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BRINCAR_E_CRIAR

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Brincar e Criar 
Adriana Friedmann 
 
A complexidade do criar e do brincar 
Muito tem se falado e teorizado ao longo do tempo da importância do 
brincar na vida do ser humano e muitas abordagens e pensadores estudaram 
o tema, que pode ser compreendido em diálogo e a partir de diversas 
leituras: 
- Histórica – pela ordenação do fenômeno ao longo do tempo. 
- Lingüística – como linguagem transmissora de mensagens. 
- Geográfica – pela sua localização espacial. 
- Antropológica – como dimensão simbólica e cultural de uma expressão 
inconsciente. 
- Filosófica e poética – como dimensão humana. 
- Educacional – como elemento de desenvolvimento integral ou potencial 
de ensino/aprendizagem. 
- Psicológica – a partir da psique dos protagonistas. 
- Física / Corporal – dos gestos, dos movimentos de cada um. 
- Ecológica – a partir da ecologia interna e externa. 
- Biológica – que vem da natureza de cada um. 
- Artística – plástica, musical, estética. 
- Do âmbito do direito – dentre os direitos das crianças. 
- Religiosa – no sentido de re-ligar-se com o ser mais profundo de cada um. 
Maria Clara: mas por que, apesar de tanta informação a respeito, ainda falta 
consciência da importância que esta forma de expressão e comunicação tem no 
cotidiano das crianças, sobretudo nos seis primeiros anos de vida? 
É diferente ter a informação – o conhecimento – do que a consciência: a 
informação fica no âmbito do mental; a consciência impregna-se nas 
sensações, percepções, emoções e corpos, de forma tal que vira uma 
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necessidade inerente a atitude do adulto que atua como cuidador e educador 
das crianças. Quando há consciência de que o brincar é essencial para que a 
criança se expresse, aprenda, socialize e descubra o mundo; quando há 
consciência de que o brincar é um canal de atenção, presença e conexão 
fora e dentro de cada um; quando há consciência de que o brincar é o 
alavancador dos potenciais e possibilidades individuais de cada criança e 
adulto, não há um tempo ou um espaço limitados para o brincar, mas este 
brincar acaba virando uma atitude, permeia em todas as atividades e 
propostas dentro dos centros de educação infantil. 
Vivemos tempos complexos em que o acúmulo de teorias, pesquisas e 
informações que recebemos mistura-se com crianças reais que nem sempre 
acompanham aquelas das teorias. Crianças que hoje estão extremamente 
estimuladas e bombardeadas por imagens virtuais, eletrônicas e um enorme 
apelo ao consumo, vivendo, paralelamente, enormes carências de afeto, 
tempo, espaço e oportunidades de SER. 
Vivemos tempos complexos nos quais as leis sugerem levar o brincar, a 
música, o movimento, a arte para o cotidiano da sala de aula. Mas na 
prática, no dia a dia, há muitas dúvidas de COMO, QUANDO, ONDE isto 
efetivamente é possível. As pressões são inúmeras e ficamos, em muitos 
momentos, desnorteados. 
Frente a tantas contradições, informações e hesitações, seguem algumas 
sugestões, não somente da evidência, já histórica, científica, psicológica e 
pedagógica da importância que o brincar tem para a vida e 
desenvolvimento das crianças, mas de como o brincar pode conquistar seu 
espaço no cotidiano escolar. 
Maria Clara: Onde encontrar mais informações teóricas a respeito? 
www.nepsid.com.br 
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O brincar é uma das linguagens essenciais das crianças, refletida nas suas 
brincadeiras, nas suas expressões lúdicas plásticas, nas suas expressões 
corporais, musicais, lingüísticas, gestuais, etc. 
Para poder dar tempo e espaço para o brincar criativo – que inclui 
brincadeiras, manuseio de materiais, objetos e brinquedos diversos; contato 
com sons, ritmos, instrumentos musicais, canções; expressão corporal, 
gestual e diversidade de movimentos; experiências com diversas técnicas e 
expressões plásticas, entre tantos outros caminhos lúdicos – é premente 
criar estes tempos e espaços na vida de cada adulto que trabalha junto às 
crianças. Conseqüentemente, ele abrirá esse espaço para que o brincar seja 
o protagonista no cotidiano dos centros de educação infantil. 
 
