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Direito Individual do Trabalho - MÓDULO II

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LETRA DE CÂMBIO
ORIGEM E EVOLUÇÃO DA LETRA DE CÂMBIO
11. CONCEITO DE LETRA DE CÂMBIO
Entende-se por letra de câmbio uma ordem dada, por escrito, a uma pessoa,
para que pague a um beneficiário indicado, ou à ordem deste, uma
determinada importância em dinheiro. Requer, assim, a letra de câmbio, três
elementos pessoais, que no título têm funções diversas: o que dá a ordem,
chamado sacador; o a quem a ordem é dada, que se chama de sacado; e
aquele a favor de quem é emitida a ordem, denominado de tomador ou
beneficiário. Em virtude do princípio da autonomia das obrigações cambiárias, e
sendo diversas as funções exercidas na letra por cada um desses elementos,
uma mesma pessoa, física ou jurídica, pode figurar no título como sacador
(aquele que cria e emite a letra, dando a ordem de pagamento), como sacado
(aquele a quem a ordem para pagar é dada) e mesmo como tomador (aquele
em favor de quem é dada a ordem). A lei brasileira que regulava a letra de
câmbio (Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908) permitia
expressamente que a letra de câmbio fosse emitida em favor do sacado (art.
1º, nº IV), não mencionando, entretanto, se poderia ter como sacado o próprio
sacador. A doutrina se dividia a respeito, uns admitindo a permissão, outros a
negando. Hoje, adotada entre nós a Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e
Notas Promissórias, a dúvida foi desfeita, pois tal lei expressamente permite
(art. 3º) seja a letra emitida contra a pessoa que a saca e em favor dela
própria. Assim, as divergências que, a respeito, são encontradas entre autores
que, antes de entrar em vigor a Lei Uniforme, trataram do assunto entre nós,
hoje não têm mais razão de ser, não cabendo a sua invocação em face das
disposições expressas da lei.
A letra de câmbio é um título de crédito, dotado de literalidade e de autonomia
das obrigações. Desempenha importantíssima função econômica pela ampla
utilização do crédito que proporciona. Entre nós foi regulada, até 1966, pelo
Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Havendo, porém, em 24 de
janeiro de 1966, pelo Decreto Executivo nº 57.663, promulgado o Governo a
Convenção de Genebra para a Adoção de uma Lei Uniforme sobre Letras de
Câmbio e Notas Promissórias, a partir de então passou a reger a letra de
câmbio, no direito brasileiro, aquela Lei Uniforme, que alterou várias normas no
Decreto nº 2.044, de 1908.
Tanto a Lei brasileira nº 2.044, como a Lei Uniforme, tratam da letra de câmbio
e da nota promissória. São esses títulos diferentes, se bem que tenham muitos
princípios em comum. Dada a existência de tais princípios, a letra de câmbio e
a nota promissória são chamados títulos cambiários ou, simplesmente,
cambiais.
12. HISTÓRICO
A origem da letra de câmbio não está devidamente esclarecida, dela só se
tendo maior conhecimento a partir da Idade Média. Costuma a história desse
título ser dividida em três períodos, o primeiro chamado de período italiano,
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que vai da Idade Média ao último quartel do século 17; o segundo, período
francês, das Ordenanças de Comércio, de 1673, até meados do século 19; e o
último, período alemão, de 1848 aos dias atuais. A cada um desses períodos
corresponde um conceito da letra de câmbio.
12.1. Período italiano
Apesar de pesquisadores do direito afirmarem que os princípios que regulam as
letras de câmbio já eram, de forma rudimentar, conhecidos em Roma, e
mesmo, antes, entre os assírios, foi na Idade Média que começou a estruturar-
se esse instituto jurídico, nas cidades italianas, com a finalidade de facilitar
operações comerciais.
Realmente, estando as cidades marítimas italianas em pleno florescimento, na
Idade Média, para elas acorriam mercadores dos lugares os mais diversos, com
o fito de fazer transações. Dada a diversidade das moedas então existentes,
havia necessidade de serem elas trocadas pelas moedas das cidades em que se
realizavam os negócios. Surgiu, assim, a operação de câmbio ou troca de
moedas, exercida pelos cambistas ou banqueiros, pessoas que se
especializavam nessas atividades. A troca de moeda por moeda constituía o
chamado câmbio manual, sendo a operação imediatamente liquidada. Em
regra, tais transações se efetuavam nas feiras.
Muitas vezes, entretanto, os mercadores, com receio de regressar às suas
terras de origem conduzindo avultadas quantias em dinheiro, depositavam as
mesmas em mãos dos banqueiros, estabelecendo com esses que tais
importâncias, convertidas em moedas diversas, deveriam ser entregues em
lugares outros que não aqueles em que eram depositadas. Para atestar o
depósito, os banqueiros emitiam um documento (quirógrafo) em que,
convertidas as moedas, declaravam que pagariam a soma mencionada no lugar
designado. Esse pagamento poderia ser realizado ou pelo próprio banqueiro ou
por seus correspondentes naqueles outros lugares. O pagamento seria feito ao
depositante, cujo nome constava do documento, ou a pessoa por esse indicada,
que funcionava como seu representante.
Tal documento, emitido pelo banqueiro em favor do depositante ou de seu
representante, assemelhava-se à atual nota promissória, por ser uma promessa
e não uma ordem de pagamento.
Emitido o documento, para que o pagamento fosse efetuado era necessário que
o banqueiro enviasse uma carta ao seu correspondente na outra localidade,
determinando que entregasse à pessoa que conduzia o documento, ou ao seu
representante, a importância designada. Essa carta, que era uma ordem de
pagamento, deu origem à letra de câmbio; podia ser remetida diretamente pelo
banqueiro ao seu correspondente ou entregue ao depositante, devendo este, ou
a pessoa por ele designada, apresentá-la ao banqueiro a fim de receber a
importância consignada no outro documento.
Com o decorrer dos tempos, sempre visando a essa modalidade de troca e de
remessa de dinheiro de um lugar para outro, a carta do banqueiro começou a
ser entregue diretamente ao depositante, estabelecendo-se, também, que este
sempre poderia designar um seu representante para fazer o recebimento da
importância dada em depósito. Passou a carta de autorização do banqueiro a
ter importância primordial nesse contrato, ficando relegado a segundo plano o
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título de promessa de pagamento que, inicialmente, era o documento principal
da operação. Mas, de qualquer modo, a carta de autorização, que tinha o nome
de lettera di pagamento ou simplesmente lettera di cambio, pois sempre
tratava de uma troca (cambio) de dinheiro, pressupunha um depósito primitivo,
por parte do credor, de dinheiro em mãos de banqueiro. Como o dinheiro em
depósito, além de convertido em espécie diferente, deveria ser pago numa
praça diversa daquela em que a operação se iniciara, dava-se a esse contrato o
nome de cambio trajecticio, diferente, portanto, da troca imediata, verificada
nas feiras, em que uma pessoa entregava ao banqueiro moedas de uma
espécie e recebia moedas de outra espécie, que era o chamado câmbio manual.
Esse primeiro estágio de desenvolvimento da letra de câmbio, denominado
período italiano, caracteriza-se, assim, por ser a letra um instrumento para a
troca e remessa de dinheiro de um lugar para outro, não havendo, de tal modo,
uma verdadeira operação de crédito.
O período italiano durou da Idade Média até o terceiro quartel do século 17,
quando a Ordenança de Comércio francesa, de 1673, deu novo conceito à letra
de câmbio, no que foi seguida pelo Código de Comércio de 1808 e pelos que
adotaram a orientação desse.
12.2. Período francês
Enquanto, no seu estágio inicial, a letra de câmbio representava apenas o
instrumento decorrentede um contrato de troca e remessa de dinheiro de um
lugar para outro, ao ser acolhida na Ordenança de Comércio Terrestre de 1673
e, mais tarde, no Código francês de 1808, passou a significar um instrumento
de pagamento, não se atendo, simplesmente, à transferência de dinheiro. Por
essa razão, já não era o depósito em mãos do banqueiro que dava origem à
letra; qualquer importância que o sacado (pessoa a quem era dada à ordem)
devia ou poderia dever, futuramente, ao sacador (credor, pessoa que dava a
ordem), proveniente de qualquer transação – fornecimento de mercadorias etc.
–, possibilitava a emissão de letra.
O fato principal desse período foi a adoção da cláusula à ordem e,
consequentemente, o nascimento do endosso. Segundo aquela cláusula,
constando ela da letra, o tomador ou beneficiário poderia transferir o título a
qualquer pessoa sem o consentimento do sacador, e a pessoa a quem a letra
era transferida ficava investida de todos os poderes de titular na mesma
mencionada. A transferência se fazia de modo simples, com a assinatura do
tomador nas costas do título; assim surgiu o endosso, modalidade especial de
transmissão dos títulos de crédito.
Entretanto, a emissão da letra ainda pressupunha um contrato inicial. Para
existir a letra, se tornava necessária provisão do sacador em mãos do sacado;
por tal razão, devia a letra, para garantia do tomador, ser, inicialmente,
apresentada ao sacado, a fim de que esse declarasse se estava disposto a
cumprir a ordem, ou, em outras palavras, se aceitava a ordem do sacador.
Surgiu, desse modo, o aceite, consistente na manifestação do sacado de acatar
a ordem dada pelo sacador de efetuar o pagamento da letra na época do seu
vencimento.
Caracterizou-se, assim, esse segundo período evolutivo da letra de câmbio por
se transformar ela em um instrumento de pagamento, pelas facilidades criadas
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para a sua circulação, com adoção da cláusula à ordem e do endosso e pela
vinculação do sacado à obrigação, com o aceite.
