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Trabalho Raposo Serra do Sol

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL – UDF
Departamento de Ciências Humanas e Sociais – Direito
um estudo sobre a Ação Civil pública n° 3.388-4: o Caso da terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Professora: Cristina Aguiar Ferreira da Silva
Equipe: 
· Andréa Cangussú André - RGM: 1422379479
· Rutiele de Castro Pereira - RGM: 16539338
· Tatiana Nepomuceno RGM: 16423496
· Thainá Spindola: Thainá Spindola
· Isabelly Alves Barbosa RGM 16316363
· Ramiro P. R. de Carvalho – RGM: 1331191
· Rutiele de Castro Pereira - RGM: 16539338
· Lucilaine de Lima Lopes – RGM: 15562719
Brasília, 2019
INTRODUÇÃO:
Neste trabalho foi realizado um estudo sobre a Ação Civil Pública n° 3.388-4/RR, o famoso caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, apresentando os argumentos levantados na referida ação, o voto preponderante e o voto divergente, e suas respectivas fundamentações, dos ministros no Supremo Tribunal Federal (STF). Bem como, uma análise da repercussão social da decisão do STF e o impacto nas demais demarcações de terras indígenas no país.
A terra indígena Raposa Serra do Sol está localizada no Estado de Roraima, com extensão territorial de 1.747.464 de hectares e ocupada por indígenas das etnias Macuxi, Ingariko, Taurepang e Wapixana.
A Ação Civil Pública nº 3.388-4 é uma Ação Popular contra a União, ajuizada 20 de maio de 2005, de autoria do Senador Augusto Affonso Botelho Neto (PDT - RR), assistido pelo Senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti (RR), na qual a inicial pedi a impugnação do modelo contínuo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, com pedido de suspenção liminar dos efeitos da Portaria nº 534 de 2005 do Ministério da Justiça e do Decreto Homologatório de 15 abril de 2005 da Presidência da República, bem como a declaração de nulidade dos mesmos.
O autor da referida a Ação Popular sustentou que a Portaria nº 534/2005 repetiu os vícios da Portaria nº 820 de 1998, vícios que remontam ao processo administrativo de demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol, alegou que não foram ouvidas todas as pessoas e entidades envolvidas na controvérsia e que o laudo antropológico foi assinado apenas por uma profissional, Dra. Maria Guimar Melo, o que seria prova de uma presumida parcialidade no processo de demarcação. O requerente alegou que a demarcação em área contínua traria consequências desastrosas nas áreas comercial, econômica e social para o Estado de Roraima e que iria comprometer a segurança e a soberania nacionais, além de trazer prejuízos para os “não-índios” que habitam a região há muitos anos.
O autor popular ainda argumenta que haveria desequilíbrio ao Pacto Federativo, tendo em vista que a área demarcada ao passar para o domínio da União mutilaria parte significativa território do Estado de Roraima, e ainda ofenderia o Princípio da Razoabilidade ao privilegiar a tutela dos indígenas em detrimento da livre iniciativa.
No outro polo da Ação Civil Pública n° 3.388-4/RR, a União, representada pelo Advogado da Geral da União José Dias Toffolli, por sua vez, afirma que “não é o procedimento demarcatório que cria uma posse imemorial, um habitat indígena". Ou seja, a demarcação "somente delimita a área indígena de ocupação tradicional, por inafastáveis mandamentos constitucionais e legais”.
A ré ainda argumenta que não há lesão ao patrimônio público, que o autor da ação não comprovou os vícios apresentados na inicial e que diferença de 6.664 hectares detectada na área de demarcação entre a Portaria nº 820/1998 e a Portaria nº 534/2005 é perfeitamente comum nas demarcações.
A Procuradoria Geral da República se manifestou no processo e apresentou parecer pela improcedência da ação.
No dia 27 de agosto de 2008, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do processo envolvendo a desocupação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) por não índios. A análise da Petição (PET) nº 3.388/2005, relatada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, foi concluída em 19 de março de 2009, quando a Corte confirmou a demarcação integral da área, com 1.747.464 hectares.
A decisão implicou a saída de todos os não índios do local, confirmando o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, dos direitos territoriais históricos dos povos indígenas que habitam a área, por agora e para o futuro.
1. da Demarcação e a posse das terras indígenas
Nos termos do artigo 231, caput, da Constituição Federal, é de competência da União realizar a demarcação das terras tradicionalmente ocupada pelos indígenas no Brasil, vejamos:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 2017).[footnoteRef:1] [1: BRASIL.[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal [2017]. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/CON1988.asp] 
A demarcação das terras indígenas é feira por procedimento administrativo próprio, no qual cada etapa é um ato administrativo federal. O processo de demarcação das terras indígenas está regulamentado pelo Decreto nº 1.775 de 8 de janeiro de 1996, que delimita as seguintes etapas:
A. Identificação e delimitação antropológica da área tradicionalmente ocupada por comunidades indígenas. 
Nessa etapa, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) constitui o Grupo de Técnico (GT), por meio de Portaria, que será coordenado por um Antropólogo e composto por demais profissionais. O GT fará a colheita de provas da ocupação tradicionalmente indígena para os estudos antropológicos, sociológicos, fundiários, ambientais, cartográficos e jurídicos da área ocupada pelas comunidades indígenas.
Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.
§ 1° O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.
§ 2º O levantamento fundiário de que trata o parágrafo anterior, será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contados da data do recebimento da solicitação do órgão federal de assistência ao índio.
§ 3° O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias, participará do procedimento em todas as suas fases.
§ 4° O grupo técnico solicitará, quando for o caso, a colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos de que trata este artigo.
§ 5º No prazo de trinta dias contados da data da publicação do ato que constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito de suas competências, e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área objeto da identificação. (BRASIL, 2019 ).[footnoteRef:2] [2: BRASIL. Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm Acessado em: 18 nov. 2019.] 
No processo de demarcação da Terra Indígena Serra do Sol, o Grupo Técnico foi composto por um Antropólogo, um Geógrafo, um Pedólogo, um Economista e um Especialista em Relações Internacionais.
Concluídos os estudos de identificação e delimitação, a FUNAI publicará o Relatório de Identificação, acompanhado doMemorial Descritivo, do Plano de Delimitação e Mapa da terra indígena a ser demarcada no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde localiza a área a sob demarcação, bem como deverá ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.
Após a Publicação será aberto o prazo de 90 (noventa) dias para contestação de Estados e municípios, em que se localize a área sob demarcação, e demais interessados sobre a demarcação. Caso haja Contestação, a FUNAI deve apresentar parecer referente à contestação e remeter o processo administrativo para decisão do Ministério da Justiça.
§ 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.
§ 9° Nos sessenta dias subseqüentes ao encerramento do prazo de que trata o parágrafo anterior, o órgão federal de assistência ao índio encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro de Estado da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas. (BRASIL, 2019)[footnoteRef:3] [3: BRASIL. Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm Acessado em: 18 nov. 2019.] 
B. Declaração de ocupação e posse permanente
Compete ao Ministério da Justiça, por meio de Portaria, declarar a demarcação e a posse permanente da terra indígena, delimitando seus limites territoriais, ou seja, será feita a declaração de ocupação tradicional indígena. 
§ 10. Em até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:
I - declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação;
II - prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias;
III - desaprovando a identificação e retornando os autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes. (BRASIL, 2019)[footnoteRef:4] [4: BRASIL. Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm Acessado em: 18 nov. 2019.] 
O artigo 2º, inciso IX, da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, a chamada “Lei do Índio”, garante os indígenas a posse permanente das terras que ocupam tradicionalmente, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes.
Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:
(...)
IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes; (BRASIL, 2019).[footnoteRef:5] [5: BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF. Presidência da República. [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm. Acessado em 18 nov. 2019.] 
A referida previsão legal encontra salvaguarda no artigo 231, § 2º, da Constituição Federal, que garante aos indígenas a posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. [footnoteRef:6] [6: BRASIL.[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal [2017]. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/CON1988.asp] 
Cabe ressaltar, que a posse reconhecida aos povos indígenas não tem qualquer relação com a posse de natureza civil. A posse indígena, garantida pela Carta Magna, não está ligada simplesmente à ocupação e exploração da terra, tal como ocorre com a posse civil, mas está ligada à sobrevivência física e cultural dos povos indígenas no Brasil. 
Vejamos os ensinamentos de José Afonso da Silva sobre o tema: 
A posse das terras ocupadas tradicionalmente pelos índios não é simples posse regulada pelo direito civil; não é a posse como simples poder de fato sobre a coisa, para sua guarda e uso, com ou sem ânimo de tê-la como própria. É, em substância, aquela 'possessio ab origine' que, no início, para os romanos, estava na consciência do antigo povo, e era não a relação material de homem com a coisa, mas um poder, um senhorio. Por isso é que João Mendes Júnior lembrou que a relação do indígena com suas terras não era apenas um 'ius possessionis', mas também um 'ius possidendi', porque ela revela também o direito que têm seus titulares de possuir a coisa, com o caráter de relação jurídica legítima e utilização imediata. Podemos dizer que é uma posse como habitat no sentido visto antes. Essa idéia está consagrada na Constituição, quando considera as terras habitadas, segundo os usos, costumes e tradições dos índios. Daí a idéia essencial de permanência, explicitada pela norma constitucional. Quando a Constituição declara que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam a sua posse permanente, isso não significa um pressuposto do passado como ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis e indisponíveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat. Se se destinam (destinar significa apontar para o futuro) à posse permanente é porque um direito sobre elas preexiste à posse mesma, e é direito originário já mencionado. O reconhecimento do direito dos índios ou comunidades indígenas à posse permanente das terras por eles ocupadas, nos termos do art. 231, § 2º, independe de sua demarcação, e cabe ser assegurada pelo órgão federal competente, atendendo à situação atual e ao consenso histórico. (DA SILVA, 2005)[footnoteRef:7] [7: DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 858-859.] 
