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METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA RACHEL DUARTE ABDALA DANIEL CIMATTI METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA 1ª Edição 2018 Copyright©2018. Universidade de Taubaté. Todos os direitos dessa edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade. Administração Superior Reitor Prof. Dr. José Rui Camargo Vice-reitor Prof. Dr. Isnard de Albuquerque Câmara Neto Pró-reitor de Administração Prof. Dr. Francisco José Grandinetti (interino) Pró-reitor de Economia e Finanças Prof. Dr. Mario Celso Peloggia (interino) Pró-reitora Estudantil Profa. Ma. Angela Popovici Berbare Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Profa. Ma. Angela Popovici Berbare (interino) Pró-reitora de Graduação Profa. Dra. Nara Lucia Perondi Fortes Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Dr. Francisco José Grandinetti Coordenação Geral EaD Profa. Dra. Patrícia Ortiz Monteiro Chefe do Setor EAD Coordenação Pedagógica Profa Ma. Sanmya Feitosa Tajra Profa. Dra. Ana Maria dos Reis Taino Coordenação de Regulação Coordenação Acadêmica de Polos Coordenação de Tecnologias de Informação e Comunicação Profa. Ma. Rosana Giovanni Pires Aline Cristina da Silva Prazeres Wagner Barboza Bertini Coord. de Área: Ciências da Nat. e Matemática Profa. Ma. Maria Cristina Prado Vasques Coord. de Área: Ciências Humanas Profa. Dra. Suzana Lopes Salgado Ribeiro Coord. de Área: Linguagens e Códigos Profa. Dra. Juliana Marcondes Bussolotti Coord. de Curso de Pedagogia Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Gestão e Negócios Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Recursos Naturais Supervisão Pedagógica de Objetos de Aprendizagem Supervisão de Linguística dos Objetos de Aprendizagem Supervisão de Impl. de Objetos de Aprendizagem Supervisão de ACC Supervisão de TCC Supervisão de Estágio Supervisão de Tutoria Eletrônica/Presencial Supervisão de Avaliação Supervisão ENADE Revisão ortográfica-textual Projeto Gráfico Diagramação Autores Profa. Ma. Ely Soares do Nascimento Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira Prof. Dr. João Carlos Nordi Profa. Dra. Mariana Aranha Souza Profa. Ma. Isabel Rosângela dos Santos Amaral Profa. Ma. Andréa Maria Giannico de Araujo Viana Consolino Profa. Ma. Simone Guimarães Braz Profa. Ma. Eliana de Cássia Vieira de Carvalho Salgado Profa. Ma. Ely Soares do Nascimento Profa. Esp. Antônia Lucineire de Almeida Profa. Ma. Susana Aparecida da Veiga Profa. Ma. Juraci Lima Sabatino Profa. Ma. Isabel Rosângela dos Santos Amaral Me. Benedito Fulvio Manfredini Bruna Paula de Oliveira Silva Rachel Duarte Abdala Daniel Cimatti Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432, Centro Taubaté – São Paulo. CEP:12.020-270 Central de Atendimento:0800557255 Polo Taubaté – Sede Avenida Marechal Deodoro, 605, Jardim Santa Clara Taubaté – São Paulo. CEP:12.080-000 Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530 Secretaria: (12) 3622-6050 Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi Sistema Integrado de Bibliotecas / UNITAU A135m Abdala, Rachel Duarte Metodologia do ensino de História. / Rachel Duarte Abdala, Daniel Cimatti. UNITAU, 2018. 68f. : il. ISBN: 978-85-9561-038-5 Bibliografia 1. História. 2. Material didático. 3. Avaliação. I. Cimatti, Daneil II. Universidade de Taubaté. III. Título 1 PALAVRA DO REITOR Palavra do Reitor Toda forma de estudo, para que possa dar certo, carece de relações saudáveis, tanto de ordem afetiva quanto produtiva. Também, de estímulos e valorização. Por essa razão, devemos tirar o máximo proveito das práticas educativas, visto se apresentarem como máxima referência frente às mais diversificadas atividades humanas. Afinal, a obtenção de conhecimentos é o nosso diferencial de conquista frente a universo tão competitivo. Pensando nisso, idealizamos o presente livro- texto, que aborda conteúdo significativo e coerente à sua formação acadêmica e ao seu desenvolvimento social. Cuidadosamente redigido e ilustrado, sob a supervisão de doutores e mestres, o resultado aqui apresentado visa, essencialmente, a orientações de ordem prático-formativa. Cientes de que pretendemos construir conhecimentos que se intercalem na tríade Graduação, Pesquisa e Extensão, sempre de forma responsável, porque planejados com seriedade e pautados no respeito, temos a certeza de que o presente estudo lhe será de grande valia. Portanto, desejamos a você, aluno, proveitosa leitura. Bons estudos! Prof. Dr. José Rui Camargo Reitor 2 3 Prefácio Este livro-texto, denominado Metodologias do Ensino de História, trata da relação entre História e Educação na sociedade brasileira, além de abordar questões teórico- metodológicas do ensino da história, assim como temas importantes como planejamento escolar e avaliação. Sabemos que o ensino de história perpassa questões relativas a conteúdos, sendo que sua abordagem com base em datas e heróis já é ultrapassada não atingindo os propósitos de construção do conhecimento e a sociedade atual precisa e espera da atuação do professor de história. Para isso, é essencial que se abordem questões relativas à disciplina de História em suas dimensões teóricas e práticas e até de desenvolvimento como disciplina. Na busca pelo entendimento dos caminhos percorridos pela História, ciência e disciplina, é preciso entender como são realizadas sua pesquisa e análise. O presente livro-texto traz uma luz sobre os conceitos históricos e a utilização das fontes históricas, e também sobre como funcionam seu manejo e classificação. Da mesma forma, é relevante que exista clareza do livro didático, suas concepções e formas de utilização. Outro tema significativo para esta discussão é a avaliação, suas formas, princípios e possibilidades. Finalmente, pode-se dizer que os autores Rachel Duarte Abdalla e Daniel Cimatti utilizam uma linguagem que facilita a leitura e o entendimento de forma a propiciar reflexões e aprendizados significativos desta área tão fascinante. Bons estudos e sucesso! Prof. David Carneiro Coordenador do Curso de História 4 Sobre o autor RACHEL DUARTE ABDALA: formada em História – Licenciatura e Bacharelado - pela Universidade de São Paulo (1999), Mestre (2013) e Doutora (2003) em História da Educação pela mesma instituição. Atua como coordenadora pedagógica e docente do Curso de História da Universidade de Taubaté, na modalidade presencial. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em História da Universidade de Taubaté. Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação da Universidade de São Paulo. Coordenadora do subprojeto de História do Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência na Universidade de Taubaté. Docente permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Humano da UNITAU. DANIEL CIMATTI: formado em Licenciatura em História pela Universidade de Taubaté (2015). Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Taubaté (2005). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em História da Universidade de Taubaté. Atuou como docente de História no Colégio de Aplicação da Universidade de Taubaté Dr. Alfredo José Balbi. Participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência-PIBID, na área de História. Participou do Projeto de Extensão Universitária: Redenção da Memória e da elaboração da Coletânea de Memórias de Redenção da Serra. Atualmente desenvolve pesquisa na área do Ensino de História.5 6 Caros(as) alunos(as), Caros( as) alunos( as) O Programa de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com profissionais capacitados e se apoia em base sólida, que advém da grande experiência adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de mais de 35 anos de História e Tradição. Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial. Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais. A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como subsídio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das Unidades, dicas de leituras e indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo estudado. Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de blog, fórum, diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem. Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais atores desta formação. Para todos, os nossos desejos de sucesso! Equipe EAD-UNITAU 7 8 Sumário Palavra do Reitor .............................................................................................................. 1 Prefácio ............................................................................................................................. 3 Sobre o autor ..................................................................................................................... 4 Caros(as) alunos(as) ......................................................................................................... 6 Ementa ............................................................................................................................ 10 Objetivos ......................................................................................................................... 13 Unidade 1 História como Disciplina Escolar ............................................................. 17 1.1 Por que se ensina História? ....................................................................................... 