12.3. Período alemão
A partir do início do século 19, os juristas começaram a estudar mais
profundamente a letra de câmbio e novas interpretações foram dadas ao seu
conteúdo. Foi, sobretudo, na Alemanha onde tais estudos se desenvolveram. E
deve-se principalmente a Karl Einert a conceituação da letra de câmbio não
mais como um simples meio de pagamento, instrumento de um contrato
preliminar, mas como um verdadeiro título que vale por si próprio de acordo
com a vontade manifestada pelo subscritor.
Chamou Einert a letra de câmbio de “papel-moeda do comerciante” e explicou
essa sua afirmativa declarando que, do mesmo modo como o Tesouro emite
cédulas representativas de valor, assim o faz o comerciante, ao subscrever uma
letra de câmbio. Apesar de reconhecer-se que a letra de câmbio diverge,
grandemente, dos títulos emitidos pelo Tesouro, a afirmativa de Einert serviu
para mostrar peculiaridades que deviam revestir esses títulos e que,
posteriormente, foram adotadas pelas legislações de quase todos os países.
Graças, assim, aos estudos dos alemães, principalmente de Einert e de Thöl, a
letra de câmbio passou a ser considerada um verdadeiro título de crédito, não
estando a sua existência dependente de um contrato preliminar causador do
seu aparecimento. Nasce a letra de um ato unilateral da vontade do sacador, e,
uma vez preenchidas certas formalidades, vale pelo que nela está escrito. E o
direito do seu possuidor é autônomo e abstrato, independente da relação
fundamental, ou seja, do negócio que, por acaso, deu origem à letra. Por se
tratar de um direito autônomo e abstrato, não são oponíveis exceções aos
possuidores da letra baseadas nas relações desses obrigados com os obrigados
anteriores. Essa nova conceituação da letra de câmbio veio satisfazer
plenamente as necessidades do comércio que, dado o progresso verificado no
mundo da metade do século passado para cá, dia a dia se desenvolve.
Importante título de crédito, empregado por comerciantes e não comerciantes,
a letra de câmbio foi, por lei, revestida de inúmeras garantias, de modo a ser
utilizada com facilidade e segurança.
Com essas características, conceitua-se, hoje, a letra de câmbio como um título
de crédito formal (já que, para valer como tal, devem ser, na sua feitura,
atendidos certos requisitos), literal (valendo apenas o que nela está escrito) e
abstrato (o que significa que o direito nela mencionado não está na
dependência de uma causa anterior, em regra chamada de relação
fundamental). A letra tem a sua origem principalmente na vontade unilateral do
seu criador e as obrigações dos que assinaram na mesma são obrigações
autônomas, cada uma valendo por si própria.
13. A LETRA DE CÂMBIO NO DIREITO ESTRANGEIRO
Regulada pela Ordenança do Comércio Terrestre de 1673, a letra de câmbio
passou, com nova estrutura, para o Código de Comércio francês de 1808,
constituindo o Título Oitavo e constando dos arts. 110 a 189. Essa parte do
Código francês foi mais tarde modificada pela lei de 7 de junho de 1894 e,
posteriormente, por várias outras leis, entre as quais a de 8 de fevereiro de
1922 e o Decreto-Lei de 30 de outubro de 1935, que deu novo texto ao Título
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VIII (arts. 110 a 189) do Código de Comércio e que fez uma adaptação da Lei
Uniforme de Genebra, de 7 de junho de 1930, com a singularidade de que a
Convenção que estabeleceu essa Lei só foi ratificada pela França em 1936, isto
é, depois de ter sido adaptada a Lei Uniforme ao direito interno francês.
Divergindo da maioria dos países, a França conservou o instituto da provisão,
continuando a ser essa necessária para ser emitida uma letra. Pressupõe assim
a letra de câmbio francesa um negócio fundamental a que fica ligada, o que a
descaracteriza como uma obrigação criada por ato unilateral da vontade do
sacador.
Os códigos surgidos depois da promulgação do Código de Comércio francês – o
espanhol, de 1829, o português, de 1833, o Código Albertino, de 1865 e, em
geral, quase todos os sul-americanos, que nada mais foram que a aceitação ou
adaptação do código espanhol – seguiram a orientação francesa, enquadrando
a letra de câmbio como um título destinado a efetuar pagamentos, só permitido
havendo diversidade entre o lugar da emissão e o do pagamento (o art. 110,
primitivo, do Código francês declarava: “A letra de câmbio é sacada de um
lugar para outro”), resultante de um contrato inicial que se formalizava pela
provisão. Entretanto, essa orientação encontrou opositores nos sistemas legais
da Inglaterra e da Alemanha, que davam à letra de câmbio um conceito
diverso.
Na verdade, na Inglaterra existiam duas modalidades de letras de câmbio, uma
destinada a circular apenas no país (Inland-Bill) e outra para circulação no
exterior (Foreign-Bill). Se a segunda era resultante de um contrato, como a
letra de câmbio francesa, a primeira fazia abstenção da distancia loci, não
representando, necessariamente, a remessa de valores de um lugar para outro,
donde, em consequência, não haver à sua base um contrato de câmbio nem ser
necessária a provisão, isto é, o valor fornecido em mãos de sacado. Esse título,
em alguns casos, não exigia sequer a assinatura do sacador, bastando que o
nome desse constasse do documento, “de maneira a não dar lugar a nenhum
equívoco”.
Foi na Alemanha, contudo, que maior reação se fez ao conceito francês da letra
de câmbio como um título só utilizável de um lugar para outro, sempre ligado a
um contrato original. Depois de vários estudos e discussões de notáveis
juristas, foi aprovada, em Leipzig, em24 de novembro de 1848, a “Lei Geral
Alemã sobre Letras de Câmbio” (Die Allgemeine Deutsche Wechselordnung),
discutida e aceita por representantes de 37 Estados que então compunham a
Alemanha. Essa lei, que se baseou, em grande parte, nas ideias expostas, em
1839, por Einert, no seu livro Das Welchselrecht nach dem Bedurfnisse im 19.
Iahrhunderts, foi depois ligeiramente modificada pela lei de 18 de abril de
1861, comumente conhecida como Novelas de Nüremberg e, finalmente,
tornada obrigatória em todo o Império alemão pela lei de 22 de abril de 1871.
O que diferencia a lei alemã da francesa é o fato de que, naquela, a exemplo do
que acontecia com o Inland-Bill da Inglaterra, o título não representa o
transporte de valores de um lugar para outro nem se requer que haja provisão
em mãos do sacado, como estabelecia o Código francês. Entretanto, para que
seja o título caracterizado como tal, necessário é que, no contexto, esteja
escrita a frase letra de câmbio (Wechsel) em alemão, ou uma expressão
estrangeira a ela equivalente. Deve, igualmente, o título conter outros
requisitos essenciais, tais como a importância a pagar, o nome da pessoa em
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favor da qual, ou à ordem de quem deve o pagamento ser feito, a época de
pagamento, a assinatura do sacador, a designação do lugar, dia, mês e ano em
que a letra foi sacada, o nome da pessoa indicada para pagar (sacado) e a
nomeação do lugar onde deve ser efetuado o pagamento, que será o designado
ao lado do nome do sacado, se um outro não estiver expressamente
mencionado (art. 4º). Se faltar algum desses requisitos o título não será
considerado letra de câmbio (art. 7º). Toma, assim, a letra de câmbio o caráter
de um título de crédito criado pela vontade unilateral do sacador, sem ficar
dependente de um contrato original, como acontece com o direito francês; é,
também, um título formal, devendo conter requisitos essenciais para valer
como tal.
A orientação alemã passou a influenciar os demais países. A Bélgica adotou-a,
com algumas restrições, através da lei de 20 de maio de 1872 sobre a letra de
câmbio e a nota promissória, a Hungria fez o mesmo pela Lei nº XXVII, de
1876, entrada em vigor em 1877.7A Itália, reformando, em 1882, o seu Código
de Comércio de 1865, que obedecia à orientação francesa, aderiu igualmente
ao modelo alemão, através dos artigos 251 e seguintes do mesmo Código. Essa
orientação foi mantida pelo Decreto Real de 14 de dezembro de 1933, que pôs
em vigor a Convenção de Genebra. E em vários outros países – Áustria,
Polônia, Suécia, Japão, Portugal – tomou corpo a ideia de dar à letra de câmbio
a característica de um título que contém direitos e obrigações autônomos, sem
dependência da relação fundamental e valendo pelo que nele está escrito.
14. UNIFORMIZAÇÃO DO DIREITO CAMBIÁRIO
Dado o desenvolvimento das relações comerciais entre os povos, que dia a dia,
no decorrer deste século, se tornaram mais intensas, em virtude, sobretudo, do
surgimento dos novos meios de transportes, juristas e comerciantes voltaram
suas atenções para a necessidade do estabelecimento de regras uniformes
sobre a letra de câmbio, a serem aceitas pelos governos interessados. E por
esse motivo algumas conferências se realizaram, com a participação de grande
número de países, logrando êxito final.
De há muito, realmente, mostrara-se a necessidade da uniformização das
normas do direito cambiário e vários congressos se manifestaram nesse
sentido, tendo em vista o fato de se prestar excelentemente a letra de câmbio
para pagamentos internacionais. Com a faculdade que têm os países de legislar
sobre assuntos de seu próprio interesse, a adoção de regras comuns a todos
viria, indiscutivelmente, quebrar óbices que dificultavam a expansão do título,
principalmente no que concerne à capacidade, à responsabilidade dos que
apõem os seus nomes nos títulos e à circulação destes. Reconhecendo tal fato,
já em 1869 o 1º Congresso das Câmaras de Comércio italianas, reunido em
Gênova, “acolheu com prazer a proposição de Minguetti, declarando ser útil e
oportuno que o governo tomasse a iniciativa de tratados com os governos
estrangeiros para se adotar uma lei cambial universal”. Em 1885, o Congresso
Internacional de Direito Comercial, reunido em Antuérpia, Bélgica, discutiu e
aprovou um projeto de lei cambial internacional, projeto esse que foi emendado
no Congresso de Bruxelas, reunido nessa cidade em outubro de 1888.
