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SUMÁRIO 1. ARTIGO 1º 1.1 Princípio da Legalidade 1.2 Princípio da Anterioridade 2. ARTIGO 2º 2.1 Lei Penal no tempo 2.1.1 Novatio Legis – Criação de uma nova figura penal 2.1.2 Lex Gravior – Criação de Lei mais rígida 2.1.3 Abolitio Criminis – Extinção do Crime 2.1.4 Lex Mitior ou Novatio Legis in Mellius – Lei posterior benigna . 1. ARTIGO 1º Artigo 1º do Código Penal: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal 1.1 Princípio da Legalidade O Artigo 1º do Código Penal trata do chamado Princípio da Legalidade, também chamado de Princípio da Reserva Legal, e que está previsto também no Artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal, que dispõe “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (nullum crimen nulla poena sine lege). Hipoteticamente falando, se na data de 31/07/2018 Tício resolve ir à sorveteria 22h, e, no dia posterior, é editada lei tipificando que é crime sair do próprio domicílio após as 21h, então Tício não responderá por esse novo delito criado – exatamente pelo princípio da Legalidade, pois, como podemos concluir, na data do fato ainda não era crime, ou seja, não estava tipificado, que sair de casa às 22h se tratava de um ilícito penal. Ainda no âmbito Constitucional, também é de relevância destacar o Artigo 5º, II, da Magna Carta: Art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; Note, portanto, que o positivismo – características essencial dos países da Família Romano Germânica na qual o Brasil se inclui – é determinante para que a conduta praticada pelo agente possa ser típica, pois, caso contrário, estariamos diante de fato atípico, e, assim, ilícito e não culpável. Trata-se, enfim, de uma Cláusula Pétrea, em que há uma intensional limitação do Estado em interferir nas esferas individuais, e é exatamente por isso que está na Constituição Federal entre os Direitos e Garantias Fundamentais. Segundo Alexandre de Moraes, Min. do Supremo Tribunal Federal: Conforme salientam Celso Bastos e Ives Gangra Martins, no fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma ou outra via que não seja a lei, pois como já afirmava Aristóteles, “a paixão perverte os Magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão – eis a lei. Melhor definição, contudo, podemos encontrar nas palavras do ilustre doutrinador e Promotor de Justiça Cleber Masson, ao descrever que o Princípio da Legalidade1: Preceitua, basicamente, a exclusividade da lei para criação de delitos (e contravenções penais) e cominação de penas, possuindo indiscutível dimensão democrática, pois revela a aceitação pelo povo, representado pelo Congresso Nacional, da opção legislativa no âmbito criminal. De fato, não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal. Rogério Greco2 vai ainda mais longe, distinguindo este princípio entre Legalidade Formal e Legalidade Material. Para ele, além da Lei ter de estar prevista anterior ao fato em que se deseja imputar, sua criação, para ter todos os efeitos legais desejados, também deve ter respeitado toda a formalidade prevista na Constituição: Por legalidade formal, entende-se a obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal possa vir a fazer parte de nosso ordenamento jurídico. Assim, por exemplo, no que diz respeito à lei ordinária, para que se constate a sua legaldiade formal, dever-se-á, após a iniciativa e discussão do projeto em plenário por ambas as casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), obter a maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros, conforme determina o Artigo 47 da Constituição Federal. Já o projeto de lei complementar, para que possa ser aprovado, necessita dos votos da maioria absoluta dos membros de cada casa do Congresso Nacional. Assim, por exemplo, se uma lei complementar viesse a ser aprovada com o voto da maioria simples, e não absoluta, conforme determina o Artigo 69 da Constituição Federal, ela padeceria do vício da inconstitucionalidade formal (ou nomodinâmica), visto não ter atendido às exigências procedimentais determinadas pelo texto constitucional. Haveria, portanto, uma ilegalidade formal. 