É importante lembrar que somente os microrganismos que estão no espaço extracelular podem ser “atacados” pelos anticorpos e pelo sistema complemento (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2012). Os linfócitos T podem ser classificados como linfócitos T CD8+, podendo ser chamados de T citolíticos ou citotóxicos. Eles expressam em sua superfície CD8 e são extremamente importantes como armas para combater infecções virais e tumores. Além desses linfócitos, aqueles linfócitos T que expressam em sua superfície o CD4 são denominados de linfócitos T CD4+, também chamados de linfócitos T auxiliares ou . Os linfócitos Thelper CD4+ são importantes nas respostas contra infecções bacterianas. Os efetores podem se diferenciar em célula T H 1, T 2, T 17, T , Treg e alguns podem ser ativados em infecções causadas por bactérias. H H FH CASO Um local inflamado pode apresentar, em alguns casos, uma secreção amarelo-esverdeada ou amarelada. Essa secreção é composta por neutrófilos que combatem a infecção bacteriana, e para que ocorra a eliminação do patógeno, essas células morrem. No local da infecção, há muitos neutrófilos que já morreram ou estão prestes a morrer. A secreção que observamos nessas feridas é o conhecido pus, e é composta por esses neutrófilos que morreram para combater essa infeção bacteriana, normalmente causada por bactérias piogênicas (bactérias capsuladas de vida extracelular), e também por glóbulos brancos em processo de degeneração, bactérias, proteínas e elementos orgânicos. - -7 Quadro 1 - Os diferentes tipos de linfócitos T CD4+ efetores possuem funções distintas contra os agentes patogênicos. Fonte: Elaborado pelo autor, 2020. Uns dos responsáveis pela produção de citocinas que recrutam os neutrófilos para o local de uma infecção são os linfócitos T 17. Eles têm papel importante na neutrofilia, condição bastante observada nas infeções bacterianas. H Já os linfócitos TH aumentam a capacidade microbicida dos fagócitos com a maior expressão de MHC de classe I 1 e classe II e receptores de citocinas na superfície celular. As citocinas produzidas pelos linfócitos TH podem 1 ativar a troca de um isotipo de anticorpo para IgG, que atua como opsonina e ativador do sistema complemento (CHAPEL et al , 2014).. 3.1.3 Sistema complemento O sistema complemento é constituído por proteínas solúveis que atuam na eliminação de infecções bacterianas por meio da opsonização ou pela perfuração da membrana da bactéria. A via das lectinas e a via alternativa do sistema complemento podem ser ativadas sem a necessidade dos componentes da resposta adaptativa (anticorpos). Já a via clássica pode ser ativada pela ligação do anticorpo com a superfície do microrganismo patogênico. Após a invasão do patógeno aos tecidos do hospedeiro, as moléculas do sistema complemento (opsoninas) sinalizam para os fagócitos que podem realizar a fagocitose do patógeno mais facilmente. Esse sistema pode, também, lisar uma bactéria, causando sua morte. - -8 Figura 3 - O complexo de ataque à membrana (MAC) é responsável por provocar a morte das bactérias por meio de poros gerados em sua membrana. Fonte: Ellepigrafica, Shutterstock 2019. Independente da forma que o sistema complemento é ativado (Via Clássica, Via alternativa ou das Lecitinas) a enzima C3 convertase, formada nas três vias do complemento, dá origem à enzima C5 convertase, que começa a formar o MAC (complexo de ataque à membrana). Esse complexo leva à citólise (morte) da bactéria pela formação de um poro, causando a perfuração de sua membrana. 3.2 Doenças virais e resposta imune frente a vírus e outros patógenos intracelulares Inúmeras doenças são causadas pelos vírus. Temos exemplos bem conhecidos, como a AIDS, causada pelo vírus HIV, e a gripe, causada pelo vírus da Influenza. Os vírus podem se propagar de diversas formas, seja pelo ar, por alimentos, pela água ou transmitidos pelo contato entre pessoas. Uma vez que houve a transmissão do vírus para o hospedeiro, tem início o seu ciclo, específico para cada tipo de vírus. - -9 As infecções causadas por vírus são altamente diversas, e dependem de características dos vírus e do hospedeiro. Os princípios importantes relacionados com as doenças virais compreendem os seguintes: (1) muitas infecções virais são subclínicas; (2) a mesma doença pode ser causada por uma variedade de vírus; (3) o mesmo vírus pode causar uma variedade de doenças; (4) a doença não tem relação com a morfologia viral; e (5) a