Foi, entretanto, em 1910 e 1912 que, em Haia, se adotaram medidas efetivas
para a uniformização das regras relativas à letra de câmbio. Atendendo a uma
convocação do governo holandês, feita em 1908, 35 países, através de
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representações especiais, se reuniram em Haia, em 1910, para a elaboração de
uma lei uniforme sobre a letra de câmbio. O Brasil foi representado pelo dr.
Rodrigo Otávio, que também foi o nosso delegado na segunda Conferência,
realizada na mesma cidade, em 1912, na qual foi finalmente aprovado o texto
do Regulamento Uniforme sobre a letra de câmbio e a nota promissória, sendo
pedido aos Estados participantes que fizessem adotar, em suas legislações,
aquelas regras, facultando-se, contudo, aos mesmos, algumas alterações nas
normas gerais.
Vinte e sete dos países que participaram das Conferências de Haia assinaram a
Convenção sobre o Regulamento Uniforme; entre eles não figuraram,
entretanto, a Inglaterra e os Estados Unidos. Cumpre notar que a lei brasileira
sobre as letras de câmbio, promulgada em 1908, estava em perfeita harmonia
com a doutrina vitoriosa em Haia, o que muito honra a cultura jurídica do país,
principalmente os profundos conhecimentos que, sobre o assunto, tinha o
inspirador de nossa lei, Desembargador José Antônio Saraiva.
Estabeleceu o Regulamento aprovado em Haia em 1912 que a letra de câmbio é
um título à ordem, contendo uma ordem de pagamento, dispensando-se o fator
relativo à distancia loci para que possa ser sacada. Deve trazer sempre a
cláusula cambiária e é destinada à circulação. Garantias especiais foram dadas
ao portador de boa-fé e a autonomia das obrigações cambiárias foi afirmada no
fato de ser reconhecida a obrigação do avalista ainda mesmo que fosse
invalidada a obrigação do avalizado (arts. 1º, 10, 15 e 31 do Regulamento).
Apesar do grande avanço dado pelas Conferências de Haia à ideia da unificação
do direito cambiário, na prática poucos países adotaram em suas leis os
princípios do Regulamento aprovado em 1912. Maiores dificuldades surgiram
com a eclosão da guerra de 1914 a 1918. O Brasil, apesar de ter aprovado a
Convenção pelo Decreto nº 3.756, de 17 de agosto de 1919, jamais converteu
em lei o texto do Regulamento Uniforme.
Desejando, contudo, promover realmente a unificação do direito cambiário,
realizou-se em Genebra, em 1930, uma Conferência Internacional, sob os
auspícios da Liga das Nações, presidida pelo jurista holandês Limburg. Tomando
por base o Regulamento Uniforme aprovado em Haia em 1912, essa
Conferência, de que participaram 31 Estados, aprovou uma Lei Uniforme sobre
Letras de Câmbio e Notas Promissórias, além de ao mesmo tempo, serem
adotadas também Convenções sobre conflito de leis em relação às letras de
câmbio e notas promissórias e sobre selos em ditos títulos.
Adotaram a Convenção de Genebra: a Alemanha, Bélgica, Dantzig, Dinamarca,
Finlândia, Holanda, Itália, Japão, Noruega, Portugal, Suécia, Suíça, França,
Brasil, Polônia, Rússia e Grécia.
15. A LETRA DE CÂMBIO NO DIREITO ANGLO-AMERICANO
O direito anglo-americano, em relação à cambial,difere bastante do chamado
sistema continental, ou seja, do adotado pelos países que obedecem a
orientação da Lei Uniforme de Genebra. Nem a Inglaterra nem os Estados
Unidos aderiram à Convenção de Genebra e a sua não adesão já tinha mesmo
sido prevista pela comissão nomeada pelo Comitê Econômico da Liga das
Nações, composta dos juristas Jitta, Lyon-Caen, Chalmers e Klein, para dar
parecer sobre a possibilidade da unificação. Realmente, aqueles dois países não
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aceitaram a Lei Uniforme, muito embora tenha a Inglaterra adotado a
Convenção sobre selos nas letras de câmbio.
Baseado na common law e na equidade, difere bastante o direito anglo-
americano do que predomina nos países europeus e sul-americanos. E isso,
naturalmente, se reflete no direito cambiário, apesar dos juristas terem tentado
uma aproximação dos dois sistemas, atenuando as divergências. Entretanto,
algumas dessas ainda perduraram, dando ao sistema anglo-americano
características diversas das do sistema continental.
Assim é que, enquanto predominou o formalismo no sistema continental, no
anglo-americano “há um maior liberalismo em matéria de forma, embora a
cambial seja considerada contrato formal em oposição aos simples contratos”.
Na letra de câmbio inglesa não constitui requisito essencial a inserção no
documento da expressão “letra de câmbio” e uma modalidade especial de
causa, a consideration, é requerida para a validade do título. Este só se
completa com a sua transferência (delivery). Algumas outras características
próprias do sistema jurídico anglo-americano afastam a letra de câmbio do
sistema continental.
Convém, entretanto, ressaltar que, apesar dessas divergências, “o direito
anglo-americano, mais particularista e individualista, fundado no prestígio do
precedente judiciário, chega... por outro método e por outros caminhos, a
soluções em grande parte semelhantes às alcançadas no sistema continental”.
Isso porque “há mais uma diferença de técnica e de conceitos jurídicos do que
de resultados”.
A LETRA DE CÂMBIO NO DIREITO BRASILEIRO
16. CÓDIGO COMERCIAL
O Código Comercial brasileiro regulou as letras de câmbio no Título XVI – Das
letras, notas promissórias e créditos mercantis – Cap. I, arts. 354 a 424. O art.
425, integrante do Cap. II desse mesmo Título, tratava das “letras de terra”,
que eram “em tudo iguais às letras de câmbio com a única diferença de serem
passadas e aceitas na mesma província”.
Na Seção I, arts. 354 a 359, tratava o Código “da forma das letras de câmbio e
seus vencimentos”, dispondo, inicialmente, que a letra de câmbio devia ser
datada e declarar o lugar em que foi sacada, a importância a pagar e a espécie
de moeda, o valor recebido, em moedas ou em mercadorias, a época e o lugar
do pagamento, o nome da pessoa que devia pagar e a quem, “e se é exigível à
ordem e de quem”, o número de vias, entendendo-se, em falta dessa
declaração, que se tratava de uma única via (art. 354). A letra poderia ser
passada à vista, a dias ou meses da vista, por prazo indeterminado (que o
Código chamava “a dias ou meses de vista precisos”), a dias ou meses da data
e a dia certo (art. 355). Passava, em seguida, a determinar regras para a
contagem dos prazos de vencimento (arts. 356 a 358) e a estipular que,
“havendo diferença entre o valor lançado por algarismo no alto da letra e o que
se achar por extenso no corpo dela, este último será sempre considerado o
verdadeiro, e a diferença não prejudicará a letra” (art. 359).
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Na Seção II, arts. 360 a 364, tratava o Código “dos endossos”, admitindo o
endosso em preto, “completo e regular”, que devia ser datado, escrito nas
costas da letra, “expressar o nome daquele a cuja ordem deve fazer-se o
pagamento” e “declarar se é valor recebido ou em conta ou se confere somente
poderes de mandatário ou procurador”, entendendo-se que “o endosso à
ordem, sem declarar se é valor recebido ou em conta, confere somente poderes
de mandatário, sem transferência da propriedade” (art. 361). Os endossos
incompletos ou em branco eram apenas tolerados, exigindo a lei, entretanto,
“para serem válidos, que, pelo menos, contenham a data do dia em que se
fizeram, escrita pela própria letra do endossante que o assinar; e presume-se
sempre que são passadas “à ordem com valor recebido” (art. 362). O endosso
falso era considerado nulo mas só viciava os endossos posteriores; os “de letras
já vencidas ou prejudicadas, e daquelas que não são pagáveis à ordem, têm o
simples efeito de cessão civil” (arts. 363 e 364).
A Seção III, arts. 365 a 370, dizia respeito ao sacador, estatuindo o art. 366
que este “é obrigado a ter suficiente provisão de fundos em poder do sacado,
ao tempo do vencimento”, no que seguia a orientação do art. 115 do Código do
Comércio francês, já à época da promulgação do nosso Código modificado pela
lei de 19 de março de 1817. E o art. 368 explicava que “entende-se que existe
suficiente provisão de fundos em poder do sacado quando este, ao tempo de
vencimento, é devedor do sacador, ou àquele por conta de quem a letra foi
passada, de quantia ao menos igual, ou quando qualquer dos dois tiver crédito
aberto pelo sacado, que baste para o pagamento da letra”.
A Seção IV, arts. 371 a 391, referia-se ao portador da letra de câmbio,
estatuindo normas para a apresentação desta ao sacado e necessidade do
protesto por falta de aceite ou de pagamento. A Seção V, arts. 392 a 404,
tratava do sacado e aceitante, e a Seção VI, arts. 405 a 414, regulava o
processo do protesto. Era nessa seção (art. 408) que o Código obrigava o oficial
público perante quem se intentaria o protesto, a fazer imediatamente o
apontamento da letra, ou seja, a inscrição do título em livro especial que era
obrigado a possuir para tal fim. A figura do apontamento desapareceu no
Decreto nº 2.044, mas ainda hoje os cartórios incumbidos do protesto de títulos
empregam bastante o termo, temendo os comerciantes o apontamento dos
seus títulos por acreditarem que, com isso, fica o seu crédito abalado.