1 Masson, CLEBER. Direito Penal, Parte Geral. Volume 01. Ed. Método. 12ª ed. 2018. Pág. 25 2 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. Volume 01. Ed. Impetus. 17ª ed. 2015. Pág. 148 Nesse caso, conforme entendimento do brilhante doutrinador, e apoiado por nós, o Princípio da Legalidade previsto na Constituição Federal e também no próprio Código Penal trata-se não apenas de uma Legalidade Material (da lei escrita em si), mas também de uma Legalidade Formal (do processo de sua criação respeitar os ditames Constitucionais). Ainda em relação a esse instituto, cumpre ressaltar que a Emenda Constitucional 32/2001 emendou o Artigo 62, § 1º, alínea b, vedando a possibilidade de edição de Medidas Provisórias com conteúdo de Direito Penal. Hoje, tal dispositivo encontra-se dessa forma: Art. 62 - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º - É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: b) - direito penal, processual penal e processual civil; Em que se pese a previsão Constitucional, que não permite a criação de normas Penais por Medidas Provisórias, o RHC 117.566/SP do Supremo Tribunal Federal, julgado na 1ª Turma em 24.09.2013, de relatoria do Min. Luiz Fux, firmou entendimento histórico de que Medidas Provisórias podem sim criar leis na esferal penal, desde que benéficas ao réu. Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha muito bem exemplifica que3: Não obstante, temos no ordenamento jurídico pátrio exemplo de medida provisória versando sobre direito penal favorável ao réu, mesmo após a referida emenda constitucional. São as MPs editadas em função do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Entre os anos de 2003 e 2008, a posse irregular de arma de fogo fora considerada fato atípico em função de sucessivas medidas provisórias regularmente editadas pela Presidência da Repúlica, até que a MP 417/08 foi convertida na Lei 11.706/08. No período mencionado, ainda que apreciando de forma indireta o tema, o STF não se afastou do seu entendimento anterior à EC 32/2001, adimindo a MP veiculando conteúdo de direito penal benéfico. Sendo o que cumpria esclarecer sobre o Princípio da Legalidade, vamos agora ao Princípio da Anteriodade, que também se extrai do Artigo 1º do Código Penal e que é tão simples quanto este, para, então, partirmos para o Artigo 2º do Código Penal. 1.2 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE 3 SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal – Parte Geral. Volúme Único. 3ª ed. Editora Juspodivm. 2015. Pág. 83. Sem diferença com relevância para a vida prática do princípio estudado anteriormente, mas muito abordado pela doutrina, o Princípio da Anterioridade também decorre Artigo 5º, II e XXXIX da Constituição Federal, bem como do Artigo 1º do Código Penal, estabelecendo que tanto o crime, quanto a pena, devem estar definidos por lei prévia ao fato praticado pelo agente. Falaremos em momento oportuno, mas também cabe ressaltar aqui que a Lei Penal passa a ter seus efeitos a partir do momento em que entra em vigor, não retroagindo, salvo se em benefício do réu (Artigo 5º, XL, da CF). Isso significa, portanto, que a aplicação da Lei Penal é vedada, inclusive, durante o seu período de vacatio legis, conforme brilhantemente ensina Cleber Masson4: É proibidaa aplicação da lei penal inclusive aos fatos praticados durante seu período de vacatio. Embora já publicada e formalmente válida, a lei ainda não estará em vigor e não alcançará as condutas praticadas em tal período. Imagine o seguinte: 20/08/2010 certa Lei é Publicada com previsão de 45 dias de Vacatio Legis Caio pratica o fato ilícito tipificado nesta Lei em 30/08/2010 Lei entra em vigor. Nesse caso, Caio não responderá pelo que está previsto na nova Lei, isso porquê ela ainda não estava em vigor, e, portanto, não produzia, ainda, seus efeitos legais. 