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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO - COGEAE Rafael Paes Gavazzi Cardoso Renato Cardoso Campello CONTRATOS INTERNACIONAIS DO TRABALHO São Paulo – SP MAIO/2020 Sumário INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 1 Conceito de contrato Internacional de Trabalho ..................................................................... 4 2 Aplicação do Direito do Trabalho no Território ........................................................................ 5 3 Aplicação do Direito do Trabalho no Tempo............................................................................ 6 4 Aplicação do Direito do Trabalho no Espaço – Direito Internacional privado do Trabalho7 5 Aplicação da Lei Trabalhista no Território ................................................................................ 8 5.1 Trabalho de forma permanente em um só País ................................................................... 9 Súmula nº 207 do TST .................................................................................................................... 9 5.2 Trabalho de forma transitória ou intermitente executado em diversos países por até 90 dias .................................................................................................................................................. 10 5.3 Trabalho com transferência provisória superior a 90 dias ................................................ 11 5.4 Direito Marítimo e Aéreo ........................................................................................................ 13 5.5 Lei nº 7.064/82 ........................................................................................................................ 14 6 Direito Trabalhista Transnacional ................................................................................................ 15 7. Dos Mecanismos Internacionais do Trabalho ........................................................................... 16 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 19 REFERÊNCIAS ONLINE.................................................................................................................. 19 3 INTRODUÇÃO Com a revolução industrial nos países europeus, a imigração em massa da população campestre para as cidades a procura de empregos e oportunidades melhores de vida, muitas vezes uma propaganda sem reflexos reais, Com o advindo da Globalização, houve também uma interferência na vida em sociedade ocorrendo uma expansão tecnológica e econômica, fazendo com que países pudessem negociar livremente entre si e com mais facilidades. Desta forma, houve uma procura maior por trabalhadores que pudessem exercer suas atividades em diversos países do exterior, nos mais diversos setores. O Direito Trabalhista tem uma conexão íntima com o Direito Internacional. Desta forma, se faz importante sintetizar as normas que serão aplicadas a contratos internacionais de trabalho quando ficamos frente a frente em um conflito de leis. Sendo assim, é necessário delimitar a jurisdição que envolve as relações contratuais internacionais, exatamente para se chegar ao ponto central de se entender qual legislação será aplicável quando existir qualquer tipo de divergência legal. É necessária a procura por uma regulamentação em âmbito universal para que se protejam e preservem direitos e interesses dos trabalhadores. Como proteger um trabalhador que exerce sua atividade laboral longe do seu país natal? Quando ocorre um conflito de normas, qual legislação que deverá ser aplicada em questão? Nos dias atuais, esses contratos internacionais se tornaram uma constante pois o mundo se modernizou. As relações trabalhistas atuais não ocorrem mais em apenas um determinado lugar e sob uma legislação específica, pois essas relações têm sido expandidas cada vez mais, quebrando as barreiras e extrapolando além das fronteiras. Por conseguinte, diante dos fatos explanados, as relações internacionais estão cada vez mais presentes no dia a dia, cada vez mais intensas, devendo ser adequadamente regulamentadas por normas nacionais e internacionais, dependendo de cada caso em concreto. O referido trabalho se propõe a explicar cada uma das indagações supracitadas. 