Nesse sentido, podemos dizer que os indígenas possuem direito à posse de todas as terras que constituam o seu habitat natural, ou seja aquelas necessária à sua sobrevivência física e desenvolvimento cultural. 
As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, aquelas sobre as quais estes possuem direito de posse permanente e usufruto, exclusivo, das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, são definidas pela Carta Magna brasileira como: “as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. (BRASIL, 2017)[footnoteRef:8] [8: BRASIL.[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal [2017]. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/CON1988.asp] 
   Por fim, cabe salientar que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. (BRASIL, 2017)[footnoteRef:9] [9: BRASIL.[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa doBrasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal [2017]. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/CON1988.asp] 
C. Demarcação Física.
Nessa etapa do processo de demarcação são feitos os assentamentos físicos dos limites da área demarcada, com a colocação de marcos físicos e placas sinalizadoras nos pontos geodésicos indicados pela portaria do Ministério da Justiça, ou seja, é a demarcação propriamente dita.
D. Homologação da demarcação da terra indígena.
A homologação é a aprovação final da demarcação da terra indígena, que deverá ser feita por meio de Decreto da Presidência da República, nos termos do artigo 5º do Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. (Brasil, 2019)[footnoteRef:10] [10: BRASIL. Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm Acessado em: 18 nov. 2019.
] 
E. Registo no Cartório de Imóvel
Após a publicação do Decreto de Homologação, a FUNAI procederá o registro da terra indígena no Cartório de Registro de Imóvel da Comarca de situação da respectiva terra indígena e na Secretaria de Patrimônio da União, de acordo com o artigo 6 do Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. (BRASIL,2019)
Art. 6° Em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda. (BRASIL, 2019)[footnoteRef:11] [11: BRASIL. Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm Acessado em: 18 nov. 2019.
] 
2. Histórico sobre a demarcação da terra indígena raposa serra do sol.
Desde o início do século XX, a terra indígena Raposa Serra do Sol já havia sido destinada aos indígenas que lá habitavam, mas somente no ano de 1970 a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) começou os esforços para a demarcação, que perdurou por duas décadas pois não ocupavam somente indígenas na terra.
Em 21 de outubro de 1977, através da Portaria nº 550/P, foi feito um estudo onde apontou na época mais de 60 comunidades tradicionais, com aproximadamente 10 mil indígenas e limitaram a terra em 1.332.110 hectares.
Somente no ano de 1992, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) criou um grupo para mapiar a Terra Indígena, que dessa fez totalizou 1.678.800 hectares, parecer este que foi aprovado e publicado no Diário Oficial da União em 21 de maio de 1993.
Em 1998, o Ministério da Justiça publica a Portaria nº 820 de 11/12/1998, que declarou como de posse permanente indígena a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com superfície aproximada de 1.678.800 hectares e perímetro de 1.000 km. A partir de então, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) iniciaram o levantamento das benfeitorias realizadas pelos ocupantes da região.
Em 1999, a homologação da Raposa Serra do Sol passou a ser alvo de contestação judicial entre o Estado de Roraima e a União. O Ministério Público Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que se declarasse competente para julgar as ações de fazendeiros locais contra a portaria 820/98, que declarava a posse definitiva da reserva indígena.
Em 2005, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto que homologa de forma contínua a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O reconhecimento desta terra foi uma reivindicação histórica dos indígenas da região – das etnias macuxi, wapixana, ingarikó, taurepang e patamona. No mês de abril, do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu todas as ações que contestavam a demarcação das terras da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Um arrozeiro chegou a ser condenado a 12 meses de prisão por agredir um Oficial de Justiça encarregado de citá-lo em processo de desocupação de área indígena.
Em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, por unanimidade, decreto sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
Em junho de 2007, o STF determinou a desocupação da reserva indígena Raposa Serra do Sol por parte dos não-índios. Em setembro, chefes indígenas da reserva Raposa Serra do Sol e representantes do Governo federal assinaram carta-compromisso para evitar conflitos na região. No documento, os representantes indígenas das cinco etnias que vivem na reserva afirmaram que não querem mais se envolver nos conflitos pela retirada dos não-índios que ainda permanecem no local. No final do ano, os rizicultores pediram ao Ministério da Justiça que esperasse a colheita da safra do arroz para deixarem a terra indígena. No entanto, após a safra, eles não se retiraram. Foram negadas duas liminares que pediam a suspensão da portaria que demarca terra indígena.