2. ARTIGO 2º DO CÓDIGO PENAL “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. Parágrafo Único: A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado 3.1 Lei Penal no Tempo 4 Masson, CLEBER. Direito Penal, Parte Geral. Volume 01. Ed. Método. 12ª ed. 2018. Pág. 28 É consequência lógica do princípio da Legalidade e da Anterioriedade que a aplicação da lei penal para o caso concreto será aquela que estará em vigor no momento da ação ou omissão5 do agente. De modo a deixar mais claro, imagine que Caio pratique um homicídio qualificado por motivo fútil e assassine Mévio. Hoje, a pena para esse ilícito penal varia de 12 a 30 anos. Assim, é exatamente por essa pena e esse dispositivo (Artigo 121, § 2°, II do Código Penal) que Caio responderá. Entretanto, como se sabe, as leis, sejam elas penais ou não, sempre se atualizam com o tempo. Leis são criadas e revogadas cotidianamente, e a questão que fica é: se no decorrer do processo penal uma lei nova aumenta a pena do crime no qual o agente está respondendo, ele responderá pela lei antiga ou pela lei atual? Em outras palavras, e utilizando nosso exemplo, se Caio cometeu o crime em 12/08/2017, e em 30/08/2017 uma Lei nova, por qualquer motivo que seja, desclassifica a futilidade como qualificadora do homicídio, então ele responderá pelo Homicídio Simples (06 a 20 anos), ou permanece respondendo pelo Homicídio Qualificado (12 a 30 anos)? É exatamente em virtude desses questionamentos que o estudo da Lei Penal no Tempo é de EXTREMA importância. Antes de adentrarmos em nosso estudos, vale ressaltar que uma Lei só pode ser revogada por outra Lei, seja expressa ou tacitamente. Por óbvio, os costumes não podem revogar Leis (maior exemplo disso é que o jogo do bicho ainda permanece ilícito no Brasil). A exceção está nas leis temporárias e excepcionais, que são autorrevogáveis. O professor e Doutrinador Cléber Masson6 vai mais longe, e também defende que nem mesmo decisões judiciais podem revogar leis: “Da mesma forma, uma lei jamais é revogada por decisão judicial, ainda que oriunda do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade. Como se sabe, a declaração de inconstitucionalidade limita-se a retirar a eficácia da lei em contrariedade com o texto constitucional, sem revogá- la, função exclusiva do Poder Legislativo”. Além disso, também é importante destacar, ainda utilizando das brilhantes palavras de Cleber Masson7, que as revogações das leis podem ser: “A revogação da lei, dependendo do seu alcance, pode ser absoluta ou total, conhecida como ab-rogação (ab-rogação = absoluta), ou parcial, denominada derrogação. 5 Existe, além da teoria de que o crime ocorre no momento da ação ou omissão do agente, as teorias do: resultado, que considera como momento do crime quando ocorre sua consumação, e também a teoria mista, que considera tempo do crime tanto a ação ou omissão do agente, quanto o momento de sua consumação. Ficamos com a posição de Cléber Masson, de que o crime ocorre no momento da ação ou omissão da prática delituosa. 6 Masson, CLEBER. Direito Penal, Parte Geral. Volume 01. Ed. Método. 12ª ed. 2018. Pág. 132 7 Masson, CLEBER. Direito Penal, Parte Geral. Volume 01. Ed. Método. 12ª ed. 2018. Pág. 132 No tocante ao modo pelo qual se verifica, a revogação pode ser expressa, tácita ou global. (a) Expressa: ocorre quando uma lei indica em seu corpo os dispositivos legais revogados. O art. 75 da Lei 11.343/2006 revogou expressante as Leis 6;368/1976 e 11.409/2002, de modo que o tratamento legal da repressão ao uso e tráfico de drogas passou a ser por ela regulado; (b) Tácita: ocorre no caso em que a lei nova se revela incompatível com a anterior, apesar de não haver menção expressa à revogação; e (c) Global: ocorre quando a nova lei regula inteiramente a matéria com a anterior, que passa a ser ultrapassada e desnecessária”. Entendendo