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Otília Arantes e Paulo Arantes - Sentido da Formação

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09
2/lEL
Otilia Beatriz Fiori Arantes
Paulo Eduardo Arantes
SENTIDO DA FORMAGAo
TRES ESTUDOS SaBRE
ANTONIO CANDIDO
GILDA DE MELLO E SOUZA
E LUCIO COSTA
~
PAZ ETERRA
o concciro de jornlflffio ja foi "uma
verdadeira obsessao nacional" 1 como nos c
explicado logo no inicio de a setltido da
form"fao. Dos anos 30 aos 50, a sociedade
brasilcira C Sllas csrrururas foram dissccadas
em rcrmos hisr6rico-cconomicos, anrropo'
16gicos e csrericos por intelecruais que, cada
qual a sua maneira, procuraram estabelcccr
c dar scnrido a uma sirua,ao nacional
perifcrica, dcslocada e, por isso mesmo,
diferente. Assim, a FOn1Jflffio do Brflsil
COIJtemporf;'Ieo (Caio Prado Jr.) pcla
prime ira vel traljava em termos marxisras
conscqiicntcs a csrrutura social legada pela
coloniza~;io; a Fonnaflio cc01ltJmiCfldo Brasil
(Cclso Furtado) explica os semidos do
arraso c os impasses do subdesenvolvimen-
to; a Fomtaftio do parro",rto politico brasile;-
ro (Raymundo FaoTO) rcvcla os cstamentos
nos quais se asscnravam nossas clites
poliricas. Foi em 1959, alguns anos antes do
golpc de 64 dar 0 ar de sua tcrrivel gra,a,
que Antonio Candido trarou de reunir essa
expcricncia inrclcctual aCllmulada nas
ciencias sociais e no ensafsmo brasilciro
(com a olho tambcm nas obras prcCllrsoras
de Gilberto Freyre e Sergio Bllarque)
publicando sua FomJnftio dfl /iteratura
brnsi/eira, que rrazia para 0 campo da
analise cultural aquclas mcsmas prcacupa-
socs e inaugurava a tradisao critica a qual a
livro de Otilia c Paulo Aranrcs rcram3 c
invcstiga os prcssupostos.
Dc AntOnio C~lJldido a RobertO
Schwarz,J0111lflftio significou liln saIto
nonivel na comprccnsao cultural c polftica
do Brasil, enfatizando a ncccssidade de
analisar como entre nos se da 0 processo de
formalizaljao estcrica de uma cxperiencia
historica detcrrninada. Foi dentro dessa
nova tradiljao, conremporanca das conquis-
tas cspeculativas ja dcvidarncnrc cstabiliza-
das, do Modernisrno, da irnagcm subvcrsiva
do Cinema Novo, do debate sobre os
significados da abstra,ao nas artes plasticas
SENTIDO DA FORMA<;:Ao
IIIIIIU II
1010456722
OIEL
B869.09 Ar14s
Oolia Beatriz Fiori Arantes
Paulo Eduardo Arantes
SENTIDO DA FORMAGAO
TRES ESTUDOS SaBRE
ANTONIO CA DIDO, GILDA DE MELLO E SOUZA
E LUCIO COSTA
ffi
PAZE TERRA
(>O,ilia lk,uriz Fiori Arant\.':-
l>rMJ/{Iio (;rrijicn: Karia HJlhc
DillKrtlIIIO((/u: Adm (:ristill:l f\.lanins (jarf.:ia
("P": Chico llnt.:S
Dadns In(~rn:.KilHlais de (::lta101!.:.u.:Jcln:11)t1hlie:l~Ju « :11)
(Camara Hrusikira do I..i\'ro, Sl~ Hrasil)
Arantcs. Otilia R~:ltriz Fiori
S~ntid(l da fOfm;J.\=ao: tres cstudos s(Jhr~ Antonio C~lndido,
Gilda dt:: I'vlcl 10 t: Souza e I .Lll:io (;fJSra
Rio de Janeiro: Paz c 'lerra, 1997.
ISBN Ho-219-lI274-.1
1.Cfindido.Antonio. IlJl~-
2. Stili;'..:.!. Gilda lic f"kllu c, 191<)-
.l. Co~[a,Llll:io, 1902-.
I. Arantcs. Paulo Edu:mJo
II. Titulu
97-1114 CDD-869.909
CDU-RI>9.0(81 ).(~)
00;'545
EDITORA PAZ E TERRA SA
Rua do Thullfo, 177
01212-01 () - S~O PJulo-SI)
·kl.: (lI11) 22.1-6022
Rua Dias Ferreira n." 417 - l.nj:1 P:1TtC
22431-0:'{) - Rio de Janc::iro-R.l
·kl.: (lIZ1) 2S'J-H'!46
1997
Imprcsso no Brasil J Printer! ill Ilmzil
SUMARIO
PROVIDENCIAS
DE UM CRiTICO LITERARIO
NA PERIFERIA DO CAPITALISMO
Pattlo F,dttardo A ra>ltes
7
MODA CAIPIRA
Otilia Bcaniz Fio";Armltn e Paulo F,duardo Arantes
67
LUCIO COSTA
E A "BOA CAUSA" DA
ARQUITETURA MODERNA
Otilia Beauiz Fiori A rames
113
Paulo Eduardo Arantes
PROVIDENCIAS
DE UM CRITICO LITEMRlO
NA PERlFERlA DO
CAPITALISMO
f;Jltao, an Sf'lltt'St', () tana i estc:
quais as pn!J'idlucias que torna urn cscrittw JIll
perifbia do capitalismo, nurn IU...CfaradJJerso,
d£J7fl1tJos,plJra Sf tornar U11Iromanrlsta de' meJma
import/illcia que os rnaiores de' Se'Utempo.
Roberto Scbwarz,
cntn:\'ista ao JORKA!. j)O BRASIL,
17/6/1989
Salvo em ca,os flagrantes de auto-engano dcliberado,
todo intclectual brasilciro minimamente atento as singularida-
des de wn quadro social que Ihe rouba 0 f6lego especulativo
sabe 0 quanto pesa a au,encia de linhas evolutivas mais ou
menos continuas a que se costuma dar 0 nome de ftnlUlftW. I
Que se trata de verdadeira obsessao nacional da testemunho a
insistente recorrencia do termo nos prillcipais titulos da en-
saistica de explicaC;aodo caso brasileiro: fiJrllUlftWdo Brasil con-
tempordneo; Fonnafiio politica do Brasil; FontlllftW economic« do
Brllsil; F,mllllfiio do patrol/lito politico brasileiro etc. - sem <:on-
tar que a mesma palavra emblematica designa igualmente 0
assunto real dos c1i"icos que nao a rrazcm enfutizada no tiruJo,
como Casa-grande e senzala e Raizes do Brasil. Tamanha proli-
teraC;aode expressoes, titulos e subtitulos aparentados' nao se
pode deixar de encarar como a cifra de wna experiencia inte-
lecrual basica, em Iinhas gerais mais ou menos a seguinte: na
forma de grandes esquemas interpretativos em que se regis-
tram telldencias reais na sociedade, tendellcias as voltas, nao
- II
SENi'lI)() 1M FORMM,:AO
obstante, com lima especie de atrotia congenita 'l"e teima em
abort<l-las, apanhava-se na'll1c1e corpus de ensaios sobrenldo 0
prop<'lsiro colerivo de dorar 0 meio gelatinoso de lima ossam-
ra modeflla 'l"e Ihe sustentasse a evolu~ao. No~ao a lllll tem-
po dcscritiva c normativa, comprccndc-sc alem do mais que 0
horizonte descortinado pela ideia de t(lrma~ao corresse na di-
re"ao do ideal ellropell de civiliza~ao rclarivamenre integrada
- ponto de tilga de todo espiriro brasileil1l bem t(lrmado.
Quando em 1959 Amonio Candido tinalmente publicou
a Formafiio da literarttra brasilcira - cuja conce~ao original
remonta a segunda merade dos anos 40 -, n,io hOllve dClvi-
das 'll1<\nto ao Illgar 'l"e lhe cabia IU esrame, exataJl1ente ao
lado das obras classicas de Gilberto Prevre, Sergio HlI'lrque de
Holanda e Caio Pr'ldo Jr., como ainda n:cenremenre recordoll
Roberto Schwarz: a maneira daqucles mestres do ensaio de
imerprera<;ao do Hrasil, que hav;,ull repassado a genese de nos-
sos irregulares pad roes de sociabilidade e vida economica, An-
tonio Candido, identiticando dinamismos especiticos da vida
eultllral brasilcira, expunha a consritui~ao de lima tradi~ao li-
tc[(tria nacional rclarivanlcntc esravd. ~ Cabcria entao rever as
implica<;6es daqucle esrudo verdadeiramenre tillldador a luz
do seu tra~o tisionomico mais saliente e original, uma cerra
idCia de forma~ao, por assim dizer, rranscorrida em tamilia.