evolução de qualquer caso específico é determinada pelos fatores virais e do hospedeiro, sendo influenciada pela genética de ambos (BROOKS et al , 2014, p.431).. As células que compõem o corpo humano expressam em sua superfície o complexo principal de histocompatibilidade (MHC), exceto as plaquetas. Elas são responsáveis por apresentar o antígeno para os linfócitos T e T citotóxicos. Quando ocorre uma infecção das células é por meio desses receptores que oshelper antígenos virais são expressos e podem ser detectados pelo sistema imunológico. As células apresentadoras de antígeno (APCs) expressam MHC de classe II na sua superfície e todas as outras células nucleadas do organismo expressam MHC de classe I, sendo as que expressam MHC de classe I essenciais para combater as infecções virais. Isso porque as células do hospedeiro continuamente estão apresentando antígenos via MHC de classe I, que carregam fragmentos proteicos que foram produzidos pela própria célula do hospedeiro. Quando a partícula viral invade a célula do hospedeiro, o material de ambos se mistura e ocorre a síntese de proteínas que não são próprias da célula hospedeira. Logo, no instante em que a molécula de MHC de classe I estiver carregando um peptídeo estranho, o linfócito T CD8+ ativado induzirá à morte dessa célula. VOCÊ QUER LER? O livro “A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos”, escrito por Stefan Cunha de Ujvari (2009), conta histórias do desenvolvimento social da humanidade e a relação com diversos vírus e microrganismos. Vale a pena conferir! - -10 3.2.1 Ativação de células T citotóxicas virgens Para que as células T citotóxicas virgens sejam ativas são necessários dois sinais. O primeiro sinal vem do reconhecimento do MHC de classe I com o TCR da célula T CD8+, ou MHC de classe II com o TCR da célula T CD4+. O segundo sinal vem das moléculas coestimuladoras, conhecidas também por acessórias, expressas na superfície das APCs. No momento da apresentação de antígenos, essas moléculas se ligam ao CD28, que é expresso no linfócito T. As APCs capturam, por fagocitose ou macropinocitose, as partículas virais assim que elas ultrapassam a barreira imunológica da pele. Elas migram para os linfonodos e aumentam a expressão em sua superfície de CD80 e CD86, que atuam como moléculas coestimuladoras, importantes para ativarem os linfócitos T virgens. As células dendríticas podem apresentar o antígeno via MHC de classe II para as células T CD4+, e também, apresentarem os antígenos via MHC de classe I para célula T CD8+. Por conseguirem apresentar antígenos via MHC de classe I e II, algumas células dendríticas têm a capacidade de realizar a apresentação cruzada. Após a ativação dos linfócitos T CD4+ pode ocorrer o fornecimento de alguns sinais que ajudarão a completar a ativação do linfócito T CD8+ (BROOKS et al., 2014). Muitas vezes as células infectadas pelos vírus não têm a capacidade de expressar as moléculas coestimuladoras necessárias para disparar o segundo sinal de ativação dos linfócitos T CD8+ virgens. Quando isso acontece, os linfócitos T CD4+ produzem citocinas que vão ajudarnesse processo (como a IL-2, por exemplo). Uma vez que o linfócito T CD8+ foi ativado, inicia a sua função citolítica para combater a infecção viral (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2012). 3.2.2 Combate à infecção viral Com exceção das hemácias, todas as células expressam na sua superfície o MHC, algumas de classe I (todas as células que possuem núcleo) e outras de classe II (as APCs), que são responsáveis por apresentar antígenos para os linfócitos T CD4+ ou CD8+. Nas infecções virais, as células CD4+ T 1 possuem papel muito importante e isso H se deve às citocinas que tais células secretam. A IL-2, por exemplo, auxilia na multiplicação e diferenciação de células T, tanto CD4+ como CD8+. Já o aumento da expressão de moléculas do MHC de classe I e II é resultado da ação de outra citocina produzida pelas T 1, o IFN-γ. A combinação dessas duas citocinas, IL-2 e IFN-γ, estimula o H crescimento e a ativação de células NK. Além disso, o fator de crescimento GM-CSF leva a uma maior produção de granulócitos, macrófagos e de células dendríticas pela medula óssea. Graças à produção dessa variedade de citocinas, os linfócitos CD8+ efetores, ou linfócitos T citolíticos, que se encontram nos órgãos linfoides e, são capazes de sair, e ao se depararem com uma célula infectada que apresenta o antígeno via MHC de classe