O que é brincar – o fenômeno lúdico 
‘A criança está falando, escrevendo com seu corpo uma melodia. 
Com seu gesto, sua mão, seu olhar e seu sorriso 
imprimindo a pegada do seu coração. 
Como nós, adultos, quando dançamos, 
pois a palavra consegue dizer com o coração, 
sem pensar, só dizer’. 
 Adriana Friedmann 
O lúdico visto como um fenômeno, do latim phaenomenon, significa 
‘aparição, coisa que aparece’. Fenômeno é tudo o que se observa na 
natureza. Interessante notar que, desde os primórdios dos tempos, este 
fenômeno lúdico tem ‘falado’ por si mesmo, de forma não verbal, mas 
expressiva, através dos seus gestos próprios: singulares e únicos de cada 
brincadeira, de cada jogo e em cada grupo. Este fenômeno tem se 
movimentado de forma autônoma penetrando diferentes grupos culturais. 
O fenômeno lúdico comporta na sua essência, elementos concretos e 
elementos abstratos. 
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Elementos concretos: 
• Estrutura: Diz respeito à forma: 
- Tempo – começo, meio e fim, onde o que interessa para a criança é muito 
mais o processo da brincadeira do que seu fim. Às vezes interrompemos a 
brincadeira no meio – ‘está na hora de ir embora, vamos guardar os 
materiais’, etc. – sem nem sequer nos determos na essência do que a 
criança está vivenciando no seu brincar. 
- Espaço (Contexto) – grande parte das vezes é o espaço, o entorno que 
determina como a criança brinca, com quem, do que e como. O espaço é a 
porta de entrada do brincar. 
- Protagonistas – quem brinca - crianças com outras crianças, crianças com 
adultos, crianças com a natureza, crianças com objetos, crianças com 
amigos invisíveis, crianças sozinhas – e tantas outras possibilidades. 
- Objetos, materiais – são as pontes para a brincadeira, os desafios, os 
mensageiros das diversas culturas, adentrando diversas vidas de criança, 
com suas mensagens, com suas regras, com suas possibilidades, com suas 
limitações. 
- Regras – sejam impostas pelo tempo, pelo próprio material, pela história 
daquela atividade, pelo grupo, todas elas dizem de quem brinca, dos seus 
valores, das suas prioridades. 
CABO DE AÇO 
‘Faz um risco no chão que divide os grupos. O número de participantes deve ser igual 
dos dois lados. Cada grupo puxa o cabo tentando fazer o adversário pisar na linha 
central. Quando isso acontecer o time que pisou perde’.(Brincadeira narrada por 
Paulo de 12 anos de Cuiabá, Mato Grosso, 2009) 
 
