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Adorno - Minima Moralia BrBicca

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f 
1 
,( 
I ; THEODOR ADORNO 
· · ~ 
' ~~ 
"' ... --~- ,)!-.~ .. . 
' ~ . ... •, . 
N.Clrnm. 834.912 A24 I m. Pb 1993 
1 Autor: Adorno, Theodor W., 1903 -1 969. 
\S Títul o: Mínima moral ia : reflexões a pa rtir da vida 
l~ Pb 1111111111111111I IIIII IIIII IIIII IIIII IIIII IIIII IIIII IIIII IIII IIII ~~~i;5º4 
r' 
Um dos expoentes da Escola de 
Frankfurt - ao lado de Max Horkheimer 
e Walter Benjamin - , Theodor 
Wiesengrund Adorno (1903-1969) 
constru iu uma teoria crítica dotada de 
penetração radical. Suas análises das 
esferas de alienação inerentes ao 
mundo administrado, da indústria 
cultural e da racionalidade tecnológica 
exerceram uma influência decisiva na 
segunda metade de nosso século. Em 
Mimma mora/ia, que chega ao leitor 
brasileiro em primorosa tradução, é 
possível flagrar todo o vigor do seu 
pensamento 
Aqui, os temas são os mais va riados 
que se possam imaginar: do caráter 
feminino ao legado intelectual de Walter 
Benjamin, do cinema de Hollywood à 
críti ca da noção de autenticidade, do 
:nc , TbEod or W 
.ma rncrctlia refl exa~~ a pa 
. da vida danificada / trad 
luiz Ed oardo Eicca ; r~ vi 
9/ .1\24 lm . Pb/1 99J 
(6 0 049504/ 95 
! 1 , ,, 
_ BIBLIOTECA UNIVERSITARIA 
'I'hecac:c W 
1 - e a lJa r mcralia r e i exo ~~ 
vida danificada / tcadu 
z Ed ua.r d-o·- , f icca ; r::õ vis 
2 4 lui° . p b/ 19 9 3 9c: O 4/ 9 -~) 
j 60 v 4 ::> : :i 
ritual de um jantar de gala às primeiras 13 MA10;9s so.ooo 
manifestações do nazismo, de Proust a 
Nietzsche, entre outros. Como traço de 
unidade, porém, revela-se um olhar 
agudo, atento às deformações de caráter 
social e cultural que permeiam a 
existência moderna - quer no 
cotidiano, quer no pensamento filosófico. 
► 
J 
R 
Theodor W. Adorno 
\. 
ESTE LIVRO DEVE SER DEVOLVIDO NA ÚLTIMA 
DATA CARIMBADA 
ll '1 ; , 
,; .i! ,, 1 • 
.. ' 
270UT2l16 
MOD. BU · 0 16 
2.ª edição 
00 ,.,Utomdt11'11 
1 • • I / • •' /.2 
r . , l _ 
I • , 
Série 
Temas 
vo lume 30 
Estudos fi losófi cos 
Títu lo origin a l: Mínima Mora/ia 
© Suhrkarnp Ve rl ag, 195 1 
_ " 'º ''ARAÇÃO DE TE XTO 
José Roberto Mincy 
REV ISÃO 
rvl arcia Carna rgo 
ARTE 
EDIÇÃ O DE ARTE (MIOLO) 
Milton Takeda 
Jorge Okura 
PAGI NAÇÃO EM VIDEO 
Ma rco Amonio Fernandes 
CAPA 
Et tore Bottini 
INDICAÇÃO EDITORIAL 
Pau lo Cesa r de Souza 
ISBN 85 08 04272 8 
1993 
Todos os d i I L' Í tu~ rese rvados 
Editora Atica S.A. 
Rua Barão de Iguape, l 10 - CEP 01 507-900 
Te!.: (PABX) (0 11) 278-9322 - Caixa Posta l 8656 
End. Telegráfico "Bom livro" - Fax: (0 11 ) 277-4 146 
São Paulo (SP) 
Para Max 
Como agradecimento 
e promessa 
Sumário 
Dedicatória ___________________ _ 
Primeira parte (1944) 
Segunda parte ( 1945) _____________ _ 
T r,rr0 i ra parte ( 1946-4 7) 
7 
13 
7 1 
139 
( 
Dedicatória 
A tr iste c1encia, da qua l ofereço a lgo a meu a migo, 
refe re-se a um domínio que em tempos imemoria is era tido 
como próprio da Filosofi a, mas que desde a transformação des ta 
em mé todo fi cou à mercê da desatenção intelec tua l, da a rbitra-
ri edade sentenciosa, e, por fim , caiu em esquec imento: a dou-
tr ina da vida reta. Aquilo que "vida" signifi cava outro ra para 
os fil ósofos passou a fazer parte da esfera privada e, mais ta rde 
a inda, da esfera do mero consumo, que o processo de p rodução 
ma terial a r ras ta consigo como um apêndice sem autonomia e 
sem substância própri a. Quem quiser saber a verdade acerca 
da vicia imedia ta tem que inves tigar sua configu ração a li enada, 
inves tigar os poderes objetivos que dete rminam a exis tência 
indi vidua l a té o mais recôndito nela. Se falarmos de modo ime-
diato sobre o que é imediato, vamos nos comportar quase como 
aqueles romancistas que cobrem suas marionetes de ornamen-
tos bara tos, reves tindo-as de imitações dos sentimentos de an ti-
gamente, e fazem agir as pessoas, que nada mais são cio que 
engrenagens da maquinaria, como se es tas a inda conseguissem 
agir como suj eitos e como se a lgo dependesse de sua ação. O 
olhar lançado à vicia transformou-se em ideologia, que ten ta nos 
iludi r escondendo o fa to de que não há mais vida . 
A re lação, porém, ent re a vida e a p rodução, que rebaixa 
realmente aqu e la a uma efêmera manifes tação desta , é em tudo 
absurda. Meio e fim vêem-se confundidos . O pressentimento 
desse qu id pro quo insensato a inda não fo i inteiramente ex tir-
8. Theodor W. Adorno 
pado da vida. O ser redu zido e degradado opõe-se tena;p;nêh te,. 
ao encantamento que o t ransforma em fac hada . A própr ia 
mudança das relações de produção depende la rgari1cnte do qué ,, 
se passa na "esfera elo consumo", mera fo rma de rc fl exã9 da 
produção e caricatu ra da verdadeira vi da: na consc iênc ia e nõ 
inconsciente dos indivíduos. É graças apenas à sua opdsição à 
produção, como uma esfera que apesa r ele tu do não fo i in teira-
mente alcançada pela ordem, que os homens podem criar uma 
ordem mais digna . Uma vez extinta inteiramente a a parência 
de vida, que é defendida por razões tão más pela esfera do con-
sumo, a essência desnaturada [Unwesen] el a produção abso luta 
triunfará. 
Apesar disso, há ainda nas considerações que partem do 
sujeito tanto mais fal sidade quanto mais a vida se tornou a pa-
rência. Poi s como sua esmagadora objet ividade, na presen te 
fase do movimento hi stóri co, consiste unicamente na di sso lução 
elo sujeito, sem que dela um novo sujeito já tenha emergido, a 
experiência individua l apó ia-se necessaria mente no an ti go 
sujeito, historicamente condenado, que ainda é para si, mas não 
é mais em si. Ele ainda se crê segu ro de sua a utonomi a, mas a 
nulidade que os campos de concent ração demonst rara m aos 
sujeitos já assume a própria forma de subje ti vidade. A aborda-
gem subjetiva, mesmo quando criti camente aguçada em re lação 
a si, possui algo de sentimental e de a nacrônico: algo de uma 
queixa acerca do curso do mundo, a qu al não deveria ser reje i-
tada por causa ele sua bonclacle, mas porque o suje ito que se 
queixa se arrisca a se enrijecer em seu se r-ass im e com isso a 
realizar, por outro lado, a le i do curso do mundo . A fidelidade 
para com o próprio estado de consciência e expe riência es tá 
sempre tentada a descamba r para a infidelidade qu ando renega 
o discernimento que vai além do indi víduo e dá nome à substân-
cia mesma des te último. 
Assim Hegel, cujo método fo i a escola em que se formou 
o método das Mínima mora/ia, argumentava contra o mero se r-
para-si da subj etividade em todos os seus níveis. A teo ria di alé-
tica, avessa a tudo o que é isolado, não pode, po is, aceitar a va li-
dade de afori smos enquanto tai s. Na melh or das hipóteses , e les 
podem ser tol erados como "conversação", segundo a linguagem 
do Prefácio ela Fenomenologia do espíri to. Sua época, porém, 
já passou . Não obstante, es te li vro, longe de esquece r a pre ten-
são de totalidade do sistema, que não tolera ri a que se sa ia de le, 
antes se insurge contra ela. Em face do sujeito, Hege l não se 
atém à exigência que, noutras circuns tâncias, expõe a paixona-
damente: a de permanecer "dentro da coisa" t ra tada, ele não ten-
-------- ___ _ M_IN_ l_~_,1A_ MORAL~ 
ta r ir "sempre a lém" , em vez de "penetra r no conteúd0 ima-
nente dela" . Hoje, com o desaparece r do sujeito, os afo rjslJ)os 
levam a sério a exigência de que "aquilo mesmo que drsapa,rs-
ce" seja "considerado como essencia l". E les in sis tem) e\11,,0-posi-
ção ao procedimento de Hegel e ainda ass im em cor1seqüência 
de seu pensamento, na nega tividade: "A vida do ESJ:>íri to,só con-
qu ista sua verdade quando ele se encon tra a si mesmo na abso-
luta desagregação. O espí r ito não é como o Pos it ivo que desvia 
o ol har do Negativo, corno quando dizemos de a lgo: 'Isto nada 
é ou é fa lso ' e, isto feito, nos a fas tamos dele e passa mos para 
qua lquer outra coisa; não, ele só é es te poder quando encara 
de frente o Negativo e ne le pe rmanece" . 
O ges to te rmina nte com que Hegel, emcon tradição com 
sua própria visão, despacha tudo o que é ind ividua l deriva, ele 
modo bastante paradoxa l, de seu necessá r io envolvimento no 
pensamento liberal. A represe ntação de uma totali dade harmô-
nica a t ravés de seus antagoni smos fo rça-o a a tribuir n ind ividua-
ção - mesmo que ele a de termine sempre como o fator que 
impu ls iona o processo - urn a pos ição que só pode ser inferior 
na construção do todo. Que, na Pré-Hi stória , a tendência obje-
ti va se imponha por sobre as cabeças dos homens e até por 
meio da aniquil ação cio ind ividual, sem que até hoje a reconcili a-
ção que se constrói no co nceito en tre o unive rsa l e o part icu lar 
tenha sido hi storicamente rea lizada, isto se vê di storcido em 
Hege l: com fr ieza re fl et ida, ele opta um a vez ma is pela li qu ida-
ção e.l o par ticu la r. Em nenhum luga r o p rimado do todo é pos to 
em dúvida. Quanto mais ques t ionável é a transição da singu lari-
zação reflexionante à glorificada tota lidade (na his tór ia como 
na Lógica de Hegel), tanto mais zelosamente a Filosofia , como 
legitimação do subsiste nte [Bestehenden], se agarra ao ca r ro 
triun fa l da tendência objetiva . O desenvolvimento mes mo cio 
princí pio soc ia l de individuação no sentido do triun fo da fata li-
dade dá a e la motivo sufi ciente para tanto. Na medida em que 
h ipos tas ia a soc iedade civil , ass im como sua categoria funda-
mental, o indivíduo, Hege l não soluciona ve rdadeira mente a di a-
lé tica entre ambos . Decerto ele percebe, com a teoria econômica 
cláss ica, que a própr ia tota lidade se produz e se reproduz a par-
t ir da conexão_ cios in te resses antagônicos de seus memb ros. 