O recâmbio era tratado na Seção VII, arts. 415 a 421, e os arts. 422 a 424,
Seção VIII, continham disposições gerais. No art. 422 o Código se referia aos
abonadores ou avalistas das letras, considerando-se, “ainda que não sejam
comerciantes... solidariamente garantes das mesmas letras, e obrigados ao seu
pagamento, com juros e recâmbios, havendo-os, e a todas as despesas legais”.
O art. 425, já no Cap. II deste Tít. XVI, era dedicado às “letras de terra”, títulos
idênticos às letras de câmbio “com a única diferença de serem passadas e
aceitas na mesma província”.
A fonte desse Título do Código Comercial foi o Código Comercial português de
1833, que tratava das letras de câmbio no Título VII, arts. 321 a 423. Mas
tanto o Código português como o nosso seguiram a orientação do francês,
sendo aquele mais expresso pois, no art. 321, dizia que “a letra de câmbio é o
instrumento do contrato de câmbio, e pode definir-se numa carta solene datada
dum lugar, pela qual o que a assina, que se chama sacador, encarrega aquele, a
quem escreve, que se denomina sacado, de pagar em outro lugar, quer à vista,
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quer numa época determinada, a uma pessoa designada, que se conhece pelo
nome de portador, ou à sua ordem ao endossatário, uma soma de dinheiro
enunciada nela, e reconhecendo haver recebido ou fiado do tomador o valor da
letra nas expressões valor recebido,ou valor em conta”. Vê-se aí que o
legislador português de 1833 seguiu, em tudo, a orientação do Código francês
de 1808, conceituando a letra de câmbio como o instrumento de um contrato
de câmbio destinado a transportar valores de um lugar para outro.
Não foi tão taxativo o legislador brasileiro de 1850, mas da leitura dos
dispositivos do Código Comercial relativos à letra de câmbio facilmente se
verifica que a orientação seguida foi idêntica, muito embora, ao ser promulgado
o nosso Código, já estivesse em vigor a lei alemã de 1848, sendo de notar que
essa se baseou principalmente nos estudos de Einert, que datam de 1830,
havendo, desse modo, oportunidade de serem as teorias por este defendidas do
conhecimento dos elaboradores do Código Comercial, cujo projeto foi iniciado
em 1832.
Assim, de maneira expressa, exigia o Código que a letra de câmbio
mencionasse o valor recebido, especificando se foi em moeda, e a sua
qualidade, em mercadorias, em conta ou por outra qualquer maneira (art. 354,
III), e que o sacador tivesse suficiente provisão de fundos em poder do sacado,
ao tempo do vencimento (art. 366). Do conjunto dos dispositivos do Código
Comercial conclui-se que a letra de câmbio era, por ele, tratada como o
instrumento de um contrato de câmbio, servindo para a remessa de valores de
um lugar para outro, segundo a doutrina do Código de Comércio francês.
Essa orientação foi, contudo, inteiramente modificada pela lei que derrogou o
Tít. XVI do Código Comercial, número 2.044, de 31 de dezembro de 1908, que
seguiu a doutrina inicialmente emanada da lei alemã e depois ampliada e
atualizada por congressos e convenções internacionais, de modo a que a letra
de câmbio pudesse melhormente atender às necessidades econômicas dos
povos.
17. DECRETO Nº 2.044, DE 1908
Enquanto estiveram em vigor os dispositivos do Código Comercial, coube
principalmente à jurisprudência traçar normas para melhor adaptar a letra de
câmbio aos interesses do comércio, algumas vezes até mesmo violando a lei
como, em parecer de 26 de junho de 1907, se expressava a Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, de que foi relator João Luiz
Alves.
Apesar dessa notável contribuição dos nossos juízes e tribunais, cada dia se
tornava mais patente a necessidade de serem modificados os dispositivos do
Código Comercial relativos a tão importante matéria. No exterior, vários países
que, inicialmente, haviam seguido a orientação francesa, alteraram ou
substituíram suas leis, abraçando a doutrina alemã por ser a que melhor
atendia às necessidades do comércio. Além disso, inúmeras foram as obras
doutrinárias que surgiram apreciando a nova conceituação da letra de câmbio,
sendo o assunto, em detalhes, debatido em vários congressos internacionais.
No Brasil, sentiu-se a necessidade da reforma do Código nesse tocante, mas o
movimento, a tal respeito, só veio a tomar corpo depois da publicação, em
1905, do livro Direito Cambial Brasileiro, do desembargador José Antônio
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Saraiva, professor na Faculdade de Direito de Minas Gerais. Nessa obra capital
para a atualização do nosso direito cambiário, o ilustre mestre mineiro defendia
a doutrina alemã que conceituava a letra de câmbio como um título emanado
da vontade unilateral do subscritor, mostrando-se perfeitamente a par dos mais
modernos conhecimentos sobre o assunto.
Convencido da necessidade de ser modificado o Código Comercial no capítulo
relativo à letra de câmbio, o então deputado federal Justiniano de Serpa
apresentou à Câmara dos Deputados, em 7 de novembro de 1906, projeto de
lei modificando o disposto nos arts. 354, 361, 362, 371, 377, 382, 394, 412,
425, 426 e 427 do Código Comercial. As modificações propostas, apesar de a
melhorarem, não alteravam, contudo, substancialmente, a doutrina do Código,
uma vez que ainda ficava patente a influência francesa, sobretudo pela
manutenção do instituto da provisão, que dava à letra de câmbio o caráter de
instrumento de um contrato. Isso sentiu a Comissão de Legislação e Justiça da
Câmara que, manifestando o desejo de que o assunto fosse tratado não com
medidas paliativas mas de maneira mais profunda, ofereceu um substitutivo ao
projeto, sendo autor do mesmo o Dr. João Luiz Alves. Para a feitura desse
substitutivo foi especialmente ouvido o Desembargador José Antônio Saraiva,
“autor do mais profundo estudo que, sobre a matéria, enriquece a nossa
literatura jurídica”, segundo o relator. Esse substitutivo, com ligeiras
modificações, foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, transformando-se no
Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908.
Seguiu o Decreto nº 2.044 a orientação mais atualizada na época sobre a letra
de câmbio, caracterizando-a, segundo a doutrina alemã, como um título
autônomo, que vale por si mesmo (per se stante), oriundo de um ato unilateral
da vontade do subscritor que, por isso mesmo, pode designar-se beneficiário
(tomador) da ordem dada, o que não poderia verificar-se no sistema contratual
do Código, já que a ninguém é dado contratar consigo mesmo. Igualmente,
segundo o Decreto nº 2.044, não era a letra de câmbio instrumento para
transporte de valores de um lugar para outro, podendo, assim, ser sacada para
pagamento na mesma praça, o que facilitava enormemente sua circulação.
Ainda, tornou-se desnecessária a provisão, feita pelo sacador em mãos do
sacado, ao tempo do vencimento, bem como a inclusão no título da expressão
valor recebido ou em conta, exigida pelos arts. 366 e 354, III, do Código
Comercial, já que a letra era um instrumento destinado a mobilizar o crédito,
tendo nesse a sua razão de ser. Os direitos que a letra conferia ao portador não
tinham, assim, dependência de qualquer negócio preexistente, ou seja, da
relação fundamental. E por tal motivo a falsidade ou nulidade de qualquer
assinatura anterior não invalidava a letra, não sendo, portanto, oponíveis
exceções aos possuidores anteriores, visto como “as obrigações cambiais são
autônomas e independentes umas das outras” (Decreto nº 2.044, art. 43).
Apesar de ter sido inicialmente recebida com restrições, até mesmo com
oposição, pelo comércio em geral (a Associação Comercial do Rio de Janeiro
chegou a reunir-se para declarar sua repulsa à nova lei), o Decreto nº 2.044
conseguiu, com o decorrer dos anos, demonstrar que o legislador brasileiro
captara perfeitamente as mais modernas teorias existentes sobre o direito
cambiário, a tal ponto o fazendo que ainda hoje os seus princípios gerais estão
em perfeita consonância com a melhor doutrina que, em todos os países,
norteia o assunto.
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18. ADESÃO DO BRASIL À LEI UNIFORME
O Brasil, através de delegados especiais, participou das principais Conferências
internacionais para a unificação do direito sobre a letra de câmbio e a nota
promissória. Em Haia, nas Conferências de 1910 e 1912, foi o Brasil
representado pelo Dr. Rodrigo Otávio, que as reuniões apresentou ao Ministro
das Relações Exteriores dois preciosos “Relatórios”, um em 1911 e outro em
1914. Em Genebra, em 1930, foi nosso representante, como plenipotenciário, o
Dr. Deoclécio de Campos, adido comercial em Roma e antigo professor na
Faculdade de Direito do Pará.
Subscrevendo o Governo brasileiro a Convenção de 7 de junho de 1930 para a
adoção de uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, a
adesão à mesma só se fez em 26 de agosto de 1942, por nota da Legação
brasileira em Berna ao Secretário-Geral da Liga das Nações. A ratificaçãolegislativa necessária para a entrada em vigor, no país, da Convenção, foi feita
22 anos depois da adesão, ou seja, em 8 de setembro de 1964, através do
Decreto Legislativo nº 54. Finalmente, a promulgação da Convenção se operou
por intermédio do Decreto Executivo nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966, que
promulgou, igualmente, as duas outras Convenções realizadas em Genebra,
uma destinada a regular conflitos de leis em matéria de letras de câmbio e
notas promissórias, e a outra concernente ao imposto do selo em matéria de
letras de câmbio e notas promissórias.