• Narrativa, trama: Conteúdos 
URU XY 
‘Um participante faz o papel de onça, um é o "uru xy" (deve cuidar das galinhas) os 
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demais são os pintinhos. No chão são feitas duas linhas, uma de cada lado. A onça fica 
no meio, as galinhas de um lado e o "uru xy" de outro. O "uru xy" deve correr até o 
lado das galinhas, e chamá-las para o seu lado, sempre tomando cuidado para não ser 
pego. Se a onça pegar alguém, o "uru xy" perde ponto. Se a onça pegar todas as 
galinhas, no final, deve tentar pegar o "uru xy". Ganha quem ficar com mais galinhas: 
a onça ou o "uru xy"’.(Brincadeira de pegar de comunidade indígena de São Paulo, 
narrada por Werá, menino de 11 anos da aldeia, Tenonde Porã, - 2009) 
 Os conteúdos são os que nos levam a adentrar valores de cada cultura 
infantil, adentrar seus cotidianos, seus personagens, seus mitos, suas 
histórias. Na transmissão oral ainda está o berço dos valores culturais dos 
diversos povos e grupos. Grande parte desta riqueza não está inscrita em 
nenhum livro, mas nos muitos cotidianos brincantes através dos seus atores 
principais: as crianças. Elas possuem um repertório, um conhecimento que 
perpassa bancos escolares, enciclopédias ou computadores. 
Maria Clara: Onde encontrar narrativas de crianças das brincadeiras de hoje nas 
diversas regiões do Brasil? 
No MAPA DO BRINCAR que levantou mais de 10.000 brincadeiras pelo país todo 
em 2009 http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/mapadobrincar/Elementos abstratos: 
‘ Faça uma roda, uma pessoa é escolhida para ser a lagarta e ficará no meio da roda. 
Todos cantam: “O príncipe está lá dentro e as crianças estão lá fora. 
Oh! “Lagarta tá espichada com a boca do jacaré.” Quem está no meio da roda escolhe 
uma pessoa e juntos dançam um na frente do outro jogando os pés para frente quando 
cantar essa parte: "Oh! Lagarta tá espichada com a boca do jacaré." 
Quem foi escolhido vai para o meio da roda e a brincadeira continua’. 
(Araçuaí – MG – menina 11 anos – A lagarta). 
 
• Características: sacralidade, ritmo, harmonia, lógica interna, caos, sentido 
próprio, influências inconscientes, mistério. 
http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/mapadobrincar/
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 No exemplo da brincadeira acima relatada temos a roda, mandala que, além 
do seu simbolismo arquetípico de totalidade, oportuniza a igualdade de 
posições e de papéis. Ela tem um ritmo próprio dado pelos seus membros e 
pela música que a acompanha. 
• Atitudes, comportamentos 
 Rodar, cantar, dançar, escolher, fazem parte da regra. Acertar o passo e a 
hora certa de entrar, hesitar, imitar ou as inúmeras reações que podem 
decorrer nesta singela brincadeira de roda. 
• Climas quentes de acolhimento, frios de rejeição, tensos, etc. 
 Estes climas fazem parte de cada brincadeira e só estando dentro para, 
talvez, chegar a percebê-los. São os não ditos, sentidos, intuídos e, talvez, 
passíveis de serem observados ou adivinhados. 
• Potenciais: (os‘bastidores’) de desenvolvimento integral, de aprendizagens 
diversas, de trocas, etc. 
 Nesta roda há muitas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagens 
como coordenação, ritmo, ginga, atenção, conhecimento da música e talvez 
do significado do seu conteúdo, esperar a vez, entrar no ritmo do grupo. 
• Espírito: vontade, motivação, tensões, prazer, dificuldades, limites, 
liberdade, espontaneidade. 
 Todos estes elementos podem ser observados e sentidos estando muito 
próximos das crianças que estão envolvidas na brincadeira. 
• Mensagens - simbolismo, significação 
 Estas são as características mais desafiadoras para nós, que pertencemos a 
uma cultura do 'literal': é o desafio do aprofundamento. 
 
 
 