17 1.2 Como e o que se ensina em História ........................................................................ 20 1.3 Síntese da Unidade ................................................................................................... 24 1.4 Para saber mais ......................................................................................................... 24 1.5 Atividades ................................................................................................................. 26 Unidade 2 Fontes Históricas como Material Didático .............................................. 28 2.1 O uso de documentos como material didático .......................................................... 30 2.2 Documentos não escritos no ensino de História ....................................................... 34 2.3 Síntese da Unidade ................................................................................................... 39 2.4 Para saber mais ......................................................................................................... 40 2.5 Atividades ................................................................................................................. 41 Unidade 3 O Livro Didático e o Ensino de História ................................................. 43 3.1 O livro didático como recurso e material pedagógico .............................................. 44 3.2 O uso do livro didático no ensino de História .......................................................... 47 9 3.3 Síntese da Unidade ................................................................................................... 50 3.4 Para saber mais ......................................................................................................... 51 3.5 Atividades ................................................................................................................. 52 Unidade 4 Avaliação .................................................................................................... 53 4.1 O que é avaliar, tipos e critérios de avaliação .......................................................... 53 4.2 Instrumentos e atividades de avaliação no ensino de História ................................. 56 4.3 Síntese da Unidade ................................................................................................... 59 4.4 Para saber mais ......................................................................................................... 59 4.5 Atividades ................................................................................................................. 60 Referências ..................................................................................................................... 60 10 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA Ementa ORGANIZE-SE!!! Você deverá dispor de 3 a 4 horas para realizar cada Unidade. EMENTA História e a educação na sociedade brasileira contemporânea. A questão teórico-metodológica e o ensino da História na educação básica; conteúdo programático; livro didático e outros recursos no ensino de História da educação básica; planejamento escolar e avaliação. 11 12 13 Objetivo Geral Compreender a História enquanto área do conhecimento específica e a sua contribuição para a formação dos estudantes, no desenvolvimento da pesquisa e no exercício da docência. Obj eti vos Objetivos Específicos • Refletir sobre a contribuição da história na solução dos problemas políticos, culturais e sociais. • Analisar as diversas possibilidades de fontes para o ensino de história. • Discutir as potencialidades de construção de conhecimento histórico em sala de aula. 14 15 Introdução Nesse livro-texto, trataremos de aspectos sobre a Metodologia específica do Ensino de História. Embora haja diversos elementos comuns a todas as metodologias de ensino, que englobam desde dimensões didáticas a recursos, há especificidades que precisam ser estudadas visando à formação de futuros professores de cada área. Ensinar História é muito mais do que ensinar sobre os fatos históricos e as cronologias dos períodos históricos. Ensinar História é ensinar a ser crítico e a perceber o contexto que nos cerca e como podemos nos posicionar e agir. Para tanto, o professor de História precisa, além do conhecer bem os conteúdos, ter olhar crítico e questionador, para poder ensinar isso a seus alunos. No caso da História, é necessário pensar que a própria constituição da História como disciplina tem um percurso que precisa ser estudado para secompreender por que o ensino de História é da forma que é hoje em dia como resultado desse processo. Afinal, se estamos tratando de História precisamos perceber a necessidade de conhecer esse percurso. Desse modo, o livro-texto apresenta a Unidade 1 com o título: “A História como disciplina escolar”, a qual foi subdivida em dois tópicos. No primeiro, procuraram-se apresentar funções, objetivos e motivações do ensino de História; no segundo, apresentamos as discussões acerca do conteúdo curricular da disciplina. Deve-se considerar que esse conteúdo foi constituído historicamente, ou seja, ao longo do tempo, de acordo com os diferentes contextos históricos, e que esse livro-texto se concentra no currículo brasileiro. Na Unidade 2, intitulada “Fontes históricas como material didático”, partiu-se do pressuposto, definido na década de 1990, de que todo material utilizado como recurso didático em sala de aula pode ser considerado material didático. Essa concepção alarga a ideia de que o material didático se restringe ao livro didático, consolidado como um 16 recurso quase que exclusivo no senso comum. No caso do ensino de História, as fontes utilizadas para as pesquisas na área podem e devem ser empregadas no ensino, tanto como fontes quanto como recursos didáticos. Assim, essa Unidade trabalha o próprio conceito de fonte e documento histórico. Já a terceira Unidade, foi dedicada especificamente ao livro didático de História. A quarta e última Unidade teve como foco o processo de avaliação, englobando as particularidades da disciplina de História, bem como critérios e instrumentos de avaliação. Com esses tópicos esperamos contribuir para a capacitação e formação dos futuros professores de História, com a percepção de que a formação inicial é apenas o começo e de que o processo se estende e se completa com a prática, e de que muitos outros aspectos podem e devem ser abordados. Desse modo, é importante lembrar que aprender a ser professor é um processo que não tem fim. Bons estudos! 17 Unidade 1 Unidade 1 . História como Disciplina Escolar “Queiram ou não, é impossível negar a importância sempre atual do ensino de História. Nas palavras do historiador Eric Hobsbawm: ‘Ser membro da comunidade humana é situar-se com relação a seu passado’, passado este que ‘é uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e padrões da sociedade’. A História é referência. É preciso, portanto, que seja bem ensinada”. (Jaime Pinsky e Carla B. Pinsky, 2010) Com essa reflexão, os autores chamam a atenção para o fato de que ensinar e estudar História é importante porque a História diz respeito à compreensão da humanidade. Além disso, indicam a necessidade de que ela seja “bem ensinada”, reforçando a ideia de que para ser bem ensinada é preciso mais do que conhecer o conteúdo. A própria trajetória de constituição da disciplina, nesta Unidade, propõe-se à reflexão acerca deste aspecto. Assim, para iniciarmos nossos estudos em Metodologia do Ensino de História, podemos nos nortear pela definição de Fonseca (2004) de disciplina escolar, como um conjunto de conhecimentos organizados para o ensino escolar, com finalidades específicas, concebidas do interesse de grupos e instituições. Sendo assim, podemos entender que a História como disciplina escolar nasceu da necessidade de determinado grupo ou sociedade levar para as salas de aula sua própria narrativa, a qual obedece a padrões e métodos próprios à educação. Assim, entendemos que para ensinar História devemos conhecer não só o conteúdo, mas também as especificidades do ensino dessa área do conhecimento e o seu percurso de constituição. 1.1 Por que se ensina História? 18 Responder a essa questão pode parecer simples, mas é muito mais complexo do que podemos supor. Em primeiro lugar, assim como outras questões de definição conceitual, a resposta a essa pergunta deve ser contextualizada, pois muda de acordo com os períodos históricos. Além disso, a resposta a essa questão poderia e deveria não só considerar a prática do professor de História e o currículo desta disciplina, mas também orientar políticas públicas de educação, visto que a História ultrapassa a dimensão disciplinar. Um desdobramento dessa questão em outros termos poderia ser: “Para que serve o ensino de História?”