Mas o indivíduo enquant o ta l cont inua a ser por e le tomado, 
inge nu amente, como aquele dado ir redutível qu e e le d issolve 
precisamente na teoria do conhec imento . Na sociedade indivi-
du ali sta, porém, não somente o uni ve rsal se efet iva at ravés d3 
a tu ação conjugada cios ind ivíduos, mas a soc iedade é essencia l-
mente a subs tânc ia cio incli, ,írl ,, 
10 Thcodor W. Adorno 
P . ' l' ·1 , b ' d · <>-~"l ' or isso, a ana 1se socia e tam em ca paz e ex t ra._1 1" e a 
experiência individual incomparavelmente ma is do que2-id mi t1~~ 
6
é' 
Hegel, ao passo que inversamente as grandes catego fa~ hJsYó ri~º ,:,., .. ~" 
cas, depois de tudo o que entrementes fo i empreer1cl1tlo cô-1~·1 :;~. 
elas, não es tão mais a sa lvo da suspeita de logro~ Nos-.0~ 1\i°o e" º" 
cinqüenta anos que se passaram desde o que foi coqc'; l:i'ipo -por 
Hegel, muito da violência do p ro tes to passou de nov b°"para o 
indivíduo. T-m comparação com a a ridez antiquada que caracte-
riza em Hegel a abordagem do indivíduo, es te ganhou tanto 
em riqueza, diferenciação e força quanto, por outro lado, se viu 
enfraquecido e tornado oco pela socia lização da sociedade. Na 
era da decadência do indi víduo, a exper iência que es te tem de 
si e do que lhe sucede contribui uma vez mais para um conheci-
mento que es tava a penas encoberto por ele, na medida em que 
se interpretava num sen tido inflexivelmente positivo como u ma 
categoria dominante. Em face da concórdia tota litária que apre-
goa imediatamente como sentido a eliminação da di ferença, é 
poss ível que, temporari amente, a té mesmo a lgo da força social 
de libertação tenha-se re ti rado para a esfera individua l. Nela a 
teoria crítica se demora e isso não somente com má consciência. 
Nada di sso deve nega r o que há de co ntes tável no ensaio. 
Eu escrevi es te livro em grande parte a inda durante a guerra, 
sob as condições da contemplação. A violência que me dester-
ra ra impediu-me ao mesmo tempo de conhecê-la plena mente. 
Eu ainda não me at ribuía a cumpli cidade em qu e incorre todo 
aquele que, em face do indizível qu e ocorria colet ivamente, s im-
ples mente fala do individual. 
Em cada uma das partes, o ponto de part ida é o domínio 
mais es tritamente privado, o do intelec tual na emigração. A isto 
juntam-se considerações socia is e antropológicas mais am plas; 
elas dizem respeito à Psicologia , à Esté tica e à Ciência em sua 
relação para com o sujeito. Os afori smos fin a is de cada pa rte 
conduzem tematicamente também à Filosofi a , sem jama is se 
afirmarem c?1~ ~ ~erfej tos e definiti vos: todos p retendem mar-
car posições 1111c1a1s ou fornece r modelos para um fu tu ro esforço 
do conceito. 
· O qüinquagés imo ani versário de Max Horkhe imer em 14 
de fevereiro de 1945 fo rneceu o ensejo imedi a to pa ra a redação 
definitiva . A execução ocorreu numa fase em que, por força de 
circunstâncias exte rnas, tivemos ele interromper o t raba lho 
comum. O livro p re tende rnanifestar g ra tidão e lealdade na 
medida em que não reconhece a sua in terrupção. E le é testemu-
nho de um dialogue inté rieur: aí não se encont ra nenhum tema 
que não pertença igualmente a Horkhei:mer a ss im como àquele 
que encontrou tempo para a sua fo rmulação. 
______ ------,-_____________ M_IN_ IM/-\ MOR/-\Ll i-\ 11 
O ponto de partida específico das Mínima moralia, "n1ais 
prec isamente a tentativa ele apresentar aspectos d;a Filosçifia 
que compartilhamos a partir ela expe riência subjetiva , Faz com 
que as peças não se sustentem inteiramente perante a Filo~ofia 
de que elas mesmas são uma peça . O caráter solto e descompro-'" 
mi ssado el a forma, a renúnc ia à articulação teór:ica1,explícita 
também pretende expressar isso. Ao mesmo tempo, ta l ascese 
gostaria de reparar uma parte da injust iça implícita no fato de 
que somente um prossiga trabalhando no que só ambos podem 
levar a cabo e de que não desis timos. 
MINIMA 
MORALIA 
Primeira parte 
1944 
A vida não vive 
Fc rd inancl Kürnbcrge r 
1 
Para i'vlarcel Proust. - Quem é filho de pais abasrndos e, não importa 
se por talento ou fraqueza, escolhe urna das profissões ditas intelectuais, 
como artisrn ou estudioso, enfrenta dificuldades especiais entre aqueles 
que levam o desagradáve l nome de colegas. Não só porque lhe é inve-
jada a independência, porque se desconfia da seriedade el e suas inten-
ções e dele se suspe ita como ele um emissário disfarçado cios poderes 
esta belecidos . Tal desconfiança é prova, decerto, ele ressentimento, 
mas na maior parte cios casos encomraria uma cena confirmação. Toda-
via, as verdaáeiras resistências encontram-se noutro lugar. A ocupação 
com coisas espirituais tornou-se, entrementes , ela própria uma atividade 
" prática", um negócio marcado pela rígida divisáo do trabalho, com rami-
ficações e numerus cla11sus. Quem é materialmente independente e a 
escolhe por repugnancia à vergonha que é ganhar dinheiro , não se incli-
nará a reconhecer isso. Por isso é penalizado. Ele não é um J;rofession-
al~ : na hierarquia dos concorrentes, sua posição é a de um diletante, 
pouco importa quão competente seja, e, se pretende fazer carreira, tem 
de sobrepujar, em obstinação e estreiteza mental, o mais turrão dos espe-
cialistas . A suspensão da divisão do trabalho, a que se vê impelido e 
que sua situação econômica lhe consente realizar dentro ele certos limi-
tes, é de especial má-fama; ela trai a aversão a sancionar as atividades 
recomendadas pela sociedade - e a competência dominante não tolera 
tais idiossincrasias. A clepartamentalização cio Espírito é um meio de 
eliminar este último onde ele não é exercido ex off icio, por incumbência. 
Este meio faz o seu serviço com segurança tanto maior quanto mais 
aquele que rompe com a divisão cio trabalho - nem que seja pelo sim-
ples fato de encontrar prazer em seu trabalho - reve la, na medida 
mesmo deste prazer , pontos vulneráveis que são inseparáveis cios aspec-
tos ele sua superioridade. Zela-se assim pela ordem: uns têm que se con-
formar porque, ele outro modo, não podem viver; outros, que poderiam 
• Em inglês, no original. (N. do T.) 
Hi T hcodor W. Adorno -- ~-- - ------
viver ~!e outro modo, são deixados ele fora porque não querem se co11f'Ój·-
mar. E como se a classe dese rtada pelos intelectuais independentes se 
vingassena medida em que as suas exigências se impõem to'\':'çosarn énte 
lá onde o desertor busca refúgio. 
2 
Banquinho sobre a relva*. - O relacionamento com os pais começa 
a ficar cheio de sombras . Por sua impotência econômica, eles perderam 
o temor que infundiam. Outrora, rebelávamo-nos contra sua insistência 
no princípio ela realidade, contra a sensatez sempre pron ta a converter-
se em ira dirigida a quem não se resignava. Hoje, porém, encontramo-
nos diante ele uma geração supostamente jovem que, em cada uma ele 
suas reações, é insuportavelmente mais adulta que seus pais o foram; 
que já se resignou antes mesmo de ter entrado em confli to e daí extra i 
seu poder de maneira encarniçadamente autoritária e inabalável. T alvez, 
a geração dos pais tenha aparecido sempre como inofensiva ou desti tuída 
de poder, quando sua força física esmorecia, ao mesmo tempo que a 
geração cios filhos já parecia ela própria ameaçada pelos mais jovens: 
na sociedade dos antagonismos, a relação entre as gerações é também 
uma relação el e concorrência , atrás ela qual se locali za a violência pura 
e simples . Nos dias de hoje, porém, começa-se a regredir a um estado 
que não se caracteriza pelo complexo de Édipo, mas pelo parricíd io. 
Faz parte dos crimes sim ból icos dos nazistas liquidar anciãos. Em tal 
clima, produz-se um acordo tardio e consciente com os pais , acordo 
mútuo ele condenados, transtornado apenas pelo medo ele que nós mes-
mos nos tornemos impotentes, nem sequer capazes ele cuidar deles tal 
como cuidaram ele nós quando possuíam algo . A violência que lhes é 
feita faz esquecer a violência que cometiam. Suas racionalizações , as 
detestáveis mentiras de an tigamente, com as quais buscavam legitimar 
como universal seu interesse particular, anunciam ainda um pressenti-
mento da verdade, um impulso para a conciliação elo confli to que sua 
descendência renega alegremente. Mesmo o esp íri to distra ído, inconse-
qüente e desconfiado ele si mesmo dos mais velhos a inda é mais acessí-
vel do que a estupidez escaldada elo Junior. Mesmo as ex travagâncias 
e as deformações neuróticas dos adultos velhos representam ainda o 
caráter, algo humanamente realizado , comparado ao ri gor páti co, ao 
infantilismo elevado à norma. Com horror, somos forçados a reconhecer 
que já muitas vezes no passado, quando nos opúnhamos a nossos pais 
• Adorno alude aos versos ele uma conhecida canç<io a lem,i : "Der liebsle Plalz, de11 ich 
auf Erden hab'/ das is/ die Nase11ba11l1 am Eltem.grab" ("O lugar na T erra que me é 
mais querido/ é o banquinho sobre a re lva junto ao túmulo ele meus pais " ). (N . cio T .) 