4 1 Conceito de contrato Internacional de Trabalho A Consolidação das Leis do Trabalho em seu artigo 442 define o contrato de trabalho da seguinte forma: “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Em outras palavras, o objeto do contrato de trabalho é a prestação de serviço subordinado e não eventual do empregado ao empregador, mediante salário, sem correr os riscos do negócio. O contrato de trabalho se diferencia do contrato civil, pois pressupõe certa desigualdade entre as partes, onde se prevalece a suposição de hipossuficiência do trabalhador. Com apoio nessa desigualdade entre as partes, o direito com o intuito de resguardar aqueles que são mais vulneráveis no pacto laboral, impôs limitação de ordem pública à vontade das partes naquilo que ressoa ao ajuste de cláusulas contratuais. Isso é desenvolvido ainda mais quando, entre o trabalhador e o empregador, ao alinharem um contrato de trabalho, contam com elementos incomuns, elementos estranhos uns aos outros, como por exemplo, a nacionalidade ou o local pelo qual serão prestados os serviços. Sendo assim, quando chegamos a um elemento que demonstre estarmos diante de um fato onde as partes não compartilham de uma mesma “nacionalidade”, podemos aduzir estarmos diante de um contrato internacional de trabalho, onde a empresa é brasileira e o funcionário estrangeiro, ou vice-versa. E essa conclusão ocorre, pois, havendo no contrato entre empregado e empregador um elemento estranho ao país, existe uma real possibilidade de existir um conflito de normas a serem aplicadas a este contrato. Conceituado o contrato internacional de trabalho, passaremos a dissertar sobre esse conflito de normas existente, pois nenhum conflito pode ser resolvido se não existir uma legislação vigente que o regule. 5 2 Aplicação do Direito do Trabalho no Território A Legislação Trabalhista é aquela que deve regular, no território nacional, todas as relações de emprego, por vigorar em todo o país e ser uma lei federal, como aduz o artigo 1º, parágrafo único do Decreto-Lei Nº 5.452/43 (Consolidação das Leis do Trabalho): Art. 1º Fica aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho, que a este decreto-lei acompanha, com as alterações por ela introduzidas na legislação vigente. Parágrafo único. Continuam em vigor as disposições legais transitórias ou de emergência, bem como as que não tenham aplicação em todo o território nacional. Apesar da CLT estar unificada no Decreto-Lei Nº5.452/43, sua eficácia é comparada à de uma Lei Federal, pois em 1937, a Constituição Federal, em seu artigo 180, outorgava poderes ao Presidente da República de poder deliberar decretos-leis sobre todas as matérias que se referiam a competência legislativa federal, enquanto não existisse um parlamento nacional para poder fazê-lo. Nos tempos atuais, quem tem essa competência de legislar sobre o direito trabalhista é a união federal, como dispõe o artigo 22, I, §único da Constituição Federal de 1988, como podemos consignar abaixo: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...] Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questõesespecíficas das matérias relacionadas neste artigo. 6 A Constituição Federal passou a vigorar em 1943. Por conseguinte, podemos concluir que os Estados ou Municípios não podem criar ou restringir direitos trabalhistas, salvo quando houver autorização por Lei Complementar, como vimos logo acima no parágrafo único do artigo 22 da CF/88. Sendo assim, o princípio da norma mais favorável não deve ser aplicado. 3 Aplicação do Direito do Trabalho no Tempo As Leis tem aplicação imediata, não sendo retroativas. O efeito imediato é a aplicação da lei no presente, nas relações que ainda estão vigentes (ex nunc), e o efeito retroativo significa a aplicação da lei no passado (ex tunc), ou seja, sobre casos jurídicos que já foram totalmente consumados antes que uma nova lei entrasse em vigor. Isto posto, tanto o direito adquirido, quanto o direito consumado, são protegidos pela irretroatividade do direito. O direito adquirido é aquele que já está associado ao patrimônio da pessoa, que fora aperfeiçoado dentro do tempo que a lei vigorava, sendo constituído em um bem juridicamente protegido. Já o direito consumado, é aquele que já se realizou, não ficando sujeito a alterações através de condição ou evento futuro, ou seja, ele é perfeito e já concluído. Sendo assim, a Doutora e professora Vólia Bomfim Cassar aduz que “as Leis de proteção ao trabalho (regras imperativas e cogentes) têm aplicação imediata e atingem os contratos de trabalho em curso, mas não modificam os já extintos ou as situações já consumadas sob a égide da lei pretérita.”