. Bem, para nós não serve para nada. Radical? Não, de forma alguma! Apenas uma resposta baseada no estudo da epistemologia do verbo servir, que remete historicamente a processo de subjugação de grupos humanos por outros grupos humanos. A História não serve para nada porque ela é o que nós somos. Assim, estudar História significa estudar nós mesmos e como chegamos até aqui. Como disciplina escolar, pode-se dizer, que a História surgiu no contexto da afirmação das identidades nacionais e da legitimação dos poderes políticos, em meados do século XIX. Nesse cenário, a História ocupou posição central no conjunto de disciplinas escolares, pois, cabia-lhe apresentar às crianças e aos jovens o passado glorioso da nação e os feitos dos grandes vultos da pátria. Esses eram os objetivos da historiografia comprometida com o Estado e sua profusão alcançava os bancos das escolas por meio dos programas oficiais e dos livros didáticos, elaborados sob estreito controle dos detentores do poder (FONSECA, 2004, p. 24). No decorrer da História, no Brasil, durante o período da Ditadura Militar, a História foi suprimida como disciplina escolar e passou a compor, junto com Geografia, a disciplina de Estudos Sociais, bastante limitada em seu conteúdo crítico e transformador. Além disso, de acordo com a leitura de Jaime e Carla Pinsky (2010), vivenciamos também o que os autores denominam de um “esvaziamento” de conteúdo em detrimento do foco no posicionamento político nas décadas de 1960 e 1970. Crítica e política sctricto sensu valiam mais que o estudo. Hoje tais outras estão superadas e temos consciência de que pagamos todos muito caro pela nossa leviandade: o conteúdo da disciplina foi deixado de lado, erudição foi considerada coisa de esnobes e a leitura da História 19 foi duramente prejudicada por tal simplismo (PINSKY, PINSKY, 2010, p. 18). Hoje, em tempos repletos de estímulos audiovisuais, de uma infinidade de formas de acesso à informação (não que isto seja depreciativo), há uma necessidade de se formalizar, estruturar e sistematizar o que é conhecimento em suas dimensões filosóficas, sem que, com isso, ocorra a diminuição do interesse pelo entretenimento ou, pelo que Silva (2013) define como “História Pública”, caracterizada por livres adaptações que roteiristas, jornalistas, cineastas, cartunistas, etc. constroem sob a luz de suas próprias interpretações, acerca de determinado fato histórico, com o propósito de atingir o maior número de pessoas. E, o que diferencia o conhecimento acadêmico-científico da chamada “história popular”? É o próprio rigor metodológico. Enquanto obras literárias ou cinematográficas são produzidas com base em eventos históricos, ainda assim, lhes é permitida a ‘liberdade poética” de criação e a construção de uma ficção sobre esses fatos. Já a escrita acadêmica exige técnica e rigor. O historiador, em suas análises ou até mesmo na confecção de livros e artigos, baseia-se numa série de fundamentos teórico-metodológicos para uma narrativa mais coesa, que o aproxime ao máximo do real, mas não de uma verdade concreta, permitindo, nesse sentido, ser refutada por novas argumentações, o que torna a História uma ciência viva e dinâmica. Portanto, ensinar História é situar os indivíduos e sociedades em seu devido lugar e tempo, apresentando-lhes as especificidades e condições às quais estava relacionado determinado evento; isso é o que se define na área de História comocontextualização. Desse modo, o ensino de História atende as recomendações do Ministério da Educação previstas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que são as de ampliar a capacidade dos alunos de problematizar os fatos cotidianos possibilitando a reflexão acerca das diversas temporalidades nos movimentos de mudanças e continuidades. Também é função da História enquanto disciplina escolar, integrada às demais disciplinas da área de Ciências Humanas, empregar o caráter humanista do conhecimento, superando a visão meramente tecnicista e utilitária do ensino escolar, reforçando os aspectos de vida em sociedade, assim como o papel de cada um no processo histórico. 20 A História tem, desse modo, um potencial transformador que deve ser trabalhado no seu ensino. Portanto, ensina-se História porque é preciso conhecer nossa História para poder transformar nosso presente e nosso passado. No texto com o provocativo título “Os professores de história ainda são necessários?”, Ana Maria Monteiro (2004) afirma que o preconceito contra o passado e a má compreensão do trabalho docente prejudicam o ensino de História. E finaliza sua constatação de que felizmente ainda há pessoas que acreditam que a história é indispensável para compreender a sociedade, superando visões imediatistas ou fatalistas. Em resposta à questão anunciada no título do texto, afirma que “os professores de História não são apenas necessários, são fundamentais”. Assim, pensamos que para responder a questão: “por que ensinar História”, é preciso que se discuta também quem é o professor de História e o que ele faz. 1.2 Como e o que se ensina em História Agora que entendemos o que é disciplina escolar, e por que se ensina História nas salas de aula, vamos compreender o que é ensinado e de que forma ocorre esse processo didático pedagógico. Segundo o conceito de transposição didática apresentado por Bittencourt (2008), o conhecimento produzido nas academias passa por um processo de transposição até chegar às unidades escolares. A transposição de que trata nada mais é do que a adaptação dos temas discutidos nas universidades, modificada pelos diferentes agentes sociais que compõem o mecanismo educacional, como professores, alunos, família, autores de livros didáticos, e gestores educacionais. Nesse sentido, a didática tem papel fundamental, na qualidade de intermediadora entre a produção acadêmica e o que deve ser ensinado em sala de aula. No caso da História, trabalha-se no sentido do saber histórico em sala de 21 aula, ou a História ensinada, ou seja, como se ensina o que se produz na pesquisa na área de História. A utilização de instrumentos metodológicos apropriados à prática de uma boa didática evita o distanciamento e a vulgarização do conhecimento acadêmico levado aos alunos de ensino fundamental e médio, visto que é a produção científica que fornece legitimidade às disciplinas escolares. Considerando, então, que as disciplinas são adaptações de um pensamento técnico acadêmico, instituído por um grupo ou entidade, voltado a atender sua demanda e necessidade, e que conta ainda com as interferências dos diferentes atores sociais, cabe fundamentalmente ao professor, no uso de suas atribuições e de sua autonomia de trabalho, escolher manter-se restrito aos conteúdos tradicionais ou então, adaptá-los a conteúdos mais significativos visto as diferentes realidades culturais e sociais do público escolar, desenvolvendo métodos e recursos capazes de transformar verdadeiramente esses alunos. Esse parece ser o maior desafio do professor no decorrer de sua atividade profissional: saber escolher. A escolha do conteúdo a ser oferecido deve considerar a multiplicidade de recursos disponíveis, o tipo de acesso que o aluno tem às diferentes formas de pesquisa e de materiais didáticos, as condições específicas da escola em que o professor atua, e, ainda assim, fazer com que o conteúdo todo caiba dentro do tempo destinado à disciplina pelo programa pedagógico. Depois de vencidos os obstáculos citados anteriormente, para que o ensino de História seja minimamente proveitoso é imprescindível que o professor tenha domínio dos conceitos. As especificidades dos conceitos históricos a ser apreendidos no processo de escolarização têm conotações próprias de formação intelectual e valorativa, e a precisão conceitual torna-se fundamental para evitar deformações ideológicas (BITTENCOURT, 2008, p. 195). 22 Dessa forma podemos considerar o conceito histórico como a principal ferramenta que o professor/historiador possuí para o desenvolvimento de seu trabalho que é pensar e interagir em suas análises. Na obra Dicionário de Conceitos Históricos os autores Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva (2006) propõem uma classificação dos conceitos históricos em três tipos fundamentais. Para esse estudo consideraremos essa classificação: 1. Conceitos históricos stricto sensu – noções que só podem ser utilizadas para períodos e sociedades particulares. Ex. Absolutismo, Revolução Francesa, Comunismo. A principal característica dos conceitos históricos stricto sensu é que eles são datados, ou seja, se referem a fatos e fenômenos singulares, pois eles só acontecem uma vez. 2. Categorias de análise – conceitos mais abrangentes, que podem ser empregados para diferentes períodos históricos. Ex. Escravidão, Cultura, Gênero, Imaginário. Em contraposição aos conceitos históricos, as categorias de análise são conceitos mais abrangentes, que não se restringem a um único período histórico. Esse tipo de conceito da História se baseia na historicidade, ou seja, muda de acordo com o período histórico e sociedade em que é empregado. 