Ao reconstituir a '~list6ria dos brasilciros no sell desejo de rer
uma lirerarura", adorando, alias, com mal disEJ.r~ada porem
nem scm pre bem compreendida ironia, 0 pontO de vista dos
nossos primeiros romanticos, "vclha COnCe~a() cheia de e'll1i-
vocos", que mcsmo assim aehara interessante experimentar, An-
12
PRO\'lIlI-:NClA!'i DE l'.\t CRiTIU) LITEMRIO
tonio Candido parecia scm dllvida se alinhar ~ por historia
imerposta de um desejo que de fato existiu - com essa aspi-
ras.1.o coletiva de c()llstru~a() nacional. 0)111 unla ditcrcn<;acru-
cial, ligeira dissonancia a ser resolvida, para a qual 0 mesmo
Roocrro Schwarz me chamou a aten<;ao celta vcz. Se cmendi
bcm, tonnularia 0 problema como segue.
Ocorre que, tendo se restringido a t<:lrma<;aodc um siste-
ma cultural que se mmpletara ji no seculo passado, com a
entrada em cena de Machado de Assis, 0 au tor da FonnflfiU1 dfl
litcrntltrn bmsileirn nao precisou associar a t<:)I1:unado juizo
crftim accrca daquda Iinha evolmiva ao SlKCSSO hist<irico das
cxpcct,uivas sociais que scm pre acompanharam a.",anatomia.'"
dissicas da malt<:ll"l11a<;aobrasilcira. Tirame 0 modernismo retro-
verso do primeim Giloclto Freyre, de costas para 0 hori7..0nte
pr6xinlo do pais real, saoc-se quc t:lis progn6sticos tavor3\'cis
falharam em roda Iinha: ao inves dc cxtirpi-Ia, a moderniza<;ao
do pais agravou ainda nuis a dcpcndcncia herdada do comple-
xo colonial. ~uma pabvra~ 0 Brasil nao dent cefto, ia mesilla
muiro mal, por6n scm mmpromcter a Fonnafiio dc Antonio
Candido, pois n0550 sistema literirio nao so se formara mmo
,1£efuneionavarazoavdmcntc ocm. Vanragcns dc uma dimen-
sao que goza de rdativa independeneia' Scm duvida, e por
isso mesmo pais errado c culrura viva podcm ate ccrro pOnto
convivcr scm danos mllt110Sirrcpanivcis. Mas a dllvida rctorna
quando notamos quc a realiza<;ao do descjo dos brasileiros dc
ter lima literatura, caso csra nao SC resuma a mais lim melho-
ramenro da vida modcrna, em principio nao poderia dispensar
inteirameme 0 desenlace positivo do pnxcsso material de for-
ma<;ao nacional, a que bem Oll mal atrdara seu destino -
13
SEt-:TII)O 1M FORMA<.:A()
scndo pol' ceno obvia para Antonio Candido a cominuidade
social do vinculo das Ictras, estreitado pda progressiva anicu-
la\Caodo sistema. Se nao for presumir demais, 0 Smtido da
Fonnilfiio - obra, ideal e n6 soeial objetivo - emergira em
grande parte desse balan\o.
DESCONHECEMOS 0 SILOGISMO OCIDENTAL
Falta-lJos um uno apnmw. IOn certo metodo de espirito, uma urta lOgica.
Descrmhecemos {)siwflimw ocidental / ... / As melbores idiias,
por [alta de raZiUJ e seguimento, ftcam paralisadas em IJOSSOScirtbros.
Tchadaaev, CARTA FILOS()F!CA, 1836.
Vern de longe esse semimemo acabrunhad()r da posi\ao
em falso de rudo 0 que concerne a culrura brasilcira, a bem
dizer tem a idade de nossa vida mental e com cia se confunde
- bern eomo as metanlor!C)sesdo desejo sempre renovado de
corrigi-la mediante alguma sublima\ao descalibrada. Mas nao
sera preciso remontar a dupla fidelidade dos arcades - nao
pol' acaso identiticada e estudada pOI' Antonio Candido -,
nem reterir a instabilidade de Nabuco - semil1lemo brasilci-
ro, imagina\ao europt'ia -, que, ao ammciarern a "diall'rica
rarefeita entre 0 nao-ser e a ser-outro" na qual Pal~OEmilio
reconheeera a 16gica inteliz da "penosa consrru\ao de n6s mes-
mos", atestam pelo menos a permancncia variada da sensa\ao
de vida imclecrual prcjudicada, no caso, justamcnre pcla au-
sencia da for\a formativa que the assegure alguma tibra diante
das ineviciveis tlurua\Ocs do mal!adado intluxo externo, atc
segunda ordem, predominante.
14
PROVIDENCIAS HE UM CRtnco LITERARIO
Basta rccuar atc 0 decenio de 70 do secuJo passado, quan-
do a famoso "banda de ideias novas" se abateu sabre a pais,
prometendo reden~io social a golpes de espirito cientffico ins-
tantaneo, para encontrar precisamente no aceleradissimo Sil-
vio Romero - sempre com a novissima gera~io - 0 primei-
ro registro por extenso do nosso problema, tingido e ceno
pclo destempero caracteristico do eritico. Assim, nurn trecho
de 1878, ressalta com nitidez 0 ideal de torma~io enquanto
vida cultural eoletivanlente encadeada, mas sobre 0 tUndo fal-
so de urna inversio final de pcrspectivas.
Na hismri~ldo de:senvolvimemo cspititual do Rrasil h<i uma
lacuna a considc:rar: a faIn de: sctiat;ao nas idcias, a all';cncia de lima
gClletica. Pur OlltfOS tcnnos: wn autor nao procedc de uutro; wn
sistc::ma nao e consequen..:;i;.\ de algurn que 0 precedeu. E uma verda-
de afinnar que !laO temOS rradi<;6cs inrekcruais no rigoroso sentido.
a hisn')na cspirirual das na~r>cs eulras cada tCnomeno de haje e urn
wtimo do de uma eadeia~a c"olm;ao C uma lei l...]Neste pais, ao
coordoo, os feoc)menos mcnrais segucm Dutra marcha; 0 esp(riro
nao esti ainda criado C Inuito menos 0 espiriro cienrltico. A leintra
de lUll escritor estrangciro, a prcdilc~ao por urn livro de fora vern
decidir da naturt:'ZJ. d:ls opiniOcs de um auror enrrc n65.4
A nota picante esta na vclocidade com que 0 proprio
autor dessas linhas clarividentes expcrimentou todas as esco-
las, desbancando hoje a doutrina venerada na vespera. Sendo
extranacional a tonte onde se nutriam - prosseguia Silvio
Romero -, nenhum la~o prende as autores uns aos outros,
talvez nem mesmo se conhe~am e por certo, assim como as
cogita~6es isoladas de cada urn nio descendem urnas das Oll-
tras, nenhurn aproveita do antecessor. Sio anomalias do espf-
15
SE~TIJ)() IlA FOKMA<.) •.O
rito naciona! rcccnseadas apena' para melhor encart'Cer a condi-
,ao excepeional de um Tobias Barreto, "liI6soI0" entre ourras
tantas velcidades exercidas com talcnto e despropasim, mas
nem por isso dcixavam de compor um quadro mais amplo
dos constrangimentos que dcprimiam 0 homcm culm, I(lr<;osa
C ambiguamentc solidario dos "povos sistcmaticamcnte atra.sados,
como 0 nosso". Destc lado do mundo, curiosidades inteltoCmais
avulsas, scm passado ncm futuro, do olltro, :1"continlla~ao
progressiva" que plasma uma tradi<;ao: sendo alcma a mania
do moment'), na IntlSica Silvio Icmbrava que Haydn, Mozart
c Recthoven sllccdiam·sc por I1c(cssidadc do dcscnvolvimcl1to
da arte de compor, assim como no plano da evolu<;ao lilosoli-
ca Fichte saira de Kant como Hegel de Schelling etc. Porcm, it
boa obsclva<;ao seguia () inevitivel disparate. N'lda disso con-
ligurava lUll prcjuizo, ,lntcs uma vantagem. Mas nao lim gol-
pe de vista novo propiciado por alguma reviravolta do desen-
volvimemo desigual que nos atribu'ra wn lugar de segunda
c1asse na ordem Illoderna, Inas uma bem-vinda exce<;ao a "lei
da a<;aodo meio social", quc no caso era atrasado e sulixante:
atropclada a tradi<;ao loca!, tolhida na sua lonna<;ao, os "esp'-
ritos vivazes" das na<;[)es toscas e preteridas pelo esp'rito do
mundo, nao se sabe como dando as costas para os "p,itrios
prejuizos" que os oprimiam, poderiam cnfim "a1<;ara li'onte
acima do amesquinhamemo geral", deixando-se entaO arreba-
tar pdo cosmopolitis1llo contcmpora,nco. Porranto, tun Ingar
ao sol para si mesmo e para Tobias Barreto. Assegurado, no
emamo, as avcssa5, anulando 0 vislllll1bre do pmblcma da mal-