. A Legislação trabalhista normalmente entra em vigor na data de sua publicação. Porém, em alguns casos, a lei se omite quanto à data em que essa lei entrará em vigor. Isto posto, conforme artigo 1º da LINDB, a lei passará a vigorar 45 dias após a publicação no órgão oficial. Sendo nos estados estrangeiros, essa lei obrigatoriamente passará a vigorar três meses depois de ser publicada oficialmente, conforme parágrafo 1º do art. 1º da LINDB. 7 Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. 4 Aplicação do Direito do Trabalho no Espaço – Direito Internacional privado do Trabalho Quando o contrato de trabalho é sucessivo, ou seja, não acaba num único ato, é normal que dia após dia exista algo novo, ou uma modificação ou alteração, sejam elas na forma qualitativa, quanto quantitativa. Isto posto, é normal ocorrer do funcionário ser contratado para que preste seus serviços em um país, e posteriormente ser transferido para outro, ou ser contratado em um país para que trabalhe em outro, bem como ser contratado, também, para que preste seus serviços em diversos países, se transformando em um sistema de rodízio. E quando ocorre essa diversidade de transferências no contrato de trabalho, aparecem dúvidas acerca de qual legislação material deverá ser utilizada, ou seja, existindo um conflito de leis no espaço. Com essas dúvidas e conflitos gerados, a regra geral é que, para se resolver essa questão, utilizamos a territorialidade da legislação trabalhista, ou seja, onde a lei que deverá ser respeitada é a lei vigente no local da prestação de serviços, sendo o princípio da Lex Loci Executionis (Lei do local da execução). Contudo, o Jurista Brasileiro Arnaldo Sussekind aduz que a relação jurídica trabalhista possui três fases, sendo: da constituição, execução e cessação. As fases da execução e cessação, salvo algumas exceções, são regidas pela lei vigente do país em que a execução do contrato de trabalho é feita. Na primeira fase, da constituição, segundo Sussekind, é regida pela lei do país onde o contrato de trabalho foi constituído, salvo quando a capacidade dos agentes for regulada pela lex loci executionis. Desta forma, podemos utilizar um exemplo muito conhecido: quando um menor de 13 anos é contratado no estrangeiro onde poderia trabalhar normalmente e tinha plena capacidade para isso e, posteriormente, é transferido para o Brasil, onde a lei vigente proíbe o trabalho de menor de 16 anos, como aduz 8 o artigo 7º, XXXIII, da CF/88. Ou seja, sendo assim, esse menor não poderia trabalhar no Brasil, onde esse contrato de trabalho não terá eficácia, por se tratar de uma norma de proteção de ordem pública interna. Esse é o pensamento do jurista Arnaldo Sussekind. A professora Vólia Bomfim Cassar aduz que: “Pouco importa o local da contratação quando sua execução não se opera na mesma localidade onde foi firmado o contrato, pois, em regra, prevalecerá a lei do país da execução dos serviços.”. Ou seja, pensando desta forma, se o empregado fora contratado em um país que exige formalidades peculiares e especiais para que seja válido, mas que só executou serviços em outro país que não exige nenhuma dessas formalidades prevalecerá à lei do segundo país. Podemos aduzir que o mesmo acontece em relação à extinção do contrato de trabalho, prevalecendo, em regra, a lei do último país em que o colaborador trabalhou, para reger todos os direitos quanto à sua rescisão contratual. Outro fato a ser citado, é a questão da lei processual que regerá a matéria, ou seja, qual será a autoridade, do Brasil ou estrangeiro, competente para receber, apreciar e julgar todas as questões do contrato de trabalho. A professora Volia Bomfim Cassar aduz que: “Em alguns casos, o juiz brasileiro pode ser o competente para apreciar a questão e aplicar a legislação material estrangeira.”. Posto isso, não podemos confundir sobre a legislação material a ser aplicada, com a justiça competente que irá apreciar e julgar a matéria. O Jurista Délio Maranhão aduz que a aplicação do direito material se refere à competência da lei e à lei processual como sendo uma competência de jurisdição. 