19. A VIGÊNCIA DA LEI UNIFORME NO DIREITO BRASILEIRO. REVOGAÇÃO DO
DECRETO Nº 2.044
Após a promulgação do Decreto Executivo nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966,
a doutrina e a jurisprudência brasileiras atravessaram uma fase de dúvidas
sobre se a Lei Uniforme de Genebra estaria ou não em vigor, revogada, assim,
o Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Eminentes juristas e
respeitáveis tribunais se manifestaram a respeito, admitindo uns a tese de que
a Lei Uniforme passara a constituir direito interno brasileiro, revogando o
Decreto nº 2.044, outros julgando que fora aceita apenas a Convenção para a
adoção de uma lei sobre letras de câmbio e notas promissórias, devendo,
contudo, essa nova lei, cujo texto deveria ser semelhante ao da Lei Uniforme,
escoimado das reservas feitas pelo Governo Brasileiro, ser discutida e aprovada
pelo Congresso.
Dentre os que, desde o início aceitaram a Lei Uniforme como integrante do
direito interno brasileiro, revogando e substituindo o Decreto nº 2.044,
destacaram-se o Dr. Antônio Mercado Júnior, que, a respeito, apresentou
excelentes estudos no Instituto de Direito Comparado da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, estudos mais tarde publicados no livro Nova Lei
Cambial e Nova Lei do Cheque (Saraiva, São Paulo, 1966), e os eminentes
professores Oscar Barreto Filho, Theophilo de Azevedo Santos e Vicente
Marotta Rangel que, em substanciosos trabalhos, opinaram pela inclusão da Lei
Uniforme no direito interno brasileiro. Em posição contrária colocaram-se
também respeitáveis estudiosos, entre os quais o mestre José Maria Whitaker e
o Professor Gastão de Moura Maia Filho.
Por outro lado, enquanto a doutrina discutia sobre a integração ou não da Lei
Uniforme no direito brasileiro, divergiam os tribunais a respeito. Enquanto o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em várias decisões, seguindo a lição
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do Professor Lélio Candiota de Campos, da Faculdade de Direito da
Universidade do Rio Grande do Sul, aceitava a Lei Uniforme como integrada no
nosso direito, o Tribunal de Alçada de São Paulo seguia orientação oposta,
admitindo a permanência do Decreto nº 2.044. Levado o caso ao Supremo
Tribunal Federal, esse propendia pela aceitação da Lei Uniforme sem, contudo,
se definir claramente. Para complicar mais ainda a situação, uma terceira
corrente surgiu, patrocinada pelos eminentes Professores J. C. de Sampaio
Lacerda e Rodolfo Araújo com o apoio do Tribunal de Alçada de São Paulo (Ac.
de 6 de novembro de 1960, da 6ª Câmara Cível, apel. nº 127.161), admitindo
que a Lei Uniforme não revogou a lei brasileira sobre a letra de câmbio e notas
promissórias, valendo, entretanto, nas relações internacionais.
Nessa controvérsia, de um certo modo aflitiva para uma verdadeira orientação
sobre se estava ou não em vigor, no Brasil, como lei interna, revogada assim, o
Decreto nº 2.044, a Lei Uniforme de Genebra, foi o Poder Executivo chamado a
definir-se, através da consulta feita à Consultoria-Geral da República pelo
Banco do Brasil e Ministério da Fazenda. Em longo e brilhante Parecer, o então
Consultor-Geral da República, Professor Adroaldo Mesquita da Costa, opinou
pela adoção, entre nós, da Lei Uniforme, revogando, assim, o Decreto nº 2.044.
O Parecer, aprovado pelo Sr. Presidente da República e publicado no Diário
Oficial da União de 26 de setembro de 1968, foi taxativo ao afirmar:
“Estão em vigor no Brasil a Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas
Promissórias, assinada em Genebra em 7 de junho de 1930, e a Lei Uniforme
sobre Cheque, ali assinada a 19 de março de 1931, ambas com as necessárias
adaptações de seus textos aos textos ainda vigentes de nosso direito e a elas
anteriores, em face das reservas a elas oferecidas pelo Brasil, no momento em
que a elas aderiu.”
Mas a verdade é que nem mesmo com o Parecer do Consultor-Geral da
República foi aceita a inclusão da Lei Uniforme como direito interno brasileiro.
Continuaram a circular no mercado de capital, com o beneplácito do Banco
Central do Brasil, letras de câmbio ao portador, em flagrante desrespeito à Lei
Uniforme, que não as permite. O VII Congresso Nacional de Bancos, reunido
em Curitiba, em 1969, se bem que propendesse pela adoção de Lei Uniforme,
concluiu por pedir a elaboração de uma nova lei cambiária, que seguisse os
trâmites legais, reconhecendo que o Parecer do Consultor-Geral da República
era meramente opinativo, só ao Supremo Tribunal Federal cabendo dar um
pronunciamento definitivo sobre a questão, o que não fora feito até então. E
mesmo publicações mais recentes, de mestres abalizados, como a obra do
Professor J. Eunápio Borges, Títulos de Crédito (Forense, 1971), mantinham a
opinião de que a Lei Uniforme não revogara o Decreto nº 2.044, continuando
esta em pleno vigor.
O impasse foi resolvido com a decisão do Supremo Tribunal Federal constante
do Acórdão de 4 de agosto de 1971, proferido no Recurso Extraordinário nº
71.154, do Paraná, de que foi relator o eminente Ministro Oswaldo Trigueiro e
aceito pela unanimidade de seus pares. Referindo-se o pleito a um caso de
prescrição do cheque, cujo prazo na Lei Uniforme diverge do da lei brasileira,
depois de estudar o problema da vigência ou não da Lei Uniforme no direito
brasileiro, acentuando, inclusive, a atitude do Supremo, que até então não
tomara decisão definitiva, afirma o voto do Relator, aceito unanimemente:
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“Quanto ao direito brasileiro, não me parece razoável que a validade dos
tratados fique condicionada à dupla manifestação do Congresso, exigência que
nenhuma das nossas Constituições jamais prescreveu. Por outro lado, acho
que, em virtude dos preceitos constitucionais anteriormente citados, a definitiva
aprovação do tratado, pelo Congresso Nacional, revoga as disposições em
contrário da legislação ordinária”.
A partir de então passou a ser por todos aceita a Lei Uniforme de Genebra
sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias como a reguladora desses títulos
no Brasil.
20. RESERVAS DO GOVERNO BRASILEIRO À LEI UNIFORME
Segundo o art. 1º da Convenção para a adoção de uma Lei Uniforme sobre
Letras de Câmbio e Notas Promissórias, as Altas Partes Contratantes têm a
permissão de formular certas reservas ao disposto no texto legal, em tal caso
atribuindo-se o direito de dispor, com normas próprias, sobre a matéria não
aceita. As reservas serão formuladas por ocasião da ratificação ou adesão à
Convenção, e serão escolhidas entre as mencionadas no Anexo II da referida
Convenção.
Ao promulgar a adesão à Convenção de Genebra, pelo Decreto Executivo nº
57.663, de 24 de janeiro de 1966, o Governo brasileiro formulou reservas a
vários dispositivos da lei, dentre as enumeradas no Anexo II da Convenção.
Isso significa que, em vigor o texto de Genebra, as matérias objeto das
reservas são, contudo, reguladas por lei nacional, não se aplicando no Brasil o
texto de Genebra na sua totalidade. As reservas foram feitas aos arts. 2, 3, 5,
6, 7, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 19 e 20do Anexo II. Sobre cada uma delas
resumidamente falaremos a seguir.
20.1. Reserva ao art. 2º do Anexo II – Falta de assinatura do próprio punho do
obrigado no título
O art. 2º do Anexo II da Convenção dispõe que:
“Qualquer das Altas Partes Contratantes tem, pelo que respeita às obrigações
contraídas em matéria de letras no seu território, a faculdade de determinar de
que maneira pode ser suprida a falta de assinatura, desde que por uma
declaração autêntica escrita na letra se possa constatar a vontade daquele que
deveria ter assinado”.
A reserva enseja que a assinatura seja suprida, isto é, substituída por outro
modo de identificação do signatário que não seja o seu próprio nome. Deve-se
essa reserva ao fato de, em certos países, como o Japão, a Índia, o Egito e a
Turquia, ser possível subscrever-se a letra de câmbio com um sinal qualquer
que seja considerado como o nome da pessoa, ou por um carimbo ou mesmo
pela impressão digital; do mesmo modo, como acontecia na Espanha e no
Brasil, a assinatura podia ser feita por mandatário, tendo validade legal.
Considerando que tal assunto deve ser resolvido por cada país, a Conferência
de Genebra incluiu, no Anexo II, a faculdade de, utilizando da reserva,
disporem os signatários a respeito.
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A Lei Uniforme, referindo-se às assinaturas dos obrigados no título, diz apenas
que, da letra, deve constar como requisito especial a assinatura do sacador
(art. 1º, nº 8), nada especificamente acrescentando quanto à assinatura por
intermédio de mandatário, apesar do contido no art. 8º que, de modo geral,
admite a assinatura por procurador munido com os poderes necessários. Por
outro lado, reportando-se ao aceite, dispõe a Lei Uniforme (art. 25) que “o
aceite é assinado pelo sacado”. Do mesmo modo, o aval “é assinado pelo dador
do aval” (art. 31, 2ª al.) e o endosso “deve ser assinado pelo endossante” (art.