MIN IMA MOR ALIA 17 
porque defendiam o mundo, éramos porta-vozes cio rnundo pior ~n''b,PJJ- 00 
sição ao ruim . T entativas apolíticas de evadir-se da famíli:á0'"í'sui;gu~sa , 
~ . . \ . .p'-; , .q~' ,e 
so nos levam, no mais elas vezes, a nos enredar amda'-1ma1'l profuncl,1°· ,., 
mente em suas malhas , e , em certas ocasiões, tudo leva, à é1~erc0qll; 'íl-c•·•~' .oª 
malfadada célula ela socieclacle , a família, seria també'I{; a C§lul; p~6te-- ··" 
tora ela intransigente vontade el e uma outra sociedade. 8ori\ a' fa,11~ília 
desfez-se , enquanto o sistema subsiste , não somente a matttriêàz insti-
tuição burguesa, mas a resistência , que decerto reprimia o inclivícluo, 
mas também o reforçava, se é que não o produzia pura e simplesmente. 
O fim ela família paralisa as forças ele oposição . A ordem coletivista nas-
cente é um escárnio para com os sem-classe: com o burguês liquida-se 
ao mesmo tempo a utopia que outrora se nutria cio amor ela mãe. 
3 
P eixe n 'água. - A partir cio momento em que o abrangente aparelho 
ele distribuição ela indústria altamente concentrada substitui a esfera 
ela circulação, esta inicia uma espantosa pós-existência. Enquanto se 
desvanece a base econômica das ocupações intermediárias , a vicia pri-
vada de inúmeros indivíduos torna-se uma vicia de agentes e mediado-
res, o domínio do privado como um todo é devorado por uma enigmá-
tica operosidade que apresenta todos os traços ela atividade comercial, 
sem que nela haja propriamente algo para comerciar. Os amedrontados , 
do desempregado ao notável, que de um momento para o outro pode 
atrair para si a cólera daqueles cujo investimento ele representa , acredi-
tam recomendar-se apenas pela empatia, diligência e disponibilidade, 
pelos ardis e pelas artimanhas dos executivos representados como oni-
presentes , por qualidades de comerciante, e logo não haverá mais 
nenhuma relação que não tenha em vista fazer relações , nenhum impulso 
que não esteja submetido a uma censura prévia , embora a pessoa não 
se desvie. do que convém . O conceito de relações, uma categoria de 
mediação e ela circulação, nunca prosperou ele modo ótimo na esfera 
propriamente ela circulação, no mercado, e sim em hierarquias fechadas, 
ele tipo monopolista. Agora que a sociedade inteira se torna hierárquica, 
as relações escusas insinuam-se e estabelecem-se também por toda parte 
onde ainda havia .uma aparência ele liberdade . A irracionalidade dos sis-
temas exprime-se na psicologia parasitária do indivíduo quase tanto 
quanto em seu destino econômico. Antigamente , quando ainda havia 
algo corno a famigerada separação burguesa entre o trabalho e a vicia 
privada, da qual já se tem quase saudades , olhava-se com desconfiança 
e como um intruso sem modos quem perseguisse fins na esfera privada . 
Hoje parece arrogante, estranho e deslocado quem se entrega a algo 
, privado sem que nele se possa notar uma orientação para algum fim. 
É quase suspeito quem nada " quer " : ninguém acredita que ele, sem se 
18 Thcoclor W. Adorno 
justificar com a exigência ele uma contrapart ida, possa aj udar algnérn -tJ ~ 
a abocanhar sua parte. Inúmeras pessoas fazem sua profissão el e um 
estado que decorre ela liquidação ela profi ssão. São aquelas pé soas amá- ~,, "'~ 
veis, estimadas, que são amigas ele todos, os justos , que cl1:;scul parn,0 e,,~ 
humanitariamente qualquer infâ mia e repelem infl exivelmente toda erno: ~, ,>'' 
ção não convencional como sentimental. Elas são impresç_in,~íveis p0'r 
seu conhecimento ele todos os canais e esgotos elo poder, ad ivinham 
seus juízos mais secretos e vivem ele sua pronta comunicação . Encon-
tram-se em todos os campos políticos , mesmo lá onde a recusa elo sis-
tema é tida como óbvia e deu origem a um conformismo sui generis, 
lasso e matreiro . Freqüentemente seduzem por uma certa bonclacle, 
uma compassiva participação na vida dos outros: altruísmo por especula-
ção . São espertas , bem-humoradas, sensíveis e capazes de reagir : elas 
poliram o velho espírito de negociante com as últimas novidades ela Psi· 
cologia. De tudo são capazes, até mesmo de amar, conquanto sempre 
deslealmente. Elas não enganam por instinto, e s im por princípio: a si 
mesmas avaliam como lucro, que a nenhum outro concedem. Ao espí· 
rito vinculam-nos uma afin idade eletiva e o ódio: são uma tentação para 
os meditativos, mas são também os piores inimigos destes . Pois são aq ue-
las pessoas que sutilmente conquistam e arruínam os últimos refúgios 
ele resistência; as horas que ficam livres das exigências da maquinaria . 
Seu individualismo tardio envenena o que porventura ainda restou do 
indivíduo. 
4 
Última clareza. - No necrológio ele um homem de negócios lia-se: 
"A largueza ele sua consciência rivalizava com a bondade ele seu cora-
ção" . O deslize cometido pelos enlutados parentes e amigos na lingua-
gem solene que se reserva para tais ocasiões, a involuntária admissão 
de que o bondoso fa lecido era inescrupuloso, remete o cortejo fún ebre 
pelo caminho mais curto ao país da verdade . Quando se enaltece num 
homem de idade avançada o fato de ter se tornado urna pessoa especial-
mente serena , é de se supor que sua vida constitua uma sér ie de fe itos 
infames. Ele perdeu o costume da agitação. A consciência moral larga 
instala-se com generosidade, que ludo perdoa porque compreende com 
demasiado conhecimento de causa.Entre a culpa própria e a alheia 
emerge um quid jJro quo que é resolvido a favor ele quem aí levou a 
melhor. Após urna vida tão longa já não se é mais capaz de discern ir 
quem fez o que a quem. Na representação abstrata ela injustiça univer-
sal desaparece toda responsabilidade concreta . O canalha emprega-a 
ele tal modo como se isto tivesse ocorrido precisamente a ele: "Se você 
soubesse, meu jovem, como é a viela! " . Aqueles, porém, que no meio 
ele suas vicias já se destacam por uma bondade especial, são geralmente 
• 1 
M INIMA MOlü\Ll A 19 
os que sacam uma promissória sobre rat serenidade. Quem não é mal-
doso, não vive serenado, e sim , de maneira particular e envergonhada, 
in tolerante e obstinadamente . Por falta de objetos adequados ,º a man"eira 
de dar expressáo a seu amor quase náo difere da do ódio em relação 
aos inadequados, pelo que, porém, ele de novo se iguala ao odiado. O 
burguês, todavia, é tolerante. Seu amor para com as pessoa~ c9mo e1as 
são nasce do ódio ao homem correto . 
5 
Isso é bondo de sua j;arte, senhor doutor.' * - Não há mais nada 
de inofensivo. As pequenas a legrias , as manifes tações da vida que pare-
cem excluídas da responsabilidade do pensamento não possuem só um 
aspecto ele teimosa tolice, de um impiedoso não querer ver , mas se colo-
cam ele imediato a serviço do que lhes é mais contrário. Até a árvore 
que fl oresce é mentirosa no momento em que se percebe seu fl orescer 
sem sombra ele sobressalto; até o inocente " Que beleza!" torna-se 
expressão para a ignomín ia ela existência que é diversa, e não há mais 
beleza nem consolo algum fora do olhar que se volta para o horrível, a 
ele resiste e diante dele sustenta, com implacável consc iência ela negati-
vidade, a possib ilidade de algo melhor. É de bom alvitre desconfiar de 
tudo o que é ingénuo, descontraído, de todo descuidar-se que envolva 
condescendência em relação à prepotência do que existe. O maldoso sen-
tido oculto do aconchego, que antigamente se iimitava à íntima e afável 
ação de brindar, há muito apossou-se de impulsos mais amenos . A con-
versa casual com o homem no trem, com quem manifes tamos acordo 
através ele um par ele frases de modo a evitar discussão e elas quais 
sabemos que, no fim das contas, chegam a ser um crime, já é até certo 
ponto traição; nenhum pensamento é imune à sua comunicação e já é 
sufic iente dizê-lo no lugar errado e num consenso fa lso para minar sua 
verdade. De cada ida ao cinema, apesar de todo cuidado e atenção, saio 
mais estúpido e pior. A própria sociabilidade é participação na injustiça, 
na medida em que finge ser este mundo morto um mundo no qual ainda 
podemos conversar uns com os outros, e a palavra solta, sociável, con-
tribui para perpetuar o silêncio, na medida em que as concessões fei tas 
ao interlocutor o humilham de novo na pessoa que fala . O princípio mau, 
que sempre esteve escondido na afabilidade, desenvolve-se, no espírito 
igualitário, em direção à sua plena bestialidade . Condescendência e fa lta 
ele presunçào sáo o mesmo. Ajustando-nos à fraqueza dos oprimidos, 
confirmamos nesta fraqueza o pressuposto da dominação e dese nvolve-
• lferr Dolaur, das is/ schôn uo11 E11ch: titulo tomado de um verso elo Fausto (!, 981), 
ele Goethe, da cena elo passeio elo domingo de Piiscoa. (N . elo T.) 
,. 
20 Theoclor W. Adorno 
mos nós próprios a medida da grosseria, obtusidade e brutalidade que~ 
é necessária para o exercício ela dominação. Quando, na fa se mais 
recente, o gesto de condescendência desaparece e só o ajustam~nto se 
torna visível, é então precisamente , nesta completa ofusc;,ição cio poder 
que a relação de classe disfarçada se impõe da maneira mais implac/ 
vel. Para o intelectual, a solidão inviolável é a única forp.1a em que ele 
ainda é capaz de dar provas ele soliclariedacle. Toda colaboração, todo 
humanitarismo por trato e envolvimento é mera máscara para a aceita-
ção tácita do que é desumano. É com o sofrimento cios homens que se 
deve ser solidário: o menor passo no sentido ele diverti-los é um passo 
para enrijecer o sofrimento. 
6 
Antítese. - Quem não é conivente corre o risco ele tomar-se por 
melhor que os outros e de se aproveitar ele sua crítica ela sociedade 
como uma ideologia para seu interesse privado. Quando se põe a tatear , 
no sentido de fazer de sua própria existência uma frágil imagem ele 
uma existência correta, deveria ter presente esta fragilidade e saber 
quão pouco a imagem substitui a vida correta. Tal lembrança, porém, 
se vê contrariada pelo peso do que nele é burguês . O distanciado perma-
nece tão envolvido quanto o empreendedor [der Betriebsame]; ele não 
supera este último a não ser pela compreensão el e seu envolvimento e 
pela sorte que consiste nesta minúscula liberdade que é inerente ao 
conhecimento enquanto tal. Seu próprio distanciamento ela empresa [Be-
trieb] é um luxo que só a empresa produz. Eis por que precisamente 
cada impulso de retraimento conserva traços ela fri eza burguesa. A 
frieza que ele precisa desenvolver não se distingue da frieza burguesa . 