I, induzem a apoptose dessa célula. Para que somente a célula infectada sofra apoptose (morte celular programada), os linfócitos T citolíticos induzem essa morte via liberação de grânulos contendo granzimas e perforinas. Os grânulos são liberados somente no local de contato entre a célula infectada e o linfócito T citolítico. Primeiramente, é liberada a perforina, que abre um buraco na membrana plasmática da célula infectada, e logo após a liberação da perforina, são liberadas as granzimas que desencadeiam a apoptose da célula infectada. - -11 Figura 4 - A apoptose é induzida via a liberação de granzimas e perforinas pelas células T citotóxicas. Fonte: Designua, Shutterstock 2019. As células da resposta imune inata responsáveis por combater as infecções virais são as células NKs ou natural . Elas matam todas as células que não possuem em sua superfície o MHC de classe I.killers - -12 Figura 5 - Mecanismo de ação das células NK (natural killer). Elas reconhecem, entre outros fatores, a ausência de MHC I na superfície de células infectadas. Fonte: Ellepigrafica, Shutterstock, 2019. Alguns vírus podem alterar a expressão de MHC de classe I da célula infectada. Isso seria uma estratégia de evasão imunológica, em que o vírus tenta enganar o sistema imune do hospedeiro, pois evitaria, assim, que os linfócitos T CD8+ atacassem a célula infectada (MURPHY, 2014). 3.2.3 Anticorpos Os anticorpos só têm a capacidade de reconhecer e agir sobre uma partícula viral no momento em que ela não esteja no interior da célula hospedeira. - -13 Figura 6 - Os anticorpos (em branco) identificam e neutralizam o agente patogênico. Na imagem, o anticorpo se liga ao norovírus para eliminá-lo. Fonte: Juan Gaertner, Shutterstock, 2019. No momento que as partículas virais estão no espaço extracelular, podem ser reconhecidas por meio do BCR dos linfócitos B. Após o reconhecimento, a partícula viral é internalizada, processada e os antígenos são apresentados à célula T CD4+. Os linfócitos T produzem citocinas que disparam o processo dehelper diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos. Os plasmócitos iniciam a produção e secreção de anticorpos específicos àquele vírus fagocitado (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2012). As mucosas são locais onde os anticorpos da classe IgA têm uma importante participação, atuando na defesa contra infecções virais, pois neutralizam antígenos virais. Esses anticorpos podem ser transportados por meio da barreira epitelial, impedindo, dessa forma, a proliferação do vírus (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2012). 3.3 Soros e vacinas aplicados a prevenção/tratamento de doenças humanas. Vimos, anteriormente, que através dos mecanismos da resposta imune adaptativa (celular e humoral) e inata somos capazes de nos proteger dos patógenos. Entretanto, é possível ajudar o sistema imunológico, pela administração de componentes individuais da resposta imune, como os anticorpos, ou pela exposição do sistema VOCÊ QUER VER? O filme , lançado em 2011 e dirigido por Steven Soderbergh, trata de uma epidemiaContágio provocada por um vírus que é facilmente transmitido pelo ar. De forma bem clara e didática, é possível ver nesse filme como a ciência atua no combate aos vírus altamente patogênicos. - -14 administração de componentes individuais da resposta imune, como os anticorpos, ou pela exposição do sistema imune a determinado antígeno, de modo a estimular a resposta imune adquirida a gerar memória – um procedimento designado como vacinação. Um dos grandes triunfos da medicina foi a capacidade de aproveitar esses mecanismos por meio da imunização com o objetivo de proteger o indivíduo contra um grande número de doenças infecciosas. O termo “imunização” se refere estabelecimento de uma resposta imune adaptativa por meio de inoculação de antígenos ou anticorpos no hospedeiro, de modo a torná-lo resistente a um processo infecioso ou patológico. Existem dois tipos de imunização: a ativa e a passiva. Na imunização ativa, há o inóculo do antígeno, a fim de desencadear uma resposta adaptativa com geração de memória imunológica que garantirá uma proteção ao indivíduo. Um exemplo de sucesso da imunização ativa são as vacinas. Na imunização passiva, não há a formação de memória imunológica, pois os anticorpos já são introduzidos no organismo prontos. Um exemplo de imunização passiva são os anticorpos passados da mãe para o filho durante a gestação e aleitamento e os soros antiofídicos que combatem toxinas presentes no veneno de cobras. 