lorma,ao nacional: ao invCs da desejada organiza<;ao do inllu-
16 -
PI{()\'ln~.N(·IAS IJE l'.\1 CRiTl<n L1TER..ARI()
xo imerno, penhor de autonomia memal, a fuga para a frente,
o prop6siro descabido de emancipar-se "sob a rurela" das no-
vas idCiJ.s,cntrct,ulto rcvogadas ncm hem dCllcmbarcadas. Acres-
cc que, a consciencia confusa c intcrnlitcntc do n0550 mal su-
perior, Silvio Romero ramocm juntOlI a percep<;ao de qlle a
talra de "seria<;ao nas id<'i,}s"- nourras palavras, a ,nlScncia de
vida culrural organica - devia-se de taro a uma eSpCcie de
inditCrencia<;ao social de fundo. Assim como aind,} nao havia-
mos conseguido Jimnar Igriti) melll lim povo devidameme
organizado ", a.ssim como nos blrava 0 "encadeamemo das clas-
ses''':>as cogita\()cs de nossos ....csptritos vivazcs" acabavam sc
rornando apenas "tillhas perdidas no rorvelinho de nossa indi-
teren<;a" - sendo "inditeren<;a ", Oll "inditCremismo", LUnaou-
rra expressao de epoca para designar a sindrome em quesrao,
para a qual se buscaV<lremedio no ideal cumuJarivo de torma-
<;ao, till-ma<;ao a lim rempo memal e social. Quem comribuis-
se para ordenar a primeira ramocm ajudava na consrru<;ao da
segunda. Essa a 6prica - nao c diffcil adivinhar -, alias, pe-
dida pc10 objeto, "imagem nervosa do pais", da jusri<;a que
Antonio Candido tad aos graves erros de julgamemo liredrio
comeridos por Silvio Romero: "e1e rinha a descontian<;a per-
manente dos que s6 aceitam a palavra lireraria quando jusrifi-
cada por um cmpenho etico, rcligioso, polirico ou distar<;ado
de outra coisa: cicncia, filosotia, s<>ciologia. Mas quem sabc
isso toi are cetto ponto condi<;ao para ele compreender taO
octn a litcratura como faro sociJ.1 c, no caso brasileiro, 0 SUI
papel ua fmlUlfiio da amsciillcia do pais?" (griti) meu)6 Em suma,
nLUnambiente social "amoli() e dissolvido", para falar como 0
17 -
SENTII)() I)A FORMA<,:A()
Tobias Barreto do Viscw"So em 1I1a1Was de camisa, mdo conspi-
rava para 0 desinimo dos espiritos, uma especie de enerva-
mento rcssentido por tados, lll11convite ao vdeitarismo, it deriva
da curiosidade bmxuleante, tao deslibrada quanto era ''mole, ex-
ccssivanlcnrc pli<.;ticac ductiP' a materia de urn corpo sociJ.]
desconl()rme. A ausencia da I(>nna<;ao,de que tanto careda-
mos, de lato roubava-nos 0 tolego em todos os scnndos, inclusive
no mais drisnco ddcs, assinaladopclo mesmo Silvio Romen>:"0
rrabalhointek-allalno Brasile ummartirio: por issopollen produ-
zimos: cedo nos laJ1S3JTIOS,cnvelhcccm()S c morrcm()S dcpressa".7
Quando os modernisms redescobriram 0 Brasil, passada
a liberrinagem do mWldo scm culpa, da barafllnda nacional
tCstejada,rcencontraram exposta a mesma tramra. Recem-inau-
gurado 0 decenio construt;vo de 30, Mario de Andrade logo
atinava com 0 nome pclo qual atenderia 0 problema nos cli,-
sicos pllblicados a parrir de entao. ''Nossa I(lrma<;aonacional
nao c natural, Ilao e C:SpolltJ.I1Ca,nao c1 por assinl dlzer, lugi-
ca", escrevia em 1931.g Eramos Wlla tal "imundfcie de con-
trastes" que os Icn6menos culturais, de tao desencontrados,
proibiam qualquer sintese interpretativa, pois nada Ihe corres-
pondia na vida real do espirito, ainda desconjwltada. Dai as
prOPide1lCias que passaria a tomar - sendo 0 nosso problema
lll11problema de t(lrma<;ao -, no semido colctivo do "alto
nivclamento artesanal" da intdigcncia brasilcira em processo
de atualiza<;aoacclerada. Balan<;<lSde cpoca, poemas meditati-
vos, program as de estudos ou institui<;oesculturais bem pla-
nejadas, tlldo convergia, solicitado por uma "Ionna<;ao"ainda
mal resolvida, como parecia demonstrar 0 recome<;omoder-
18 -----
PR()VlDf:l'\(:II\S DE U:\1 CRtlUX) LrrERARIO
nixta df/, capO. Entroncando na tradi~ao ensaistica c1i~sica,An-
tonio Candido nao so respondia a wn problema que de faro
existira, como tambern poderia ajudar a desatar wn no histo-
rico que aind~lnao sc dcstizcra.
QUESTAo DE METODO
Quando em 1989 a l-imnilfiU! df/, literat"m brasileira com-
pictou rrinta anox, lUll gmpo de ex-allUlose antigos assisten-
res, aos quais se iuntaram alguns admiradores avulsos daquela
obra c1assica,rewliu-se na Universidade de Campinas para ou-
vir Antonio Candido reconsrituir, a pedidos, as circunsrincias
que 0 levaram a concep~ao original do Iivro. Cont'Jnlle ja !em-
brara no "Prdacio" da primeira edi~ao, 0 livreiro e editor Jose
de Barros Marrins lhe encomcndara uma "histona da lireraru-
ra brasilcira, das origens am nossos dias, em do;s vollU1les
breves, entre a divuJga~;io scria e 0 compendio", mas acaboll
rcccbendo, com dez anos de atraso, aperms 0 estudo de dois
periodos, "crdade que decisivos e apresemados em estreita so-
lidariedade, .1 Arddia e 0 romamismo. Para uma histona ge-
ral, COnlC-S<lVal11uito tarde c tcrminava ccdo dCIllaiS - c, de
tato, ate hoie desconccrta muito Icitor de boa-Ii:"scm faJar na
confusa teitllosia de um Oll Dutro tc6rico nlais pro!ixo. Em
lugar do panorama esperado, ax etapas da fimnafiW de wn siste-
ma literario no Brasil, perconidas, cnrreranro, atrav6 do exame
cxclllsivo das obras. Estava arm'ldo urn quadro inrerpretativo
inediro, cuio entrcla~amcnto singular de perspeetiva historica
e jlliw critico dirigiria oS paxsos de wna gera~ao (pot enqllan-
19
SE:-.ITII)(l Il/\ H)R~t"c,::\()
to). Ficara no ar, todavia, a Icgirima curiosidade pelas raZ(leS
que ditaram tamanha altera~ao no plano inicial do livro, atinal
responsavel par uma radical mudan~a de rumo nos estudos
litedrios brasileiros. Comoll emao Amonio Candido que a
idcia de cscrcvcr uma ForuUlfao s6 Ihe o(orrcu dcpois de lUll
bom tempo de muira anota~ao sem destino ceno. Discreta-
mente insatisfcito con) 0 dcstcillpero dos antel'cssorcs, mcsmo
os mais ilustrcs, que ameplU1hama rcsl'llhas hist"ricas conven-
cionais inmxill~6es metodologiGl~ mirabolanrcs, ainda nao sa-
bia bem 0 quc por no lugar. Como lidar com a literarura bra-
sileira - '"galho sccum ..H.rio da JXlrtugucs,l, por sua vez
arbusto dc segunda ordem no jardim das Musas..." - de uma
maneira quc satistizcssl' intciramcntc os rcquisitos de uma vi-
sao hist6rica e os requisitos de lima ViS30cstctica, (.k'scartada a
saida Eicil porcm equivocada de lima serie de estudos criticos
sem vinculo hisrorico estrururador? Decidida a virada do livro
- quc nao seria mais uma hist6,;a da lirt'ramra brasileira,
nem mesmo it maneira esquema rica insupcdvcl de um Thi-
bauder -, passam-se os anos scm que Amonio Candido arine
com a chave do quebra-cabe~a que est,tva monrando. A cerra
alrura - "nao me lembro bem quando nem como" - chegou
cntim a conclusao de que lim critcrio intercssante seria acoln-
panhar a articula~ao das obras e dos escritores, um campo
hisn\rico de intlucncias anistiGlS cruzadas, ao longo do qual se
podcria disccrnir a continuidadc de Ulll.l traJi~a(). A sell vcr
dera linalmente com a idCiate"rira ti.111damcnraldo livro, a de
Sistema Literario, que exporia na "Inrrodu~:io", prudememen-
te apresemada como displ'lls'\vcl, remendo wm razao a con-
20
troversia arrevesada e bel11brasikira do tipo doutrina-col1tra-
doutrina, guando .1 !(lr~a diSCI"etado metoda deveria irradiar
apcnas na analise lias obra.\i em sell cll(:adcamento historico.
