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Resumo de estomatologia – Vanessa Wunsch Estomatologia Anamnese ● Introdução A avaliação do paciente começa quando este é chamado e para a consulta. Neste momento, começamos a analisar a forma de o paciente andar e se expressar, o que, em alguns casos, já nos dá informações importante a respeito do seu estado de saúde e que pode, portanto, influenciar o nosso diagnóstico. ● Etapas do exame: O exame clínico tem dois momentos: 1. Anamnese ou entrevista dialogada 2. Exame físico ➢ Anamnese: A anamnese é a etapa onde, por meio de uma conversa orientada a partir de alguns tópicos, obtemos informações relacionadas à história de vida do paciente e os aspectos subjetivos1 relacionados a doença em questão. Neste momento, não devemos nos preocupar com quais informações estão ou não relacionadas com as alterações que serão vistas posteriormente em boca. Esse é um julgamento que será feito posteriormente. Não podemos esquecer, ainda, que paciente pode ter diferentes doenças ou condições concomitantemente sem que as mesmas estejam relacionadas Recomenda-se que uma ficha de exame seja utilizada para ordenar os tópicos a serem incluídos na avaliação. Essa deve ser preenchida da forma mais completa possível. Respostas negativas devem ser apontadas de forma explícita. Por exemplo: se o paciente não tem histórico de alergia, deve-se colocar no tópico alergia: “Nega alergias”. Neste caso, o espaço deixado em branco pode ser interpretado como “essa pergunta não foi realizada. Um espaço vazio ou com um traço não deixa claro se a pergunta foi feita ou se a resposta foi “nunca tive”. Deve-se seguir esse princípio para todos os campos presentes na ficha. ↳ Algumas situações requerem manejos específicos: • Pacientes verborrágicos: em alguns casos, os pacientes podem falar excessivamente, desviando o foco da consulta. Em situações como essa, recomenda- se que o paciente seja interrompido com cortesia, sendo direcionado novamente para as informações pertinentes ao exame clínico. • Pacientes ansiosos: não é delicado que o profissional ignore a situação. Uma alternativa é identificar, acolher o problema e buscar minimizar a preocupação do paciente explicando a sua condição e os procedimentos que estão sendo realizados. • Pacientes com raiva ou em choro incontrolável: é uma situação delicada que requer paciência do profissional. Pode-se deixar que o paciente extravase suas angústias em um primeiro momento. Em seguida, o mesmo pode ser orientado conforme a situação em questão. • Paciente com deficiência auditiva: verificar se ele prefere se comunicar por escrito ➢ Dados de identificação A primeira parte da ficha diz respeito aos dados de identificação do paciente, como nome, números de contato telefônico, endereço, idade, sexo, raça e ocupação. É interessante registrar mais de um número de telefone do paciente para que não se perca o contato em função de uma troca de número. Se o paciente for aposentado, registrar a ocupação anterior, pois, se isso não for feito, pode-se perder a informação de exposição a um fator de risco associado a determinadas ocupações, por exemplo: exposição solar em pacientes que trabalharam expostos ao sol durante 20, 30 anos, o que está associado à queilite actínica, importante desordem potencialmente maligna Por isso, ainda que a principal preocupação da coleta destas informações iniciais seja administrativo, dados de idade, cor da pele, ocupação e sexo podem favorecer determinadas possibilidades no momento da elaboração de hipóteses de diagnóstico, pois algumas lesões apresentam um padrão muito típico de apresentação. Uma situação que pode ser citada é o líquen plano, doença que é identificada com mais frequência em mulheres com mais do que 40 anos. ➢ Queixa principal Registro do motivo pelo qual o paciente procurou o profissional. Essa informação deve ser registrada nas palavras do paciente para não sofrer influência da interpretação do profissional. Não há preocupação com utilização de termos técnicos. Resumo de estomatologia – Vanessa Wunsch Em casos onde o paciente tinha percebido o problema que motivou a consulta, podemos direcionar as informações a respeito da evolução da lesão ou doença desde o seu aparecimento. Esse detalhamento maior conduzido pelo profissional que está realizando o tratamento chama-se Historia da queixa principal