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O DESAFIO DE LEVAR O BRINCAR PARA O COTIDIANO DA SALA 
DE AULA 
Não há um modelo fechado do brincar para o desenvolvimento da criança, 
mas sim situações mais espontâneas e situações direcionadas. A situação 
espontânea é um momento em que o educador tem a oportunidade de 
registrar reações, de perceber os potenciais das crianças, seus interesses, 
suas necessidades. O interessante é chegar a um equilíbrio entre as duas 
situações e sempre levar em conta a adequação das brincadeiras, conforme 
o estágio de desenvolvimento de cada grupo de crianças, interesses, 
necessidades e potenciais das mesmas. Conhecer como se dá esse processo 
de desenvolvimento cognitivo, emocional e físico é muito importante para 
adequar as propostas. 
Para pensarmos em como organizar um dia escolar é fundamental partir da 
necessidade da criança brincar e ter tempo livre para as suas atividades. A 
brincadeira e os jogos livres, espontâneos são um objetivo em si mesmos 
para o desenvolvimento das crianças. Mas o educador pode também utilizar 
o lúdico (a brincadeira, o jogo, os materiais e brinquedos) como um 
possibilidade para o ensino de diversos conteúdos, atitudes e valores, 
através de brincadeiras e jogos direcionados ou estruturados. Como forma 
de motivar as crianças nos diversos conteúdos, é estimulante a atitude 
lúdica do educador. 
Se formos quantificar o quanto de carga horária ocupa no cotidiano escolar 
cada conteúdo, qual seria o lugar que o lúdico ocuparia? Seria possível, 
através de atividades criativas, brincadeiras, jogos e trabalhos práticos, 
trazer a ludicidade para o ensino da língua portuguesa (através do teatro ou 
dos jogos de papéis); da matemática, através de jogos e brincadeiras; das 
artes, através da criatividade, manuseio de diversas técnicas e materiais e 
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dos jogos de construção; do movimento, focando nas brincadeiras e jogos 
sensório-motores e brincadeiras físicas com regras. 
 
Formas lúdicas 
Como a criança brinca desde o seu nascimento até os 6, 7 anos? Piaget foi e 
continua sendo o grande referencial neste quesito mas sua teoria precisa 
dialogar com as crianças reais respeitando a sua diversidade cultural. Todas 
as formas lúdicas acontecem em algum momento no desenvolvimento do 
ser humano, porém, o momento, a idade ou a especificidade variam 
conforme a criança, o grupo e os materiais e atividades disponíveis. 
Vejamos as quatro formas lúdicas: 
a) Desde o nascimento até, aproximadamente o aparecimento da linguagem 
verbal, por volta de um e meio a dois anos, o JOGO DE EXERCÍCIO 
caracteriza este período, sendo o egocentrismo traço marcante. Os bebês 
experimentam e apreendem o mundo à sua volta, através dos seus sentidos. 
Na seleção de brinquedos e materiais são importantes as cores, tamanho, 
não toxicidade de tintas, materiais que não machuquem, materiais naturais. 
b) Entre os dois e 6,7 anos, o JOGO SIMBÓLICO - Faz-de-conta, Jogo de 
papéis - a imitação, é traço marcante deste período. Os brinquedos devem 
estimular a fantasia, a construção, a cognição e o movimento físico motor: 
bonecas, acessórios para construção de cenários, fantasias, blocos de 
encaixe, acessórios para brincadeiras, darão o tom às propostas e devem 
respeitar o interesse, necessidades, potenciais e a cultura local. 
É também característica deste período o JOGO DE CONSTRUÇÃO, no 
qual a criança faz uso desde materiais concretos até conceitos abstratos. A 
Construção e a desconstrução permeiam as ações das crianças. Importante 
dar especial atenção aos brinquedos escolhidos, pois as crianças,‘pequenos 
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cientistas’, gostam de desmontar, descobrir o que tem por dentro de cada 
objeto, material ou brinquedo. 
c) A partir dos sete anos, surgem os JOGOS DE REGRAS 
Com relação à escolha dos brinquedos e materiais é importante levar em 
conta: a segurança, qualidade, quantidade, adequação, organização, 
cuidados, construção e reciclagem. 
 