O INCRA começa o reassentamento dos não-índios da reserva. O órgão pretende reassentar 180 famílias, das quais 130 requerem lotes de 100 a 500 hectares e as outras 50 reivindicam parcelas de até 100 hectares.
Em março de 2008, o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Souza, encaminhou recomendação ao Presidente e ao Ministro da Justiça para que promovam a imediata retirada dos ocupantes não-indígenas da área homologada. A recomendação foi enviada a pedido do Ministério Público Federal em Roraima. Em abril, o STF suspende qualquer operação para retirar os não-índios da reserva indígena Raposa Serra do Sol, impedindo que a Polícia Federal dê continuidade à Operação Upatakon. A decisão foi unânime e vale até que a Corte julgue o mérito das ações principais que versem sobre a demarcação da reserva indígena.
3. da competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (stf).
Nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “f”, da Carta Magna, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar as causas e conflitos entre a União e os Estados, vejamos:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I -  processar e julgar, originariamente:
(...)
f)  as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; (BRASIL,2017)[footnoteRef:12]. [12: BRASIL.[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal [2017]. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/CON1988.asp] 
No presente caso, da Reserva Raposa Serra do Sol, o conflito de interesse está entre o União e o Estado de Roraima, no qual a União busca demarcar as terras indígenas, passando-as para seu domínio, já o Estado de Roraima busca resguardar o patrimônio público roraimense.
A competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar a questão da nulidade do processo demarcatório da Reserva Raposa Serra do Sol foi fixada no julgamento da Reclamação nº 2.833-0/RR, da relatoria do ministro Carlos Ayres Britto.
Considerando a revogação da Portaria nº 820/98 e a edição da Portaria nº 534/05, a competência veio a ser novamente assentada no julgamento da Reclamação 3.331-7 RR, vejamos: 
RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA. PROCESSOS JUDICIAIS QUE IMPUGNAM A PORTARIA Nº 534/05, DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE DEMARCOU A RESERVA INDÍGENA DENOMINADA RAPOSA SERRA DO SOL, NO ESTADO DE RORAIMA.
Caso em que resta evidenciada a existência de litígio federativo em gravidade suficiente para atrair a competência desta Corte de Justiça (alínea "f" do inciso I do art. 102 da Lei Maior). Cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar ação popular em que os respectivos autores, com pretensão de resguardar o patrimônio público roraimense, postulam a declaração da invalidade da Portaria nº 534/05,do Ministério da Justiça. Também incumbe a esta colenda Corte apreciar todos os feitos processuais intimamente relacionados com a demarcação da referida reserva indígena. Reclamação procedente. (BRASIL,2006)[footnoteRef:13] [13: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Reclamação 3.331-7 RR. Ação Civil Pública. Constitucional. Relator: Min. Carlos Ayres Brito, 17 nov. 2006. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF. 18 de nov. 2006. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/docs/jurisprudencia-1/terras-indigenas/stf/Rcl_3.331-7-RR.pdf Acessado em: 17/11/2019.] 
4. Decisão preliminar e a inclusão de assistentes à ação civil pública nº 3.388-4/RR 
Inicialmente, a Ação Civil Pública nº 3.388-4 tinha em seu polo ativo o Senador Augusto Affonso Botelho Neto (PDT - RR), assistido pelo Senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti (RR), e no polo passivo a União.
No dia 05 de maio de 2008, após a instrução do processo, a FUNAI requereu seu ingresso no feito como juridicamente interessada, pela Petição 66.162, apresentando robustos documentos contendo processos administrativos, fotografias, mapas e relatórios, pugnando pela improcedência do pedido inicial. 
No dia 07 de maio de 2008, o Estado de Roraima requereu seu ingresso no feito na condição de autor, fazendo a defesa de seu patrimônio. Apresentando argumentos tais com: a inconstitucionalidade de Decreto nº 2291; a nulidade na ampliação da área indígena cuja demarcação demandaria feitura de lei; a impossibilidade de superposição de área indígenas e parques nacionais; a ofensa ao princípio da proporcionalidade; necessidade de audiência do Conselho Nacional; e a possibilidade de destituição de municípios e propriedade pela publicação de simples decreto presidencial. O Estado de Roraima pugnou pela procedência da inicial. 