5 Aplicação da Lei Trabalhista no Território As leis trabalhistas vigoram em um determinado território. Aqui, o princípio da territorialidade que prevalece, ou seja, que a mesma lei disciplinará contratos de trabalho tanto dos empregados brasileiros como de outras nacionalidades. Aos estrangeiros que prestam serviço no Brasil, é aplicada a legislação brasileira. O artigo 198 do código de Bustamante, que fora confirmado pelo Brasil através do Decreto nº 18.871/29, aduzindo que é territorial a legislação social do trabalho. Podemos perceber que esse dispositivo se inspira no princípio da lex loci 9 executionis, que aduz sobre a aplicação da lei do país em que o empregado executou os seus préstimos. Esse princípio já foi consagrado pela Súmula nº 207 do Tribunal Superior do Trabalho, que fora cancelada. A Teoria citada acima não contraria o artigo 9º da LINDB, dispondo que para reger e regular as obrigações do contrato de trabalho dever ser aplicada a lei do país onde elas foram constituídas, pois foram destinadas aos contratos civis que se relacionam a direitos patrimoniais disponíveis, não se estendendo aos contratos que atingem as legislações sociais. Segundo Sussekind, a “expressão proteção social do trabalhador, como tem acentuado a doutrina e a jurisprudência, concerne tanto às normas cogentes do Direito do Trabalho como aos sistemas da Previdência Social”. Ou seja, isto é aplicado pois as normas que são dirigidas aos trabalhadores tem a visão de proteção da capacidade para o trabalho, para o exercício da profissão, para normas de segurança e medicina do trabalho, para a proteção de minorias, para dignidade do trabalhador, dentre outros. Por conseguinte, o que deve prevalecer é o princípio da lei do local onde os serviços são prestados, podendo ser regido e regulado a relação material do trabalho executado. Contudo, podemos perceber que o descrito acima nos dáuma suposição de que o trabalho tenha sido executado em apenas um local, que fora permanente em um país. Contudo, existem situações onde o trabalho foi realizado em diversos países, sendo a questão diferente. Sendo assim, passaremos a analisar cada uma das situações. 5.1 Trabalho de forma permanente em um só País Quando o trabalho é realizado de forma permanente em um só país durante toda a vigência do contrato de trabalho, aplica-se a Lei do país em que os préstimos são realizados, pois fora executado de forma permanente, independentemente da nacionalidade do trabalhador, conforme aduzia a Súmula 207 do C. TST que fora cancelada: Súmula nº 207 do TST CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS NO ESPAÇO. PRINCÍPIO DA "LEX LOCI EXECUTIONIS" (cancelada) - Res. 181/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23.04.2012 10 A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação. Contudo, houve alteração do art. 1º da Lei nº 7.064/82. Antes da alteração, o local da contratação do colaborador não interessava, pois o que mais importava era o local da prestação de serviços, pois a lei mencionada era aplicada apenas para os colaboradores que trabalhavam com engenharia, arquitetura, dentre outros. Atualmente, o local da contratação importa e muito, pois se o trabalhador foi contratado no Brasil para trabalhar no exterior a serviço de um empregador Brasileiro, será aplicada a Lei 7.064/82, e não o princípio da territorialidade. Mesmo assim, ainda prevalece à aplicação da lei do local de execução do contrato para o empregado que fora contratado no Brasil para laborar em empresa estrangeira, que não tem sede no Brasil. Vejamos na seguinte jurisprudência: TRABALHO NO EXTERIOR. CONTRATAÇÃO NO BRASIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA BRASILEIRA. Tendo em vista que as condições de trabalho foram ajustadas em território nacional para a prestação dos serviços no exterior, considera-se que a contratação ocorreu no Brasil. Assim, por força do disposto no art. 651, caput e § 3º, da CLT que faculta ao empregado propor a ação trabalhista no local da contratação ou da prestação dos serviços, compete à Justiça Trabalhista Brasileira processar e julgar a presente demanda. (TRT-3 - RO: 01485201409703006 0001485-41.2014.5.03.0097, Relator: Paula Oliveira Cantelli, Quarta Turma, Data de Publicação: 05/03/2018) 5.2 Trabalho de forma transitória ou intermitente executado em diversos países por até 90 dias Quando o colaborador é contratado para laborar em diversos países, tendo residência fixada ou não nestes, pois fora transferido de um estabelecimento para outro por um período não superior a 90 dias e desde que esse colaborador tenha ciência dessa transitoriedade, mas continua subordinado a matriz de onde foi contratado, será aplicada a lei do país onde normalmente o trabalho é executado ou do país em que se situa a matriz a quem o empregado está subordinado. Não sendo 11 possível utilizar essas regras, a lei a ser utilizada será a do país onde se situa a sede da empresa. 5.3 Trabalho com transferência provisória superior a 90 dias Quando tratamos de trabalho desenvolvido em um país e, mais tarde em outro ou outros, em face da transferência do trabalhador, sendo provisória ou definitiva, com ou sem sua mudança de domicílio ou residência, como dispõe o artigo 469 da CLT, sendo por iniciativa do Chefe, a lei a ser aplicada será a do país que garantir mais vantagens trabalhistas ao empregado, ou seja, as leis mais favoráveis ao empregado, como dispõe o artigo 1º da Lei nº 7.064/82, com redação dada pela Lei 11.962/09, desde que o empregado fora contratado no Brasil ou transferido pelo seu empregador para que preste serviço no exterior. Segue o que a Lei dispõe: Art. 2º - Para os efeitos desta Lei, considera-se transferido: I - o empregado removido para o exterior, cujo contrato estava sendo executado no território brasileiro; II - o empregado cedido à empresa sediada no estrangeiro, para trabalhar no exterior, desde que mantido o vínculo trabalhista com o empregador brasileiro; III - o empregado contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior. Neste contrato pode ocorrer mais de uma transferência, mesmo assim, a lei a ser aplicada deverá ser a mais favorável ao empregado, o que se coaduna com o princípio da unidade do contrato, que sua principal exigência é proteger o trabalhador contra as constantes mudanças de legislação pelas suas transferências, o que poderia acarretar em prejuízos, ficando submetido a oscilações de direitos, sendo umas melhores aos empresários e outras melhores aos empregados. Tomamos o seguinte exemplo: um trabalhador é contratado no Brasil onde permanece trabalhando por três anos, após é transferido para laborar na Holanda por dois anos, depois na França por mais dois anos, e retorna para o Brasil para trabalhar por mais três anos. No caso em questão, deve ser utilizada a lei mais favorável segundo o critério de conglobamento. O critério de 12 conglobamento dispõe que a negociação coletiva que for mais favorável ao empregado deve ser utilizada como um todo, como aduzido nas jurisprudências abaixo transcritas CONTRATO DE TRABALHO INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL. Com a promulgação da Lei no 11.962/09, foram estendidos os benefícios previstos na Lei 7.064/82 a todos os trabalhadores que fossem enviados para prestar serviços no exterior de forma não transitória. Diante disso, o c. TST cancelou a Súmula 207, adotando o princípio da aplicação da norma mais favorável para todo e qualquer trabalhador contratado no país para prestar serviços no exterior. In casu, a reclamante foi contratada no Brasil para prestar serviços de babá nos Estados Unidos, estando configurado o chamado contrato de trabalho internacional, aplicando-se, portanto, a legislação brasileira, por ser mais benéfica. (TRT-1 - RO: 7778320105010065 RJ, Relator: Leonardo Dias Borges, Data de Julgamento: 24/07/2012, Oitava Turma, Data de Publicação: 2012-08-01) : RECURSO DAS RECLAMADAS: CRUZEIRO MARÍTIMO. TRABALHADOR EMBARCADO. NAVIO ESTRANGEIRO. COMPETÊNCIA E LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. Há que se diferenciar entre a competência da jurisdição brasileira sobre o contato mantido pelo autor, e a legislação aplicável a este mesmo contrato de trabalho. Isso porque a competência jurisdicional não exclui a aplicação da lei estrangeira e as questões não são confundíveis, pois, a primeira, de ordem processual, é relativa à competência territorial; a segunda, de direito material, é atinente ao conflito de lei no espaço. Desse