13).
Fazendo a reserva permitida pelo art. 2º do Anexo II, o Governo brasileiro se
permite o direito de determinar a maneira de serem supridas as assinaturas, de
próprio punho, dos obrigados na letra, que são o sacador, o aceitante, os
endossantes e os avalistas. Ora, o Decreto nº 2.044 contém dispositivo
expresso sobre a assinatura por mandatário, declarando o nº V do art. 1º que
da letra deve constar “a assinatura do próprio punho do sacador ou de
mandatário especial”, isto é, esclarecendo melhor a intenção da lei, do
mandatário munido de poderes especiais. Quanto aos endossantes, igualmente
dispõe o art. 8º, 2ª al., do Decreto nº 2.044 que, “para a validade do endosso é
suficiente a simples assinatura do próprio punho do endossador ou do
mandatário especial”. Em relação ao aceitante, reza o art. 11 que, “para a
validade do aceite é suficiente a simples assinatura do próprio punho do
sacado, ou do mandatário especial”. Finalmente, no que diz respeito aos
avalistas, estatui o art. 14 que “para a validade do aval, é suficiente a simples
assinatura do próprio punho do avalista, ou mandatário especial”.
Nessas condições, permitindo a Convenção fosse melhor disposto pelos
Governos que à mesma aderiram o suprimento da falta de assinatura do
próprio punho dos obrigados na letra, e havendo o Governo brasileiro se valido
dessa permissão, tem-se que, no Brasil, podem o sacador, o aceitante,
endossantes e avalistas obrigar-se nas letras mediante mandatários munidos de
poderes especiais, vigorando, a esse respeito, as regras contidas nos arts. 1º,
nº V, 8º, 2ª al., 11 e 14 do Decreto nº 2.044, que tratam da matéria.
A utilização da reserva, pelo Brasil, diz respeito apenas ao suprimento da
assinatura pela assinatura do mandatário, sobre que havia legislação a
respeito. Nada impede, entretanto, que, valendo-se da reserva, venha o Brasil
a dispor sobre a assinatura de outro modo, como, por exemplo, por chancela
mecânica, a exemplo do que resolveu o Banco Central em relação aos cheques
(Res. nº 74, de 17 de novembro de 1967).
20.2. Reserva ao art. 3º do Anexo II – Letra incompleta
Dispõe o art. 3º do Anexo II:
“Qualquer das Altas Partes Contratantes reserva-se a faculdade de não inserir o
art. 10 da Lei Uniforme na sua Lei nacional.”
Reza o art. 10 da Lei Uniforme:
“Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada
contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses
acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra
de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
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Como se vê, dispõe a Lei Uniforme que não é oponível ao portador, a não ser
quando este aja de má-fé, o fato de haver a letra sido completada
contrariamente ao estabelecido. Já o art. 3º da lei brasileira nº 2.044 dizia que
os requisitos da letra são considerados lançados ao tempo da emissão do título,
só sendo admitida prova em contrário em caso de má-fé do portador. De um
certo modo, os dispositivos das duas leis são semelhantes, apresentando-se,
contudo, mais amplo o da lei brasileira, pois a Lei Uniforme só permite a
inoponibilidade da exceção quando há acordo entre as partes quanto aos
requisitos a serem lançados no título. A lei brasileira dispensa esse acordo para
que a exceção não seja oposta, a não ser, como acontece também na Lei
Uniforme, quando o portador usa de má-fé.
Não tendo o Governo brasileiro aceito o art. 10 da Lei Uniforme, por fazer uso
da reserva permitida pelo art. 3º do Anexo II da Convenção, a nosso ver
permanece em vigor o art. 3º do Decreto nº 2.044.
20.3. Reserva ao art. 5º do Anexo II – Prazo para apresentação da letra
O art. 5º do Anexo II estatui que:
“Qualquer das Altas Partes Contratantes pode completar o art. 38 da Lei
Uniforme, dispondo que, em relação às letras pagáveis no seu território, o
portador deverá fazer a apresentação no próprio dia do vencimento; a
inobservância desta obrigação só acarreta responsabilidade por perdas e danos.
As outras Altas Partes Contratantes terão a faculdade de fixar as condições em
que reconhecerão uma tal obrigação”.
Reza o art. 38 da Lei Uniforme:
“O portador de uma letra pagável a dia fixo ou a certo termo de data ou de
vista deve apresentá-la no dia em que ela é pagável ou num dos dois dias úteis
seguintes.
A apresentação da letra a uma câmara de compensação equivale à
apresentação para pagamento”.
Confrontando os dois dispositivos, verifica-se que, pela Lei Uniforme, a letra
com prazo certo deve ser apresentada para pagamento no dia do vencimento
ou num dos dois dias úteis seguintes, permitindo o art. 5º do Anexo II que a
letra seja apresentada no dia do vencimento e não nos dois dias úteis seguintes
a essa data. Entretanto, se a letra não for apresentada no dia do vencimento,
esse fato só acarreta responsabilidade por perdas e danos.
A lei brasileira dispunha que a letra deve ser apresentada para pagamento no
dia do vencimento, ou, sendo este feriado legal, no primeiro dia útil seguinte
(art. 20). A reserva feita pelo Governo brasileiro foi, ao que parece, no sentido
de ser mantido esse princípio do Decreto nº 2.044. Mas, deve-se observar que
o art. 5º do Anexo II permite, realmente, a apresentação apenas no dia do
vencimento, como dispunha a lei brasileira, ficando, porém, estabelecido que a
não apresentação nesse dia acarreta apenas responsabilidade por perdas e
danos. Assim sendo, o portador que não apresenta letra no dia do vencimento
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não poderá promover o protesto da letra no primeiro dia útil seguinte à
apresentação, como acontece no regime da lei brasileira (art. 44, 3ª al.).
Disso não trata a lei brasileira. E, em tais condições, parece-nos que, para
completar o art. 38 da Lei Uniforme, como permite o art. 5º do Anexo II, terá o
Governo que editar norma especial a respeito. Enquanto tal não acontecer,
estará em vigor, em sua forma primitiva, o art. 38 da Lei Uniforme, apesar da
reserva feita, por falta de legislação supletiva a respeito.
20.4. Reserva ao art. 6º do Anexo II – Câmaras de compensação
O art. 6º do Anexo II estatui:
“A cada uma das Altas Partes Contratantes incumbe determinar, para os efeitos
da aplicação da última alínea do art. 38, quais as instituições que, segundo a lei
nacional, devem ser consideradas câmaras de compensação.”
A última alínea do art. 38, já acima transcrito, dispõe:
“A apresentação da letra a uma câmara de compensação equivale à
apresentação a pagamento.”
Como se vê, não se trata, evidentemente, de reserva, que pressupõe sempre a
derrogação de uma norma da lei para a substituição por outra; é,
simplesmente, um reenvio, fazendo com que o Governo determine quais as
instituições que entre nós são consideradas câmaras de compensação.
20.5. Reserva ao art. 7º do Anexo II – Pagamento em moeda estrangeira
Dispõe o art. 7º do Anexo II:
“Pelo que se refere a letras pagáveis no seu território, qualquer das Altas Partes
Contratantes tem a faculdade de sustar, se o julgar necessário, em
circunstâncias excepcionais relacionadas com a taxa de câmbio da moeda
nacional, os efeitos da cláusula prevista no art. 41 relativa ao pagamento
efetivo em moeda estrangeira. A mesma regra se aplica no que diz respeito à
emissão no território nacional de letras em moedas estrangeiras.”
O art. 41, a que se refere o art. 7º do Anexo II, reza:
“Se numa letra se estipular o pagamento em moeda que não tenha curso legal
no lugar do pagamento, pode a sua importância ser paga na moeda do país,
segundo o seu valor no dia do vencimento. Se o devedor está em atraso, o
portador pode, à sua escolha, pedir que o pagamento da importância da letra
seja feito na moeda do país ao câmbio do dia do vencimento ou ao câmbio do
dia do pagamento.
A determinação do valor da moeda estrangeira será feita segundo os usos do
lugar do pagamento. O sacador pode, todavia, estipular que a soma a pagar
seja calculada segundo um câmbio fixado na letra.
As regras acima indicadas não se aplicam ao caso em que o sacador tenha
estipulado que o pagamento deverá ser efetuado numa certa moeda
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especificada (cláusula de pagamento efetivo numa moeda estrangeira).
Se a importância da letra for indicada numa moeda que tenha a mesma
denominação mas valor diferente no País de emissão e no de pagamento,
presume-se que se fez referência à moeda do lugar de pagamento.”
Pela reserva feita, fica sem vigor a 3ª alínea desse art. 41 que determina que,
sendo estipulado pelo sacador que o pagamento deve ser efetuado em certa
moeda não especificada, não são aplicadas as regras de conversão de moeda
estrangeira em moeda nacional, permitida pelas alíneas anteriores. Sem efeito
aquela alínea 3ª, é admitida a conversão, mesmo que o pagador tenha
estipulado o pagamento efetivo em moeda estrangeira.
Aceitando essa conversão, já existe legislação no Brasil (Dec. nº 23.501, de 27
de novembro de 1933, que “declara nula qualquer estipulação de pagamento
em ouro, ou em determinada espécie de moeda, ou por qualquer meio tendente
a recusar ou restringir, nos seus efeitos, o curso forçado do mil-réis papel”; Lei
nº 28, de 15 de fevereiro de 1935; Lei nº 6.650, de 29 de junho de 1944 etc.).
O art. 25 do Decreto nº 2.044 permitia o pagamento em moeda estrangeira, se
determinado na letra, concordando, assim, com a 3ª alínea do art. 41 da Lei
Uniforme, ora objeto de reserva.