essa fase preliminar em relação ao chamado Direito Penal Intertemporal, podemos chegar à seguinte conclusão: o agente que comete ato ilícito responderá pela lei que estará em vigor no momento da ação ou omissão do cometimento do delito, respeitando, assim, o princípio da tempus regit actum. Essa, portanto, é uma regra geral. Contudo, existem exceções. O primeiro ponto a se analisar é o que diz o Artigo 5º, XL da Constituição Federal: Art. 5º, XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; (grifo nosso) Em relação a isso, à criação de novas leis, sejam elas mais severas ou mais brandas em relação ao delito cometido pelo agente, há 05 hipóteses a serem estudadas, são elas: 1) A criação de uma nova figura penal (novatio legis); 2) Lei posterior que é mais rígida do que a lei anterior (lex gravior); 3) Lei posterior que extingue o crime praticado pelo agente (abolitio criminis); 4) Lei posterior mais benigna ao réu, seja ela em relação à sanção ou à sua forma de cumprimento (lex mitior); 5) Lei posterior que contém partes mais rígidas e partes mais brandas; Estudaremos, agora, cada uma delas. 3.1.1 Novatio Legis – Criação de uma nova figura penal Conforme já esclarecido no título deste subtópico, a Novatio Legis é a criação de uma nova figura penal, ou seja, é uma neocriminalização. Com base no Artigo 5º, XL da Constituição Federal, não poderá, em hipótese alguma, retroagir, atingindo fatos passados, salvo se em benefício do réu. Usando o exemplo já mencionado nos tópicos anteriores, seria o caso de, por exemplo, da criação de uma Lei que criminalize sair do seu próprio domicílio após as 22h. Nesse caso, em hipótese alguma pessoas que praticaram esse fato, anterior à entrada da Lei em vigor, responderão por este novo crime. 3.1.2 Lex Gravior – Criação de Lei mais rígida Também chamada de Novatio Legis in Pejus, é a criação da Lei Penal que de qualquer modo seja maléfica ao réu, seja em relação ao aumento da pena, imposição de regime prisional mais rígido, criação de qualificadoras e etc. Rogério Sanches Cunha8 exemplifica que: A título de exemplo, devemos lembrar que, no ano de 2010, a Lei 12.234 aumentou de 2 (dois) anos para 3 (três) o prazo da prescrição (causa extintiva da punibilidade) para crimes com pena máxima inferior a 1 (um) ano. Como essa alteração legislativa é prejudicial ao réu, a lei não poderá ser aplicada aos crimes praticados antes da sua entrada em vigor. A Lei anterior, apesar de revogada, será ultra-ativa, aplicada em detrimento da lei nova (vigente na data do julgamento). A exceção que podemos mencionar, entretanto, é em relação aos crimes continuados ou permanentes, que serão abordados e estudados em momento oportuno. Entretanto, para fácil compreensão neste momento, cumpre informar que nesses crimes a consumação se prostai com o tempo, ou seja, ela não é imediata. Em um crime de homicídio com arma de fogo, por exemplo, a consumação, em regra, ocorre momentaneamente. Entretanto, no crime de Sequestro (Artigo 148 do Código Penal), por exemplo, a consumação se dá por todo o período em que a vítima estiver privada de liberdade. Nesse caso, imagineque o Sequestro (crime permanente) se iniciou em 10/08/2018 e terminou em 10/09/2018, e uma nova Lei entre em vigor em 20/08/2018 aumentando a pena para esse referido crime. Caso essa hipótese ocorra, de acordo com a Súmula 711 do STF, o réu deverá responder pela lei nova, ainda que maléfica ao seu caso: Súmula 711, STF – A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuando ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Em outras palavras, se quando iniciada a consumação estava em vigor a Lei A, e, antes da cessão da continuidade ou da permanência é editada a Lei B, então essa é a Lei pela qual responderá o agente, ainda que mais gravosa a ele. 8 SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal – Parte Geral. Volúme Único. 3ª ed. Editora Juspodivm. 2015. Pág. 103. 