3.3.1 Vacina Como mencionado anteriormente, a vacinação permite a formação de células de memória que conferem uma proteção ao indivíduo vacinado. As vacinas podem utilizar somente um fragmento do patógeno ou o patógeno inteiro na sua forma atenuada ou inativa. A diferença em se utilizar os patógenos inteiros na forma inativada é que eles estão mortos, e quando estão atenuados, eles ainda estão vivos, porém, com a patogenicidade reduzida. As vacinas que utilizam os microrganismos na sua forma atenuada são capazes de ativar diversos mecanismos efetores do sistema imunológico. São considerados três grandes tipos de vacinas: Quadro 2 - Os diferentes tipos de vacinas capazes de iniciar uma resposta imunológica do indivíduo. Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em IMUNIZAÇÕES, 2009. Para a produção das vacinas que se utilizam de fragmentos de antígenos, os laboratórios purificam partes que - -15 Para a produção das vacinas que se utilizam de fragmentos de antígenos, os laboratórios purificam partes que possam ser reconhecidas pelos BCRs ou TCRs. Essas vacinas, muitas vezes, possuem uma baixa capacidade de desencadear a resposta imune. Para ter certeza que a resposta imune adaptativa seja ativada, os laboratórios administram junto com o antígeno um adjuvante, sais de alumínio são os mais utilizados hoje em dia, capaz de aumentar a imunogenicidade do antígeno. Dessa forma, a formação de memória imunológica está garantida. Os linfócitos T e B são de extrema importância para o sucesso dos protocolos de vacinação. Os linfócitos B serão ativados contra o antígeno ofertado na vacina e produzirão os anticorpos neutralizantes para combater esse antígeno; e os linfócitos T vão auxiliar na produção dos anticorpos pelas células B. Os protocolos de vacinação têm especial interesse na ativação dos linfócitos T CD8+, pois eles são eficientes na eliminação de células infectadas por vírus. VAMOS PRATICAR? Como vimos, as vacinas são de extrema importância na proteção da sociedade contra a disseminação de várias doenças causadas por vírus e algumas bactérias. Ao longo dos anos, com a descoberta das vacinas contra determinados vírus, foi possível “exterminar” ou declarar que uma determinadadoença foi extinta em algum país ou mesmo no mundo todo. Nesta atividade, você vai exercitar sua capacidade de pensar sobre uma situação relacionada à erradicação de uma determinada doença. Situação-problema No primeiro semestre de 2019, acompanhamos o retorno de algumas doenças que já haviam sido consideradas extintas. Um exemplo atual é o sarampo. Algumas causas são consideradas para esse retorno, sendo elas: a baixa adesão às campanhas de vacinas; os movimentos antivacinas; e o medo que algumas pessoas têm das possíveis reações que as vacinas podem causar. Tendo isso em mente, considere a seguinte situação. Você tem uma viagem agendada para um estado ou país que está enfrentando um surto de uma determinada doença que pode ser prevenida com a vacina. Você não se recorda de ter se vacinado e também não encontra a sua carteira de vacinação. Qual medida tomaria nesse caso? - -16 Quadro 3 - Calendário vacinal proposto pela Sociedade Brasileira de Pediatria para crianças e adolescentes (do nascimento até os 19 anos de idade). Fonte: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019. Seguindo o calendário vacinal recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), as vacinas obrigatórias são: • BCG ID (Bacilo de Calmette-Guérin), contra a tuberculose; • Hepatite B; • DTP/DTPa (difteria, tétano e pertussis – tríplice bacteriana/DTPa: acelular); • dT/dTpa (difteria, tétano e coqueluche/difteria e tétano); • Hib (Haemophilus influenzae tipo b); • VIP/VOP (vacina inativada poliomielite/vacina oral poliomielite); • Pneumocócica conjugada; • Meningocócica C e A, C, W, Y conjugadas; • Rotavírus; • • • • • • • • • - -17 • Rotavírus; • Influenza; • SCR/Varicela/SCRV (sarampo, caxumba, rubéola e varicela); • Hepatite A; • Febre amarela; • HPV (papilomavírus humano). Para profissionais de saúde é particularmente importante manter a carteira de vacinação em dia. Além de estarmos mais suscetíveis ao encontro com um desses patógenos, há certos acidentes ocupacionais que podem transmitir doenças, preveníveis por meio de vacinas, como tétano ou hepatite B, por exemplo. 