o dcpoimcnto (OlllClllorativo trouxera a baila uln pu-
nhado de epislldios signi!ieativos rdacionados eom os tateios
do ensaisca estudioso do Brasil a prowra de um ponto de
vista. Passando adiame no balan~o de comribui~oes e omiss{)es,
depois de lastinur 0 titulo infdiz que despistava 0 kitor, An-
tonio Candido .Kabaria, no emanto, deixando passar sem co-
l11entarios,quem sabe pm julga-Io decorrcncia natural do que
disscra a respeito da no~ao de Sistema Literario, 0 pomo cru-
cial daguela ,"irada fundadora, a aprop,.iafiio origillal pelo mcio-
eilli" liteni,'-v da idiia de fV17Ill!frU1. isso, pelo menos, 0 titulo
do livro era cxato. J\1CSIllO assim nao (ogitou de passar a or-
dern do dia, no caso, aos momcntos dc..:isivos da f<'Jrm3.;ao da
hm"l!frUl. Prekriu, ao wntdrio, transt(ltIna-la nUl11aquestao
de mctodo, 0 que nao deisa de scr um achado, alCmdo mais
igualmente despistador.
Ao distinh'l.liremre 11lalliftstafiies literan'as avulsas- a eifra
lllesma da tenuidade brasilcira - e litemtum propriamente
dita, e'lCarada no livro como lUllsistema de obras ligadas por
denominadores comuns que ["zel11de"l um aspecto organico
da civiliz<l\ao, lInl taro de cultura que n5.o surge pronto c ;)c<\-
bado, antes Sl.' contigura ao !ongo de um proccsso cl-JltlulatiiJo de
arricula~ao COIll.1 sociedade e adensamemo arristico, ao rever
nesses tennos a constitui~'lo de uma cominuidade literaria no
Brasil, Antonio Candido dava en!im !(}rma metOdica ao con-
telldo basico da expericncia intdectuaJ brasileira. Mais exata-
21
SEl'TI!)() Dt\ F()R~tA<,:A()
mente, pondo em evidencia elementos da assim chamada lilr-
ma~ao nacional, quc alimentavam as escolhas esn'ticas dos es-
crirores, acaban desentranhando do law bruw, a que se resu-
mia a referida lorma~ao nacional, 0 fio conduror de uma
outra linin de I,)r~a I"rmativa, vir-a-ser de um sistema cultural
que na sua trajet"ria ia aos poucos convenendo sunos desgar-
rados em vida literaria ctctiva. 0 livro dava tambcm lim Olltro
passo adiame, como a seu tempo veremos: aquda historia dc
forma~ao, que refundia de alto a baixo a interpreta~ao de nos-
so passado literario, incorporava-sc em tennos atuais a um
processo imdecrual lilfmativo de multiplas dimens"es (do
teatro ao cinema, passando peia teoria soLial- para dar uma
idCiade sua abrangencia), ao qual deu enfim lilfmula~ao defi-
nitiva, scm dllvida por mcriro pr"prio do Autor que primeiro
compreendeu 0 significado do lugar cemral ocupado pela lite-
ratura na reconstru~ao mental do pais. Nolltros termos, cui-
dando aperlas de literatura, Antonio Candido deu com a equa-
~ao geral do problema da fimnllfiio, um apenas que enrre n(ls,
duranre muiro tempo, li,i rudo, ilustrando alcm do mais com
materia local0 vinculo modemo enOl:Formasao e Represenra~ao
literariada rcalidade.
UM PRECURSOR
Se ainda fosse necessario comprovar 0 modo relo qual
Antonio Candido extraiu 0 principio da Forma~ao do movi-
mento mesmo do seu material, reordenando os dados da ex-
pericncia brasileira, um unico excmplo bastaria, provenicnre,
22
PIU)vll)~:/'«:lAS HE llt.-1 CRiTIc<) LlTF.RARIO
alias, da mesma constcla~ao em que vimos exposta por Silvio
Romero a aspira<;ao nacional por uma vida intelectual organi-
l.ada: nos termos da reconstitui~ao empreendida por nosso
Auror, a "vontadede fazer litcratura brasilcira", definida por
Ulna "continuidade ininterrupta de obras e autorcs, cientes quao;e
scm pre de integra rem lun processo de ti>rma<;aolitedria".
Na virada do scculo, pode-se dizer que Josc Verissimo,
batendo na mesma tecla - nao sc podera falar de literatura
brasilcira na ausencia de um sistema vivo de obras, autores e
pllblico -, e descontada a dose habitual de mal-entendidos
quanta a r<:aldimensao das idiossincrasias nacionais, aeabara
entrevendo 0 ponto senslvcl no qual nossa forma<jao girava
em falso. Mas 0 que falta entao a nossa literamra? Mal formu-
lada a pcrgllllta, Jose Verlssimo roman 0 cuidado de lembrar
que cia continuava "ramo da portuguesa", ramo no qual se
enxertaram outros clementos, "mas nao de modo que a pri-
meira vista se nao perceba que e a mesma arvore apenas modi-
licada pela transplanta<jao a outros climas". Como se sabe, An-
tOnio Candido aproveitou a deixa - "a nossa literahlra e galho
secundario da portuguesa ..."~, mas para efeito de ducha fria,
novamente para ressaltar e prevenir outro vezo de maHarma-
<jao, a "Ialta do sensa de propor<ji>es", muito fiuniliamlente
reconhedvcl nos que se nutrem arenas delas, sendo a portu-
guesa por sua vel., como lembrado ato COntinuo, "arbusto de
segunda ordem no jardim das Musas". (Tratando-se de adver-
tencia com cndcrc<jo cerro, compreendc-se quc tenha sido biso-
nhamentc acusado de plagiar Jose Verissimo, por sobre ser mau
brasilciro, denegrindo de qucbra as Ictras da antiga metropole.)
23 -----
SEN nun IJA FO!t.\IM,:Ao
l'assemos entaO it resposta do "lJremrsor" it pergunta por
de mesmo t(lrI11ulada:
Esta nOSS.llit(T:ttur'l qUI.:,como ramo J,l porrllglll.'sa, [1.:111j.i rx:rto dt'
quarm s~(\_dos dc cxi.·m:·]Kia,ll.lO possui :1 (olltilluidaJt' pntl-iu, a
(ocs.io, ;1 llnithde das g,null.ks lireramr,l~ [ ... j ~alrou-lhc scm pre a
cOlllunil.:ahilidadc, iSle) <.:, (JS sc.'us CS(rih)fCS 1, .. 1 ticIram csrr.Inh()S
LUIS;lOS olltn)S. E nan llle rdim as (I)llluni(a\{JCs pc.:ssoais, dc valor
scnmdirio, SCll.lOis inn:knu.Ii .••, e~ubdcdJ.lS rlt:kts obras. As di"cr-
sas intlll\:llci.1S que se poJCl11 !lour cm llOSSOS!luis nodvc.:is Illo"i-
memos litc.:drios S;)O rodas l'Xtc.:rion:s I ...J Como st: di7. c.:1ll dtira
milirat~ 0 (onta(to jalluis St; cstaht.'!ecc cmrc os csniron:s Ill! t'lltn: n
seu pcns'll11ClltO. Esra tl1r'l dt, nmt<1cro (OmillUa ainda hoj~,: I.""] Fal-
tou sm'rrc 0 clcmmro rransmissor, () llH:diador pLl.sriLOJo rx:nsa-
memo n;Kioll;lI, lim po\'o sllticiClltcl11ClUt'(ulto 1 ... 1 N.It·onstitlli\"J.o
1.1<.'lUlU lirn,ltura 0 po"o rt'm SilllU!r;U1t"11llt:mc lun parlt,.'1p.lssivo l'
ativo: c Jde llllc patTI.' r l' ;1cle qm: ,"olta .1inspir,'l}5.o do pocta ou do
opensJd()r.