3. Conceitos ferramentas – operacionais para o trabalho e para a escrita do historiador. Ex. Historiografia, Teoria, Interdisciplinaridade. Embora, como já vimos todos os conceitos sejam fundamentais para o trabalho e a escrita do historiador para operacionalizar sua análise, há conceitos que são comuns a todos os historiadores, independentemente de seu objeto de estudo. Esses conceitos são como ferramentas, das quais nenhum historiador pode se furtar sem que haja prejuízo ou até a inviabilização de seu trabalho. Seguindo ainda a temática de conceitos históricos, existem aqueles que são considerados conceitos fundamentais para a História: tempo, memória e cultura. Tempo: é provavelmente o conceito mais fundamental da História. Durante alguns séculos a História foi identificada como o estudo do passado, uma dimensão do tempo. O tempo, o espaço, o homem, os fatos e a Filosofia são os cinco pilares que criam as condições de existência da História, considerados, portanto, os pilares epistemológicos da História. O tempo da História é o tempo dos seres humanos organizados em sociedade, tempo da 23 realidade social. Assim, o tempo dos historiadores tem três dimensões: o tempo organizado como sequência (cronologia); o tempo organizado como lugar onde se desenrola (espaço); e o tempo organizado pelas transformações ou jogo de combinações (intensidade). Por fim, a periodização, ou o recorte temporal, ou ainda a baliza cronológica, é a condição essencial e primordial do trabalho do historiador. Essa operação se constitui em determinar o início e o fim do período e/ou fato a ser analisado. Memória: é o que os homens guardam de seu passado, evitando que o tempo passado caia no esquecimento, que é remetido na maior parte das vezes à lembrança, construindo ao mesmo tempo sua identidade; é o que faz o passado ser diferente do presente. Já a História é o registro da memória coletiva, é uma atualização do passado trazido pela memória que é registrado e integrado. A história traz o passado para o presente. A memória tornou-se um objeto de estudo para a História, constitui-se uma fonte capaz depreencher fatos, completando o quebra-cabeça; o campo principal utilizado pelos historiadores para trabalhá-la é a História Oral. Os estudos nesse campo não se dão apenas através da memória individual, mas também sobre a memória coletiva. Cultura: termo amplamente empregado para designar padrão ideal de manifestação humana. Tem um sentido de posse, como se a cultura fosse algo passível de ser adquirido. Se utilizarmos o Dicionário de Conceitos Históricos, poderemos encontrar a seguinte definição para cultura: O significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente (SILVA; SILVA, 2008, p. 85). 24 1.3 Síntese da Unidade Nesta Unidade discutimos a importância da História enquanto disciplina escolar, suas especificidades e características. Espera-se que o que fora apresentado possibilite a reflexão sobre como e por que se ensina História nas escolas, bem como fomente a curiosidade de aprofundamento no tema. Apresentamos ainda o conceito histórico enquanto conhecimento, como base para análise historiográfica ou ofício do historiador. 1.4 Para saber mais Filmes e telenovelas • Meia noite em Paris Ano: 2011 País: EUA / Espanha Direção: Woody Allen Distribuição: Paris Filmes Elenco principal: Kathy Bates, Adrien Brody, Carla Bruni, Marion Cotillard, Rachel McAdams, Michael Sheen, Owen Wilson. Sinopse: Gil (Owen Wilson) sempre idolatrou os grandes escritores americanos e sonhou ser como eles. A vida o levou a trabalhar como roteirista em Hollywood, o que fez com que fosse muito bem remunerado, mas que também lhe rendeu uma boa dose de frustração. Agora ele está prestes a ir a Paris ao lado de sua noiva, Inez (Rachel 25 McAdams), e dos pais dela, John (Kurt Fuller) e Helen (Mimi Kennedy). John irá à cidade para fechar um grande negócio e não se preocupa nem um pouco em esconder sua desaprovação pelo futuro genro. Estar em Paris faz com que Gil volte a se questionar sobre os rumos de sua vida, desencadeando o velho sonho de se tornar um escritor reconhecido. Livros • Dicionário de conceitos Históricos Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva Esta obra foi produzida para que o conhecimento histórico se tornasse mais acessível a um maior número de pessoas e, nesse contexto, os autores trazem uma linguagem mais dinâmica com um vocabulário menos técnico. Nas palavras dos próprios autores, esta obra foi realizada para auxiliar na capacitação e no planejamento de estratégias didáticas para tornar a História não só mais compreensível como também mais relevante socialmente. O livro apresenta-se como uma excelente obra de referência para quem busca uma solução prática e condensada de um determinado tema. Os conceitos históricos foram distribuídos em ordem alfabética para facilitar a busca e a leitura e acompanha uma lista de livros para aprofundamento dos estudos sobre cada conceito. • O Ensino de História: Fundamentos e Métodos Circe Maria Fernandes Bittencourt Neste livro direcionado a professores que atuam nas redes de ensino fundamental e médio, bem como para professores dos cursos de licenciatura, a autora realiza uma reflexão sobre o ensino de História em relação a métodos e conteúdos mais adequados a serem utilizados 26 em sala de aula. O texto apresenta, além das discussões e aprofundamento da autora, estudos realizados na área de educação, tanto no Brasil como no exterior, por inúmeros pesquisadores. O livro é dividido em três partes: a primeira apresenta as especificidades da História enquanto disciplina escolar; a segunda insere o campo teórico-metodológico das práticas escolares; na terceira parte problematiza os materiais didáticos como mediadores do processo ensino-aprendizagem. O objetivo desta obra é auxiliar o professor no exercício diário de sua profissão oferecendo novas perspectivas para as práticas docentes. Sites • Ministério da Educação: www.mec.gov.br No site do Ministério da Educação é possível acompanhar as discussões acerca das mudanças curriculares e as políticas públicas de educação em âmbito nacional. • ANPUH - Associação Nacional de História: http://site.anpuh.org/ Esse é o endereço eletrônico da entidade profissional dos historiadores brasileiros que divulga notícias sobre eventos e publicações da área, decisões políticas de interesse dos historiadores, bem como discussões e documentos acerca da pesquisa e do ensino de História no Brasil. 1.5 Atividades Esperamos que tenha sido um início estimulante e agradável ao saber e fazer histórico. Então nada melhor do que colocar em prática o conteúdo apresentado. Vamos aos exercícios! 1. Considerando a disciplina escolar como um conjunto de conhecimentos organizados para o ensino escolar, com finalidades específicas, concebidos do 27 interesse de grupos e instituições, quais seriam os interesses sociais e políticos em relação ao ensino de História? 2. Os professores de História ainda são necessários? A partir dessa questão, responda-a e reflita sobre as especificidades do professor de História, considerando sua formação e sua atuação: O que significa ser professor de História hoje? 3. A partir da análise da imagem ao lado, de M. Escher, elabore uma reflexão acerca da função do professor de História. 4. Pesquise sobre as discussões sobre as mudanças curriculares da disciplina de História ao longo do tempo e sobre as mais recentes com foco na elaboração da Base Comum Curricular. Figura 1.1: Drawing Hands de, 1948 de M. C. Escher (1898 - 1972). Fonte: abrimus.blogspot.com.br/2008/11/escher-e-sua- ciencia.html Acesso em: 12 abr. 2018 28 Unidade 2 Fontes Históricas como Material Didático 29 “O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e se aperfeiçoa.” (Marca Bloch) A partir dos estudos da Unidade anterior, pensamos a História como disciplina escolar, suas particularidades e especificidades didáticas. Traremos agora um olhar sob as fontes históricas e sua utilização como material didático. A partir da frase do historiador Marc Bloch, é possível refletir acerca da relação entre as fontes históricas, ou seja, os documentos, e os recursos didáticos. A rigor, todo material utilizado em sala de aula como recurso didático pode ser considerado material didático. Nesse sentido, as fontes de informações para a produção dos historiadores podem ser empregadas como materiais didáticos. Tem-se como fonte histórica todo e qualquer vestígio do passado humano, podendo ser este vestígio material (documentos escritos, fragmentos de artefatos, roupas) ou imaterial (rituais, danças, mitos). Portanto, é sobre os vestígios da ação humana que o historiador vai realizar seu trabalho de investigação e a mais importante das funções de seu ofício: a escrita da História. Nesse sentido, o que existe de mais valioso para o historiador é o documento. Mas o documento em questão não é só relativo àquele escrito ou oficial. Aqui trataremos documento como sinônimo de fonte histórica, sendo ele então passível de divisão em três níveis: escrito, material e audiovisual. O documento escrito, como a própria nomenclatura sugere, pode ser um registro oficial, um livro, um testamento, ou seja, sua importância encontra-se no texto em questão. Um documento material é um objeto no qual o homem deixou seuregistro de forma concreta, como um artefato, uma construção, uma ferramenta. Já o documento audiovisual é caracterizado pelo registro em imagens e sons, como o grafismo e a música. Enquadram-se nessa denominação as veiculações por meio de rádio, televisão, internet e demais meios de difusão audiovisual. 30 2.1 O uso de documentos como material didático Diferentemente do historiador que nas atribuições de seu oficio busca encontrar nas fontes uma nova abordagem teórico-metodológica, na sala de aula não cabe aos alunos de ensino fundamental e médio esse tipo de responsabilidade. Mas, então, qual seria o objetivo da utilização de documentos como material didático? Bittencourt (2008) coloca que a utilização de documentos em sala de aula apresenta-se como um instrumento de reforço ou fonte de informação, podendo-se utilizar este recurso como ponte para o debate de determinado assunto. O uso desse recurso permite ainda ao professor discorrer sobre preservação, esclarecendo uma importante função de fontes históricas que é a de representar um patrimônio cultural social. Além disso, quando o professor se apropria de fontes históricas como ferramenta didática, ele apresenta aos alunos uma característica fundamental da escrita da História: a relatividade do conhecimento histórico. Mas o que significa isso? Significa que o conhecimento histórico não pretende ser definitivo nem absoluto. Ele é uma construção intelectual, baseado nas concepções e conceitos relativos ao contexto no qual fora concebido. Portanto é passível de discussão e crítica. 