modo, possível é a aplicação da legislação estrangeira pelo juiz brasileiro, competindo à parte que a invoca a prova do texto e da vigência (art. 14, LINDB). A competência territorial encontra-se regida pelos arts. 12 da LINDB e 21 do NCPC. Em matéria trabalhista, o § 2º do art. 651 da CLT adota regra que amplifica o disposto no inciso I do 21 do NCPC. Portanto, a presente lide se submete à jurisdição nacional. Em relação à legislação a ser adotada, aplica-se as disposições do art. 1º da Lei nº 7.064/82. Na forma do art. 3º, inciso II, Lei nº 7.064/82, outrossim, o conflito de direito internacional privado no tocante à escolha da norma trabalhista a ser aplicada, resolve-se pelo princípio da norma mais favorável, consideradas, em conjunto, as disposições reguladoras de cada matéria ou instituto, adotando-se a teoria do conglobamento mitigado, destacando-se, no caso, a legislação brasileira. Recurso das reclamadas não provido. (TRT-7 - RO: 00009119820145070002, Relator: MARIA ROSELI MENDES ALENCAR, Data de Julgamento: 13/03/2019, Data de Publicação: 15/03/2019) 13 5.4 Direito Marítimo e Aéreo Pessoas que executam seus trabalhosem embarcações e aeronaves normalmente não podem se fixar em um só país ou território, pois vivem em face de uma constante movimentação através desses “estabelecimentos móveis”. As embarcações podem viver dias ou anos em alto-mar, bem como a aeronave em questão de horas pode percorrer vários países. Isto posto, não se pode aplicar aos empregados de embarcações e aeronaves, ou qualquer outro meio de transporte que percorra vários países, a lei existente do local dos serviços. Nestes casos, uma corrente majoritária aduz que não se pode utilizar a legislação do país do empregado ou o local de sua contração para dirimir seu contrato de trabalho, mas deverá sim utilizar a legislação do país da bandeira, matrícula ou pavilhão da embarcação ou aeronave que explora a atividade econômica da qual o empregado fora contratado. Esta é uma regra que consta no Código de Bustamante, onde no artigo 274 aduz sobre a aplicação da lei da patente da navegação e no artigo 282 da aplicação existente da lei da patente das aeronaves. Por conseguinte, o trabalho executado pelo empregado em embarcações e aeronaves, deverá respeitar a legislação do país cuja bandeira está sendo representada. Como exemplo, utilizamos um cruzeiro ou uma linha aérea que representa a Suíça. Sendo assim, a lei utilizada para dirimir esse contrato de trabalho será da Suíça. Contudo, existem outras correntes que aduzem que a lei a ser aplicada nestes casos será a lei do país em que o trabalhador fora contratado. O Jurista Russomano aduz que deve ser aplicada a lei da nacionalidade da empresa que contrata o empregado e explora seus serviços. Russomano aduz que “(...) não importa saber a bandeira do navio em que trabalha o tripulante e, sim, a nacionalidade da empresa que o contrata. Se o armador é constituído em empresa comercial no Brasil e, se aqui contratou os tripulantes da embarcação, mesmo que o navio arrendado pelo empregador seja estrangeiro, as relações de trabalho entre as duas partes são regidas pela lei nacional.”. É neste sentido a seguinte jurisprudência: EMPREGADO ADMITIDO PARA LABORAR EM NAVIOS DE CRUZEIRO NO EXTERIOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO 14 TRABALHO. APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO NACIONAL. Segundo o art. 3º da Lei nº 7.064/82, aplica-se aos trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviços no exterior, a "legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível" com tal diploma legal, "quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria". Nesse contexto normativo, considerando que, no caso dos autos, o autor foi recrutado e treinado no Brasil para laborar em navios de cruzeiro pertencentes a companhia estrangeira, inarredáveis a aplicação da legislação nacional e a competência do Judiciário Trabalhista para apreciar o litígio decorrente dessa relação de trabalho. (TRT-7 - RO: 00004689020185070008, Relator: PAULO REGIS MACHADO BOTELHO, Data de Julgamento: 22/07/2019, Data de Publicação: 23/07/2019) 5.5 Lei nº 7.064/82 A referida Lei foi a primeira que determinou a aplicação do princípio da norma que seja mais favorável aos trabalhadores que são transferidos