3.3.2 Soro A soroterapia é considerada uma imunização passiva, pois não tem a formação de memória imunológica. Isso acontece pois o soro que será inoculado não contém o antígeno a ser combatido. Na verdade, o soro já contém os anticorpos responsáveis por combater o antígeno, gerando uma resposta imediata. Os soros são utilizados principalmente em casos de picadas de animais peçonhentos, como as cobras. Quando ocorre um acidente com uma cobra, o indivíduo recebe uma dose de soro antiofídico. Outros soros, ainda, são utilizados, como antirrábico, antibutulínico, antitetânico, antidiftérico, entre outros (INSTITUTO BUTANTAN, 2019). • • • • • • VAMOS PRATICAR? Já sabemos que a soroterapia é considerada uma imunização passiva, pois não tem a formação de memória imunológica. Os soros são utilizados em vários casos específicos em que não se pode utilizar vacinas. Nesta atividade, você vai exercitar sua capacidade de pensar sobre uma situação relacionada à utilização de soro para o tratamento de um possível acidente com um animal peçonhento. O site do Ministério da Saúde poderá auxiliá-lo a refletir sobre o problema proposto. Acesse: http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/acidentes-por-animais- peconhentos. Situação-problema Você está passeando e curtindo suas férias em um local remoto. Em um momento de distração em uma trilha, você sente uma picada de aranha. Sem saber se essa aranha é venenosa, qual a providência você tomaria? Ao ligar para pedir socorro, baseado na situação, quais informações são consideradas importantes para serem repassadas para os socorristas? - -18 Os soros contra venenos de animais peçonhentos são produzidos a partir do próprio veneno. Após a sua extração, ele é processado, diluído e filtrado. O antígeno então é inoculado em um cavalo, que fica de quarentena, tempo suficiente para a produção de anticorpos pelo sistema imunológico do animal. Depois desse tempo, o sangue é coletado e as hemácias são separadas do plasma, o qual é necessário para a produção do soro. Conclusão Você chegou ao final deste estudo. Nele abordamos os principais agentes patogênicos relacionados às doenças infecciosas humanas. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • conhecer as infecções bacterianas; • identificar as principais células e moléculas envolvidas nas respostas imunológicas contra as infecções causadas por agentes patogênicos; • conhecer as infecções virais; • compreender como a resposta imunológica combate as infecções causadas por agentes patogênicos; • identificar o papel do sistema complemento frente às infecções; • conhecer os tipos de imunizações aplicados à prevenção/tratamento de doenças humanas. Bibliografia ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. . 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.Imunologia celular e molecular 560 p. BROOKS, F. G. et al. Microbiologia médica de Jawetz, Melnick e Adelberg (Lange). 26. ed. Rio de Janeiro: AMGH, 2014. CHAPEL, H. et al. . 6. ed. Oxford: Wiley-Blackwell, 2014.Essentials of clinical immunology CONTÁGIO. Direção: Steven Soderbergh. Califórnia - Estados Unidos: Warner Bros, 2011. Duração: 106 min. INSTITUTO BUTANTAN. . Disponível em: < >. AcessoSoros http://www.butantan.gov.br/soros-e-vacinas/soros em: 21 ago. 2019. MURPHY, K. . 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.Imunobiologia de Janeway IMUNIZAÇÕES: Publicação da associação brasileira de imunizações. São Paulo: Segmento Farma Editores, v. 2, n. VOCÊ O CONHECE? O médico e sanitarista Vital Brazil liderou, na virada do século XIX para o XX, grandes campanhas contra epidemias de febre amarela, varíola, peste bubônica e cólera. Vital Brazil foi o descobridor da soroterapia, em 1898. Suas pesquisas foram as pioneiras em produção de soros específicos contra venenos de animais, como as cobras. Até hoje, utilizamos o soro para salvar inúmeras vidas. • • • • • • - -19 IMUNIZAÇÕES: Publicação da associação brasileira de imunizações. São Paulo: Segmento Farma Editores, v. 2, n. 4, jan. 2009. Disponível em: < >.https://sbim.org.br/images/revistas/revista-imuniz-sbim-v2-n4-2009.pdf Acesso em: 19 fev. 2020. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Disponível em: <Calendário de vacinação da SBP 2019. >.https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21273m-DocCient-Calendario_Vacinacao_2019-ok1.pdf Acesso em: 2 ago. 2019. UJVARI, S. C. .A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos 1. ed. São Paulo: Contexto, 2009. 202 p.
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