Princípios lúdicos na educação infantil 
Para o professor de Educação Infantil é fundamental aprender e 
compreender os seguintes princípios do jogo de construção e do jogo de 
papéis: 
• Formação de grupos de brincadeiras pequenos. 
• Divisão da classe em pequenos cantos de jogo. 
• Ambientação das salas mais com cara de oficinas de experimentação do 
que salas tradicionais. 
• Sugestão de áreas externas como espaços de descoberta; 
• Disposição de materiais variados e inspiradores para criar diferentes formas 
e ambientes. 
• Postura dos adultos com um papel ativo, através da observação, do diálogo 
e do envolvimento no brincar. 
• Estímulo a brincadeiras de meninas, brincadeiras de meninos e brincadeiras 
de meninas com meninos. 
• Planejamento de uma estrutura lúdica organizando o ambiente para juntar 
diversos grupos de brincar em brincadeiras ou jogos mais complexos, 
através de um tema comum. 
A brincadeira livre, espontânea, o tempo livre da criança são importantes 
para o seu desenvolvimento e podem acontecer durante todo o período 
escolar. Nesse sentido é interessante observar e registrar a qualidade do 
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brincar do ponto de vista motor, social, emocional, estético, cognitivo, 
comunicativo, moral, espiritual; as diversas temáticas e comportamentos, 
interesses, habilidades e necessidades das crianças 
A brincadeira direcionada, que deve ser inspirada, a partir da observação 
dos interesses e necessidades de cada grupo, pode ser utilizada como 
método de trabalho, focando a aprendizagens centradas no lúdico: 
a) jogo de papéis dentro das práticas pedagógicas 
b) jogo de papéis como livre escolha que pode contribuir com conteúdos de 
ciências, linguagem, ciências sociais, matemáticas, artes e trabalhos 
manuais. 
c) jogode papéis para trabalhar a socialização, atitudes, valores, entre outros. 
Maria Clara: Onde posso ter mais orientações à respeito da observação do brincar? 
No livro ‘O brincar no cotidiano da criança’ – Adriana Friedmann (vide Bibliografia) 
 