Nesse mesmo intento demais interessados no feito ingressaram com petição para integrar os polos ativos e passivos da Ação Civil Pública 
Em audiência do pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 27 de agosto de 2008, o Tribunal, preliminarmente e por unanimidade, resolveu a questão de ordem, proposta pelo Relator Carlos Ayres Britto, admitindo o ingresso na lide do Estado de Roraima e de Lawrence Manly Harte, Olga Silva Fortes, Raimundo de Jesus Cardoso Sobrinho, Ivalcir Centenaro, Nelson Massami Itikawa, Genor Luiz Faccio, Luiz Afonso Faccio, Paulo Cezar Justo Quartiero, Itikawa Indústria e Comércio Ltda., Adolfo Esbell, Domício de Souza Cruz, Ernesto Francisco Hart, Jaqueline Magalhães Lima, e do espólio de Joaquim Ribeiro Peres, na condição de assistentes do autor popular, e da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, da Comunidade Indígena Socó e da Comunidade Indígena Barro, Comunidade Indígena Maturuca, Comunidade Indígena Jawari, Comunidade Indígena Tamanduá, Comunidade Indígena Jacarezinho e Comunidade Indígena Manalai, na posição de assistentes da União, todos eles recebendo o processo no estado em que se encontra.
5. voto relator o ministro carlos ayres britto
O relator anotou que o objeto desta ação foi a defesa do patrimônio público ou de entidade de que o poder público participe. Ele assentou que não é possível, em ação popular, o chamamento ao processo de pessoas que buscam a preservação de interesses privados.
Carlos Ayres Britto frisou que o estado de Roraima não praticou nenhum ato lesivo ao patrimônio público para comparecer na condição de litisconsorte passivo necessário, assim, lembrou que o Plenário ao analisar uma preliminar entendeu, por unanimidade, que a unidade federativa não poderia ser admitida na condição de autora, mas de assistente.
“A ação popular é dirigida contra a União, esta, sim, apontada como autora de ato lesivo ao patrimônio público, exatamente ao patrimônio de Roraima”, disse. Ele explicou que uma ação popular só pode ser promovida por cidadão, que deve provar sua cidadania apresentando título de eleitor.
Para Ayres Britto, não há vício formal nem no processo administrativo (demarcação) nem no processo judicial (PET 3388). “As partes e seus assistentes não experimentaram nenhum cerceio no plano do devido processo legal e da oportunidade do contraditório e da ampla defesa”, entendeu.
O ministro analisou que os laudos antropológicos deixaram claro que os índios das cinco etnias ocupavam as terras demarcadas como de usufruto exclusivo deles e, portanto, de propriedade da União. “Os índios estavam ali, segundo os laudos, nas imediações e não estavam em certas áreas hoje ocupadas por fazendeiros porque foram escorraçados, porque foram violentamente impedidos de materializar a sua ocupação tradicional”, disse o relator.
Por fim reafirmou que, para ele, o modelo de demarcação é o contínuo. “Não é o fracionado em ilhas, fatiado ou por poções, tipo queijo suíço em que os índios ficam com os buracos e os não índios, sobretudo os fazendeiros, ficam com o queijo propriamente dito”, concluiu.
6. voto vista do ministro menezes direito
Decisão: Após o voto-vista do Senhor Ministro Menezes Direito, que julgava parcialmente procedente a ação para que sejam observadas determinadas condições impostas pela disciplina constitucional ao usufruto dos índios sobre suas terras, nos termos de seu voto, o Tribunal, contra o voto do Senhor Ministro Celso de Mello, deliberou prosseguir no julgamento do processo, tendo em conta o pedido de vista formulado pelo Senhor Ministro Marco Aurélio. Em continuação ao julgamento, após o voto da Senhora Ministra Cármen Lúcia e dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e da Senhora Ministra Ellen Gracie, que julgavam parcialmente procedente a ação popular para que sejam observadas as mesmas condições constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, com ressalvas da Ministra Cármen Lúcia, quanto aos itens X, XVII e XVIII, e o voto do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, julgando-a improcedente, o Senhor Ministro Carlos Britto (Relator) reajustou o seu voto para também adotar as observações constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, com ressalvas em relação ao item IX, para excluir a expressão “em caráter apenas opinativo” e inserir a palavra “usos” antes da expressão “tradições e costumes dos indígenas”, e propôs a cassação da medida cautelar concedida na AC nº 2.009-3/RR, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Eros Grau, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Ricardo Lewandowski. Em seguida, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausente, ocasionalmente, na segunda parte da sessão, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 10.12.2008. 
7. voto preponderante e fundamentação – pela procedência parcial. 
8. voto divergente do voto do relator
O Ministro Marcos Aurélio votou pela anulação do processo administrativo.
Discorre sobre a ausência de citação do estado de Roraima e dos Municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia. Para ele, a citação das entidades representativas das cinco etnias existentes na reserva era necessária sob pena de nulidade do processo.
Afirma também, que o Ministério Público foi intimado quando já finda a instrução processual. Considerando a não participação de todos os interessados. Para ele, ficou demonstrada ofença ao contraditório e à ampla defesa.