Mesmo onde é contestador, o princípio monadológico esconde o univer-
sal dominante. A observação de Proust de que as fotografias dos avós 
de um duque e de um judeu de classe média se assemelham tanto , a 
ponto de ninguém pensar na hierarquia social, dá conta ele um estado 
de coisas muito mais amplo: objetivamente desaparecem por detrás da 
unidade de uma época todas aquelas diferenças que compõem a sorte 
e até mesmo a substância moral da existência individual. Constatamos 
a decadência da formação cultural e, no entanto, nossa prosa é, em com-
paração com a ele Jacob Grimm ou de Bachofen, semelhante à indústria 
cultural em maneiras de falar de que não temos a menor idéia. Ademais, 
há muito que deixamos de saber lat im e grego como Wolf ou Kirchhoff. 
Denunciamos a passagem da civilização ao analfabetismo e desaprende-
mos nós mesmos a escrever cartas ou a ler um texto de Jean Paul, tal 
como deve ter sido lido em sua época. Horroriza-nos o embrutecimento 
da vicia, mas a ausência de todo e qualquer costume objetivamente obri-
gatório força -nos por toda a parte a modos de comportamento, falas e 
MINIMA MOR ALI A 21 
,o~......._" oº' 
avaliações que são bárbaros ele acordo com o critério cio que é g_m1~an,o, 
e desprovidos de todo tacto, até mesmo segundo o duvidos,0-i2fitérjp\da d>"J,:";. 
boa sociedade, Com a dissolução do liberalismo, o prinéípjo '"própria- '' ,e :,eº' 
mente burguês, a concorrência, não foi superado e, sim 'i)'assou c;la 'c)bje- ~., ,~''º 
tividade do processo social para a constituição interna' dos ,,átÔ~1ót ~{~e ~ 
colidem e se aglomeram - passou, por assim dizer, para a ar(trgpofogia. 
A sujeição da vida ao processo produtivo impõe de maneira humilhante 
a cada um algo do isolamento e da solidão que somos tentados a consi-
derar como o objeto de nossa superior escolha. Que cada indivíduo se 
julgue em seu interesse particular melhor do que todos os demais é 
uma componente tão antiga da ideologia burguesa quanto o fato de que 
ele avalie os outros, compreendidos corno comunidade de todos os clien-
tes, como melhores cio que ele próprio . Desde a abdicação da antiga 
burguesia, ambos os aspectos seguem vivendo no espírito cios intelec-
tuais, que são ao mesmo tempo os últimos inimigos dos burgueses e os 
últimos burgueses. Quando, em face da mera reprodução da existência, 
de todo ainda se concedem o luxo de pensar, comportam-se como privi-
legiados; quando se limitam a pensar, declaram a nulidade de seu privi-
légio. A existência privada que anseia dar-se urna aparência ele existên-
cia humanamente digna trai ele imediato esta última, na medida em que 
a semelhança é subtraída à realização universal, a qual, todavia, mais 
do que nunca tem necessidade ele uma reflexão independente. Não há 
como sair dessa situação ele enredamento. A única coisa que pode ser 
justificada é a recusa da má utilização ideológica da própria existência 
e, el e resto, conduzir-se em privadotão modesta, discreta e despretensio-
samente quanto há muito o exige não mais a boa educação, mas antes 
a vergonha : de ter ainda no inferno o ar para respirar. 
7 
They, the people. - A circunstância de que os intelectuais se relacio-
nam quase que só com intelectuais não deveria induzi-los a considerar 
seus pares como mais infames que o resto da humanidade. Pois eles 
tomam conhecimento uns cios outros, sem exceção, na mais vergonhosa 
e indigna elas situações, a ele postulantes em concorrência, e por isso 
exibem uns aos outros, quase compulsivamente, as facetas mais abomi-
náveis. Os outros homens, em especial as pessoas simples, cujas quali-
dades o intelectual se inclina tanto a salientar , vêm a seu encontro no 
mais das vezes, no papel ele alguém que quer vender algo sem receio 
de que o cliente possa, algum dia, vir a incomodá-lo. O mecânico, a ven-
dedora da loja el e bebidas, livram-se com facilidade cio descaramento: 
de todo modo a exortação para a amabilidade vem ele cima. Inversa-
mente, quando os analfabetos se aproximam elos intelectuais para pedir-
22 Theodor W. Adorno 
,,._, 
lhes para escrever alguma carta, é possível que tenham reiularmente 
boas experiências. Mas, tão logo se vêem obrigados a ~e:ipegarerii por 
causa de sua parte no produto social, as pessoas simple$ ultrapassam 
em matéria de inveja e ocliosiclacle tudo o que se pode observar entre lit'é-
ratos ou regentes ele orquestra. A g lorificação desses magnífac9s uncler-
dogs acaba na glorificação do magnífico sistema que os torn~Cassirn. Os 
sentimentos ele culpa justificados daqueles que estão isentos do trabalho 
físico não elevem tornar-se desculpa para a "idiotice ela vicia no campo". 
Os intelectuais que escrevem sobre os intelectuais , fazendo-lhes o mau 
nome em nome ela autenticidade, reforçam a mentira. Grande parte cio 
antiintelectualismo e cio irracionalismo dominantes, até I-Iuxley, é acio-
nada quando os escritores denunciam o mecanismo ele concorrência sem 
dele ter clareza, encontrando-se assim à sua merc~ . No ramo que lhes 
é mais próprio, eles bloquearam-se a consciência do tat twam asi*. Por 
isso, correm então para o templo indiano. 
8 
Se os maus te atraem * *. - Existe um amor intellectualis em relação 
ao pessoal da cozinha, a tentação para quem se ocupa no plano teórico 
ou artístico, ele afrouxar a exigência espiritual em si próprio, de descer 
ele nível, ele acompanhar - tanto em termos ele assunto , como ela 
maneira ele expressão - todos os possíveis hábitos que se rejeitaram 
quando a percepção estava alerta. Posto que nenhuma categoria, nem 
mesmo a própria formação cul tural [Bildung], está garantida ele antemão 
para o intelectual e mil exigências de inclustriosiclacle [Betriebsam!zed] 
ameaçam a concentração, o esforço para produzir algo que seja razoa-
velmente convincente torna-se tão grande que quase não resta alguém 
que dele seja capaz. Além disso, a pressão ela conformidade, que sobre-
carrega cada produtor, faz baixar seu grau ele exigência em relação a 
si próprio. O centro ela autoclisciplina espiritual enquanto tal está em via 
ele desagregação. Os tabus que constituem o nível espiritual ele um 
homem, freqüentemente experiências sedimentadas e conhecimentos 
desarticulados, dirigem-se sempre contra seus próprios impulsos, os 
quais aprendeu a condenar, mas que são tão fortes que só uma instãn-
cia inquestionável e inquestionacla é capaz ele pôr-lhes um termo. O que 
vale para a vida pulsional, vale igualmente para a espiritual: o pintor 
ou o compositor que se proíbe esta ou aquela combinação de cores ou 
conexão ele acordes por serem Kitsch, o escritor que se enerva com con-
• Expressão sânscrita que significa " isto és tu ", fórmula cloutr:nal do braman ismo 
dos Upanishad para ind icar a unidade de todos os seres. (N. do T.) 
'* "Wmrn dich die h6sen. Buben. loclien", expressão da Bíblia ele Lutero. (N. do T.) 
____ ________ _.::MlNIMJ\ MO IU\ LIA 23 
figurações de linguagem banais ou pedantes reage tão drasii~a rn e,nte 
contra elas porque há instâncias nele mesmo que o atra,em pai:a elas . 
A recusa da essência desnaturada [ Unwesen] da cul tura dominante pres-
supõe que a própria pessoa participe suficientemente clelâ, éle 1;noclo a ,c 
por assim dizer , sentir ganas ele livrar-se dela ao mesmo tempo que' 
extrai desta participação forças para rejeitéí -la. Estas forças., q1Je se mani-
festam corno forças de resistência individual, não têm, entretanto, elas 
próprias de forma alguma apenas um caráter individua l. A consciência 
moral intelectual, onde elas são sintetizadas , possui urna faceta social 
tanto quanto o superego moral. Ela forma-se na representação ela socie-
dade justa e cios cidadãos desta. Urna vez esmorecida esta representa-
ção - e quem é que ainda seria capaz de entregar-se a ela com urna 
confiança cega - o ímpeto intelectual em direção ao que é baixo perde 
sua inibição e toda a imundície depositada no indivíduo pela barbárie 
cultural - incivilidade, desleixo, intimidade grosseira, impolidez - vem 
à tona. Na maioria das vezes tudo isso é ainda racionalizado corno huma-
nitarismo, como vontade ele fazer-se compreensível a outros homens, 
corno uma responsabilidade educada pela experi ência el o mundo. Mas 
o sacrifício da autoclisciplina intelectual é por demais fácil em quem 
empreende tal coisa para que se acredite que seja um sacrifício. A obser-
vação assume contornos nítidos naqueles intelectuais cuj a situação mate-
ria l se modificou: mal começam a se persuadir de que precisam ganhar 
dinheiro tão só com a atividade de escrever e nenhuma outra, tornam-
se capazes ele tra zer ao mundo em suas menores nuances aquele mesmo 
refugo literário que antes, gozando ele urna boa situação, repeliau1 ela 
maneira mais enérgica . Exatamente como emigrantes outrora ricos , que 
no estrangeiro são com freqüência tão espontaneamente avarentos 
quanto sempre elevem ter sido quando estavam em casa , assim também 
os empobrecidos no espírito marcham animadamente para o inferno , 
que é o seu reino dos céus . 
9 
Antes de tu.do uma coisa, m eu filho *. - O que é imoral na men-
tira não é a violação da sacrossanta verdade . A última coisa que tem o 
direito de apelar a esta é uma sociedade que coage seus membros com-
pulsórios a se explicarem, de forma a poder então apanhá-los ele um 
modo ainda mais seguro. Não cabe à inverdade universal insis tir na ver-
dade particular, que ela no entanto imediatamente converte em seu con-
trário. A despeito disso, há na mentira algo ele repugnante, cuja consciên-
• "Vor afiem ei11 s, 111ei 11 /(ill(/ , sei treu 11 11 d u;a/Jr.! lass 11ie die L 1ige dei11e11 M1uul e11 /1uei-
l,e11 " (" Antes de tudo uma coisa, meu fi lho. sê leal e veraz,/ jamais deixes a mentira 
profanar a tua boca"), versos ele R. Reinick (1 806-1852), pi ntor e poeta romfü1t ico 
alemáo. (N. cio T.) 