ou Historia atual da doença. Trata-se de um aprofundamento do que obtivemos na queixa principal que pode ajudar bastante na elaboração das hipóteses de diagnóstico. Nessa abordagem, estimulamos o paciente a dar detalhes sobre a doença como se fosse uma narrativa, desde o momento que a condição apareceu, registrando o tempo de evolução, como foi modificando, se existia sintomatologia em algum momento, como foi o desenvolvimento, se houve melhora, piora ou se manteve da mesma maneira ao longo do tempo e tratamentos que tenham sido feitos por algum colega, e qual foi a resposta observada frente aos mesmos. Esses são pontos importantes que devem ser registrados de maneira muito clara. Abaixo, listamos as informações pertinentes a coleta da história da doença atual: • Data dos primeiros sinais e sintomas: a partir dessa informação, podemos definir o tempo de evolução da doença. • Descrição dos primeiros sinais e sintomas: lembrando que sinais são as manifestações objetivas, mensuráveis, visíveis (alteração de cor, volume, aumento da temperatura local) e que sintomas são as manifestações subjetivas, não mensuráveis diretamente, aquelas que se baseiam no relato do paciente (dor, ardência, perda de sensibilidade). • Caracterização da sintomatologia: quando falamos de sintomas, pensamos em dor em primeiro lugar. As características de percepção deste sintoma como periodicidade (Ex: “faz 6 meses que sinto essa ardência na língua”, frequência Ex.: “percebo essa sensação de inchaço todos os dias), alívios (Ex.:“a dor de dente diminui quando coloco água gelada na boca”) e agravamentos (Ex.: a dor piora se como algo quente). • Desenvolvimento: como a doença foi se modificando (evoluindo) desde o seu surgimento. Tumores (também chamados neoplasias) costumam crescer de forma ininterrupta enquanto doenças inflamatórias podem apresentar momentos de melhora e piora. • Tratamentos realizados e seus resultados: por conta própria ou recomendados por outros profissionais • Exames complementares realizados e seus resultados: exames solicitados previamente podem trazer informações que contribuam na nossa formulação de hipóteses. • Estado atual da doença: qual a situação do paciente no momento da consulta. Ex.: “Ah doutor, nessa última semana alivou um pouco. Parece que está desinchando” ➢ História odontológica Nesta parte da anamnese, vamos registrar como foram as experiências anteriores do paciente com outros cirurgiões dentistas, que tipo de tratamento ele realizou, motivos que possam ter levado a perda dos dentes (se os tiverem perdido) e se a causa disso foi cárie, doença periodontal, se o próprio paciente achava que o dente não servia pra nada, e tudo isso vai compondo o perfil do paciente, sua suscetibilidade a determinadas doenças, suas crenças com relação a saúde e a doença, situações que devem ser valorizadas e nos ajudando a planejar a abordagem que será utilizada para explicar os diagnósticos e tratamentos a serem realizados. ➢ História médica: Consiste na descrição das doenças atuais e anteriores que o paciente apresentou, bem como cirurgias realizadas, alergias que apresentou, acidentes que teve. Todo tratamento atual ou anterior deve ser descrito. Sabe-se que muitas lesões que aparecem na boca são doenças especificas dessa região topográfica, ou seja, são lesões isoladas, mas em outros casos a alteração percebida na boca representa a manifestação bucal de uma doença geral (sistêmica). ↳ Considerações a respeito dos tipos de pergunta utilizados Abaixo, apresentamos algumasperguntas que podem ser utilizadas na tentativa de obter essas informações e fazemos comentários a respeito de cada uma delas.bucal de uma doença geral (sistêmica). → “O Sr./Sra. tem algum problema de saúde?” Esse tipo de pergunta não costuma funcionar, pois há risco de paciente ter uma série de problemas de saúde que não serão relatos. Alguns motivos justificam este fato: 1. O paciente pode interpretar que as doenças que tem não influenciam na boca. Em função disso, o paciente se sente na condição de definir o que é importante o dentista saber. Ou outras vezes, o paciente apresenta aquela condição medica faz tanto tempo que ele já não vê como uma doença: “Ah o AAS? Tomo todo dia de manhã, nem é remédio.” Mesmo profissionais da área da saúde ainda acham que a boca não tem relação com problemas de outras partes do corpo. 