31 É bastante claro que esse conhecimento é construído sob um forte alicerce teórico- metodológico, e que não será desconstruído apenas com a refutação de uma observação não técnica sobre determinado documento, mas a utilização dessa fonte como recurso didático permite uma aproximação do aluno com a História. Figura 2.1: Lei Aurea Fonte: Instituto Brasileiro de Museus Acesso em: 12 abr.2018 32 Permite-se então ao aluno conhecer um pouco do que é ser historiador, e de que forma é produzido aquele conteúdo apresentado em sala de aula. Assim como afirma Luis Fernando Cerri, Usado com mais sofisticação, o documento pode gerar situações- problema, capazes de chamar a atenção e suscitar dúvidas, cuja solução, buscada a partir de hipóteses levantadas pelo professor, mobilizará a curiosidade e a participação do aluno. Extremamente rico, este tipo de atividade reproduz, em outra escala, alguns dos passos obrigatórios do historiador (CERRI, 2004, p. 48). Além do cuidado com a escolha da fonte a ser utilizada, é necessário que o professor aponte as referências e contextos daquele determinado documento com o conteúdo ministrado. O diagrama desenvolvido por Bittencourt (2008) demonstra de que forma deve ser feita a análise e o comentário de um documento a ser utilizado em sala de aula: 33 Uma análise documental pode ser feita completa ou em etapas ou partes. Abaixo apresentamos uma sugestão de etapas para uma análise documental completa. 1. Informações gerais do documento: extraídas do próprio documento. Título, autor, data, completo ou excerto, detalhe, trecho; se parte, de qual obra; original ou tradução. 2. Pesquisa de informações sobre o autor: investigação em livros de referência (enciclopédias, dicionários, etc.). Vida, obra, influências. 3. Pesquisa sobre o conteúdo do documento: data, referências, gênero, estilo, categoria, assunto. 4. Elementos para a compreensão do documento: contexto histórico, formato, aspectos específicos. 5. Acesso: se documento original, indicar a instituição de guarda, referência de catalogação e as condições físicas; se reprodução, ou quando a obra já é de domínio público, indicar a edição ou obra na qual o documento completo ou parte dele foi reproduzido. 6. Reprodução: quando possível, reproduzir na análise o documento. 7. Análise e conclusões: pesquisa de termos utilizados (termos e conceitos sobre os quais haja dúvida ou que sejam fundamentais para a compreensão do texto) e de referências a autores, fatos ou lugares; leitura atenta das entrelinhas, ou seja, não se prender ao empírico. Comentários baseados em conclusões a partir do documento e da pesquisa realizada. 34 2.2 Documentos não escritos no ensino de História Como vimos anteriormente, os documentos são a base do oficio do historiador. Num documento não escrito, a “leitura” que se faz dessa fonte é sobre o significado, a origem, o contexto em que foi produzido, os costumes e as práticas de uma sociedade. Nesse contexto o museu se apresenta como uma das mais ricas fontes de informação não escrita, isso não significa que a existência de museus de literatura tenham importância relativamente menor, mas, sim, que o projeto de museu é a variedade de fontes históricas. O museu não deve ser considerado importante apenas aos historiadores. Deve-se trabalhar a coletividade dentro do universo escolar, superando a ideia depreciativa de um passado “atrasado”, de “coisas velhas, sem sentido”, ressaltando a relevância do lugar de memória e preservação da cultura material social, que é o que o museu representa em sua essência. Assim como o documento escrito, a forma de se introduzir uma peça de museu como fonte de conhecimento histórico parte de informações prévias sobre a confecção, sobre o tempo histórico, sobre as condições na quais fora produzida. Porém, um objeto, que não somente um texto, permite ao aluno explorar as particularidades daquela fonte, como a textura, as cores, o formato, as dimensões. Essa experiência sensorial possibilita ao estudante uma análise mais rica em relação às sensações a que foi exposto. Figura 2.2: Alegoria da República. Manuel Lopes Rodrigues Fonte: Museu de Arte da Bahia Acesso em: 15 abr. 2018 35 Ainda em relação ao uso didático de documentos não escritos, a iconografia se apresenta como outro dos recursos mais atrativos e estimulantes para os alunos, e tem tido um crescimento significativo nos livros didáticos desde a segunda metade do século XX. Para Bittencourt (2009), o uso desse tipo de documento nas aulas de história pode favorecer a introdução do aluno no pensamento histórico, e a iniciação aos próprios métodos de trabalho do historiador. Ao pensarmos imagem como recurso didático, antes é necessário criar uma base conceitual sobre o tema. Tendo-se o pressuposto de que a imagem é uma representação do real, principalmente em termos de historiografia, Makowiecky (2003) coloca que a representação – imagem – é capaz de tomar o lugar do real, através da analogia que o significado da representação faz da própria realidade. Para esclarecer a ideia acima, tomemos como exemplo as imagens sacras dentro de templos religiosos. Na prática, são objetos inanimados, confeccionados em madeira, barro, pedra, gesso, e assim por diante. Porém, enquanto representação espiritual, dentro de uma crença e ritualística, aquele objeto passa a ser o própria santidade representada, e nesse momento representação e realidade passam a ser uma só coisa. Assim vale também para as artes plásticas; de acordo com Chartier (1991), o que elas representam não é um fato em si, mas as impressões que são registradas e que transformam a realidade dando sentido ao mundo. Sobre a temática, Pereira (2014) argumenta que os significados que são dados às imagens são a maneira de tornar real aquilo que é experimentado pela visão Ver é produzir conhecimento sobre aquilo que é visto. Sendo assim, a utilização de imagens na sala de aula é um modo de provocar a reflexão. A imagem vivenciada cotidianamente nos espaços coletivos pode ser instrumento de análise do cotidiano (PEREIRA, 2014, p.19). Ainda de acordo com a autora, é a cultura, por ser umacriação coletiva, que possibilita ao sujeito dar sentido às imagens, tanto as que ele vê como as que ele cria. Tendo essa base inicial sobre conceito de imagem e representação, temos que saber utilizar como ferramenta didática o verdadeiro arsenal de imagens vindas das mais 36 diferentes fontes, desde as imagens presentes nos livros didáticos até as imagens tecnológicas relacionadas a televisão, cinema e fotografia. Essa escolha segue o mesmo princípio anterior, cabendo ao professor esmiuçar as entrelinhas que escondem uma imagem estática. Vale ressaltar, como afirma Paiva (2002), que a iconografia não é mais considerada como simples "ilustrações", "gravuras", "desenhos", que serviam para deixar os textos do livros mais atrativos para os leitores. Hoje ela é tomada como registro histórico, formada por imagens pintadas, desenhadas, impressas, esculpidas, gravadas em material fotográfico e cinematográfico. São registros aos quais o historiador e o professor não se devem furtar. [...] a armadilha iconográfica parece ser mais sedutora que as armadilhas das outras fontes. Talvez seja a própria beleza da imagem que sirva de isca, uma espécie de canto inebriante de sereia que tem o poder de cegar a vítima e de conduzi-la diretamente ao seu colo traiçoeiro. A imagem, bela, simulacro da realidade, não é a realidade histórica em si, mas traz porções dela, traços, aspectos, símbolos, representações, dimensões ocultas, perspectivas, induções, códigos e formas nela cultivadas (PAIVA, 2002, p. 19). É preciso saber filtrar todos esses registros iconográficos. De maneira geral, ao se trabalhar com fontes iconográficas, como material didático, deve-se levar em conta a articulação entre os métodos do historiador e os pedagógicos. Nesse contexto, Paiva (2002) propõe uma observação para driblar essas armadilhas: [...] Mas é certamente fundamental que nunca nos esqueçamos de fazer aos registros históricos, iconográficos ou não, as perguntas que caracterizam o início de todos os nossos trabalhos e de nossas reflexões. Quando? Onde? Quem? Para quem? Para quê? Por quê? Como? A essas perguntas deve-se, contudo, acrescentar outros procedimentos. Primeiramente deve-se se preocupar com as apropriações sofridas por esses registros com o passar dos anos e, evidentemente, diante das necessidades e dos projetos de seus usuários. Além disso, temos que nos perguntar sobre os silêncios, as ausências e os vazios, que sempre compõem o conjunto e que nem sempre são facilmente detectáveis (PAIVA, 2002, p. 18). 