Como sc vi:., cstamos a I1lcio l'tll11inho da ~\cria\ao nas
id6as" rcdamada pm Sflvio Romero ~ luz do modelo europeu
de cultura integrada - ali,1s, por de mesmo alcgremente des-
rcspeitado na ansia civilizadora dc cUlllpri-lo -, e da articuLi-
<;aodo sistema literario posta em perspeetiva pela idcia de t(Jr-
ma<;ao em Antonio Candido.
Mesmo trope<;ando, Oll, por outra, sobretudo quando es-
con·cga, Jose Verlssimo nao deixa de dar livre curso ~ obses-
sao COIll 4UCpcrscguimos durante mais de scculo 0 idcJ.1euro-
peu de cultura organica. Veja-se 0 que Ihe ocone a prop6sito da
"cocsao", apanagio das grandc.~ literaturas. Sflvio Romero, de
tal modo oprimido pelo estado de arremedo permanente em
24
PRO\'Jll!J\:C1A,"i nE l \"1 CRiTICO LITERARJ()
que vivlamos, ehegou a elogiar eerra vez os bons tempos colo-
niais em que a "h,ibil polftiea da segrega~ao, afastando-nos dos
. .. d -"IOJ•cstrangcllus, malltcvC-IlOSUIll cerro esplnto Ccoesao. use
Vcrlssimo heira uma ellonnidade de mcsmo calibre ao encare-
cer, em nome das intlucncias cruzadas que consolidam a "con-
tinuidade pelicita" de uma literatura auto-suticiente, 0 pedo-
do rom antico, a seu vcr nosso ullico mOlllcnto litedrio urganico,
por existir, selado pelo destino do pals novo e independente,
U111 nexo sentimental entre os escritores C~\1111 pllblico simpa~
tico, que illstintiv;uncnte senti a na sua obra uma cxprcssao dessa
nacionalidade". Entre parcnteses: pelo sim, pelo nao, nao cttsta
lemhrar que an diz,er cerra vez que 0 escritor brasileiro sc ha-
bituara a pmduzir para "pllblicos simpaticos", Antonio Candi-
do tinha em vista justamclltc 0 etC-itocontdrio da comtmica-
bilidade desejada por Verlssimo, a sabel; 0 acanhamento daquela
simpatia, mdeada por LUlla esmagadora maioria de ilctrados cujo
alheamento t()r~ado repercutia na apmva~ao incondicional da-
4ueles pllblicos restritos, cOI1taminauos pela meSilla indigcn-
cia cultural que acabou reduzindo as chances de pmdu~ao de
LUlUliteratura verdadeiramente complcxa entre nos. Uma outra
talha de tomla~ao, alias, registrada no mesmo espirito das consi-
dera~{)es anteriores por M,irio de Andrade, quando, na Elegia
de abril, queixava-se oa inexistcncia na literatura brasilcira de
alguma obra em que pudessemos "seguir uma linha de pens a-
mento, muito menos a evolu~ao de um corI'o organico de
ideias". Voltando a coesao de Jose Verlssimo, unidade literaria
que editica na dupla acep~ao brasileira do tenllO - tanto su-
bliola<;anestctica ql1~UltOconsttu<;ao nacional -, 0 (dtico COlll-
25
SENTIIlO I)A FORMA<;AO
plerava 0 clogio do pcriodo romantico observando que, passa-
da aquela breve idade de ouro em rennos de vida lireraria,
desnacionalizavamo-nos inrelecrualmenre, 0 vemiz cosmopo-
lira da hora presenre roman impcnsavel um sucesso lirerario
como 0 da MorenilIha. Tudo se passava como se a modern-
iza~ao culrural do publico prejlldicasse nossa evolll~ao lireri-
ria. Vale a pcna reler a expl;ca~ao que 0 cririco dava para 0
paradoxo que observava, quando mais nao seja pela curiosa
semclhan~a com as reflexoes que inspirava a Paulo Emilio a
sitlla~ao colonial vivida pclo cinema brasileiro, lima harmonia
pcrversa emre os produrores e 0 publico dos Ilimes brasileiros
que prolongavam a rradi~ao de espet:iculos populares - "para
ambos, cinema mesmo code fora, e outra coisa e aquilo que
os primeiros fazem e 0 segundo aprecian. Veja-seemao 0 que
dizia Jose Verissimoacercada prc-hisr6ria da mesma a1iena~ao:
Defeimosa c faJha, cs."a cuJrma tCli ainda assim hastamc para n.:vdar
an pllblico Icdor ;\ inf~rioridade dos 110SS0S cscritorcs, nao mais (011-
trabahnccando esse sl.:ntimento pelo ardor patri6fico do pcr{odo de
forll1a~io da nacionalidade. E, pois, a ddicicm:ia da cultura gera.l de
todo 0 gcnero, no Rrasil, wna das falha .••de nossa litcfatura. Nao
fa7.(:ndo senao repetir sen·;lmenrc () (:str.lIlgt.:im, scm nenhuma origi-
llalidadl' de pCllsamenw e de.:forma, scm idtias pr6prias, com imcn-
sas lacunas de enldi\"3o, e nao men( )res ddiciem:ias da instnlljaO (0-
mrun hajc aos homeos de mt.'diana l-Wrura nos pJ.i~csque prt:tendl'mos
imitar c seguir, nos nao p<-xicmos competir diann: dos nossos !(:itores
com 0 (.jue ck!' de L1recebcm em primeira mao, ofeteCi:.'ndo-lhcs um
produro similar em scgunda.
Esrava dclineado 0 drama da Vera Cruz, prenunciada a
dlibia vaJoriza~aoda chanchada, e, se nao tor~amos demais a
26 ~-
PR()Vll)f:N(]AS I)E l:M CRiTI(:O LITERARIO
nora, demarcado 0 futuro lugar do Cinema Novo no proccsso
formativo de nossa Clllturacinematognifica.
TRADl<;Ao E T ALENTO INDIVIDUAL
Tudo isso nao obstante, Cvoz corrente entre os discipu-
los que a idCiade literatura como sistema em Antonio Candi-
do esra muito pn\xima da no~ao de tradi~ao em T. S. Eliot,
segundo a qual, como c sabido, nao se pode apreeiar devida-
mente 0 significado de urn escriror a nao ser por compara~ao
C contrastc, situando-o idealmente entre os autores mortos, de
tal sorte que a ordem constituida pelos monumentos Iiterarios
se modificaria toda vez que entrasse em cena uma obra verda-
deiralllente nova. II Nao serei eu a dizer que nao. to bern possi-
vel que na sala de aula Antonio Candido tenha referido aquela
versao celebre da presen~a ativa do passado Iiterario e da exis-
tcnciasillluiranea da literatura de urn pais, para illlstra~ao di-
ditica e apoio do seu argumcIlto CIll favor do ponto de vista
da "forllla~ao". Mas essa llitima, que e antes de mdo LUn pro-
cesso, evaporaria nas maos de Eliot, cuja visao c cordata e
afirmativa. Sob 0 aspecro da exigcncia maxima, pois se trata
nada menos que de literatura universal apanhada no seu con-
junto, ressalta a quase afabilidade mundana de urn mestre-de-
cerimtmias que, para acolhcr urn rcccm-chegado de merito re-
conhecido, Illuda a disposi~ao das personagens ilustres que
ornamentam 0 panteao das letras: no todo reajustado, reina
sempre a harmonia entre 0 antigo e 0 novo. A continuidade
nunca e de problemas, nem se constr6i dando forma aos im-
passes hist6ricos a que se reterem ~ a tradi~ao e sempre ines-
27
SENTIDO llA f-:ORMA(,:Ao
pedtica " d" wliversalidadc m,hima. E wrdade que a imagem
d" transmissao da tocha entre corredores, utili7.ada por Anto-
nio Candido para evocar .1 tradi<;ao viva scm a qual nao hi
Iiteratllra como tCnomeno de "iviliza<;.io, contribui para a im-
prcssao da cOllvergcncia em qucstao.