24 Thcoclor W. Adorno 
eia, é verdade, foi inculcada no sujeito pelo velho látego, embora rh ele 
ao mesmo tempo alguma coisa cio carcereiro. O erro localiza-se na º"' 
excessiva sinceridade. Quem mente envergonha-se, pois em caclà men- ~,e? 
tira faz necessariamente a experiência ela indignidade. cio mundo tal -s-,rf>· 
como ele é, que o obriga a mentir se quiser viver e, ainda por .cima, 
cantarola para ele "pratique sempre a lealdade e a honrà~lez" *. Tal 
vergonha tira toda força às mentiras cios indivíduos mais sut ilmente 
organizados. Eles fazem-no ele modo mal feito e, com isso, a mentira 
torna-se ainda mais propriamente a imoralidade no outro. Ela toma-o 
por imbecil e serve de expressão ao desrespeito. Entre os pérfidos indi-
víduos práticos de hoje, a mentira há muito perdeu sua honrada fu nção 
ele iludir acerca cio real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem 
disso. Só mentimos para dar a entender ao outro que nele nada nos 
importa, que não temos necessidade dele , que nos é indiferente o que 
ele pensa ele nós. A mentira, antigamente um meio liberal de comuni-
cação, tornou-se hoje uma técnica cio descaramento,com cujo auxílio 
cada indivíduo espalha em seu redor a fri eza, sob cuj a proteção ele 
pode prosperar. 
10 
Separados-unidos. - O casamento , cuja paródia vergonhosa sobre-
vive numa época que retirou o solo cio direito humano ao matrimônio, 
serve hoje, na maior parte cios casos, ao ardil da autoconservação : por-
quanto cada um cios conjurados atribui ao outro a responsabilidade por 
todo o mal que comete, enquanto, na verdade, continuam ambos a viver 
juntos uma vida sombria e pantanosa. Um casamento decente seria 
somente aquele em que ambos possuíssem uma vida própria , indepen-
dente, sem a fusão que deriva de uma comunidade ele in teresses imposta 
pela necessidade econômica, e no qual, em compensação, assumissem 
livremente a responsabilidade recíproca de um pelo outro . O casamento 
como comunhão ele interesses significa inegavelmente uma humilhação 
cios interessados, e o que há ele pérfido na maneira como o mundo está 
arranjado é que ninguém, mesmo sabendo disto, possa escapar el e ta l 
humilhação. Por isso, é possível que às vezes ocorra a alguém o pensa-
mento ele que só àqueles que estão desobrigados ele perseguir tais in te-
resses , ou seja, aos ricos, está reservada a possibilidade ele um casa-
mento sem desonra. Mas esta possibilidade é inteiramente formal, pois 
os privilegiados são precisamente aqueles para quem a perseguição ele 
interesses se tornou uma segunda natureza - do con trário não mante-
riam o privilégio. 
• "Üb 'immer Treu ' uud Red/ich/iei/" : ele um célebre Lied de Mozart. (N. do T .) 
______ M'-'! --=lN'--'lc:._Mc.cA i\•JORALIA 25 
11 
Cama e m esa. - T ão logo as pessoas, mesmo de boa índo1ei amá- p ,. 
ve is e instruídas , se divorciam, costuma levantar-se" uma nuven1 de 
poeira que recobre e muda a cor de tudo aquilo com que entre e,rn con-
tato . É como se a esfera da intimidade , a descuidada confiança ela vida 
em comum, houvesse se transformado numa substância daninha e 
venenosa, quando se desfazem as relações em que se baseia essa esfera . 
A intimidade entre as pessoas é indulgência, tolerãncia, refúgio para 
idiossincrasias . Se ela é violentamente clistenclicla, a dimensão de fra gi-
lidade que há nela manifesta-se por si mesma e, na separação, seme-
1 lhante guinada para o exterior é inevitável. Ela se apodera cio inventá-
rio da intimidade. Coisas que no passado eram sinais ele um cuidado 
amoros o, imagens el e conciliação , tornam-se de súbito independentes 
enquanto valores e mostram seu lado mau, frio e perverso. Após a sepa-
ração, respeitáveis professores invadem a casa ela mulher para retirar 
objetos ela escrivaninha e senhoras materialmente bem situadas denun-
ciam os maridos por sonegação ele impostos. Conquanto o casamento 
ofereça urna elas últimas possib ilidades de formar células ele humani-
dade em meio ao universal desumano, o universal vinga-se com a desa-
gregação daquele, apoderando-se cio que estava aparentemente exce-
tuado, subordinando-o às ordenações alienadas cio direito e ela proprie-
clacle , lançando escárnio sobre aqueles que se presumiam seguros 
quanto a isso . Exatamente aquilo que era preservado com desvelo torna-
se o apetrecho cruel cio abandono. Quanto " mais generosamente" os 
cônjuges se relac ionavam entre s i no início, quanto me nos pensavam 
em posses e obrigações, tanto mais abominável torna-se a deg radação. 
Pois é precisamente no domínio cio juridicamente indefinido que pros-
peram o litígio, a difamação e o conflito infinito de interesses . Tudo 
o que há ele nebuloso e obscuro, sobre cujos fundamentos se ergue a 
inst ituição cio matrim ôn io, o bárbaro poder ele disposição cio homem 
sobre a propriedade e o t ra ba lho ela mulher , a não menos bárbara 
repressão sexual, que obriga tendencialmente o homem a assumir por 
toda a vicia a responsabiliclacle por aquela com a qual dormir propiciava-
lhe outrora prazer - tudo isso arras ta-se cios porões e cio subsolo para 
a luz do dia quando a casa é demolida. Aqueles que outrora tiveram a 
experi ência do bom universa l no limitado pertencimento recíproco são 
agora forçados pela sociedade a considerar-se como patifes e a apren-
der que se igua lam ao universal ela ba ixeza ilimi tada lá ele fora. O uni -
versal revela-se no divórcio como o estigma cio parti cular , porque o 
particular , o casamento , não é capaz ele rea lizar efetivamente nesta 
sociedad e o ve rdade iro un ive rsa l. 
26 Thcodor W. Adorno 
12 
Inter pares. - No reino elas qualidades eróticas parece t fetuar-sc uma 
inversão ele valores. Sob o liberal ismo e até os dias de Í1,oje, os J1omens 
casados da boa sociedade, aos quais a esposa correta e pr9te~idãmente 
educada muito pouco era capaz de oferecer, costumavam colnpensar-
se com artistas, boêmias, mocinhas fáceis e cocotes. Com a racionali za-
ção ela sociedade desvaneceu-se esta possibilidade de felicidade não-regu-
lamentada. As cocotes extinguiram-se, as mocinhas fáceis não chegaram 
a existir nos países anglo-saxões e noutras nações ela civilização técni-
ca, ao passo que as artistas, bem corno a boêmia parasitariamente desen-
volvida em torno ela cultura ele massas, estão tão plenamente penetra-
das pela racionalidade desta, que quem buscasse ansiosamente um refú-
gio em sua anarquia - a ela livre disposição cio valor ele troca que lhe 
é próprio - arriscar-se-ia a despertar comprometido, se não a ter que 
empregá-la como assistente, ao menos a ter que recomendá-la a algum 
conhecido seu, poderoso no meio cinematográfico, ou a algum escrevi-
nhador ele fut ilidades . As únicas que ainda podem el e todo permitir-se 
algo como um amor insensato são justamente as damas elas quais , anti-
gamente, os esposos fugiam quando iam ao Maxim. Enquanto para seus 
maridos elas são, por culpa deles, tão monótonas quanto suas mães, 
elas são ao menos capazes el e conceder a outros aquilo que de outro 
modo é recusado por todas elas . A libertina há muito frígida representa 
o negócio; a correta, bem-educada, ansiosamente e de modo nada romãn-
tico, a sexualidade. E, assim, as damas da sociedade acabam por alcan-
çar a honra de sua desonra, no momento mesmo em que mio h;:í mais 
sociedade nem clamas. 
13 
Proteção, auxílio e conselho. - Todo intelectual na emigração, sem 
exceção, está prejudicado e faz bem em reconhecê-lo, se não quiser ser 
cruelmente esclarecido a este respeito por trás elas bem trancadas por-
tas ele seu respeito por si próprio. Ele vive em um ambiente que lhe per-
manece necessariamente incompreensível, mesmo se está famili arizado 
com as organizações sindicais ou com o trãnsito; ele está continuamente 
em errância. Entre a reprodução da vida própria sob o monopólio da 
cultura ele massas e o trabalho objetivamente responsável impera uma 
ruptura inconciliável. Sua língua foi expropriada, e desviada dele a 
dimensão histórica da qual seu conhecimento extraía forças. O isola-
mento torna-se tanto pior quanto mais se formam grupos fi xos e politi-
camente controlados, desconfiados em relação a seus membros, hostis 
em relação aos desqualificados outros. A parte cio produto social que 
MIN IMJ\ MORJ\ LI A 27 
cabe aos estrangeiros insiste em não ser suficiente e impeJe-ós para 
uma desesperad;i segunda concorrência entre si em meio }1, conc;91Jência 
universal. T udo isso deixa marcas em c;ida indivíduo . Quem está isento 
da ignomínia da imediata adaptação tem precisament~ nesta isenção sen 
traço particular, uma existência ilusória e irreal dentro elo proces~o el e 
vida ela sociedade. As relações entre os banidos estão (aincla n.1ais enve-
nenadas cio que as entre os autóctones . Todos os pesos tornam-se fal sos , 
a óptica fica perturbada. A dimensão privada põe-se em primeiro plano 
ele maneira indevida, febri l, vampiresca, exatamente porque ela, a rigor , 
não existe mais e busca convulsivamente dar provas de viela . A dimen-
são pública resume-se ao inexpresso juramento de fid elidade à platafonm1 
política. O olhar adquire o aspecto maníaco e ao mesmo tempo frio de 
quem quer agarrar, devorar,confiscar . Nada tem va lia senão o diagnós-
tico intransigente de si mesmo e dos outros, tentativa através da 
consciência, se não de escapar à calamidade, ao menos de esvaziá-la 
de sua violência fatídica: a da cegueira. A máxima precaução é aconse-
lhável, sobretudo na escolha de relações privadas, na medida em que 
esta escolha aii1da cabe à pessoa. Acima de tudo deve-se evitar buscar 
os poderosos, dos quais " se espera alguma coisa". O olhar voltado para 
possíveis vantagens é o inimigo mortal da formação de relações compa-
tíveis com a dignidade humana ern geral; destas podem decorrer solida-
riedade e empenho recíproco, mas estes jamais podem surgir no pensa-
mento que almeja fina lidades práticas . Não menos perigosos são os refle-
xos cio poder, lacaios, adu ladores e parasitas, que se fazem solícitos a 
quem está melhor situado , de uma forma arcaica que só pode prosperar 
sob as relações economicamente extraterritoriais da emigração. Enquanto 
trazem pequenas vantagens para o protetor, rebaix;im-no tão logo ele 
as aceita, coisa a que ele, por sua vez, se deixa incessantemente induzir, 
por sua própria inabilidade em terra estranha . Se, na Europa, o gesto 
esotérico não passava com freqüência de um pretexto para o mais cego 
interesse egoísta, na emigração, o conceito encostado e fazendo água 
da austeridade parece ser ainda o barco salva-vidas mais aceitável. É 
verdade, porém, que só poucos dispõem desse barco numa construção 
1 sólida. A maioria dos que nele embarcam está ameaçada de morrer de 
: fo me ou ele loucura. 