Aspectos culturais do brincar 
Na cultura do brincar existe: 
> uma cultura coletiva pré-estabelecida a cada geração, em cada nação ou, 
dependendo do âmbito geográfico, das influências da mídia, do sistema 
sócio-econômico, da história ou dos que fazem a história daquela 
comunidade (brinquedos tradicionais, industrializados, artesanais, 
educacionais, jogos, etc.) 
> uma cultura do brincar que vai se fazendo em grupos nos quais, ao 
mesmo tempo, a individualidade de cada um é respeitada e assim 
oferecidos espaços para a expressão da mesma, para ensinar, multiplicar 
junto a outros, o jeito de brincar de cada um, o brinquedo criado, a 
brincadeira adaptada. 
Hoje, podemos dizer que temos uma multiculturalidade no brincar, imensa 
riqueza de possibilidades: as crianças têm se apropriado de uma liberdade 
para criar seu próprio repertório, vocabulário e brincadeiras, novidades para 
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nós, através da qual elas incorporam elementos de outras culturas, de outras 
línguas, da tecnologia moderna, elementos de mistério, incorporam objetos 
e personagens dos seus cotidianos, animais, comidas, ações e personagens 
agressivos, sexualidade, ironias, etc. 
Alguns naturalistas dizem que o ser humano nasce sabendo brincar: 
Schiller [Friedrich Schiller], filósofo alemão, dizia que o ser humano 
somente é humano quando brinca e é humano porque brinca. Tem outra 
linha de pensamento, que afirma que o ser humano aprende a brincar. Seria 
interessante um diálogo entre as duas tendências e refletirmos se, tanto o 
ser humano já nasce com este potencial do lúdico, do brincar e da 
brincadeira, quanto ele também aprende a brincar. Por exemplo, o bebê 
chega ao mundo e o primeiro grande brinquedo é o próprio corpo e o corpo 
da mãe. Ele já nasce com esse instinto lúdico. Mas é claro que, para a 
criança manipular objetos, brincar e dar um sentido a essas brincadeiras, 
muita coisa precisa ser aprendida. 
Se há algo que todas as crianças do mundo e de todas as épocas têm em 
comum, é terem, em maior ou menor medida, brincado. Assim, se 
entrarmos neste universo do brincar, além das variadas teorias existente à 
respeito vamos também a descobrir quem são as crianças de hoje e o que 
elas nos falam através das suas ‘falas lúdicas’. 
Como é possível esses ‘brincares’ acontecerem no mundo inteiro, 
atravessando gerações e gerações? É um fenômeno muito interessante 
porque faz parte do ser humano, das culturas locais e existe no mundo 
globalizado. Acontece uma situação similar à que acontece com os contos e 
os mitos que têm sido transmitidos de uma geração à outra através dos 
tempos e perpassam livros e manuais. Foi criado em Belgrado, na década 
de 1970, um projeto universal para o registro das brincadeiras tradicionais, 
para que elas não fossem perdidas na era da tecnologia. Mas a amarelinha 
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continua sendo a amarelinha, a pipa continua sendo a pipa... ela pode 
funcionar com diferentes materiais, mas o que é importante é a 12déia de 
que a pipa tem que voar. O registro das brincadeiras populares é um 
documento importante e, ao mesmo, dúbio porque o que interessa é que as 
crianças brinquem. Mas por ser é um patrimônio da humanidade, seu 
registro precisa existir de qualquer forma. 
A urbanização e a vida na cidade afetaram muito a forma de brincar dos 
pequenos, não necessariamente pelos tipos de brinquedos, mas sim pelo 
fato da criança estar mais solitária e reprimida nas suas brincadeiras, 
porque tem menos tempo para brincar ou está ocupada com outras 
atividades. Atualmente, o mercado de brinquedos e a propaganda, 
principalmente televisiva, têm feito uma pressão tamanha, incentivando o 
consumo infantil, de tal forma que existe hoje uma oferta tão grande, que é 
possível comprar um carrinho na padaria até ir à uma loja e adquirir 
brinquedos mais caros. Contudo, isso não satisfaz uma carência mais 
profunda que é causada pela ausência dos pais. Estes, por sua vez, que 
costumam ter um ritmo acelerado de vida, acabam mitigando um pouco a 
culpa por não estar junto dos filhos comprando mais e mais brinquedos. 
Hoje, as crianças não têm mais data fixa para ganhar presentes, como no 
Aniversário, no Natal ou no Dia das Crianças, fato constante nas suas 
vidas. É importante apontar que esses brinquedos servem muito mais como 
um meio de comunicação entre as crianças e com os adultos, colocando 
neles, de forma inconsciente, suas angustias e outras emoções. Os pais, 
também, acabam querendo suprir carências, como quando mandam o filho 
para uma colônia de férias, estipulam que o final de semana é tempo de 
brincar com os amigos ou marcam um determinado mês para as férias. Há 
também muito menos espaços para brincadeiras entre os colegas nas ruas e 
praças. As crianças que moram em condomínios, até possuem espaços de 
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trocas coletivos mas, mesmo assim, existe um medo dos pais, em qualquer 
faixa sócio-econômica, de que a criança não esteja protegida o suficiente 
seja onde ela estiver. 
Maria Clara: Encontrei alguns sites com entrevistas, projetos de lei e artigos que 
ajudam na reflexão a este respeito 
ALIANÇA PELA INFÂNCIA - http://www.aliancapelainfancia.org.br/ 
INSTITUTO ALANA - http://www.alana.org.br/Default.aspx 
Nas últimas três décadas temos falado, em um tom de saudosismo, “vamos 
resgatar as brincadeiras tradicionais”, porque ficamos um pouco assustados 
com essa invasão dos eletrônicos, da TV, dos videogames, e há um 
movimento de levar para as crianças brincadeiras populares. Está na hora 
de conhecermos do que as crianças estão brincando, e nós adultos 
precisamos aceitar e mergulhar nesse universo que não conhecemos. 
Vamos prestar atenção ao que as crianças estão dizendo e pedindo e não 
ficarmos somente presos àquilo que nós julgamos importante ensiná-las. As 
crianças estão muito criativas e inventam nomes para as brincadeiras: 
juntam brincadeiras que conhecem, que aprenderam e as recriam, re-
significam: adaptam as temáticas das suas vidas às brincadeiras que 
inventam e trazem assim, perfis das pessoas que estão a sua volta e um 
pouco da cultura delas: elas têm criado novos repertórios. As crianças estão 
brincando e dando ‘personalidade’ às brincadeiras, personalidade das 
culturas locais, influenciadas pela cultura global. Nós temos a tendência de 
achar que, se não ensinarmos a brincar, as crianças não brincam; se não 
dermos o material, elas não acham. E não é assim: o grande tema dessa 
geração é criatividade. E é importante considerar que os repertórios não se 
originam unicamente na escola, mas também nas comunidades, nos bairros, 
nas famílias e sob influência da mídia, da tecnologia e do mercado. 
Nas comunidades ribeirinhas, onde as crianças pegam galhos de árvore, 
fazem um pião e o pião se perde na mata, e no dia seguinte começa tudo de 
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novo. Não têm o mesmo apego que as crianças da cultura dita ‘civilizada’, 
de que aquilo é um tesouro. Mas é um tesouro que está imbuído de um 
significado mais profundo. Não é somente o de ter aquele objeto, mas de 
que naquele momento a mãe deu atenção porque comprou. Quando vemos 
a criança brincar com armas ou de forma que podem nos parecer violentas, 
ela está expressando uma coisa muito profunda dela. É uma angústia para o 
adulto ver aquilo. 
 