Seja como liJr, 0 mais prov.ivel e quc xc renha esrendido
a Amonio Candido uma ob.scrva<;ao de Llkia Miguel-Pereir.l a
respeito da publica<;ao das Memd,-;as pdsturnas de Hras Cuba .•.•
urn acomccimento de ral modo decisivo no nosso panorama
lirerario, exigindo a revixao de valol"l'S,rransf(Jrmando por com-
pk-to a visao do passado b"m "omo 0 jUlzo da .ltualidade pH'-
xima, que nao Ihe ocorreu melhor maneira de real<;ar 0 imcn-
so alcance daquela inup.;,io do qu" ajlls•.•i-Ia ao tamoso paradigma
de Eliot: "aplicando ao restrito patrim<lnio das lcrras brasilei-
ras a tormula empregada mUll plano muito mais vasto pdo
crltico ingles, podemos dizer que 0 aparecimento do H,'as eu-
bas moditieou a ordem esrabelecida: .LX posi<;ix:s de Jose de
Alcncar, de Manuel Antonio de Almeida, dc '[lunay, de Mace-
do - arc emao os grand"s nomes da nossa tic<;ao - riveram
que ser sensivdmente alreradas ".12 Conl'enhamos que ,1 mera
"spccilica<;ao hisr6rica ji d",m<:l1r" a tormula prestigiosa ao
reduzi-Ia a sua cmiC<1dimensao t'>rIllal - nisso tao indiscutivd
quamo inapmwitavel. Isso nao C tudo. AI'lstamo-nos ainda
Illais da du ve apenas tormal ~l que St' resume ~lrradi~ao ~KO·
Ihedora de Elio[, sc cOllsiderannos agora 0 ~lnguloGlrJCrCrlSri-
co segwldo 0 qual Antonio Cmdido recapimlou aqud.l mesma
redisrribui<;ao geraJ de posi<;i}(:sprovocada pclo aparecim"nto
do segundo Machado, cup mamra<;ao consisriu nUlll modo
28
PRO\'lJ)~::"JClA.s DE l!M CRiTiCO LiTERARIO
peculiar de tixar e sublill1ar os achados modestos dos prede-
cessores, como diz nosso Autor, numa das t(\rll1ulasdetinido-
ras do semido da fmma,ao. Como 0 livro tambcm foi escrito
para ser lido como uma imrodu,ao ao estudo de Machado de
Assis, cabe a cita,ao por extenso:
Se \'olrannos porCIl1 ;lS vistas para !\hch;ldo de Assis, verell10s que
esre mesrre ;ldmir:ivcl se emhdxu nKriculosam<..'nre da nora dos pre-
decessores. A Sll,l linlu evolutiva mosrra 0 escritor alrametlte cons-
ciellte, que cOll1prel'lldeu 0 que havia de cerro, de ddinirivo, na orienta-
~;l.Ode Macedo paLl a descri~ao dos costumes, no realisillo sadio e
co]orido de lVLUlUcIAmtl1lio, IU vocl~ao an;llitica de Jose de Alen-
car. Ek pressup(le a cxisrcncia dos pred<"'cessor<..°s,e <..'sraC ulna das
f;lZ(lCSda sua grandcza: nunu lircrarura em que, a clda gera~ao, os
mclhores cOme~;1l11da capo c S('los medlocres continU;1l110 p;lssado,
de aplicou 0 seu gcnio em assimibr, aproftlll<..hr, tCcundar 0 que
luvia de certo IUS ex\xricnci;ls amcriores. Esre <..'0 segredo da sua
independcl1cia em rda~J.() a(lS c(mr<..°lnptlr;'l.l1e(lSeunlpeus, d(l seu alhea-
memo JS lllodas de Portugal e frall~ao l.i
Por onde se ve que 0 novo inquilino, ao contra rio do que
presull1ia Eliot, nao nasce feito, e c a sua "t()rma,ao" que alte-
ra 0 semido da tradi,ao. Vc-se tambcm, pm outro lado, que,
111esmoC0l11a f()nnula de Eliot 111uitoprescntc, Antonio Can-
dido ajustou-se ames de tudo pela li,ao de Silvio Romero e
Jose VerfsSil110,naturalmcnte revista c corrigida, cOlno se de-
precnde dessa reconstitui,ao da carreira de Machado de Assis,
que tinalmente cumpria 0 program a de continuidade cultural
pm canaliza,ao do intlmo interno, e cmrcspondcnte despro-
vincianiza,ao da conscicncia literaria, tra,ado pelos dois criti-
cos '"'' linha.srorta.sque se vtrall1.NWlla palavra, t()rmado na
29
escola de Machado de Assis, de faro Antonio Candido aprcn-
deu mesmo foi com as falhas de f(lrllla<;aodos predeeessores,
cujos achados modestos tamtx'm souoc fixar e sublimar. Po<.k-
ria entio cirar Eliot 11vontade, guem sabe ate para se fmr
emender.
FORMA<;:Ao E DEPENfJEl\;CIA (I)
Um tftdgio fimdnmental1l1J. suprYllflUJ ria depmdblcia in mpncidlldc de
prot/lIzir obrm de primeirn. ordem. jllj1umcindas, min pur modflos tstrl1lt/,eiros
imediatus, mas por exemplos nncimmis Imre11ores. Isto s~lJnifiCfJ u csmbdt'cimmto
do 'lue se poderin chamaI' mn p{mco mtxfl1limmmte tU camalidatie '-"tema. '!lIe
ronm inclusive majJ ftctmdoJ os cmprlstimos tmnadvs iu outras CIt/rums.
Antonio Candido, I.JTERAn:RA E SCBlll·:SEl"VOl.VL\lE~T()
Isso posto, nao sera demais atinnar gue a medita<;aoso-
bre a carreira exemplar de Machado de Assis tt:ra sido deeisiva
para a virada gue deu origem 11composi<;aooriginal do IivlU.
Poderemos tomi-la inclusive comO um modclo reduzido da
ideia de tlmna<;ao, aliis, em tudo 0 mais exato possivcl, pois
se rrata da trajet6ria imelectual bcm-sucedida da pane de um
escriror gue soube cumpri-Ia 11revclia do pais real: lUll caso
muito pcculiar de animo constnttivo infatigivcl por redio a
comrovcrsia. Daremos entao mais lim passo na demarca<;ao
de nosso assllllto se acompanhannos por lim momento 0 gue
diz Robeno SchwarL acerca dessa mesma carreira, kmbrando
de resto glle os dois treehos citados hi POllCOnao ~x)r acaso
Ihc servem de mote c cpigrafe para a Ultima parte do cnsaio
sobre 0 segwldo Machado. H
30
PROVllJf:NCI:\S DE UM CRITICO LrrEAARIO
Na reeapimja~aoque mcerra ° esmdo em questao, desen-
volvendo em nova chave 0 resurno de Machado delineado por
Antonio Candido, a 1()rma~aOque nos conceme vern delimitada
no sentido mais tangivcl de LUllaacumulafiio literdria realizada
na mais ingrata das sima~6es, pois afinal periteria e envergadura
intelecmal nao cosmmam andar jLUltas.C.omo pode se formar
urn escritor de verdade em condi~6es tao adversas? Esta a per-
gunta que interessa a todos, enunciada e respondida por Ro-
beno, scm exagero, pela primeira vez. Para eome~ar, passa a
ordenar aspr01'idencias tomadas por Machado de Assis no sen-
tido de se tornar 0 primeiro escritor brasilciro a dispensar a
simpatia que Ihe seria devida por contribuir tambem, como
seus acanhados antecessores, para a constru~ao do novo pais.
Nao posso deceno enumera-Ias todas nem por extenso, muito
menos abordar de fj'ente 0 nucleo em torno do qual gira 0
argumellto, a transfornla~ao, por imita~ao em profundidade
de singularidades de nossa k\gica social, da materia literaria da
primeira fase acomodaticia em procedinlcnto narrativo, uma
trai~ao de classe que no mesmo golpe conseguia contCrir al-
cance mundial, nao a generalidades catadas no lixo ideolrlgieo
internacional, mas ao ponto de vista prejudicado da periferia.
Numa palavra, LUllestudo enlim conclusivo da curva literaria
ascendente de Machado de Assis veio revelar a "matriz prati-
ca" - na qual sc cntroncanl, se altcram e contlrnlatTI mutua-
mellte expericncia social, material estetico e esl()r~o de estru-
mra~ao - da linha intelectual evolutiva a que estamos dando
o nome de forma~ao, no caso, urn areo abrangendo meio se-
cwo de acertos e desproprlsitos da conlusa eonsciencia litera-
31
SEN'J'JI)() n:\ f'()R,\l:\(,:A()
ria nacional. ['-araencurtar, digamos que a principal provid~n-
cia tormativa tomada por Machado dc Assis - registrada por
Antonio Candido e explorada por Robcrto Schwarz na dire-
"ao assinalada - tenha sido a tIIll tempo CII1IIpflrfltistrl(por
assitn dlzcr) e cz,tnl1llntivlI. Tratoll assinl, enl primciro lugar, de
contornar os dikmas da dupla tidclidade nos quais sempre se
debateu todo escritor brasikiro, por exemplo e prineipalmen-
te: arualizar-se a ponto de perder de vista a implanta"ao local
e girar no vazio como um europeu posti"o, ou alinhar com a
posi"ao em b.lso do pais, porem a (mica rcal, e dar as costas ao
I11lU1do contcnlfXJranco? Machad(J simpleS111cIltc submC'tclI J.
critica reciproca e sem resto os tcrmos da eompara"ao, que,
alias, sempre nos t"i desfavoravel. r untando os do is p('llos, re-
lativizava-os C assim acaooll l11ostrando que era posslvd opi-
nat sabre os grandes assuntos ao chamar pclo nome as COntra-
di"Ocs locais, ao mesmo tempo em que especiticava a hota
historica daqucles mesmos assuntos ditos universais. Encarada
desse modo com independcncia a norma europeia indescard-
vel, p6de dar vez, scm a correspondeme perda de tensao, a
"eausalidade interna", tornando possivcl a experii'ncia intclec-
rual brasilcira tinalmeme tClfInar-se,na acep"ao especitica que
se esta dando ao tenno: pela primeira vez um escritor conse-
guia cscapar a dana"ao do rccome"o solitario, a mercc das
escolas literarias sem continuidadc com os resultados acumu-
lados pcla experimema"ao literaria no pais, real<;ando-Ihein-
clusive a dimensao coletiva da produ<;ao.