3.1.3 Abolitio Criminis – Extinção do Crime A abolitio criminis é uma lei nova que extingue crime previsto no Direito Penal, e está prevista justamente no Artigo 2º, caput do Código Penal, estudado neste momento. Vale desde logo ressaltar que ela é causa de extinção da punibilidade (instituto jurídico estudado em momento oportuno), conforme prevê o Artigo 107, III, do Código Penal, que assim dispõe: Art. 107 - Extingue-se a punibilidade; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; Antes de adentrar em seus efeitos penais e civis/administrativos, destacamos desde já que o efeito da abolitio criminis ser causa de extinção da punibilidade é preferência do legislador, conforme artigo acima descrito. Em nossa interpretação, a abolitio criminis, na realidade, tem dois efeitos. O primeiro deles é, de fato, a extinção da punibilidade para os casos em que o agente já havia cometido o ilícito penal. Nestes casos, pouco importa se o caso ainda estava na fase de investigação, processo ou execução, a extinção de punibilidade deverá ser declarada pelo órgão competente. Entretanto, além desse efeito, também podemos destacar que a abolitio criminis gera a extinção da tipicidade. Isso porque, para fatos novos, não há que se falar em extinção de punibilidade, pois não se trata mais de fato típico. Não há que se falar de extinção de punibilidade se a conduta do agente não é sequer prevista legalmente. Para deixar claro nosso entendimento, verifique os exemplos abaixo: DATA DA CONDUTA DATA EM QUE HOUVE A ABOLITIO CRIMINIS EFEITO 10/08/2018 20/08/2018 EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE 10/08/2018 01/08/2018 ATIPICIDADE Entretanto, por expressa previsão legal, parece ser mais seguro, em provas do Exame da Ordem e de Concursos Públicos que, se houver esse questionamento, você coloque como resposta correta que o efeito da abolitio criminis é a extinção da punibilidade. Um exemplo claro e bastante conhecido por todos, é a abolitio criminis do crime de Adultério, que encontrava-se tipificado no Artigo 240 do Código Penal e que foi revogado pela Lei 11.106/2005. A questão que fica é, quais seus efeitos? Segundo Rogério Greco9: “A extinção da punibilidade pode ocorrer nas fases policial e judicial. Se houver inquérito em andamento, deverá a autoridade policial remetê-lo à justiça, oportunidade em que o Ministério Público solicitará o seu arquivamento; se a denúncia já tiver sido recebida, o juiz, com base no art. 61 do Código de Processo Penal, deverá declará-la de ofício; se o processo já estiver em fase de recurso, competirá ao Tribunal reconhecê-la; depois do trânsito em julgado da sentença, competente será o juízo das execuções, nos termos do art. 66, I, da Lei de Execução Penal”. Nesse sentido, portanto, ela não pode servir como pressuposto de reincidência, maus antecedentes, ou qualquer outra causa que poderia ser justificativa para aumento de pena em processo posterior. Entretanto, os efeitos civis permanecem, devendo o agente reparar o dano causado, seja à vítima, seja à administração pública. Sobre esse tema, Paulo Queiroz10 esclarece que: “Cumpre notar que a expressão descriminalizar (=abolir o crime), como indica o étimo da palavra, significa retirar de certa conduta o caráter de criminosa, mas não o caráter de ilicitude, já que o direito penal não constitui o ilícito (caráter subsidiário); logo, não pode, pela mesma razão, descontituí-lo. Por isso que, embora não subsistindo quaisquer dos efeitos penas (v.g. reincidência), persistem todas as consequências não penais (civil, administrativo) do fato, como a obrigação civil de reparar o dano, que independe do direito penal”. Ainda em relação à abolitio criminis, vale mencionar que, há alguns anos, nos vimos diante de uma supressão temporária que descriminalizou a conduta de posse e porte de arma de fogo. Esse fenômeno pôde ser encontrado nos Artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003 – Estatudo do Desarmamento. Sobreveio a Lei 11.706/2008 que alterou o Artigo 30 desse dispositivo, passando a determinar que: Art. 30 – Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identififcação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento 9 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral – Volume 1. Ed. Impetus. 