" surge incontroversa a necessidade de consulta a todas as comunidades envolvidas na demarcação. O estágio de aculturamento talvez tenha avançado de tal maneira que não mais interessa o total isolamento do povo indígena, de forma a viabilizar a vida como em tempos ancestrais. Não cumprir o dever de consulta pode vir a provocar maior lesão aos direitos humanos, pois parte-se da premissa errônea de que todas as comunidades desejam o isolamento."
Sobre a soberania nacional demonstra sensibilidade ao dizer que " é preocupante haver tantos olhos internacionais direcionados à Amazônia" lembrando que em 1989 o ex-vice presidente dos Estados Unidos chegou a dizer que " ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles,mas de todos nós"
" revela -se, portanto, a necessidade de abandonar- se a visão ingênua. O pano de fundo envolvido na espécie é a soberania nacional, a ser defendida passo a passo por todos aqueles que se digam compromissados com o Brasil de amanhã ". Nesse contexto, para o ministro, não poderia ser ignorado pelo Supremo o fato de índios e não índios serem todos brasileiros.
Em segundo lugar o fato de o relatório ter sido assinado por uma única pessoa, a antropóloga Maria Guiomar de Melo, demonstra a parcialidade e a consequente nulidade do procedimento administrativo, em razão ao princípio da impessoalidade.
Segundo o ministro, a demarcação da reserva em área continua iria trazer prejuízos à economia do estado de Roraima. Afirma que há sim a obrigação do país demarcar as terras indígenas, o que aliás é imposto pela própria constituição, mas que deve ser feita da forma correta. E está somente pode ser a resultante de um devido processo legal, mostrando- se imprópria a prevalência a ferro e fogo. Além disso o Ministro pontuou que uma área doze vezes maior que o Município de São Paulo, em que vive cerca de onze milhões de habitantes, é desproporcional para a existência de cerca de dezenove mil índios. " É tudo, repito à exaustão, resultado de um processo demacetaoeio cujo elementos coligidos se mostram viciados, como se não vivêssemos em um estado de direito".
Ao fim do seu voto, o Ministro falou sobre a segurança nacional, em relação à faixa de fronteiras do Brasil com a Venezuela e Guiana e também de o Conselho da Defesa Nacional não ter participado do processo. " Se não é verdade que não há norma proibindo terras indígenas em faixa de fronteiras, do mesmo modo é verdade que, na lei maior, está expressamente consignada a importância fundamental dessa faixa para a defesa do território brasileiro."
9. embargos 
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, não conheceu dos embargos de declaração opostos por Ação Integralista Brasileira, Movimento Integralista Brasileiro e Anésio de Lara Campos Júnior. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Também por unanimidade, desproveu os embargos de declaração opostos por Lawrence Manly Harte e outros, pelo Estado de Roraima e pelo Senador Augusto Affonso Botelho Neto. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Quanto aos embargos opostos pelo Senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti, em que ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, que os acolhia em maior extensão; quanto aos embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República, em que ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa (Presidente), que os acolhiam com efeitos modificativos, e quanto aos embargos opostos pelas Comunidades Indígenas, o Tribunal os acolheu parcialmente, sem efeitos modificativos, apenas para esclarecer que: a) a decisão proferida na PET 3.388/RR não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos, relativos a terras indígenas diversas; b) com o trânsito em julgado do acórdão proferido na PET 3.388/RR, todos os processos relacionados à Terra Indígena Raposa Serra do Sol deverão adotar as seguintes premissas como necessárias: (i) são válidos a Portaria/MJ nº 534/2005 e o Decreto Presidencial de 15.4.2005, que demarcaram a área, observadas as condições indicadas no acórdão; e (ii) a caracterização da área como terra indígena, para os fins dos arts. 20, XI, e 231, da Constituição, importa em nela não poderem persistir pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante a benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF/88, art. 231, § 6º); c) o usufruto dos índios não lhes confere o direito exclusivo de explorar recursos minerais nas terras indígenas. Para fazê-lo, quais pessoas devem contar com autorização da União, nos termos de lei específica (CF/88, arts. 176, § 1º, e 231, § 3º). De toda forma, não se pode confundir a mineração, como atividade econômica, com as formas tradicionais de extrativismo, praticadas imemorialmente, nas quais a coleta constitui uma expressão cultural ou um elemento do modo de vida de determinadas comunidades indígenas. No primeiro caso, não há como afastarem-se as exigências previstas nos arts. 176, § 1º, e 231, § 3º, da Constituição. Tudo nos termos do voto do Relator, Ministro Roberto Barroso. Quanto à votação dos embargos opostos pelas Comunidades Indígenas, ausentes os Ministros Joaquim Barbosa (Presidente) e Marco Aurélio. Presidiu e votou o Ministro Ricardo Lewandowski (Vice-Presidente). O Tribunal, por unanimidade, resolveu as questões de ordem suscitadas pelo Relator para: a) declarar encerrada a supervisão judicial sobre os atos relacionados ao cumprimento da Portaria/MJ nº 534/2005 e do Decreto Presidencial de 15.4.2005; e b) declarar exaurida a eficácia do acórdão proferido na RCL 3.331/RR, pondo fim à presunção absoluta de competência desta Corte para as causas que versem sobre a referida Terra Indígena, sem prejuízo da possibilidade de que, em cada situação concreta, os interessados demonstrem ser esse o caso. Votou o Ministro Ricardo Lewandowski (Vice-Presidente). Ausentes, ocasionalmente, os Ministros Joaquim Barbosa (Presidente) e Marco Aurélio. Impedido o Ministro Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, em viagem oficial para participar do Programa del VI Observatorio Judicial Electoral e do Congresso Internacional de Derecho Electoral, promovidos pela Comissão de Veneza, na Cidade do México. Plenário, 23.10.2013.