Ocorre ainda (para adiantar uma observa<;aoa ser rero-
mada adiante) quc, ao tirar as devidas consellli~ncias do rotci-
32
I'IHl\·Jllf::-.:u,\.'i ilL l ','I' CRITIC() Ll I"ER,\I{](}
ro tr<1~adopm Antonio Candido, reapresentando 0 problema
da 1()t"Jna~,iocomo lll11;\quest,io material dc 'KlImllla<;ao da
4.:xr4.:ri~ll(ia illtdcl'tual IUS condi\flCS frJIlGUllCllrC proibirivas
da dq1Cndcncia, Rol1Crro Schwarz nJO s,', Ihe deu 1()Imula<;Jo
gel\11como illdicou-Ihe 0 hori7Alnte no Brasil conmnpo..aneo,
o qUl' a seu tl'mpo Antonio Cmdido tambcll1 lizl'ra, e ll1ais
para a frl'nrc vcr4.:!11o.~CO!11O. Rdiro cnt;}o ;1 obscrva~j() am-
pli'ld'l ,lOSdi,l.<de hoje para devolver a ideia de tc)rma<;Jo a sua
dill1ensao mais polcmica. Estlldando IlJO Etz muito 0 amal
eclipse ltl mais arraig;.1ltl dc Ilossas sl'llsal,/)cs) () pertnanenrc
sentimento de inadequa<;;!o que desde a origem vem alimen-
rando 0 Ilul·csrar dctinidor de 1l0SS0 rr:1to cllvicsauo com as
idCias, des'llc)go apoiado 11;\cnbsc' cia dimensao internacional
da cultllra (t,io mirol<\gica quanto a 'lllt'lrqllia l1;1eionalde an-
res), Roherro \'olta .1 ponderar, como nos tempos da ]-'0111111-
flio, os estragos provoeados f1Clapreteri<;;!o do vinculo local, 0
Icnc>mCl1ofamiliar, porem n;!o por acaso neg!igmeiado f1C!OS
princip;lis intcr4.:ssados\ de que no Brasil a (ada gcr3~ao a vida
intelcemal pareee recoJ11e<;arde zero. 0 que signitiea 0 desin-
teresse pL'io trabalho da gera<;;!o anterior e 0 que se segue da
conseqlicme descontilluidade da rdkx;!o que 0 apetire des-
controbdo pela produ<;.lo metropolitana recente traz consigo)
Nan c pr('ciso St.Tadepro da rr"l(ji~a()) Illuiro !HellOS lut..:ionalis-
r;l, respol1tk Roherto Schwarz,
p.lI'" n;(ollh<.\.\.T os innlllWllit'lUt'S dcsta pr.Ut" ., \.llK' blt.l 0:10 SC'1;l
(Oll\;":~;10d,ls tI.:OI;:t'i, logo mM.:~lth••, mas taml:x:m de.: sua .•. impli"::li/X·"
Illl·1l0S pre'l~im,l",de S1l3reb.ii''io l:Olll 0 mCl\'illKnro sOl:i:l1 (onjulUo, l·
,lO tim t' ;10 (;lbo, da rdcd.lKi:l do pn'lprio trao:llbo e dns :lSSll!1tOS
I.:sttllbdos. Pcrcq,\-(X's I.: tCSl:S IlOt;l\Tis ,1 rl.:spt:ito dol culmra do rai~
33
SENnno nA FORMA<,:Ao
sao dccapiradas pt:rioJicamcnre, c problemas ,1 muiro CUSt"O idemifi-
C<lJO~ e aSSlUllidos ticam sem 0 Jcsdobraml.'mo que lhcs poJ<.Ti'l
corn.:,o;ponJc.:r 1 ... 1 Nat) sc tr.1!;,1 da. (t)llrlmliJo.1dc pcb (OmilluidaJc,
mas dJ constituit;:lo de: 11111campo lk prohlclll.l.'i R'ais, p.lni(ubn:s,
com insen;:5.o c dura')lo hisr()rica prclpri,1s, qlll: rccolha as t<Jr')JS em
pn.:sen)J c solicitc 0 passo :tdiamc.15
Como se acabou de vcr, I(,i assim com Machado de Assis, ao
qual nfio falrou "int(lIlna<;ao e abcrtura para a atualidade" e que,
entrctanto, soulx ''"n:tomarcriticu11CI1tC c cm larga cscala () tra-
balho dos predecessores, emendido nao como peso morto, mas
(omo c!cnlcnto dinamico e iITCSolvid(), subjaccnrc as cOl1o";;ldi'1Ocs
contemporancas", Ta.mbcm c cstc 0 caso, mais pr6ximo de n()s,
de Antonio Cmdido, como, aliis, recorda 0 mesmo Roberto
Schwarz. Desnecess,irio acrescentar que a idcia de FOl1na<;aore-
tira sua lor<;ajustameme da pertinacia na constinli<;fio do campo
de problemas reterido linhas acima, que sua indole caracteristica
se define pelo amidoto correndo na via contralia dos prcjui7Ds
causados pela mencionada prctcri<;fio do inlluxo imel110 - par,!
nos aterrnos ainda a terminologi'l especifica com que Roberto
Schwarz nomcou de vez csscs impasses advicos.
CAPiTULO DAS PROVIlJENCIAS
Se tudo isso c taro, eomo acrcwtamos, p<x.!erel11osdi7.cr
que 0 scmido da FOl11la<;ao,cxemplamleme estabclecido por
Antonio Candido, cspecilica-se em primeiro lugar numa serie
de providencias destinadas antes de tudo a ampliar a no<;ao
corrente de Critica. Mais exatamente, quem dispuscr de ele-
mentos para enumerar e coordenar tun conjunto significativo
34
PRovmi::l\'C1AS nr l Tf\.l CRITICO LITERARIO
dclas, estara em condi<;oesde tinalmente tetta<;ar a forma<;ao
da hW11Iariio, e rudo mais que dai segue no plano da organiza-
<;aoda cultllra num pais dependente. Nem de longe c 0 easo
do autor da presente aproxima<;ao.Como tambcm se trata aqui
de lml Mestre na periferia do capitalismo, com 0 qual precisa-
mos e queremos aprender, nao custa arriscar algumas observa-
<;6cs, no intuito de atinar com a natureza Illuito ben1 construl-
da de um atc hoje inigualado scxto sentido para tudo 0 que
respeita a ''t(lrma<;ao''de um intclecrual na atmosfera opressiva
do subdesenvolvimento, barreira alinal transposta na I"rma de
problema e ponto de vista.