14 
L e bour!{eois reuenant. - É absurda a maneira pela qual, nos regi-
mes fascistas da primeira metade elo século XX, se estabilizou a forma 
econômica obsoleta e se multiplicou o horror que lhe é necess,írio para 
conservar-se, agora que sua fa lta de sentido se revela abertamente. 
Mas a vida priva ela também está marcada por isto . Jun to com o poder 
ele dispor, firmaram-se ao mesmo tempo, mais uma vez, a asfixiante 
28 Theodor W. Adorno 
ordem privada, o particularismo cios interesses, a forma ele famíl~a há 
muito ultrapassada, o direito de propriedade e seu reflexo sobi:.e o cará-
ter. Tudo isso, porém, com má consciência ela falsidade. O que já fo i 
bom e decente no modo ele vicia burguês, independência, J,Jerseverança, 
previdência, cautela, está corrompido até o mais íntimo. Pois, a9 mesmo 
tempo que se conservaram as formas burguesas de existência, seu, pres-
suposto econômico desapareceu. O privado passou totalmente à' ser o 
privativo, o que secretamente sempre foi, e à teimosa insistência no inte-
resse pessoal misturou-se a fúria com o fato de que a rigor não se conse-
gue mais defendê-lo, de que tudo poderia ser diferente e melhor. Os 
burgueses perderam sua ingenuidade e por isso tornaram-se obstinados 
e enfurecidos. A mão protetora , que segue guardando e cuidando ele 
seu jardinzinho, corno se este há muito tempo não tivesse se convertido 
em um mero lot, mas que mantém temerosamente à distância qualquer 
intruso clesconheciclo, já é a mesma mão que recusa asilo ao fugitivo 
político. Como objetivamente ameaçados, os donos do poder e os que a 
eles se ligam tornam-se subjetivamente por completo desumanos. Desse 
modo, a classe retorna a si mesma e apropria-se ela vontade destrutiva 
cio curso do mundo. Os burgueses seguem vivendo como fantasmas a 
ameaçar desgraças. 
15 
L e nouvel avare. - Há duas espécies de avareza. Urna é a avareza 
arcaica, a paixão que nada concede nem a si, nem a outros, cujo traço 
fisionômico Moliere eternizou e Freud explicou corno caráter anal. Ela 
culmina no miser, no mendigo que secretamente dispõe ele milhões, algo 
assim como a máscara puritana cio califa não identificado enquanto tal, 
ele que nos fala o conto. Este avarento é tão parente el e tipos como o 
colecionador, o homem ele manias, enfim do grande amante, quanto 
Gobseck ele Esther. Como curiosiclacle, ainda é encontrável nas colunas 
locais cios periódicos . Adequado à nossa época é o avarento , para quem 
nada é muito caro quando se trata ele si e tudo muito caro quando é 
para os outros . Ele pensa por equivalências e toda a sua vicia privada 
está submetida à lei ele dar sempre menos que o recebido, porém sem-
pre o suficiente para que se receba algo em retorno. Em toda arnabili -
clacle que consente pode-se notar a seguinte reflexão: "Será que isto é 
necessário, será que é preciso fazê-lo?". Sua característica mais segura 
é a pressa el e "retribuir" atenções recebidas, de modo a não deixar sur-
gir nenhuma lacuna na cadeia de atos de troca nos quais se entre por 
conta própria. Porque com tais indivíduos tudo se passa racionalmente, 
com as coisas em ordem eles não são, diferentemente ele Harpagon e 
Scrooge, gente que se consiga persuadir nem converter. Sua amabili-
dade é uma medida ele seu caráter implacável. Se preciso, ficam ele 
MJNIMA MORALIA 29 
maneira irrefutável com a razão e fazem do direito o torto ao passo que.. 
a loucura dos avarentos sórdidos tinha ele conciliador o taio ele que, te~\ -
clencialmente, o ouro guardado no cofre já atraía o ladrão e até mesmo 
0 fato de que só no sacrifício e na perda se aplacava sua paixão, tal • 
corno o impulso erótico da posse só se aquieta na renúncia ele si mesn;io. 
Os novos avarentos, contudo, não praticam mais a ascese na i Essipação, 
mas com precaução. Eles estão assegurados. 
16 
Para um.a dialética do tacto. - Goethe, que tinha plena consciência 
da iminente impossibilidade ele toda relação humana no interior da socie-
dade industrial nascente, tentou, nas novelas dos Wanderjahre, apresen-
tar o tacto como o expediente salvador entre os seres humanos aliena-
dos. Esta saída pareceu-lhe coincidir com a resignação, com a renúncia 
à plena intimidade, à paixão e à felicidade ininterrupta. Para ele o 
humano consistia numa autolimitação, que assumia por conta própria, 
conjurando-o, o curso inevitável ela história, a_ desumanidade cio pro-
gresso, o atrofiarnento do sujeito. Mas o que sucedeu desde então faz 
com que essa renúncia goeth iana apareça corno uma autêntica realiza-
ção. Tacto e humanidade - para ele a mesma coisa - percorreram, 
entrementes, precisamente o caminho do qual, em sua opinião, cleveri§lm 
nos preservar. O tacto, entretanto, tem sua hora histórica precisa. E a 
hora em que o indivíduo burguês se tornou livre ela opressão absolutista. 
Livre e solitário, ele responde por si mesmo, ao pcisso que as formas 
ele respeito e consideração hierárquicas clesenvolviclas pelo abso lutismo, 
mas privadas de seu fundamento econômico e ele sua violência ameaça-
dora, estão ainda suficientemente presentes, de modo a tornar suportá-
vel a vida em comum no interior ele grupos privilegiados. Esse empate 
em certa medida paradoxal cio absolutismo e ela liberalidade pode ser 
observado no Wilhelin Meister assim como na posição ele Beethoven 
em relação aos esquemas tradicionais ela composição e, entrando até 
mesmo na Lógica, na reconstrução subjetiva elas Idéias objetivamente 
obrigatórias empreendida por Kant. As repetições regulares ele Beetho-
ven após os desenvolvimentos clinãmicos, a dedução kantiana elas cate-
gorias escolásticas a partir da unidade da consciência são, num sentido 
eminente, " cheias ele tacto" [talitvoll]. O pressuposto cio tacto é urna con-
venção em si mesma interrompida e, não obstante, ainda presente . Esta 
está agora condenada à decadência e sobrevive ainda apenas na paródia 
elas formas, em uma etiqueta arbitrariamente concebida ou lembrada 
para uso cios ignorantes, tal como a recomendam os jornais conselhei-
ros não solicitados, enquanto o entendimento, que fo i capaz de trazer 
essas convenções a seu momento humano, se transferiu para o cego con-
formismo dos automobilistas e ouvintes de rádio. A extinção do momento 
30 Theodor W. !\domo 
cerimonial parece inicialmeme vir em beneiício cio taC[O. Es te eman __ Gi-
pou-se de tudo que é heterõnomo, el e roda exterioridade ruim, e um 
comportamento cheio ele tacro náo seria outro senáoaqueíe que. se 
orienta somente pela qualidade específica de cada re lação l\uníana. 
Esse tacto emancipado incorre entretanto em dificuldades, cumo ocorre 
sempre a todo nominali smo . O tacto não significava sirnpl,esrneQte 
subordinação à convenção cerimonial: foi esta justamente que todos 
os human istas modernos submeteram sem cessar à ironia . A função 
do tacto era, antes, tão paradoxal quanto seu lugar histórico. Ela exi-
gia a conciliação a rigor irnpossívtl entre a pretens[to não confirmada 
da convenção e a pretensão rebelde elo indivíduo . Ela representava, 
ainda que um tanto diluído, o universal que constitui a substância ela 
própria pretensão individua l. O tacto é uma determinação ele diferen-
ça . Ele consiste em desvios consc ientes. Entretanto, quando ele, 
enquanto tacto emancipado, se contrapõe ao indivíduo como a algo abso-
luto, sem um universal do qual possa diferir, ele não alcança o ind iví-
duo e acaba por lhe fazer uma infinita injustiça. Pergunta r como alguém 
está, algo que não é mais um mandamento da educação nem é espe-
rado, torna-se uma espécie de sondagem ou uma agressão; o s ilêncio 
acerca ele assuntos delicados torna-se ind ife rença vazia a part ir elo 
momento em que nenhuma regra indica mais aquilo que convém ou 
não convém falar. Os indivíduos começam, entáo, náo sem motivo, a 
reagir também com hostilidade ao cacto: cena espécie el e cortesia. ao 
invés de fazer com que s~ sintam trarndos corno seres humanos, des-
perta antes neles urna noção do estado desumauo em que se encontram, 
e aquele que é cortes corre o risco de ser tomado por ctescortés, por-
que faz uso da conesia como de um privilégio ultrapassado. Finalmente, 
o tacto emancipado, puramente individual, converte-se em rnera men-
tira. O que se encontra dele , hoj e, no indivíduo é algo que o tacto oca-
sionalmente silencia, o poder de fato, mais ainda, o poder potencial 
que cada um encarna. Por trás ela exigência ele defrontar-se com o indi-
víduo enquanto tal sem qua isquer preámbulos, ele maneira absoluta-
mente conveniente, está a preocupação ele contro lar cada palavra, de 
tal modo que ela dê tacitamente conta, por si mesma, do que representa 
o interlocutor e quais são suas probabilidades na hierarquia esclero-
sante que a todos inclui. O nominalismo do tacto proporciona ajuda ao 
que é mais universal, ao puro poder ele di spor, para que triunfe até 
mesmo nas mais íntimas constelações . A abo lição elas convenções, a 
título ele ornamento ultrapassado, inútil e exterior, apenas confirma o 
que há de mais superficial: uma vida ele dominação imediata . Que, no 
entanto, a própria supressão desta caricatu ra elo tacto nas brincadeiras 
brutas entre companheiros ele camaradagem, como um escárnio à liber-
dade, torne a existência ainda mais insuportável, é apenas mais um indí-
cio ele como se tornou impossíve l a convivência humana nas circun stân-
cias atuais . 
__________ _______ ___ ___:iv'.'.clc!.IN:..:1:'..'.l i\:::'IA MORALlJ\ ___ 31 
17 
Reserva de jJro/Jriedade. - O traço característico desta época é que 
nenhum ser humano, sem exceção, é capaz de determinar sua vida n'um 
sentido até certo pontv transparente, tal como se clava amigam~nttl na 
avaliação elas relações de mercado. Em princípio, todos sào olJjetos, 
mesmo os mais poderosos. Até mesmo a profissão de general não ofe-
rece mais uma proteção sufi ciente. Na era fa scista, nenhum acordo é 
suficientemente obrigatório a ponto ele proteger os quartéis-generais 
elos ataques aéreos, e os comandantes que mantêm as precauções tradi-
cionais são enforcados por Hitler e decapitados por Chiang-Kai-Shek. 