17ª ed. 2015, pág. 162 10 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal – Parte Geral. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a II do caput do art. 4º desta Lei. Rogério Greco11 bem exemplifcou o caso: Chamado, reiteradamente, a decidir sobre a questão, o STJ, reconhecendo a abolitio criminis temporalis, mesmo anteriormente às modificações levadas a efeito pelas Leis 11.706/2008 e 11.922/2009, já havia concluído que a Lei 10.826/2003, em seu art. 30, havia estipulado um prazo para que os possuidores de arma de fogo regularizassem sua situação na Polícia Federal e que ninguém poderia ser processado por possuir arma de fogo antes do término do prazo legal (Resp. 804830/PA. Recurso Especial 2005/0199528-6. Rel. Min. Felix Fisher, 5ª T., julg. 17/08/2006, DJ 16/10/2006, p. 426) Assim, temos que existe também a chamada abolitio criminis temporalis, ou seja, a abolição de um crime de forma temporal, por tempo determinado. Nesse sentido, foi editada a Súmula 513 do STJ, que tratou sobre o tema. Sumula 513 do STJ – A abolitio criminis temporária prevista na Lei 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005. Para finalizar os estudos sobre abolitio criminis devemos lembrar também que o simples fato de haver revogação formal do crime, não caracteriza sua extinção. Ou seja, se um crime previsto no Código Penal é revogado, mas passa a ser previsto em Lei Especial, ou até mesmo em outro Artigo do mesmo dispositivo, não estamos diante da chamada abolitio criminis. Nesse caso, estaríamos diante do chamado princípio da continuidade normativa. Isso aconteceu com o Atendado Violento ao Pudor, que foi revogado do Artigo 214 do Código Penal pela Lei 12.015/2009, mas passou a ser previsto no mesmo dispositivo no Artigo 213, sendo conhecido como estupro. Segundo o STJ: “Cabe registrar que, diante do princípio da continuidade normativa, não há falar em abolitio criminis quanto ao crime de atendado violento ao pudor cometido antes da alteração legislativa conferida pela Lei 12.015/2009. A referida norma não descriminalizou a conduta prevista na antiga redação do art. 214 do CP (que tipificava a conduta de atentado violento ao pudor),mas apenas a deslocou para 11 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral – Volume 1. Ed. Impetus. 17ª ed. 2015, pág. 163 o art. 213 do CP, formando um tipo penal misto, com condutas alternativas (estupro e atendado violento ao pudor)”.12 Outro caso de continuidade normativa13 é o advento da Lei 13.654/2018, de 23 de Abril de 201814 que, embora tenha revogado o inciso I, do § 2º do Artigo 157 do Código Penal, que previa o aumento de pena de 1/3 até a metade nos casos de roubo com emprego de arma, acabou criando o § 2º-A, trazendo essa norma incriminadora e criando dois incisos, o primeiro a respeito do roubo com emprego de arma de fogo e o segundo quando “há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum”. Além disso, a Lei também definiu como aumento fixo de 2/3 da pena quando isso ocorrer. Além de ter aumentado a pena para os casos de roubo com arma de fogo ou com rompimento de óbstáculo com uso de explosivos, a Lei também trouxe uma abolitio criminis, pois o emprego de arma branca deixou de ser majorante do crime de roubo – revogando o inciso I do § 2º do Artigo 157 do Código Penal.15 Antes do advento dessa Lei, publicada em Abril de 2018, o que previa o Código Penal? Art. 157 (...) § 2º A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; Arma poderia ser: arma de fogo, arma branca (ou imprópria, como faca, facão, canivete, e etc), e qualquer outro artefato capaz de causar dano à integradidade física