Ludicidade, imaginação e fantasia 
É chegada a hora de nós adultos mergulharmos no mundo das crianças: elas 
entram em um universo de fantasia que não é mais aquela que vivenciamos 
na nossa infância, mas que tem coisas interessantes e positivas. As crianças 
têm regras próprias, valores próprios e, é claro que nós precisamos ensinar, 
mas também temos que aprender com eles. Estamos em um momento dotrabalho com a infância em que precisamos ouvir as crianças a partir da 
suas linguagens. 
Para ouvi-las e conhecê-las na sua ludicidade e imaginação, é importante: 
- propiciar e estimular a criança a escolher de forma autônoma dentre 
diversas atividades disponíveis a cada dia ou a cada semana, criando 
ambientes adequados e estimulantes aos objetivos do educador. 
- observar e registrar as manifestações do JOGO, da expressão 
ARTÍSTICA, do MOVIMENTO, da expressão MUSICAL, as reações e 
interações, os apegos, as escolhas de brinquedos, objetos, materiais, 
atividades e parceiros 
- introduzir na vida delas brincadeiras e atividades lúdicas e criativas que, 
além de trazer seus próprios repertórios para serem vivenciados e 
compreendidos, as introduzam nos valores e conhecimentos do mundo, 
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instigando sua curiosidade e dando-lhes espaços para suas expressões 
individuais de sentimentos, emoções, pensamentos e valores. 
 
Sugestões de leitura 
• BROUGÈRE, G. – Brinquedo e Cultura – São Paulo: Cortez, 1995 
• COHN, C. – Antropologia da criança – Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 
2005 
• FRIEDMANN, Adriana - “O brincar no cotidiano da criança” – 2006 
– Moderna. 
- “O desenvolvimento da criança através do 
brincar” – 2006 – Moderna. 
- “O universo simbólico da criança – 
olhares sensíveis para a infância” – 2005 - Vozes 
- "A arte de brincar" - 2004 – Vozes 
• MALTA CAMPOS, M. & VIEIRA CRUZ, S. H. - Consulta sobre 
Qualidade da Educação Infantil: o que pensam e querem os sujeitos 
deste direito – São Paulo: Cortez, 2006 
• MEIRELLES, R. – Águas infantis : um encontro com brinquedos e 
brincadeiras da Amazônia – São Paulo: Tese de mestrado, 2007 
• NUNES, A. – Brincando de ser criança – contribuições da etnologia 
indígena brasileira à antropologia da infância – Portugal: Tese de 
Doutoramento, 2003 
 
 
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