10. acórdão
Decisão: Suscitada questão de ordem pelo patrono da Comunidade Indígena Socó, no sentido de fazer nova sustentação oral, tendo em vista fatos novos surgidos no julgamento, o Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido, vencido o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa, que julgava totalmente improcedente a ação, e Marco Aurélio, que suscitara preliminar de nulidade do processo e, no mérito, declarava a ação popular inteiramente procedente, julgou-a o Tribunal parcialmente procedente, nos termos do voto do Relator, reajustado segundo as observações constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, declarando constitucional a demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e determinando que sejam observadas as seguintes condições: (i) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, § 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar; (ii) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional; (iii) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando-se-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei; (iv) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira; (v) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI; (vi) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI; (vii) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pelaUnião, especialmente os de saúde e educação; (viii) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; (ix) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI; (x) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; (xi) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI; (xii) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas; (xiii) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não; (xiv) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973); (xv) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº 6.001/1973); (xvi) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros; (xvii) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada; (xviii) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis (art. 231, § 4º, CR/88); e (xix) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento. Vencidos, quanto ao item (xvii), a Senhora Ministra Carmen Lúcia e os Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto, Relator. Cassada a liminar concedida na Ação Cautelar nº 2.009-3/RR. Quanto à execução da decisão, o Tribunal determinou seu imediato cumprimento, independentemente da publicação, confiando sua supervisão ao eminente Relator, em entendimento com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, especialmente com seu Presidente. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Ellen Gracie, que proferiram voto em assentada anterior. Plenário, 19.03.2009. 
11. análise da repercução social
O julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol expôs o papel do STF como legislador positivo. O recém-publicado acórdão do STF sobre o caso agrega as chamadas salvaguardas institucionais formuladas nas 19 ressalvas à ação do poder executivo e aos direitos dos povos indígenas apresentadas em plenária. Algumas dessas ressalvas, verdadeiros enunciados normativos, ameaçam retroceder o reconhecimento de direitos de minorias étnicas no país, na contramão de compromissos internacionais de direitos humanos assumidos, especialmente quanto à interpretação do direito originário dos indígenas sobre suas terras tradicionais e quanto ao não reconhecimento da organização política indígena com o controle sobre suas terras.
As “salvaguardas institucionais” estabelecidas pelo Supremo para o caso da Raposa Serra do Sol valem para todos os processos de demarcação de terras indígenas. Entre as salvaguardas estão a definição de que só são terras indígenas as ocupadas por índios na data da promulgação da Constituição, a proibição de expandir as áreas demarcadas e a determinação de que os direitos dos povos indígenas não se sobrepõem a questões de segurança nacional.
Na prática, o parecer tem força de lei. O texto, assinado pelo consultor-geral da União substituto André Rufino do Vale, vincula toda a administração pública federal e transforma a decisão do Supremo, tomada num processo subjetivo, em norma de seguimento obrigatório.
O parecer faz parte do grupo de manifestações da AGU descritas no artigo 40 da Lei Complementar 73. O dispositivo diz que, depois de aprovados pelo presidente da República, os órgãos e entidades da administração pública federal “ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento”. É uma das técnicas legislativas do Executivo Federal, ao lado da medida provisória.
Esse tipo de parecer ganhou especial importância depois que o Plenário do STF decidiu que apenas as ações de controle concentrado de constitucionalidade e súmulas vinculantes têm efeitos para além das partes em litígio. As demais aplicam-se apenas aos casos concretos. Nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei em ações de controle concreto, como os recursos com repercussão geral, o Supremo deve oficiar o Senado para que decida se extirpa ou não a lei do ordenamento jurídico.
Em outubro de 2013, Plenário do STF seguiu voto de Barroso e estabeleceu que decisão no caso da Raposa Serra do Sol só se aplica àquele processo.