para outro país. Era específica em relação a trabalhadores contratados no Brasil para prestarem serviços no exterior, e apenas regia relações existentes entre empregados e empregadores que prestavam serviços de engenharia, projetos, empresas que prestavam serviços sobre obras, montagens, e áreas deste tipo de relação. Contudo, após a modificação do artigo 1º da Lei nº 7.064/82, que fora modificado pela Lei nº 11.962/2009, suas disposições passaram a aplicadas a qualquer tipo de trabalhador que fora contratado ou transferido para laborar no exterior, não sendo mais limitada aos empregados de empresas de engenharia e afins. Não estão inseridos na lei em comento os empregados contratados e transferidos para o exterior para laborar por período não superior a 90 dias, como aduzido pelo parágrafo único do artigo 1º. Art. 1o Esta Lei regula a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior. (Redação da pela Lei nº 11.962, de 20090) Parágrafo único. Fica excluído do regime desta Lei o empregado designado para prestar serviços de natureza transitória, por período não superior a 90 (noventa) dias, desde que: [...] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11962.htm#art1 15 Esta Lei não se aplica a todo e qualquer trabalhador que fora contratado no Brasil, mas apenas àqueles que: foram removidos ao exterior, cujo contrato de trabalho estava sendo executado no Brasil, ou seja, o empregado laborou no Brasil e está sendo transferido para laborar no exterior; aos empregados cedidos à empresa que é sediada no estrangeiro, sendo o empregado transferido para laborar no exterior, desde que mantendo vínculo trabalhista com a empresa Brasileira; o empregado contratado por empresa com sede no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior. Esta Lei determina que seja utilizada e aplicada a norma mais favorável ao empregado toda vez que o mesmo for cedido ou contratado para laborar em outro país, não importando a natureza desta transferência, sendo provisória ou de forma definitiva. Reforçando o descrito acima, segue a jurisprudência: ARREGIMENTAÇÃO DE TRABALHADOR NO BRASIL PARA LABORAR NO EXTERIOR. NORMA APLICÁVEL. LEI Nº 7.064/82. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEX LOCI EXECUTIONIS. Ao contrato de trabalho de brasileiro contratado no país para laborar no exterior aplica-se a lei brasileira naquilo em que for mais benéfica, segundo a teoria do conglobamento mitigado. A Lei 7.064/82 mitigou o princípio da lex loci executionis ao estipular, em seu art. 3º, inciso II, "que a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria". (TRT-4 - RO: 00001550420125040371 RS 0000155- 04.2012.5.04.0371, Relator: Joe Ernando Deszuta, Data de Julgamento: 11/11/2015, 4a. Turma) Necessário ressaltar que a Lei não determina que o trabalhador contratado seja exclusivamente brasileiro, o que abre um leque para se definir que ela também se aplicará ao trabalhador estrangeiro que tenha sido contratado no Brasil para laborar no exterior para empregador brasileiro. 6 Direito Trabalhista Transnacional 16 O Direito Trabalhista Transnacional trata-se de um ramo do direito que estuda fenômenos que transcendem as barreiras das fronteiras dos Estados Nacionais, principalmente em se tratando de um mundo globalizado e de migrações populacionais, aonde vai além de regras que são preestabelecidas, porém, não se confundindo com o Direito Internacional. Aqui, se nota um caráter polivalente, pois congrega tanto normas de direito doméstico, quanto regras de direito internacional. Neste ramo, temos uma possível identificação de uma nova categoria de trabalhadores, que são chamados de trabalhadores transnacionais. Esses trabalhadores são aqueles profissionais que sofrem a influência do processo de globalização e que desempenham suas atividades sem a definição de um poder diretivo estabelecida em termos fronteiriços. Esses trabalhadores são contratados para prestas seus serviços em países diversos da sede da empresa que os emprega, sendo ou não o seu país de origem. Podemos enquadrar aqui tanto os trabalhadores profissionais estrangeiros que são altamente especializados em uma função, como os trabalhadores atuais refugiados. 