37 É nessa perspectiva que a iconografia deve ser trabalhada no ambiente escolar. Por se tratar de uma área extensa e com inúmeros tipos de imagens, a iconografia deve estabelecer uma relação com outras fontes, como o texto escrito no caso dos livros didáticos. Nesse caso, as legendas são fundamentais para fornecer leituras diferenciadas de uma mesma imagem, gravura, foto ou mapa, de acordo com as informações nela contidas. Nesse contexto, como afirma Paiva (2002), a imagem é uma espécie de ponte entre a realidade retratada e outras realidades, e outros assuntos, no passado ou no presente. E é por isso que ela não se esgota em si. Por meio do estudo da imagem é possível ao historiador como também ao professor analisar outros temas de contextos diversos. Dessa maneira, a imagem, a iconografia e as representações gráficas, utilizadas por historiadores e professores, têm proporcionado a renovação do alguns trabalhos e influenciado em novas reflexões metodológicas. Uma realidade cada vez mais presente na rotina escolar é a presença de recursos tecnológicos que proporcionam tanto aos alunos quanto aos professores a acesso a informações de qualquer parte do mundo, desde que conectado à rede mundial de computadores. A facilidade de acesso à informação pode ser, ao mesmo tempo, uma ferramenta e uma armadilha. Ferramenta em relação ao tipo de arquivo que é possível Figura 2.3: O Martírio de Tiradentes. Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo. Fonte: Acervo Museu Histórico Nacional. Acesso em: 10 abr. 2018 38 acessar, como por exemplo uma imagem que consta no banco de dados do museu do Louvre em Paris, na França. Mas ao mesmo tempo pode se tornar uma armadilha para o professor, quando se debruça sobre a tecnologia e não busca interpretar ou somar esse recurso a outros conhecimentos; também para os alunos, que estão cada dia mais acostumados com as informações simplistas e muitas vezes pobres de conhecimento que a internet propicia. Às vezes, erroneamente, se dá muito mais valor à velocidade da informação do que à precisão dos fatos. Assim como discutimos sobre as imagens, a fotografia também se apresenta como uma representação do real, que é registrada por meio tecnológico – a câmera. Mas além do equipamento, o sujeito por trás da câmera é responsável por “construir” a fotografia, o que o torna sujeito de ação, que imprime sua visão de mundo através dos cliques. Sendo assim, o autor também passa a fazer parte do quadro de condições e contextos ao se realizar uma análise fotográfica. O uso da fotografia como registro oficial ganhou força no início do século XX, quando se tornou oficial o registro fotográfico de identificação pessoal, bem como a utilização de registros fotográficos como provas documentais. Bittencourt (2008) sugere que o uso da fotografia pode ser realizado de forma comparativa, trazendo locais em diferentes épocas, se possível da própria cidade, iniciando uma atividade sobre permanências e rupturas. O recurso audiovisual como documento possui uma diferença em relação à representação: “ela não ilustra nem reproduz a realidade [...] mas reconstrói a realidade com base em Figura 2.4: Medalhistas olímpicos Tommie Smith (centro) e John Carlos (direita) de luvas negras e punhos cerrados. Jogos Olímpicos do México, 1968. Fonte: Fotografia de John Dominis. Arquivo Time Magazine Acesso em: 11 abr. 2018 39 uma linguagem própria, produzida em determinado contexto histórico” (BITTENCOURT, 2008: 373) Diferente de uma fotografia, que é produzida por um sujeito e sob o seu modo de observar o mundo, o cinema perpassa por um processo de construção que vai muito além das ideias do diretor. O filme registra o momento social atual, mesmo se tratando de uma narrativa sobre o século XVI. No momento da escolha para utilizar um filme, é fundamental que o professor traga uma obra que possa ser absorvida pelos alunos, levando em conta a experiência desses alunos enquanto expectadores. Apresentar um filme com ótimas referências no meio acadêmico, porém sem qualquer tipo de linguagem de aproximação do popular, pode apresentar resultados desastrosos. Além disso, é preciso se ater ao “tempo pedagógico”, o qual na maioria das vezes não permite que seja reproduzido um filme na íntegra. 2.3 Síntese da Unidade Nesta Unidade, abordamos o conceito de fontes históricas e a importância desse elemento para o ofício do historiador. Apresentamos ainda a utilização de documento como recurso didático, além de referenciar o conceito de documentos como sinônimo de fontes históricas. Trouxemos para o debate deste tema autores que apresentam suas perspectivas em relação ao uso de documento em sala, quais as situações mais adequadas e de que forma deve trabalhado junto aos alunos, respeitando o tempo escolar, as especificidades do grupo em Figura 2.5: Marlon Brando como Don Corleone. Cena de “O poderoso Chefão”, 1972 Fonte: Arquivo Allstar/Paramount Pictures Acesso em: 20 mar. 2018 40 foco, o tipo de recurso disponível e a relativização com a temática anteriormente explorada. A expectativa é de que, após o estudo desta Unidade, possamos identificar nos documentos novas possibilidades pedagógicas.2.4 Para saber mais Filmes e telenovelas • O Poderoso Chefão Partes I, II e III Ano: 1972 (Parte I); 1974 (Parte II); 1990 (Parte III) País: EUA Direção: Francis Ford Coppola Distribuição: Paramount Pictures Na adaptação cinematográfica do livro homônimo, de Mario Puzzo, Coppola reproduz o imaginário sobre a máfia italiana instalada nos Estados Unidos da América, entre as décadas de 1930 e 1970. O diretor narra a construção do poder por meio dos negócios escusos, envolvendo jogos de azar, contrabando e assassinatos. A saga, apesar de se tratar de uma obra de ficção, traz em si uma enorme quantidade de recortes históricos passiveis de análise, e como tal, de serem utilizadas como recurso didático. Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1628/ • Tempos Modernos Ano: 1936 http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1628/ 41 País: EUA Direção: Charles Chaplin Distribuição: Charlie Chaplin Film Corporation Considerada uma das grandes obras do cinema mudo, Tempos Modernos retrata a rotina estressante de um operário nos idos dos anos 1930. O filme apresenta a rotina de trabalho fabril, de operações repetitivas que levam a personagem principal à estafa mental. Após receber alta de internação num manicômio, se depara com o desemprego, marca da grave recessão econômica norte-americana. Fonte: https://www.charliechaplin.com/ Sites • Associated Press: www.ap.org • Revista Time/Life: www.time.com 2.5 Atividades 1. Análise documental: 42 a) Descreva os elementos presentes na fotografia. b) Contextualize as condições e circunstâncias geopolíticas que fizeram com que esta imagem se tornasse mundialmente conhecida. c) Redija um pequeno texto explicando de que forma foi possível realizar a análise da fotografia “A menina do Vietnã”, e quais foram os recursos e fontes utilizados para se chegar a uma interpretação conclusiva desta imagem. 2. Escolha livremente um tipo de documento para ser utilizado como recurso didático, informando a relevância e a origem do documento. Produza uma análise documental com base no diagrama formulado por Circe Bittencourt. Descrição do documento: _______________________________________________ Fonte documental: Figura 2.5: A menina do Vietnã. Fonte: Fotografia de Nick Ut, 1972. Arquivo Associated Press Acesso em: 20 mar. 2018 43 Unidade 3 O Livro Didático e o Ensino de História “Os livros didáticos, os mais usados instrumentos de trabalho integrantes da ‘tradição escolar’ de professores e alunos, fazem parte do cotidiano escolar há pelo menos dois séculos. Trata-se de objeto cultural de difícil definição, mas, pela familiaridade de uso, é possível identificá-lo, diferenciando-o de outros livros”. (Circe Bittencourt, 2011) Estudamos na Unidade anterior os usos das fontes documentais como material didático nas aulas de História. Dentre os materiais didáticos mais utilizados em todas as disciplinas escolares no Brasil, o livro didático é, como assevera Circe Bittencourt, em um de seus muitos estudos sobre o tema, um objeto cultural de difícil definição. Para tratar do uso do livro didático no ensino de História deve-se, também, além de discutir a sua definição, refletir sobre a função do livro didático no ensino. O livro didático no Brasil atende expectativas, concretiza modelos e representa um instrumento de controle do sistema escolar, a garantia da difusão de valores. Para o professor: assegura um modelo de prática, a segurança no desenvolvimento do trabalho e a eficiência na transmissão dos conteúdos curriculares. Para as famílias: expressa um sinal de qualidade da educação. É preciso, também, avaliar o material antes de utilizá-lo. Embora haja avaliação institucionalizada pelo poder público, o professor não deve se ausentar desse processo. Por fim, como o livro didático é, muitas vezes, o único livro com que muitas pessoas têm contato na vida, ele é importante para a formação do hábito de leitura. 44 3.1 O livro didático como recurso e material pedagógico O livro didático é, talvez, o mais conhecido dos materiais didáticos. Há pelos menos dois séculos os livros didáticos, que também já foram chamados de livros escolares, fazem parte do cotidiano de professores e alunos nas escolas e constituíram-se como os instrumentos mais utilizados em sala de aula compondo parte expressiva da cultura escolar. No entanto, muitas vezes, são considerados os culpados pela defasagem no ensino, tanto de história como de outras disciplinas. A discussão sobre essa temática é um aspecto bastante polêmico. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História do Ensino Fundamental, há uma definição das funções do livro didático para os diferentes atores envolvidos no sistema educacional brasileiro que evidencia a sua múltipla relevância para o ensino no Brasil. Os livros, os manuais e apostilas são bem aceitos no sistema educacional brasileiro. Atendem a expectativas e concretizam modelos, concordâncias e aceitações por parte de um grande número de agentes sociais e institucionais. Para o estado e algumas escolas particulares representam um instrumento de controle do sistema escolar, a garantia de uma certa qualidade de ensino e a difusão de valores. Para o professor, asseguram um modelo de prática, segurança no processo de desenvolvimento do trabalho e eficiência na transmissão de conteúdos exigidos por programas ou currículos. Para as famílias, expressam um sinal de qualidade da educação. E para a indústria editorial, garantem mercado certo e seguro (BRASIL, 1998, p. 79). Assim, antes de tudo, o livro didático é considerado também um suporte de conhecimentos escolares propostos pelos currículos educacionais; é por meio da intermediação do livro que é apresentado e trabalhado o conhecimento de cada área aos alunos, numa perspectiva de mediação entre o conhecimento produzido pelos especialistas no mundo acadêmico e o ensino escolar. O livro didático realiza uma transposição do saber acadêmico para o saber escolar no processo de explicitação curricular. Nesse processo, ele cria padrões linguísticos e formas de comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulário próprio, ordenando capítulos e conceitos, selecionando ilustrações, fazendo resumos, etc. 45 (BITTENCOURT, 2004, p.72). Desse modo, o livro didático é considerado também um instrumento pedagógico, pois apresenta um conjunto de métodos e técnicas de aprendizagem, que incluem exercícios e atividades, sugestões de trabalhos e formas de avaliações do conteúdo escolar. Nesse sentido, qual é então a diferença entre os livros didáticos e outros tipos de livros? Considerando que todo material utilizado nas escolas com o objetivo de ensinar algum conteúdo pode ser caracterizado como material didático, os livros de literatura também podem ser utilizados e reconhecidos como livros didáticos. No entanto, convencionou-se denominar de livro didático aqueles que são utilitários, constituídos de informações objetivas que pretendem, exclusivamente, apresentar e trabalhar conhecimento e informação. Há ainda os livros Paradidáticos, que também são constituídos de informações objetivas que pretendem apresentar e trabalhar conhecimento e informação. No entanto, diferentemente dos livros didáticos que abordam todo o conteúdo curricular de cada ano escolar, os paradidáticos abordam assuntos paralelos ligados às disciplinas e aos temas transversais. Além disso, segundo Alain Choppin, o livro didático veicula um sistema de valores: [...] o livro de classe veicula, de maneira mais ou menos sutil, mais ou menos implícita, um sistema de valores morais, religiosos, políticos, uma ideologia que conduz o grupo social de que ele é a emancipação: participa, assim, estreitamente do processo de socialização,de aculturação (até mesmo de doutrinamento) da juventude (CHOPPIN, 2002, p.14). E o livro didático de História? Assim como todos os outros tipos de materiais didáticos, o livro didático e, nesse caso em especial o livro didático de História, tem uma história que nos ajuda a compreender a sua utilização como recurso pedagógico. Por isso, vamos agora estudar alguns aspectos dessa trajetória. Desde o século XIX, o principal instrumento utilizado por professores e alunos nas salas 46 de aula foi o livro didático, mas para entender a sua complexidade é preciso entendê-lo em todos os seus aspectos e contradições. O livro é portador de textos que auxiliam o domínio da escrita e da leitura em todos os níveis de escolarização, deixando o saber científico mais acessível. Além disso, traz uma articulação em suas páginas entre textos, imagens, referência de filmes e outras leituras pertinentes, o que fornece ao estudante uma maior autonomia em seu aprendizado. Por outro lado, o livro didático é limitado e condicionado por razões econômicas, ideológicas e técnicas. A linguagem apresentada nos livros deve ser acessível ao público infantil e isso acaba gerando simplificações nos conteúdos produzidos, limitando assim a formação intelectual do aluno. Autores e editores ao simplificarem questões complexas impedem que os textos dos livros provoquem reflexões ou possíveis discordâncias por parte dos leitores. Sua tendência é de ser um objeto padronizado, com pouco espaço para textos originais, condicionando formatos e linguagens, com interferências múltiplas em seu processo de elaboração associadas à lógica da mercantilização e das formas de consumo (BITTENCOURT, 2004, p.73). Desse modo, o livro didático pode ser considerado um instrumento de reprodução de ideologias do saber oficial impostas por setores do Estado. Faz-se necessário enfatizar que o livro didático é composto por vários sujeitos em seu processo de elaboração e conta com a intervenção de professores e alunos que realizam várias práticas de leitura. Essa intervenção e várias formas de usos que os professores e alunos fazem do livro acabam por gerar duas situações: gerar uma fonte de lucro para as editoras, mas também gerar um instrumento eficiente às necessidades de um ensino autônomo. Nessa dimensão de formas de uso do livro didático, não se pode desconsiderar a mediação do professor. Cabe ao professor não só escolher como trabalhar o livro didático em sala de aula, mas também, muitas vezes, escolher, inclusive, que livro será usado. Por fim, é preciso perceber também que o livro didático constitui-se como uma mercadoria do universo editorial, que, portanto, está sujeito às regras de uma mercado consumidor. Desse modo, no processo de sua elaboração sofre a interferência de vários sujeitos, como afirma Circe Bittencourt: 47 Como mercadoria ele sofre interferências variadas em seu processo de fabricação e comercialização. Em sua construção interferem vários personagens, iniciando pela figura do editor, passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processos gráficos, como programadores visuais, ilustradores. É importante destacar que o livro didático como objeto da indústria cultural impõe uma forma de leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor (BITTENCOURT, 2004, p.71). Considerando que muitas vezes o livro didático é o único livro que muitas pessoas têm a possibilidade de conhecer e de ter acesso, ele representa um importante suporte de disseminação de conhecimento e de formação de leitores. 3.2 O uso do livro didático no ensino de História Desde o século XIX já se discutia o ensino de História no Brasil. A partir da segunda década do século XX, como afirma Fonseca (2004), essa discussão se tornou mais intensa e sentiu-se a necessidade de separar uma certa sobreposição entre história sagrada e história profana e é a partir daí que se introduziu a disciplina escolar "Instrução Moral e Cívica", que articulava ao ensino de história a necessidade de reforçar os sentimentos patrióticos da população. Iniciava-se aí o ensino de história de maneira primitiva. Reformas do sistema de ensino nas décadas de 30 e 40 promoveram a centralização das políticas educacionais e colocaram o ensino de História como disciplina escolar. Nesse contexto, diversos autores de livros para ensinos primário e secundário apostaram na eficácia do ensino de História na formação de um cidadão adaptado à ordem social e política vigente. A partir de então os livros didáticos têm sofrido muitas mudanças e se adaptado ao referencial do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Ao longo dos séculos XIX e XX, os livros foram organizados de maneira que tivessem uma sequência linear, que era composta por capítulos, exercícios, resumos e era 48 considerado como um referencial para as famílias acompanharem a vida escolar de seus filhos, como afirma Circe Bittencourt: “Os livros didáticos serviam de importante e cômodo referencial para as famílias acompanharem e avaliarem o professor. Para os pais de alunos, um bom professor era o que, ao fim do ano, tinha concluído a tarefa de ‘dar todas as lições’ do livro!” (BITTENCOURT, 2009, p.309). Essa concepção vem se tornando ultrapassada e o livro didático vai se renovando, principalmente para o ensino médio, no qual criou-se a denominada "história integrada", que compila em um único livro, na maioria das vezes (não sendo necessariamente uma ordem), História do Brasil, da América e Geral, de maneira sincrônica de tempo. O livro didático tem se renovado também ao adicionar elementos que completem seus textos, como imagens, notícias de jornais, obras literárias, letras de músicas, mapas e dados estatísticos. Tais renovações foram inspiradas nos livros didáticos franceses. Um dos problemas mais graves nos livros, segundo Circe Bittencourt, é a forma pela qual os conteúdos históricos são apresentados: O conhecimento produzido por ele é categórico, característica perceptível pelo discurso unitário e simplificado que reproduz, sem possibilidade de ser contestado, como afirmam vários de seus críticos. Trata-se de textos que dificilmente são passíveis de contestação ou confronto, pois