da pessoa. Hoje, não há mais qualquer menção sobre a majoração da pena do crime de Roubo em casos de uso de arma branca. Assim, entendemos que o Roubo praticado com arma branca trata-se, em princípio, de roubo em seu tipo fundamental (Artigo 157, caput), tendo ocorrido, portanto, uma abolitio criminis. Dessa forma, é de nosso entendimento que o Juízo16 deve excluir majorante para réu que cumpre pena por roubo, justamente pelo fato de referida lei ser mais benéfica a ele. É o que ocorreu, por exemplo, em um caso em 12 HC 213.305/DF, rel. Min. Marilza Maynard, 6a Turma, j. 24.04.2014, noticiado no Informativo 543. 13 Nas palavras do Min. Gilson Dipp, em voto proferido no HC 204.416/SP, continuidade normativa é: quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário. 14 Vide: Informativo 626 do Superior Tribunal de Justiça. 15 Vide: STJ. 5ª Turma. Resp 151.860/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/05/2018 (Info 626) e STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.249.427/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/06/2018. 16 Vide Artigo 66, I da Lei de Execuções Penais: “Compete ao Juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”; Dourados/MS17. Nesse caso, a 3ª Câmara Criminal do TJ/MS determinou que o juízo da 3ª Vara Criminal de Dourados/MS aplica-se a previsão da referida Lei, vez que favorável ao réu que já estava cumprindo pena pelo crime de roubo. A decisão foi tomada após agravo do réu, que cumpre pena provisória. No entendimento da Câmara, a revogação da majorante constava no PL, aprovado pela CCJ do Senado (onde se originou a Lei), e depois em caráter substitutivo pela Câmara dos Deputados, e na Integralidade pelo Senado Federal. Além disso, o próprio STJ vem entendendo a aplicação da Lei para casos em que há favorecimento do réu. Confira a decisão do Ministro Jorge Mussi, da 5ª Turma do STJ, no REsp 1.519.860/RJ: (…) 5. Extrai-se dos autos, ainda, que o delito foi praticado com emprego de arma branca, situação não mais abrangida pela majorante do roubo, cujo dispositivo de regência foi recentemente modificado pela Lei n. 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. 6 . Diante da abolitio criminis promovida pela lei mencionada e tendo em vista o disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, de rigor a aplicação da novatio legis in mellius, excluindo-se a causa de aumento do cálculo dosimétrico. 7. Recurso provido para reconhecer a forma consumada do delito de roubo, com a concessão de ordem de habeas corpus de ofício para readequação da pena. Dessa maneira, podemos dizer que a Lei 13.654/2018 pode ser entendida dessa forma18: 17 Processo 0006550-69.2018.8.12.0002 18 Tabela retirada em https://www.dizerodireito.com.br/2018/05/stj-aplica-lei-136542018-e-retira.html acesso em 16/08/2018. ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA Antes da Lei 13.654/2018 Depois da Lei 13.654/2018 Tanto a arma de fogo como a arma branca eram causas de aumento de pena. Apenas o emprego de arma de fogo é causa de aumento de pena. O emprego de arma branca não é causa de aumento de pena. O emprego de arma (seja de fogo, seja branca) era punido com um aumento de 1/3 a 1/2 da pena. O emprego de arma de fogo é punido com um aumento de 2/3 da pena. ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA Entendido tal instituto jurídico, bem como seus efeitos legais, vamos estudar casos em que há lei posterior mais benéfica ao réu. 3.1.4 Lex Mitior ou Novatio Legis in Mellius – Lei posterior benigna Antes da Lei 13.654/2018 Depois da Lei 13.654/2018 ARMA DE FOGO Era causa de aumento de pena A pena aumentava de 1/3 a 1/2. Continua sendo causa de aumento de pena. Mas agora a pena aumenta 2/3. ARMA BRANCA Era causa de aumento de pena. A pena aumentava de 1/3 a 1/2. Deixou de ser causa de aumento de pena. A Lei 13.654/2018 é mais benéfica e irá retroagir neste ponto.
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