2. O paciente pode achar que as condições que apresenta (hipertensão arterial, por exemplo) não são de fato “doenças”, pois ele já está bem adaptado a elas e o seu manejo já foi incorporado à rotina. 3. O paciente pode achar que qualquer doença ou alteração relatada pode comprometer a realização do tratamento dentário. Consequentemente omite intencionalmente qualquer variação do seu estado de saúde para se proteger e garantir o atendimento → “Esta ferida em sua boca deve incomodá-lo muito ao ponto de perturbar o seu sono, não é mesmo?” Deve haver um cuidado para não utilizar perguntas que direcionem excessivamente a resposta do paciente. Considere que existe uma tendência de o paciente buscar Resumo de estomatologia – Vanessa Wunsch responder de acordo com a expectativa do profissional. → “Quais problemas de saúde o Sr/Sra tem ou já teve?” → “Que medicamentos o Sr. já utilizou ao longo da vida?” → “Quando foi sua última consulta médica?” Algumas perguntas específicas podem contribuir na obtenção das informações relativas a saúde geral. As perguntas acima, realizadas em diferentes momentos da consulta, podem colocar o paciente em contradição e expor alguma informação que ele esteja tentando omitir. ➢ Antecedentes familiares: A identificação de doenças presentes na família, tanto crônicas quanto histórico de câncer pode ajudar na compreensão dos riscos a que o nosso paciente está exposto. Podemos questionar a respeito dos irmãos e pais do paciente, se eles têm alguma doença, se estão todos vivos e se não são qual o motivo da morte. Assim, conseguimos aprofundar o conhecimento sobre o perfil do nosso paciente. ➢ Hábitos nocivos, hábitos viciosos ou hábitos de exposição Consumo de drogas, álcool, fumo, chimarrão e exposição à radiação ultravioleta (sol) de forma desprotegida são os principais tópicos abordados neste item. Deve-se detalhar duração (há quanto tempo), frequência (diária, semanal, mensal, anual) e nível de exposição (Por exemplo, em relação ao fumo: número de cigarros consumidos por dia). É importante saber se no passado ele fumou. O paciente pode dizer que não fuma, mas ser um ex-fumante que teve esse hábito por 20 anos. Tudo isso afeta no risco para desenvolver uma série de doenças, entre elas o câncer bucal. Em relação a bebida, deve-se discriminar os tipos dividir em três grandes grupos quanto a graduação alcoólica: cerveja, vinho e destilados. Essa informação não é fácil de obter do paciente, ou por ele não saber dizer a quantidade, ou por ele subestimar a informação, ou ainda por receio de ser julgado devido a quantidade de bebida consumida. Quanto a radiação UV, é conveniente uma estimativa do número de horas de exposição por dia em caso de trabalho em ambiente aberto. Exame físico ● Introdução O exame físico é a etapa do exame clínico a partir da qual serão coletados os dados objetivos (sinais) relacionados à doença, que envolvem desde o aspecto geral de saúde do paciente até o exame específico de fora e de dentro da boca. O exame físico geral envolve avaliação de todas as partes possíveis do corpo, exceto a cabeça. Isso muitas vezes se refere a pele, pois uma série de doenças têm manifestação simultânea em pele e na boca. Como exemplos, podemos citar doenças infecciosas e doenças imunologicamente mediadas (doenças autoimunes). ● Etapas extra-bucal O exame físico extrabucal vai começar pela avaliação dos linfonodos. Estes órgãos fazem parte do sistema imune e estão espalhados por todo corpo. Três cadeias principais vão ter importância para a odontologia: A cadeia cervical superficial, que acompanha o músculo esternocleidomastoideo, os da região submandibular, e os submentonianos. 1. Para avaliar os submandibulares devemos nos posicionar atrás do paciente, inclinar sua cabeça para o lado e usar a ponta dos dedos para movimentar os tecidos moles em direção a mandíbula, que vai servir como um anteparo para percebermos esses linfonodos. 2. Para os submentonianos, deve-se inclinar a cabeça para frente e ir jogando o tecido mole contra a mandíbula, e assim percebendo se há algum linfonodo palpável na região. 