20.6. Reserva ao art. 9º do Anexo II – Apresentação para protesto no próprio
dia do vencimento
Estatui o art. 9º do Anexo II:
“Por derrogação da alínea 3ª do art. 44 da Lei Uniforme, qualquer das Altas
Partes Contratantes tem a faculdade de determinar que o protesto por falta de
pagamento deve ser feito no dia em que a letra é pagável ou num dos dois dias
úteis seguintes.”
Diz a alínea 3ª do art. 44 da Lei Uniforme:
“O protesto por falta de pagamento de uma letra pagável em dia fixo, ou a
certo termo de data ou de vista, deve ser feito num dos dois dias úteis
seguintes àquele em que a letra é pagável. Se se trata de uma letra pagável à
vista, o protesto deve ser feito nas condições indicadas na alínea precedente
para o protesto por falta de aceite.”
Como se vê do texto acima transcrito, pela Lei Uniforme não é permitida a
apresentação da letra para protesto no dia do vencimento da mesma e sim num
dos dois dias seguintes a esse vencimento. A lei brasileira, tratando do assunto
(art. 28), também não permitia o protesto no próprio dia do vencimento, e sim
no dia seguinte a esse (“A letra que houver de ser protestada por falta de
aceite ou de pagamento, deve ser entregue ao oficial competente no primeiro
dia útil ao que se seguir ao da recusa do aceite ou ao do vencimento” etc.).
Divergia, assim, a lei brasileira da Lei Uniforme unicamente quanto ao prazo em
que a letra deveria ser apresentada ao oficial para protesto: pela lei brasileira,
somente no primeiro dia útil seguinte ao do vencimento; pela Lei Uniforme,
num dos dois dias úteis seguintes ao vencimento.
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18 of 206 04/08/2020 15:46
Como, em certos países, era permitida a apresentação da letra para protesto no
próprio dia do vencimento, foi admitido, através da adoção da reserva
constante do art. 9º do Anexo II da Convenção, que os Estados contratantes,
por dispositivos próprios, alterassem o disposto na terceira alínea do art. 44 da
Lei Uniforme, para fazer com que a letra, nos países que assim o desejassem,
fosse apresentada para protesto também no dia do vencimento. Isso resolveria
a situação daqueles países que, em suas leis, já continham tal permissão.
Estranhamente, o Governo do Brasil, país em que a lei estava, em parte,
concordante com a Lei Uniforme, ambas não permitindo a apresentação da
letra para protesto no próprio dia do vencimento, adotou a reserva do art. 9º
do Anexo II, procurando, assim, inovar na matéria, dentro do nosso direito,
com a permissão de ser a letra apresentada para protesto no próprio dia do
vencimento.
Ao que nos parece, houve engano ou precipitação por parte do Governo
brasileiro quanto à adoção da reserva contida no art. 9º do Anexo II. A
tendência atual do Governo brasileiro é ampliar o prazo para apresentação da
letra ao protesto e não restringi-lo, como acontece com a adoção da reserva,
permitindo-a no próprio dia do vencimento do título. O Projeto de Código de
Obrigações de 1965, no art. 984, § 2º, declarava que “o protesto deve ser
tirado no prazo de cinco dias, contado do vencimento, para assegurar o direito
de regresso”, acrescentando a Exposição de Motivos (p. XXIX), ao justificar a
inovação: “No tocante ao protesto, formalidade comprobatória da recusa do
aceite ou do pagamento (art. 984), amenizou-se o rigor do direito cambial
vigente, autorizando-se seja tirado no prazo de cinco dias do vencimento, para
assegurar o direito de regresso.” É verdade que o Projeto não falou na data em
que o título deve ser apresentado para protesto; mas, declarando que o
protesto deve ser tirado no prazo de cinco dias, contado do vencimento, é de
admitir-se que o dia do vencimento não esteja incluído nesse prazo.
Nessas condições,ensejou o Governo, com a adoção da reserva (se bem que
acreditemos que não desejasse isso), que a letra passe a ser apresentada a
protesto não apenas num dos dois dias seguintes ao próprio vencimento mas,
igualmente, no mesmo dia do vencimento. Contrariamente à opinião de
Mercado Júnior acreditamos que, com a adoção da reserva, não há necessidade
de ser editada norma especial, por parte do Governo, declarando que a letra
pode ser apresentada para protesto também no próprio dia do vencimento,
visto estatuir o texto do art. 9º que o Governo pode derrogar a 3ª alínea do art.
44 para determinar (e exclusivamente para isso) que o protesto por falta de
pagamento pode ser feito também no dia do vencimento. Adotando a reserva,
ipso facto o Governo permitiu a apresentação da letra para protesto naquele
dia.
Assim sendo, em resultado da adoção da reserva contida no art. 9º do Anexo
II, hoje as letras podem ser apresentadas para protesto ou no próprio dia do
vencimento ou num dos dois dias úteis seguintes a esse, de acordo com o texto
reformado da 3ª alínea do art. 44 da Lei Uniforme.
20.7. Reserva ao art. 10 do Anexo II – Direito de ação do portador contra os
coobrigados na letra
O art.10 do Anexo II dispõe:
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“Fica reservada para a legislação de cada uma das Altas Partes Contratantes a
determinação precisa das situações jurídicas a que se referem os nos 2 e 3 do
art. 43 e nos 5 e 6 do art. 44 da Lei Uniforme.”
O art. 43 da Lei Uniforme trata do exercício dos direitos de ação do portador
contra os endossantes, sacador e outros coobrigados, no vencimento, se o
pagamento não foi efetuado, e mesmo antes do vencimento, se houver recusa
total ou parcial do aceite (1º). O nº 2 do art. 43, objeto da reserva, estatui que
o portador pode exercer esses direitos de ação contra tais obrigados,
“nos casos de falência do sacado, quer ele tenha aceite, quer não, de
suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença,
ou de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens”.
O nº 3 do citado art. dá idêntico direito ao portador,
“nos casos de falência do sacador de uma letra não aceitável”.
Permitindo a reserva que a legislação nacional regule esses casos, e tendo o
Governo brasileiro aceito assim fazê-lo, não há problemas, no nosso direito, em
relação à falência do aceitante, visto já dizer que o Decreto nº 2.044, art. 19,
nº II, que a “letra é considerada vencida quando protestada – pela falência do
aceitante”. Assim sendo, quando há falência do aceitante, a letra é considerada
exequível contra os obrigados regressivos já que o obrigado principal, com a
superveniência da falência, não pode mais ser executado.
Entretanto, o nº 2 do art. 43 da Lei Uniforme refere-se, também, ao direito de
regresso contra os coobrigados no título, em caso de falência do sacado que
não o aceitou, de suspensão de pagamentos por parte do mesmo e, até, no
caso de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens. E no nº 3
do mesmo art. é dado ao portador direito de regresso contra os coobrigados
nos casos de falência do sacador de uma letra não aceitável. Esses são casos
não contemplados na lei brasileira e que precisam ser regulados por normas
especiais, inclusive porque tratam de matéria nova, como a letra não aceitável,
desconhecida do nosso direito até a adoção da Lei Uniforme, pois no Decreto nº
2.044 a letra não aceitável não era permitida, taxativamente estatuindo o art.
44, número III:
“Para os efeitos cambiais, são consideradas não escritas:
III – a cláusula proibitiva da apresentação da letra ao aceite do sacado.”
Também nenhum dispositivo existe quanto à permissão do direito de ação
contra os demais coobrigados no caso de falência do sacador.
Assim sendo, contrariamente à opinião de Mercado Júnior, julgamos que
persiste, apenas, de nossa legislação anterior, o princípio do nº II do art. 19 do
Decreto nº 2.044, que considera a letra vencida quando protestada por falência
do aceitante. Não havendo em nossa legislação normas sobre o exercício de
direito de ação contra os demais coobrigados em caso de falência do sacado, de
suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença,
de execução de seus bens, mesmo que sem resultado, e de falência do sacador
de letra não aceitável, devem ser editadas normas legais regulando os direitos
do portador quanto aos demais coobrigados. Enquanto não surgirem essas
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normas, ficarão em vigor os dispositivos a respeito dos nos 2 e 3 do art. 43 da
Lei Uniforme.
A reserva se refere também aos nos 5 e 6 do art. 44 da Lei Uniforme, que
rezam:
“No caso de suspensão de pagamentos do sacado, quer seja aceitante, quer
não, ou no caso de lhe ter sido promovida, sem resultado, execução dos bens,
o portador da letra só pode exercer o seu direito de ação após apresentação da
mesma ao sacado para pagamento e depois de feito o protesto.
No caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem
como no caso de falência declarada do sacador de uma letra não aceitável, a
apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o
portador da letra possa exercer o seu direito de ação.”
Esses dispositivos complementam os nos 2 e 3 do art. 43, esclarecendo o modo
de como pode o portador exercer o seu direito de ação contra os coobrigados. A
eles se aplicam as considerações acima feitas, vigorando da lei brasileira
apenas as regras concernentes à falência do aceitante, as demais necessitando
de uma regulamentação legal, até o aparecimento da qual ficam em vigor os
dispositivos da Lei Uniforme.
20.8. Reserva ao art. 13 do Anexo II – Taxa de juros
Dispõe o art. 13 do Anexo II:
“Qualquer das Altas Partes Contratantes tem a faculdade de determinar, no que
respeite às letras passadas e pagáveis no seu território, que a taxa de juro a
que se refere o nº 2 dos arts. 48 e 49 da Lei Uniforme poderá ser substituída
pela taxa legal em vigor no território da respectiva Alta Parte Contratante.”