expressam "uma verdade" de maneira bastante impositiva (BITTENCOURT, 2009, p.313). O livro didático tem se tornado o principal responsável pela concretização dos conteúdos históricos escolares. Devido a essa importância, o professor, antes de escolher o livro que irá utilizar durante o ano, deve fazer uma análise bibliográfica do livro assim como dos documentos que o compõem, a fim de identificar também a tendência histórica predominante. O PNLD a fim de auxiliar os professores nas escolhas dos livros didáticos criou em 1997 o Guia de Livros Didáticos. O Guia do Livro Didático apresenta as resenhas das coleções destinadas aos anos finais do ensino fundamental, aprovadas na última avaliação do Programa. O Guia apresenta uma tabela de avaliações dos livros com 20 coleções 49 aprovadas dentre as 26 inscritas no PNLD 2014. Das 20 aprovadas, duas constam pela primeira vez no Guia. As demais coleções fizeram parte de Guias anteriores. Um aspecto importante sobre o uso do livro didático no ensino de História a ser destacado é o que de o livro é um relevante recurso de apoio, mas é o professor que precisa saber explorá-lo, ou seja, não basta pedir para que os alunos leiam simplesmente o texto do livro. É preciso que o professor instigue os alunos a perceber os aspectos e a lógica do texto, bem como pontos interessantes e de interesse histórico. Num contexto de dificuldade de recursos para o ensino e por conta da riqueza de materiais que o livro didático traz, como por exemplo as muitas imagens que nem sempre são aproveitadas pelos professores, há que se voltar o olhar para os recursosdisponíveis. Nesse sentido, as imagens – fotografias, mapas, obras artísticas, desenhos, gráficos – que o livro didático apresenta, podem e devem ser utilizadas e problematizadas pelo professor no processo de ensino. Circe Bittencourt lembra que: “os livros didáticos de História, já em meados do século XIX, possuíam litogravuras de cenas históricas intercaladas aos textos escritos, além de mapas históricos.” (2004, p. 69) A autora chama a atenção para a profusão de imagens nestes livros, chegando a concorrer com os textos. No entanto, apesar dessa profusão e da longevidade da existência dessas imagens, elas ainda são poucos trabalhadas pelos professores nas aulas. A importância das imagens como recurso pedagógico tem sido destacada há mais de um século por editores e autores de livros escolares de História. [...] “Ver as cenas históricas” era o objetivo fundamental que justificava, ou ainda justiça, a inclusão de imagens nos livros didáticos em maior número possível, significando que as ilustrações concretizam a noção altamente abstrata de tempo histórico (BITTENCOURT, 2004, p. 75). De acordo com o Plano Nacional do Livro Didático (1999), os critérios para escolha do livro didático são: • Correção dos conceitos e informações básicas: esse item engloba a análise da existência de anacronismos, voluntarismos e nominalismos. O Anacronismo é 50 considerado o “pecado capital” dos historiadores, que é atribuir aos homens do passado, costumes, sentimentos e ações de outros períodos históricos diferentes do que aqueles em que estavam inseridos. O voluntarismo é utilizar a narrativa dos fatos passados para confirmar as explicações já presentes na perspectiva do autor. O nominalismo é restringir a análise do processo às figuras históricas. • Correção e pertinência metodológica: análise de como os conteúdos são desenvolvidos. • Contribuição para a cidadania: avaliação da existência de preconceitos. Circe Bittencourt (2011) indica uma proposta de análise do livro didático que engloba três dimensões: aspectos formais, conteúdos históricos escolares e conteúdos pedagógicos. A autora lembra que: Uma proposta para um uso diferenciado do livro didático deve, então, começar pelo princípio básico de leitura de uma obra. É importante fazer uma apresentação do livro para os alunos em sua integralidade, pedindo-lhe que elaborem uma ficha bibliográfica da obra, com nome do autor, título, editor, local de edição, etc. o mais importante é ensiná- los a utilizar o índice, para identificarem, pelo tema de estudo, o capítulo a ser lido ou estudado. Essas práticas refletem um comprometimento do professor com a autonomia intelectual dos alunos, fornecendo-lhes, no cotidiano das aulas, as ferramentas básicas para o “saber estudar” ou “saber pesquisar” (BITTENCOURT, 2011, p. 320). Nesse sentido, lembramos o início desta Unidade, quando chamamos a atenção para o fato de que o livro didático deve ser uma ferramenta e, para isso, em primeiro lugar, o professor deve ensinar o aluno a usá-lo para explorar as possibilidades que esse material apresenta. Assim, o professor, ele mesmo, deve ser um meio, um mediador, para que o aluno possa inclusive utilizar o livro sozinho. 3.3 Síntese da Unidade 51 Nesta Unidade, estudamos as características e função do livro didático como material pedagógico e as especificidades do livro didático de História, bem como aspectos históricos de sua configuração e uso. Vimos também que o livro didático se configurou ao longo do tempo como uma espécie de instrumento de controle do sistema escolar, a garantia da difusão de valores e um modo de seguir um modelo de prática, de segurança no desenvolvimento do trabalho docente e de eficiência na transmissão dos conteúdos curriculares. Além disso, para as famílias, expressa um sinal de qualidade da educação. Estudamos, ainda, a necessidade da diversificação do material didático, as consequências da falta de hábito de leitura e as formas de Avaliação do livro didático. 3.4 Para saber mais Livros • BITTENCOURT, Circe. História dos livros escolares no Brasil: produção e circulação. São Luís: Café & Lápis, Edufema, 2016. Para bem utilizar um material, e nesse caso, o livro didático, acreditamos que é fundamental conhecer a sua trajetória e o seu processo histórico de constituição e de utilização. Desse modo, Circe Bittercourt, em seu livro, apresenta esse aspecto, além de se referir especificamente ao contexto brasileiro. Ressaltamos ainda que a autora é uma das maiores especialistas sobre o assunto no Brasil. Sites • http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/index.htm Esse é o endereço eletrônico do Projeto LIVRES. O Livres é um Banco de Dados de Livros Escolares brasileiros. Disponibiliza acesso a livros didáticos das diversas disciplinas escolares brasileiras do século XIX aos dias atuais, considerando a sua história 52 e as especificidades da produção escolar. Referencia obras de diversas bibliotecas do país, caracterizando-se por ser alimentado e ampliado constantemente pelas pesquisas de uma equipe de especialistas da área, que analisam o livro didático em suas diferentes vertentes. Reúne fontes relacionadas à produção didática como legislação, programas curriculares, catálogos de editoras e bibliografia de pesquisas nacionais e internacionais sobre o tema. Vinculado à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo-USP, o projeto foi iniciado por Circe Bittencourt. 3.5 Atividades 1. Escolha um livro didático de ensino fundamental e analise o seguinte: o Há imagens? De que tipo? o Como as imagens são trabalhadas, ou não, nos textos? Há relação entre os textos e as imagens apresentadas? o Há imagens nas atividades propostas? Se sim, como são essas atividades? o É possível identificar preconceitos nas imagens, em suas legendas ou na forma como são trabalhadas? o As imagens apresentadas propiciam novas formas de conhecimento ou são apenas ilustrações para os assuntos trabalhados nos textos? 2. Considerando que o livro didático é um material muito utilizado no sistema de ensino brasileiro, no caso do livro didáticos de História qual a sua importância e como ele pode ser bem utilizado? Unidade 4 53 Avaliação Quando se trata de avaliação, estamos diante de um dos pontos mais fulcrais e complexos da educação. Por isso, há questões recorrentes e impertinentes que permanecem no horizonte dos professores e futuros professores. Nessa Unidade trataremos dessas questões e, especificamente, de aspectos da avaliação na disciplina de História. No que se refere ao primeiro tema, questiona-se principalmente a posição da avaliação entre duas lógicas: uma avaliação a serviço da seleção ou a serviço da aprendizagem? Isso implica pensar e debater sobre o próprio significado da avaliação. As outras questões impertinentes que poderíamos apontar são: a avaliação no princípio da excelência e do êxito escolar; a criação das hierarquias de excelência: diversidade e negociação; a diversidade dos recursos utilizados; a relação da avaliação com o sucesso ou com o fracasso escolar; dicotomia entre objetividade e subjetividade. 4.1 O que é avaliar, tipos e critérios de avaliação Para começar o processo avaliativo é preciso questionar o que é avaliar e por que avaliamos. Deve-se perceber o processo avaliativo numa perspectiva dinâmica e contínua. Desse modo, avaliamos para que haja movimento. Como assim? Ao avaliar e analisar os resultados da avaliação retorna-se a pontos que parecem não terem sido suficientemente aprendidos. É desse movimento que estamos falando. A avaliação deve estar presente no início do processo de ensino-aprendizagem, para que o professor saiba o que os alunos já sabem e por onde ele deve começar; essa é a chamada avaliação diagnóstica e há muitas formas
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