3. Quanto aos cervicais, se apalpa desde o processo mastoide próximo ao pavilhão auditivo até a região junto à clavícula. A partir da palpação, será possível a identificação de linfonodos palpáveis, o que pode representar doenças inflamatórias (ativas ou não) ou neoplásicas. Essa distinção é possível com base na análise das características dos linfonodos quando esses são percebidos por estas manobras de palpação. Existem 3 possibilidades de resultado para o procedimento de palpação: 1. Processo Inflamatório Ativo Como aparecem: linfonodos palpáveis, móveis, superfície lisa, consistência fibroelástica e dolorosos. Significado: isso não quer dizer que esse processo inflamatório seja necessariamente no dente, pode estar no ouvido, no trato respiratório e regiões próximas; 2. Processo Inflamatório Anterior Como aparecem: linfonodos palpáveis, móveis, de consistência lisa e fibroelástica, porém indolores. Significado: linfonodos residuais, indicando que em outro momento houve um processo inflamatório ativo que, após debelado, deixou linfonodos com fibrose sem que haja inflamação ativa. Resumo de estomatologia – Vanessa Wunsch 3. Linfonodos metastáticos Como aparecem: linfonodos fixos, rugosos, endurecidos e indolores. Significado: presença de um tumor maligno na região próxima, seja na boca ou não, que está se disseminando para os linfonodos que atuam como “sentinelas” da região. ● Exame físico intra-bucal O exame é relativamente simples, dependendo de uma boa iluminação, espátulas de madeira e uma compressa de gaze. Importante lembrar que todas as regiões da boca devem ser incluídas nesse exame. Uma boa dica é ter uma ordem sistemática, que compreenda todas as regiões, sendo esta repetida em cada atendimento. ↳ Cuidados na realização do exame físico • Transmitir segurança. • Conhecimento das condições anatômicas e suas variações. • Boas condições de visualização. • Iluminação adequada. • Secar as áreas que serão examinadas. • Examinar toda a boca sem pressa. • Afastar estruturas ↳ Exame intra-bucal – Sequência sugerida 1. Lábio e vestíbulo bucal. 2. Mucosa jugal bilateral. 3. Fundo de sulco inferior. 4. Fundo de sulco superior. 5. Palato duro. 6. Palato mole. 7. Orofaringe. 8. Assoalho bucal. 9. Língua. No lábio deve-se observar bem o limite entre a mucosa labial e a pele, assim como a hidratação do lábio e a ausência de alterações significativas. ↳ Caracteristicas observadas: 1. Coloração 2. Simetria 3. Textura 4. Tamanho → Após a observação dos lábios, os afastamos para observar as mucosas da gengiva e labial. Procuramos identificar se feridas, alterações de cor estão presentes. Pode-se fazer a palpação buscando alterações não visíveis usando a compressão do indicador sobre o polegar. Passando para a gengiva, vale ressaltar que a gengiva inserida é mais esbranquiçada que a mucosa alveolar,isso é um padrão da ceratinização do tecido. → Na mucosa jugal, procura-se algum sinal de ruptura na continuidade da mucosa ou alteração de cor. Também fazemos a palpação e procuramos alguma anormalidade no tecido, como um nódulo que possa estar presente em profundidade e não visível na superfície. → A avaliação da mucosa do palato duro, do palato mole e da região da orofaringe também devem ser incluídas no exame. A região do palato duro é de um rosa mais esbranquiçado, pois é uma região de pouca vascularização e apresenta ceratina na superfície. A mucosa do palato mole não é ceratinizada, é mais delgada e mais vascularizada, e por isso tem esse aspecto mais avermelhado. → Os pilares amigdalianos também devem ser analisados. Se houver dúvida quando ao estado de saúde da mucosa dessa região, está indicado o encaminhamento para avaliação com um médico otorrinolaringologista. → O exame da região do assoalho bucal é feito junto com o do ventre lingual. A língua pode ser afastada com a espátula de madeira para facilitar a visualização. Além disso, pode-se fazer o exame tátil, colocando o indicador por dentro da boca e comprimindo os tecidos moles dos dedos da mão oposta que são posicionados por fora da boca. Com esta abordagem, podemos identificar algum nódulo submucoso não perceptível pelo exame visual. → Para o exame das bordas da língua, é fundamental que toda sua extensão seja avaliada. Para isso ser possível, recomenda-se o uso de uma compressa de gaze para puxar delicadamente a língua do paciente para os dois lados. Esse procedimento é feito dos dois lados e permite a visualização desde a ponta da língua (ápice) até a base (terço posterior). Na região posterior da língua, podem ser observadas elevações que representam as papilas foliáceas, estruturas anatômicas relacionadas à função da gustação.