Daí se segue imediatamente que todo aquele que pretende safar-se -
e o próprio seguir vivencio tem algo ele absurdo , como aqueles sonhos 
nos quais fazemos a experiência ele que o mundo vai acabar e após seu 
fim emergimos rastejando ele algum porão - deveria, ao mesmo tempo, 
viver ele tal maneira que fosse capaz, a qualquer momento, ele pôr fim 
à sua vicia . Isto emergiu como uma triste verdade da exaltada doutrina 
da morte livre no "Zaratustra" . A liberdade contraiu-se na pura negati-
vidade, e aquilo que à época elo "Estilo Juvenil " Uugendstil]* chamava-
se morrer belamente reduziu-se ao desejo el e abreviar a infinita humilha-
\
ção elo existir, bem como o infinito sofrimento ele morrer em um mundo 
no qual há muitv tempo há coisas piores a se temerem do que a morte. 
O fim objetivo da humanidade é apenas urna outra expressão para a 
mesma coisa. Ele significa que o indivíduo enquanto indivíduo, corno 
representante elo gênero humano, perdeu a autonomia através ela qual 
poderia realizar efetivamente o gênero. 
18 
Asilo jJara desabrioados. - O cenário ela vida privada mostra bem 
como estão as coisas nesta esfera. A rigor, morar é algo que não é mais 
possível. As moradias tradicionais em que crescemos adquiriram algo 
el e insuportável: cada traço ele comocliclacle nelas pagou-se com uma trai-
ção ao conhecimento, cada vestígio do sentimento ele estar abrigado, 
com a deteriorada comunidade ele interesses ela família. As que seguem 
o estilo ela "Nova Objetividade"** , que fizeram uma espécie ele tabula 
rasa, são estojos preparados por especialistas para pessoas tacanhas ou 
instalações produtivas que se extraviaram na esfera elo consumo, sem 
nenhuma relação com quem as habita: elas contrariam até mesmo a 
' Designação ale rnã para o que os franceses chamavam de ar/ 11oui:ea11. (N. do T.) 
" Neue Saclt!ic/J/1eil: tendência artísti ca dos anos 20 que, reagindo conlra o ex pressio-
nismo, buscava uma representação objeliva elas coisas (verismo) . (N. do T.) 
32 Thcodor W. Adorno 
ânsia por uma existência independente, que de todo modo não existe 
mais . O homem moderno deseja dormir próximo ao chão, como um ani-
mal, decretou com profético masoquismo uma revista alemã antes ele 
Hitler, eliminando com a cama o limiar entre a vigília e o sonho. i ndiví-
duos tresnoitados estão sempre disponíveis, prontos a aceitar quàlquer 
coisa sem resistência, ao mesmo tempo alertas e inconscientes . Quem 
se refugia em apartamentos de estilo autêntico, mas cujas peçàs foram 
reunidas por compras, nada mais faz do que embalsamar-se vivo. Se o 
que se quer evitar, quando se muda para um hotel ou um apartamento 
mobiliado, é a responsabilidade de habitar, o que se faz é transformar 
as forçadas condições ela emigração numa norma ele sabedoria de vida. 
O pior acontece, como sempre, àqueles que não têm escolha . Quando 
não moram em slums, moram em bungalows, que de um dia para outro 
podem converter-se em cabanas , trailers, automóveis ou carn/Js, abrigos 
ao ar livre. A casa é coisa do passado. A destruição das cidades européias , 
assim como os campos el e trabalho forçado e de concentração, apenas 
dá prosseguimento, como executores, àquilo que o desenvolvimento 
imanente da técnica há muito tempo já decidiu acerca elas casas . Estas 
são como as latas de conserva velhas, só servem para serem jogadas 
fora. A possibilidade de habitar é aniquilada pela possibilidade da socie-
dade socialista, a qual, perdida, não-aproveitada, transforma-se numa 
desgraça insidiosa para a sociedade burguesa. Nenhum indivíduo tem 
poder contra isso. Ao ocupar-se com projetos de mobília e decoração de 
interiores, já vai se avizinhando do refinamento próprio das a rtes aplica-
das, do gênero dos bibliófilos, por maior que possa ser sua oposição às 
artes industriais em sentido estrito . À distância, a diferença entre as ofi-
cinas vienenses e o Bauhaus não é mais tão considerável. Entrementes, 
as curvas ela forma puramente funcional tornaram-se independentes de 
sua função, passando a ser ornamento cio mesmo modo que as formas 
básicas do cubismo. A melhor conduta diante de tudo isso ainda parece 
ser uma atitude sem compromisso, como que em suspenso: ir levando a 
vida privada, enquanto a ordem social e as necessidades pessoais não o 
tolerarem de outra maneira, mas sem sobrecarregá-la , como se ela a inda 
fosse socialmente substanciale individualmente adequada . " Pertence à 
\ / / minha sorte não ser proprietário el e imóvel" , já dizia Nietzsche na Gaia 
1 
/ ciência. A isto ter-se-ia que acrescentar hoje: pertence à moral não sent ir-
_se em casa em sua própria casa. Aí se manifesta algo da difícil situação 
em que o indivíduo se encontra, no que se refere à sua proprieclacle , 
enquanto ainda possuir de todo alguma coisa. A arte consistiria em man-
ter em evidência e dar expressão ao fato de que a propriedade privada 
não pertence mais ao inclivícluo, no sentido ele que a abundância de bens 
de consumo se tornou potencialmente tão grande que nenhum indivíduo 
possui mais o direito de agarrar-se ao princípio da limitação ci os bens; e , 
no entanto , que é preciso ter alguma propriedade se não se quer cair 
naquela dependência e necessidade que favorece a cega perpetuação das 
relações de posse. Todavia, a tese deste paradoxo conduz à destruição, 
1 
•• I> • 
MINIMA MORALIA 33 
" a um insensível desrespeito pelas coisas, que se volta necessariaín°fnte'º' 
também contra os homens, e a antítese já é, no instante mt smb yI1\0(ÍÚe ºº" 
, 'd 1 · "º • ,~ e expressa, uma 1 eo og1a para aqueles que, com má consciêqçia', ']'l'rett n6><~ 
clem conservar o que é seu. Não há viela correta na falsa. º"'1" ~ oº·' 'º e0' 0 º 
'\d- '(' - ~,;(' O,.\, ~\V" 0,0~ 
\c..V~ e\~ ·1,,.r3\\?:jo..u'õ-'.:P, 
~:::,,e i 'ói--'\\~0o o\) 
,t-z.0 rlecy, <!c>''cP 
19 °,;,10' 0 ~ 
Não bater à jJorta. - A tecnificação torna, entrementes, precisos e 
rudes os gestos, e com isso os homens. Ela expulsa elas maneiras toda 
hesitação, toda ponderação, toda civilidade, subordinando-as às exigên-
cias intransigentes e como que a-históricas elas coisas. Desse modo, desa-
prende-se a fechar uma porta ele maneira silenciosa, cuidadosa e, no 
entanto, firme. As portas elos carros e elas geladeiras são para serem bati-
das, outras têm a tendência a fechar-se por si mesmas, incentivando 
naqueles que entram o mau costume ele não olhar para trás, ele ignorar 
o interior ela casa que os acolhe. Não se faz justiça ao novo tipo ele homem, 
' \ se não se tem consciência daquilo a que está incessantemente exposto 
pelas coisas elo mundo a seu redor, até em suas mais secretas inervações. 
O que sign ifica para o sujeito que não existam mais janelas que se abram 
como asas, mas somente vidraças ele correr para serem bruscamente impe-
lidas? Que não existam mais trincos ele portas, e sim maçanetas girató-
rias, que não existam mais vestíbulos, nem soleiras dando para a rua, 
nem muros ao redor elo jardim? E qual o motorista que já não foi tentado 
pela potência elo motor ele seu veículo a atropelar a piolhada ela rua, 
pedestres, crianças e ciclistas? o~ 111_gvimentos que as máquinas exigem 
daqueles que delas_ se servem localizam-se já a violênci~, os espancamen-
tos, a incessai1te progressão aos solavancos elas brutalidades fascistas. \ 
No cleperecimento ela experiência , um fato possui uma considerável res-
ponsabilidade: que as coisas, sob a lei ele sua pura funcionalidade, adqui-
rem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo, sem tole-
rar um só excedente - seja em termos ele liberdade ele comportamento, 
seja ele independência ela coisa - que subsista como núcleo ela experiên-
cia porque não é consumido pelo instante ela ação. 
20 
StruwweljJeter*. - Quando Hume tentou defender, perante seus mun-
danos compatriotas, a contemplação epistemológica, a "Filosofia pura" 
* Literalmente, " Pedro, o desgrenhado" ; denominação jocosa, na linguagem popular, 
para meninos com os cabelos em desal inho e, também, nome de um personagem 
de uma história in fanti l de Heinrich August Hoffmann (1 798-1874), o autor do hino 
nacional alemão. (N. do T .) 
34 Theoclor 'v\l. Adorno 
tão mal-afamada entre os gentlemen, utilizou o seguinte argumento: 
"A exatidão foi sempre vantajosa para a beleza, e o pensamerl}o cbrreto 
para o se~timento delicado". Isto já era algo pragmático, não ob§tanty 
0 
contenha implícita e negativamente toda a verdade acerca do espírito ~ 
ela práxis . As ordenações práticas ela vicia, que se apresentam como se 
favorecessem o homem, concorrem, na economia cio lucro , para atrofiar 
0 que é humano, e quanto mais elas se estendem, tanto mais podam 
1 ~uclo o que é clelicaclo. Pois a delicadeza entre seres humanos nada mais 
e elo que a consciência ela possibilidade ele relações isentas ele interesse, 
consciência esta que perpassa consolaclorarnente até mesmo aqueles que 
se prendem a interesses; urna herança ele antigos privilégios que pro-
, mete urna situação sem privilégios. A eliminação elo privilégio pela ratio 
burguesa elimina também, no fim elas contas , esta promessa . Se tempo 
é dinheiro, parece algo moral poupar tempo, sobretudo o próprio, e a 
gente desculpa tal parcimônia com a consideração pelos outros . A gente 
é direta. Cada envoltório que se interpõe no relacionamento entre os 
homens é sentido como perturbação cio funcionamento ela máquina, na 
qual não só estão incorporados como orgulhosamente se contemplam a 
si mesmos . O fato ele que, ao invés ele tirar seus chapéus, se cumprimen-
tem com o "Olá!", ele familiar indiferença, e ele que em vez ele cartas 
se enviem inter office communications, sem tratamento nem assinatura, 
são sintomas ele um adoecimento cio contacto . A alienação manifesta-
se nos homens precisãinen e no fato ele que ·'as clistáncias são elimina-
, cl_?s. Pois , é só enquanto não se importunam uns aos outros com coisas 
como dar e tomar, discutir e executar, dispor e funcionar, que sobra 
espaço suficiente entre eles para os delicados laços que os ligam uns 
aos outros, em cuja exteriorização, somente, o que é interno pode crista-
lizar-se. Reacionários como os discípulos ele C. G. Jung perceberam 
alguma coisa disso. Em um cios ensaios integrantes ele Eranos, ele G. R. 