O nº 2 do art. 48 da Lei Uniforme estatui que o portador pode reclamar contra
quem exerce o seu direito de ação “os juros à taxa de 6% desde a data do
vencimento”.
No mesmo sentido, o nº 2 do art. 49 declara que a pessoa que pagou uma letra
pode reclamar dos seus garantes. “Os juros de dita soma, calculados à taxa de
6% desde a data em que pagou”.
Possibilita, assim, a reserva, que seja alterada essa taxa, com a adoção da taxa
legal do país. O Governo brasileiro adotou a reserva mas não é necessária a
estipulação de uma nova taxa de juros, visto estar regulada por lei a taxa de
juros legais do país, na base de 11,18 % ao ano (atualizado até 12.11.07 –
Fonte: Banco Central do Brasil – site http://www.bcb.gov.br/selic).
20.9. Reserva ao art. 15 do Anexo II – Perda de direitos ou prescrição
Estatui o art. 15 do Anexo II:
“Qualquer das Altas Partes Contratantes tem a liberdade de decidir que, no
caso de perda de direitos ou de prescrição, no seu território subsistirá o direito
de proceder contra o sacador que não constituir provisão ou contra um sacador
ou endossante que tenha feito lucros ilegítimos. A mesma faculdade existe, no
caso de prescrição pelo que respeita ao aceitante que recebeu provisão ou
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tenha realizado lucros ilegítimos.”
O caso, como já assinalou Mercado Júnior, é o de mero reenvio, não de reserva.
E o art. 48 do Decreto nº 2.044 já trata do assunto, estando o mesmo em
vigor.
20.10. Reserva ao art. 16 do Anexo II – Provisão e relação fundamental
Diz o art. 16 do Anexo II:
“A questão de saber se o sacador éobrigado a constituir provisão à data do
vencimento e se o portador tem direitos especiais sobre essa provisão está fora
do âmbito da Lei Uniforme.
O mesmo sucede relativamente a qualquer outra questão respeitante às
relações jurídicas que serviram de base à emissão da letra”.
Ainda aqui se trata de reenvio. Como assinala Mercado Júnior, o Decreto nº
2.044 não tem dispositivos expressos sobre o assunto mas o art. 51, referindo-
se à ação cambial, declara que nessa “somente é admissível defesa fundada em
direito pessoal do réu contra o autor”, afastando, assim, a causa do título do
âmbito do direito cambiário. Também os princípios da abstração e da autonomia
das obrigações cambiárias são de aplicar-se ao assunto relativo à reserva feita.
20.11. Reserva ao art. 17 do Anexo II – Prescrição
O art. 17 do Anexo II assim se expressa:
“A cada uma das Altas Partes Contratantes compete determinar na sua
legislação nacional as causas de interrupção e de suspensão da prescrição das
ações relativas a letras que seus tribunais são chamados a conhecer.
As outras Altas Partes Contratantes têm a faculdade de determinar as condições
a que subordinarão o conhecimento de tais causas. O mesmo sucede quanto ao
efeito de uma ação como meio de indicação do início do prazo de prescrição, a
que se refere a alínea terceira do art. 70 da Lei Uniforme.”
A terceira alínea do art. 70 da Lei Uniforme estatui:
“As ações dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador prescrevem
em seis meses, a contar do dia em que o endossante pagou a letra ou em que
ele próprio foi acionado.”
Ainda aqui, se trata de reenvio e não de reserva, regulando a matéria de
interrupção ou suspensão da prescrição normas do direito comum que são
aplicadas à cambial.
A última parte do art. 70 da Lei Uniforme refere-se ao prazo da prescrição da
ação de um endossante contra outro, fixando a lei o período de seis meses para
ser utilizada a ação, contados do dia em que o endossante pagou a letra ou do
em que ele próprio foi acionado.
A lei brasileira não contém dispositivo a respeito, referindo-se apenas ao prazo
prescricional da ação contra o sacador, aceitante e respectivos avalistas e à
ação contra o endossante e seus avalistas – ação que, por não estar explícita,
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se supõe ser do portador contra um dos endossantes ou seus avalistas e não do
endossante contra endossante.
Assim, a nosso ver, está em vigor a última parte do art. 70 da Lei Uniforme, por
não termos, em nosso direito, dispositivo expresso sobre a espécie.
20.12. Reserva ao art. 19 do Anexo II – Cláusula cambial na nota promissória
Diz o art. 19 do Anexo II:
“Qualquer das Altas Partes Contratantes pode determinar o nome a dar, nas leis
nacionais, aos títulos a que se refere o art. 75 da Lei Uniforme ou dispensar
esses títulos de qualquer denominação especial, uma vez que contenham a
indicação expressa de que são à ordem.”
O art. 75 da Lei Uniforme se refere à Nota Promissória e seus requisitos
essenciais, e o nº 1 desse artigo, que dispõe sobre o nome do título, está assim
expresso:
“A Nota Promissória contém:
I – Denominação “Nota Promissória” inserida no próprio texto do título e
expressa na língua empregada para a redação desse título.”
Como se vê do art. 19 do Anexo II, a reserva permite ser mudado o nome do
título, ou até deixar de mencioná-lo, contanto que o mesmo contenha a
indicação expressa de que é à ordem.
Não atinamos, por isso mesmo, o motivo dessa reserva pelo Governo brasileiro,
visto como nosso Decreto nº 2.044 já dispôs como requisito essencial para a
validade do título a denominação “Nota Promissória” (art. 54, I). Se deseja o
Governo brasileiro que, entre nós, circulem notas promissórias sem esta
denominação, necessário será ser editada norma especial regulando a matéria
pois, assim não o fazendo, continua em vigor o nº 75 da Lei Uniforme, que é,
como foi dito, semelhante ao nº I do art. 54 do Decreto nº 2.044.
Quanto à obrigatoriedade da cláusula de que se trata de um título à ordem,
está ela contida no nº 5 do art. 75 da Lei Uniforme (“o nome da pessoa a
quem, ou à ordem de quem deve ser paga”), semelhante ao nº III do art. 44
do Decreto nº 2.044 (“o nome da pessoa a quem deve ser paga”), faltando,
apenas, a cláusula à ordem. Mas ao nº 5 do art. 75 não é permitido fazer
reserva, estando, assim, em vigor.
20.13. Reserva ao art. 20 do Anexo II – Aplicação de disposições das letras de
câmbio às notas promissórias
Dispõe o art. 20 do Anexo II:
“As disposições dos arts. 1º ao 18 do presente Anexo relativas às letras,
aplicam-se igualmente às notas promissórias.”
Trata-se, apenas, de uma extensão das reservas feitas às letras de câmbio para
as notas promissórias. Tendo esses títulos características gerais muitas vezes
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semelhantes, natural é que a reserva feita a dispositivo da lei referente a um
deles se aplique também ao outro, quando possível.
Tais foram as reservas adotadas pelo Governo brasileiro à Lei Uniforme sobre
Letras de Câmbio e Notas Promissórias entre as permitidas nos 23 artigos
contidos no Anexo II da Convenção. O estudioso da matéria, ao perquirir ou
aplicar aquela lei, deve ter em conta as reservas feitas com as quais o Governo
brasileiro discordou, dentro do possível, do texto integral da lei, que entre nós é
aceito com essas alterações.
21. A TRADUÇÃO DA LEI UNIFORME
Como acima dito (supra, nº 11, nota 3), o Brasil, ao adotar a Lei Uniforme, não
fez uma tradução da mesma, publicando como sua, apesar de não ser isso
declarado, a tradução feita em Portugal e por aquele país posta em vigor
através do Dec. nº 25.556, de 30 de outubro de 1936.
Isso se verifica cotejando-se a lei brasileira com a tradução portuguesa: as
palavras são as mesmas, salvo ligeiríssimas modificações, e a própria
construção das frases mostra que a tradução de nossa lei não é brasileira e sim
portuguesa.
Já fizemos sentir esse fato através de um trabalho publicado na Revista de
Direito Mercantil, Nova Série, nº 5, e inserto como apêndice na 1ª edição deste
livro; mas o apanhado de expressões mal traduzidas pela lei portuguesa está
incompleto naquele trabalho, existindo muitas outras não mencionadas.
A tradução da lei uniforme adotada em Portugal tem merecido, de mestres
portugueses, severas críticas pela maneira falha com que foi feita. Sendo
aquela tradução adotada no Brasil, é lógico que nossa lei cambiária, segundo o
texto oficial em vigor, está eivada de erros que merecem ser corrigidos, pois
alguns deles desvirtuam completamente o sentido original e verdadeiro da Lei
Uniforme.
Além desses defeitos da tradução portuguesa, existem outros, no texto
divulgado no Brasil, oriundos da falta de cuidado na transcrição da tradução
portuguesa, ou até devidos à revisão. Não tendo sido feitas as correções
necessárias, é lógico que tais defeitos prejudicam os intérpretes ou aplicadores
da lei que, ignorando os textos oficiais, em inglês e francês, se atêm ao que foi
publicado como certo pelo Governo brasileiro.
A fim de dirimir essas anomalias, enumeramos, a seguir, os principais defeitos
existentes na tradução portuguesa da Lei Uniforme, inclusive os erros na
publicação do texto, no Brasil, como Lei Brasileira. Esses defeitos, no nosso
entender, estão a merecer correção por parte do Governo.
Cap. I
“Da emissão e forma da letra”
O texto oficial francês, de que foi feita a tradução da lei portuguesa, se refere à
criação e não à emissão da letra de câmbio. Os termos criação e emissão, em
direito cambiário, têm significados diferentes, o primeiro sendo o ato de
formalizar a letra e o segundo

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