7. Dos Mecanismos Internacionais do Trabalho Fundado anteriormente a atual Nações Unidas, a OIT – Organização Internacional do Trabalho – tem sua origem em 1919, ainda sob a Liga das Nações,com o objetivo de estabelecimento de padronizações internacionais e graus mínimos de dignidade nos diversos ramos de trabalho pelo mundo. Sendo a mais antiga agência especializada da ONU, possui o respeito e reconhecimento a mais de um pouco mais de um século, acompanhando a modernização e modificações nas relações laborais, sempre com o objetivo de melhoria das condições de trabalho. A Agência possui um modelo de tomada da decisões Tripartisse, com o consenso de tipos de membros; Representantes Governamentais, Representantes dos Empregadores e Representantes dos Empregados. A OIT edita Convenções, Protocolos e Recomendações, nos mesmos moldes das demais Convenções Internacionais propostas pelas Nações Unidas e suas 17 demais agências, a serem ratificadas e incorporadas na legislação interna dos países signatários, a depender dos instrumentos constitucionais, passando a ser tida como lei de vigor interno. Eventualmente, assim como em outros tratados e Convenções deste gênero, é possível a Assinatura e pactuação por parte do Governo em determinada resolução, entretanto, sem a ratificação interna, no Brasil, realizada pelo poder legislativo. O mais clássico e evidente deste tipo e conflito é com a Convenção OIT 158 de 1982, o qual em seu corpo prevê a estabilidade do emprego e a impossibilidade da demissão sem justa causa, com o claro e belo objetivo de se proteger as relações dos hipossuficientes. Porém, como é sabido, tal Convenção não fora ratificada no sistema legislativo interno, embora assinado, fora rechaçado pelo legislativo em 1996, sem a aplicabilidade e eficácia no território brasileiro. Outros pontos de mutuo acordo e o estabelecimento de redes de proteções mínimas aos trabalhadores do mundo todo como a convenção 183 de 2000, protegendo o direito da trabalhadora mãe, Convenção 26 de 1928, prevendo o salário mínimo dos maquinistas industriais no começo do século XX, dentre outros Embora sua existência, predominância e importância muitas vezes não seja de tanto destaque ou voga, é uma das agências com a maior atuação e respeito em todo o corpo de agências das Nações Unidas. Atualmente, durante a pandemia causada pelo COVID-19, a OIT mantêm seu protagonismo com a edição de diversas recomendações para a proteção e resguardo dos mais diversos grupos de trabalhadores mundo afora. Não apenas olha para o momento atual e as possibilidades de melhorias, como também é seu papel fundamental o estudo, projeção e desenvolvimento de alternativas e proteções ao futuro do mercado de trabalho, em um crescente e nascente mundo no qual o labor humano desqualificado se torna cada vez mais desnecessário, porém, com um crescimento populacional em linha ascendente. 18 A fim de se conciliar este cenário antagônico, a OIT tem promovido estudos em diversos países através de núcleos de estudos do trabalho a fim de identificar, qualificar e propor ideias a um mercado de trabalho futuro, completamente diferente do atual. Este é um desafio de enormes proporções, sem a certeza de que os sistemas econômicos serão mantidos nos modelos atuais, bem como mudanças tecnológicas e do mercado consumidor, assim como o crescimento latente de condições degradantes de trabalho, com a conscientização e fiscalização ocorrendo em diversos graus de desenvolvimento ao redor do mundo. 19 REFERÊNCIAS BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. 12ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 36. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho – São Paulo: LTr. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho.11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2019. SUSSEKIND, Arnaldo. Conflitos de Leis do Trabalho. São Paulo: Freitas Bastos, 1979, p.22 REFERÊNCIAS ONLINE http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_03.07.2019/art_22_.asp http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-207 https://www.dicionarioinformal.com.br/conglobamento/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7064.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_03.07.2019/art_22_.asp http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-207 https://www.dicionarioinformal.com.br/conglobamento/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7064.htm