Heyer*, lê-se o seguinte: "É um hábito particular elas pessoas ainda não 
formadas totalmente pela civilização que um tema não possa ser dire-
tamente abordado, nem sequer mencionado logo; a conversa antes tem, 
pelo contrário , que se mover corno que por si mesma, em espirais, em 
direção ao objeto propriamente dito dela". Ao invés disso, considera-
se agora a reta como o vínculo mais curto entre duas pessoas, como se 
estas fossem pontos . Assim corno nos dias ele hoje as paredes de urna 
casa constituem-se de urna única peça rnolclacla , do mesmo modo o 
cimento que unia os homens é substituído pela pressão que os mantém 
juntos. O que é diferente não é mais compreendido, mas aparece, se 
não como urna especialidade vienense com um toque ele refinamento, 
então como uma confiança pueril ou corno uma intimidade ilícita. Na 
forma elas poucas frases acerca da saúde e do estado ela esposa ele 
alguém, que antecedem durante o almoço a conversa sobre negócios, o 
sistema elas finalidades absorve até mesmo o que seria seu contrário, 
• G. R. Heyer (1890-1 967), psicólogo discípulo de Jung. (N. elo T.) 
MINIMA MORALIA 35 
!>-'-
assimilando-o a s i. O tabu contra o pedantismo dos especialistas e a ,ifit a- ,.<>'º'·. 
pacidade de dialogar são, na verdade, uma só e mesma coisa,'<-'P ~rq1'it
0 
º" 
0w ~ -~ 
tudo é negócio, não é permitido mencionar este nome, do"r1l'esmó, rno cl99,0~"'·;,..,: 
que o nome da forca na casa do enforcado. Por trás elo cl esmaiÍUeli ment; '"'~~:;~: 
pseudoclemocrático das formas ele trato , ela cortesia fotav ele moda~· ,cla>· " 
conversação sem utilidade e não sem razão suspeita de trivialic!Íde, 1:íà\· 
t rás da aparente clarificação e transparência das relações hJ n'ianà;, que 
não admite mais nada indefinido , anuncia-se a brutalidade nua e crua. 
l A palavra direta, que sem delongas, hesitação e reflexão diz as coisas na cara do interlocutor, já possui a forma e o timbre do comando, que , sob o fascismo, vai elos mudos aos ca lados . A objetividade nas relações 
1 humanas, que acaba com toda ornamentação ideológica entre os homens , 
1 tornou-se ela própria uma ideologia para tratar oshomens como coisas . 
21 
Não se aceitam trocas. - _A.s_Qess.o.as. estão desa;Jrendendo a dar pre-
sentes . Na violação elo princípio el e troca, há algo de absurdo e implau-
s ível; ~uitas vezes, até mesmo as crianças examinam com desconfiança 
quem dá algo, como se o presente fosse apenas um truque para vender-
lhes uma escova ou um sabonete. Em compensação, pratica-se a charity, 
a beneficência administrada que, como um adesivo , tapa planejaclamente 
as feridas expostas ela sociedade. Dentro dessa empresa tão organizada 
já não há mais lugar para a emoção humana, a doação está necessaria-
mente vinculada à humilhação pelo ato ele repartir, de avaliar exata-
mente, em suma, pelo fato de tratar como um objeto aquele que é pre-
senteado. Até o ato privado de dar presentes foi rebaixado ao nível de 
uma fun ção social que se efetua com uma racionalidade contrariada, 
com base no cumprimento cuidadoso de um budget estipulado, numa 
avaliação céptica acerca cio outro e com o menor esforço possível. O 
verdadeiro ato ele presentear encontrava sua felicidade na imaginação 
ela felicidade cio recebedor. E isso quer dizer: escolher , dedicar tempo, 
desvia r-se ele suas ocupações, pensar no outro corn o sujeito: o contrário 
ela negligência . Eis aí algo de que quase ninguém mais é capaz. Na 
melhor das hipóteses, as pessoas presenteiam com aquilo que desejariam 
para si próprias, apenas um pouco piores sob alguns aspectos . A deca-
dência do costume ele dar presentes refl ete-se na embaraçosa invenção 
cios artigos para presente, que se baseiam na pressuposição de que as 
pessoas não sabem o que presentear porque, no fun do , não querem fazê-
lo. Essas mercadorias são desprovidas de toda relação com os seus 
compradores . Já eram artigos de encalhe desde o primeiro dia. Algo 
semelhante ocorre com a ressalva relacionada com a troca ele artigos , 
que pa ra o presenteado significa : - Aqui está sua tralha, fa ça com ela 
o que quiser; se isto não lhe agraciar, para mim é ind iferente; troque 
36 Theodor W. Adorno 
por outra. Ademais, em face do embaraço envolvido nos presentes 'habi-
tuais, sua substitutibilidade exibe até um aspecto mais humano, porque 
ao menos permite ao presenteado dar algum presente a si m1zsmo .ço 
que , porém, implica ao mesmo tempo a absoluta contradiçâo elo ato '.é!e 
presentear . 
Em vista da enorme abundância de bens acessíveis até aos mais 
pobres, a decadência do costume de dar presentes poderia par~cer indi-
ferente e sua consideração algo sentimental. Entretanto, mesmo que 
na abundância isso fosse supérfluo - e isto é uma mentira, tanto pri-
vada quanto socialmente, pois hoje não há ninguém para quem um pouco 
de fantasia não possa encontrar exatamente algo que o alegre por com-
pleto - restariam como carentes de presentear aqueles que não presen-
teiam mais. Neles se atrofiam aquelas faculdades insubsti tuíveis que 
não podem prosperar no isolamento ela pura interioridade, mas apenas 
em contacto com o calor elas coisas. A fri eza apodera-se ele tudo o que 
fazem, da palavra amistosa que permanece impronunciacla, ela considera-
ção que não é praticada. Essa frieza acaba repercutindo naqueles ele 
que emana. Toda relação não deformada, talvez até mesmo aquilo que 
é conciliador na vida orgânica, é um dom. Quem se torna incapaz disso 
por força da lógica da coerência faz de si uma coisa e deixa-se congelar. 
22 
A criança com a ág ua do banho. - Entre os ternas ela crítica da 
cultura, o da mentira é de longa data central: que a cultura simula uma 
sociedade digna do homem, que não existe; que ela encobre as condi-
ções materiais sobre as quais se ergue tudo que é humano; e que ela 
serve, com seu consolo e apaziguamento, para manter viva a má deter-
minação econômica da existência. Esta é a concepção de cultura como 
ideologia, tal como a possuem em comum, à primeira vista, a doutrina 
burguesa do poder e seus adversários, Nietzsche e Marx. Mas, precisa-
mente essa concepção, do mesmo modo como todas as invectivas con-
tra a mentira, possui uma tendência suspeita a tornar-se, ela própria, 
ideologia. Isto se comprova no plano privado. Compulsivamente, o pen-
samento do dinheiro, com todos os conflitos que traz consigo, afeta até 
as mais delicadas relações eróticas e as mais sublimes relações espiri-
tuais. Com a lógica da coerência e o pathos da verdade, a crítica da cul-
tura poderia, assim, exigir que as relações, reduzidas inteiramente à sua 
origem material, fossem modeladas - sem outras considerações e aber-
tamente - segundo a relação de interesses dos concernidos . Pois o sen-
tido não é independente da gênese e pode-se facilmente discernir , em 
tudo o que se assenta no elemento ·material ou que o medeia, traços de 
insinceridade, de sentimentalidade e até mesmo o interesse, dissimulado 
e duplamente venenoso. Mas, se quiséssemos agir radicalmente de acordo 
MINIMA MORALIA 37 
com isso, extirparíamos também com o fal so tudo o que é verda,dei~o, 
tu~o o que, de mane\ra i1:1pot~nt~, _procura furtar-se ao âmbi!p dà práxis 
umversal, toda antec1paçao qmmenca de uma situação mais ilobre, e pas-
' saríamos imediatamente à barbárie, que se acusa a cultura de propiciar. 
Nos críticos da cultura burgueses posteriores a Nietzsche, essa conver-
são foi sempre evidente : Spengler subscreveu-a com entusiasmo. Mas 
tampouco os marxistas estão imunes a esse perigo. Uma v'ez curados 
da crença social-democrata no progresso cultural e confrontados com a 
barbárie crescente, estão em constante tentação, por amor à "tendência 
objetiva", ele patrocinar a própria barbárie e, num ato de desespero, de 
esperar a salvação da paite do inimigo mortal, o qual, como "antítese" , 
deveria ajudar ele maneira cega e misteriosa a preparar o bom final. 
Aliás, acentuar o elemento material por contraposição ao Espírito 
enquanto mentira é desenvolver uma espécie de afinidade eletiva duvi-
dosa com a economia política, de que se faz a crítica imanente, compará-
vel à conivência que existe entre a polícia e o submundo. Desde que abri-
mos mão ela utopia e se exigiu a unidade da teoria e da práxis, tornamo-
, nos demasiadamente práticos . O medo da impotência da teoria fornece 
o pretexto para se entregar ao todo-poderoso processo de produção, com 
o que então se admite plenamente a impotência da teoria. Certos traços 
ele dissimulada malícia já se fazem presentes na linguagem do próprio 
Marx, e nos dias de hoje vai-se delineando uma assimilação entre o espí-
rito dos negócios e o sóbrio juízo crítico, entre o materialismo vulgar e 
o outro materialismo, de tal modo que às vezes é difícil manter a separa-
ção entre suj eito e objeto. - Identificar a cultura unicamente com a men-
tira é o que há de mais funesto no momento em que aquela está se con-
vertendo efetiva e inteiramente nesta, exigindo zelosamente uma tal iden-
t ificação, de modo a comprometer todo pensamento que pretenda resis-
tir. Se se denomina realidade material o m ndo do valor de troca, cul-
tura, porém, aquilo que se recusa a aceitar a dominação do valor de troca, 
então semelhante recusa é decerto ilusória enquanto subsistir subsistente. 
Como, no entanto, a própria troca livre e justa é uma mentira, aquilo 
que a nega fala também em defesa da verdade: em face da mentirà que 
é o mundo da mercadoria , a mentira que o denuncia torna-se um corre-
tivo . O fato ele que a cultura tenha fracassado até os dias de hoje não é 
urna justificativa para que se fomente seu fracasso, tal como aquela per-
sonagem do conto, que espalhava a boa farinha sobre a cerveja derra-
mada. As pessoas que pertencem a um mesmo grupo não deveriam nem 
silenciar seus interesses materiais, nem nivelar-se a estes últimos, mas 
integrá -los em suas relações e assim ultrapassá-los. 
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Plurale tantum. - Se é verdade, como ensina uma teoria contempo-
rânea, que nossa sociedade é uma sociedade de rackets, então seu mo-
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38 Theodor W. Adorno 
delo mais fiel é precisamente o contrário cio coletivo, ou seja, o irí'cl iví·

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