O parecer sobre a Raposa Serra do Sol se sobrepõe a uma portaria da AGU, de 2012, que mandava os órgãos de assessoria jurídica da União obedecer às diretrizes do Supremo. É que em outubro de 2013 a corte decidiu, em embargos de declaração, que, embora a decisão sobre a Raposa Serra do Sol tenha sido um precedente importante, não tem caráter vinculante. Portanto, só se aplica àquele caso específico, e não a todos os casos sobre o mesmo tempo, conforme o voto do ministro Luís Roberto Barroso, seguido à unanimidade.
As principais motivações para a publicação do parecer foram a decisão do Supremo nos embargos de declaração e a postura da Fundação Nacional do Índio (Funai) em relação ao assunto. A autarquia, responsável pelos direitos dos povos indígenas no Brasil, se recusava a cumprir os parâmetros da decisão, o que vinha levando a um aumento da judicialização das disputas.
Quando julgou o mérito do pedido, o STF concordou com o critério adotado pela União para demarcar as terras em discussão. O governo de Rondônia, autor da ação, dizia que as terras não eram contínuas, já que ocupadas por diversas etnias diferentes, e não poderiam ser transformadas numa faixa única — o que prejudica a produção agrícola do estado.
Depois que o Plenário definiu demarcação da Raposa Serra do Sol, ministro Menezes Direito propôs 19 "salvaguardas institucionais" para o caso.
Venceu o voto do ministro Ayres Britto, relator, para quem o critério adotado pela União foi constitucional. Mas o Plenário decidiu acrescentar ao voto do ministro as 19 “salvaguardas institucionais” apresentadas pelo ministro Menezes Direito em voto-vista. A intenção dele era que as terras indígenas não se tornassem um território impenetrável dentro das fronteiras brasileiras.
Por isso, ele propôs, por exemplo, que a segurança nacional se sobrepõe aos direitos de usufruto das terras pelos índios. Ou que não índios podem passar e permanecer nas áreas, desde que permitidos pelo ICM-Bio, órgão escolhido pelo Supremo para executar a decisão.
As salvaguardas que mais causaram polêmicaforam as de proibição de ampliar a área demarcada e a de escolher a promulgação da Constituição como marco temporal para declarar um pedaço de terra como indígena.
Nos embargos de declaração, interpostos por sete das partes interessadas no processo, o Supremo foi acusado de legislar. Ao fazer as salvaguardas, o tribunal criou normas de conduta abstratas, invadindo a competência do Congresso para criar leis, afirmaram os embargantes.
Por isso, o ministro Barroso explicou que aquelas condicionantes só se aplicavam ao caso concreto da Raposa Serra do Sul, e não eram regras para processos de demarcação de terras indígenas.
Embora o Plenário tenha decidido que a decisão só tenha aplicação naquele caso, a 2ª Turma já aplicou as salvaguardas em pelo menos dois mandados de segurança. Ambos de relatoria do ministro Gilmar Mendes, relator da reclamação em que o Supremo decidiu que decisões tomadas em processos subjetivos só vinculam o Judiciário.
“O precedente de Raposa Serra do Sol não se dirige apenas ao caso de Raposa Serra do Sol", afirma o ministro Gilmar Mendes, em seus posicionamentos na 2ª Turma.
Nos mandados de segurança, especialmente no RMS 29.087, o ministro Gilmar disse que, no caso da Raposa Serra do Sol, o tribunal definiu "orientações não apenas direcionadas a esse caso específico, mas a todos os processos sobre o mesmo tema". "O precedente de Raposa Serra do Sol não se dirige apenas ao caso de Raposa Serra do Sol."
A principal discussão em ambos os mandados de segurança era o marco temporal para definição das terras indígenas. Nos dois casos, os pedidos foram feitos por particulares que discutiam a declaração, pela Funai, de terras como de posse permanente de etnias indígenas. Em outro mandado de segurança, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, foi aplicado o entendimento de que as terras demarcadas não podem ser ampliadas, nos termos do que ficou decidido no caso da Raposa Serra do Sol.
Referências
BRASIL.[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. – Brasília: Senado Federal, 2016.
BRASIL.[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal [2017]. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/CON1988.asp
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Reclamação 3.331-7 RR. Ação Civil Pública. Constitucional. Relator: Min. Carlos Ayres Brito, 17 nov. 2006. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF. 18 de nov. 2006. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/docs/jurisprudencia-1/terras-indigenas/stf/Rcl_3.331-7-RR.pdf Acessado em: 17/11/2019.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (BRASIL). Voto Vista do Relator Ministro Carlos Britto in: Ação Civil Pública 3388-4/2005. Brasília: STF, 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/pet3388ma.pdf Acessado em: 17/11/2019.
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