Teoria pela porta dosJUndus
J;i topal110S, ald_s, (Onl um desses cuidados fornlativos
em ato, por ocasiao da virada de concep<;aoque deu origem
ao livro condusivo que est.l nos servindo de apoio e refcren-
cia. () call1inho cdtico que lcvava a hist6ria dos brasileiros no
seu desejo de ter uma literatura era 0 mesmo que permitia
contornar a Illania I11etodol6gica nacional - e a recep<;J.otor-
ta do livro contirl11ava 0 nosso l11undo lctrado dcsconforl11c,
onde ainda se t:,lava mais da maneira de bzer critica do que
proprianlentc se cuidava de faze-Ia. Rctroccdcndo a tcsc de
1945, () metodo cn'tico de Silvio Romero, rcencontrarcl11os 0 pri-
meiro grande exemplo da estratcgia tlmnativa discreta porcm
caleuladamente adotada desde entao. Fazia alguns anos que
Antonio Candido cxcrcia a atividade de critico, e nao so de
Iiteratura, primeiro na revista Clima, depois tambcm nos ro-
35
SU~TII)(} 1M h)R1-IA('\()
dapes SClll:lnais de dois jornais paulist,lllOS, 0 ra,~,"ioSl:gUlI1tC,
dado na t<lrma de lima tesc lIllivcrsidria, cmbora 0p0rtlIlU·
mente Kadcmico 11:1col1lposi.,-ao do ;trglll1lentll, procedia de
bto a lim primeiro bal'lIl.,-o da publicistica em curSll, apanhal1-
do-a pelo .1mbito mais gcral das rl'i,H/)CS entre (ontiguraij;l.o
cstcriCl c proccsso SO(i~ll.If)Acolllp,lniurclllos nuis lIllla vcz J.
li.,-aode Roberto SChW;lI-L:
em Itlg~\r(,.k dena(cr .1.1[rl,:rl\:ltiv.1,1bstr:ua cmn: os •...srudo., Lil'(l)Jl(O-
to (,.'dl' f<.rIlla, dirct;llllnm: nos (CnllOS da discuss.io l' d.l hihliografi'l
illtl'madon~\1 a rcspciro, Antonio Candido prd\:rc (olhcr (I prohkm;,
ll~lsua ki~.io [ocll, expost:, \lOS imp"ssl's J1)l,todo]()gicos dn pn:lkccs-
SOl', l)csTl' Clngu[o, ~,\'lTS;llJ ulli\'ers~llist;\ d'1 qucsr:i.o parl'(lTL1 acadc-
micl no m.1l1 semido, drixamlo Csclp.1r os (f)picos rrkv.llltcs, Sl'lllpre
lig,ld(l~ ,\ llm.l hisHki'1 p,uti(:ubr, I... j An insi ••rir lla rdl'\':\lKi.l dll
tr,lh.llho I.k Silvio Romnu, m,lS snll lhl' lks(:onhnTr tl .1sf":(:10 rc-
b.lIDarivo, Antonio C:.mdiJo 3.'iSlUlll'CO!110(fll1di\.ltl pnlpri.l, qlll' l:lllll-
pre fl.'(Ol1hnT!" e Sllp,,·!".l!',0 deSl'lJuilihlillI.: ;1 preorini:lde dl' (lOSS.l
hCf;,lllfi.lnlltUr,l!. P;\ra I.'S(,.TI.'\'lT ;1 n:speiro, 0 I.Tltico (k~(,.·ll\'(Jke tUll
•.'stilo lJlK' (omhilla ,1snil'dadl' l' () sensu ;\l11isroso do ridklllo, l'stilo
quc rl'g.is!ra l.: rccquilihr.l !lOS tcr!llOS dn'idos a i!llp()rd.n(i~\ que re!ll
para n{)s - nao 11;1 (fl!110 s~lltar pOl' sohn: ,\ pn'lpria sOlllhLl - <1
, . I I I j' . 17IlOSS;)tI )rilla~';lo ell wr.' le Clnl<IS;l.
Rc(onhc'!am()s ncssc apn)VCirall1Cllt() "n1<x.kn)()" d()s acer-
tos e desacertos da tradi~ao critica br",ilcir., l1uis luna providcl1-
cia !ormativ:I q"e viri:l dar igllalmentc' 1111111<1outr" il1iciativa
de mcsmo te()r~a saber, 0 projcro de lun (onjunto dc estudos
SOblT a crltic..:a liter"lria brasilcira, plancjado pOl' Antonio Can-
dido 110ambito da disciplil1a de tcoria litedria da L.:niversida-
de de Sao Paulo, lima Olltra hist()ria dos brasilciros cllitivados
de, 110seu desejo de ter lima critict litcdria, tamhcm contn-
36
PROnlll~:--.I(J:\S DE l".\1C1tiTl<:oLrn:Ri\RIO
buir pelra Icmnar a cultura nacional - e assim lOmo havia
lugar para 0 "suhstamivo e vulnedvel" Silvio ROl11cro,havcria
igllalmcJ1tl' para quantos "'jllstos c ingl-l1l1os" Nestor VItOI' sc
"pudessem apurar.
Vo!tando. 1\0 preceito Icmnativo segundo 0 qual se deve
come<;ar <:olhcndo lllll prohlenu na sua tCi<;;1olocal, est<idara-
meme pressuposta a convi<:<;aodl' quc se pode alcan<;<lra real
wliversellidade do problema em questao (pOl' isso mesmo sem-
pre detenninada) medi.lme 0 aprohllldamento das sugestl)eS
louis, que sao parte da evolu<;ao mundial do wnjunto. Como
se heide reeordar, mnvie<;ao pdti<:a da prosa nu<:hadi'Ula, apon-
tada por Antonio Candido e descnvo!vida em tcrmos pr()prios
por Robcno S<:hw.lrz, nos quais englobou 0 neso ICllmativo
de paninllarilLJde local e alcance geral articulado pdo autor
da Fonnnrno - kmbn..:mos, para rl'tomar mais tarde esse pon-
to capital, l11uito wnhccido e pouco esmdado (salvo pdo mes-
mo RobclTO Schwarz <.Jueesumos 'l(ompanhando), que D pro-
ccsso formativo em YllcstJ.O tc.)i cxposto tambcm (01110 lima
"sintese de tcndcncias universalistas e partilUlaristas". Convic-
<;ao na <.Jualse esprime por sua vcz 0 scntimcnto da .ullca<;a
do passo em l'llso <.Juep<lira sobrc todos, sentimcnto de impli-
<:a<;aoque vimos h" pouw Roocrto dest<lc<lrna hora nata da
sua primcir~l C Illuito indin:ra t{)I"lllUIa<;J.O (de acordo, aids,
com a urb<lnid<lde imelecrual do Autor) e cVDcado em mais de
um<l ocasi;1o pelo pn)prio Antonio Candido, para governo dos
mmpatriotas recalcitrames. Por exemp!o, quando em 1969,
diSllltindo as reb<;l)eS entre Iiteratura e subdesCllvolvimcnto,
rclembr.l 0 t:juanto a pcnltriJ. cultl1r~lIClr~lCtcrfstica do !lasso
37
SENTII)() )).'\ F()R.'vlAt.,:A()
"atr:lSo"nao t:1Z excc';llCSc dc Elto plllduz uma dchilidadc muito
mais pcnetramc e insidiosa do que pensam nossos 1ctrados
hem envernizados.
Estrcar '1;1Teoria cntr,lIldo pcb porta dos tllndos, revcn-
do, no casol 0 111ctodo crltico dl.: Sflvio Romero, contigurav~
emao um ato dc independCncia, um modo de reavaliar posi-
S6cs em contraponto com ~1prara da casa, c pnrtanto a manci-
ra mais produtiva de purgar a miragem que se viu, i1usaocom-
pensat6riado hra.sileimcl~tivadopOrCm"dcprimido pclos p,ltrios
prejufzos". Em SWlla, conlO nao h.i 111CS!nOcomo sal tar fXX
sobre a propria sombra, melhor come~ar estudando o.satrope-
los de lUn Brasil errado mas vivo (como Cruz O."ra se retcriu
certa vez a tigura desconjumada dc Tobi.ls Barreto) do que
bisonhamcnte rccxport~'" poctic<ls contcn::ionadas (om as so-
bras de uma culmra de enclave, alias, remontadas rcprisando
justamente 0 lado mais desfrudvel do velho critico, do qual
fazcmos POUCO simp1csmeme porquc cominuamos a suhstituir
urn decalque por outro. Podemos emao incluir nesse plano
das providcncias 1()11113tivasa not6ria avers50 de Amonio Can-
dido pcla Teoria, em particular pelo que no BrasiI passa por
rcoria, a rigor tudo 0 que C accss6rio em Iiteratura.1Y osso
Autor scm pre alcgou os acasosde um curso univcrsirario ain-
da scm grandes especializa~{)es,a ascendcncia de alguns pro-
lessores que puxavam um pouco para 0 ensaismo, ou pclo
Illt:nos nao 0 ccnsuravam, mais a primcira distribui<;ao de ra-
refas na revista Clima, sem falar no senso da assim chamada
realidade hra.sileira,despcrtJdo pclos modemista.s,apur.ldo pclas
exigcncias do dia a partir de 30 e educado peb nova disciplina
PK.()\'II)f::'-J(:JASDE ltM CRiTI(:O LITERARIO
n:prcscntada pda inicia~ao nas cicncias sociais propiciada pela
rcn'm-tlmdada Faculdadc dc Filosofia - farores que 0 teriam
contirmado de vez na v(">ca~_ao exdusiva de crltico. 0 que c
bto, scm, contudo, anubr 0 lado obliquamente polcmico da
mCl1cionadaalcrgia, uma ddibcrada quebra dc cnfase especu-
lativa, lima inequivoca mancira de dcnunciar em tom menor
tllll ccrto modo muito superlativo dc dar aparcncia monu-
mental a idCias inexistcntes. POl' isso, nunca tCIncu a tcoria,
ternia apenas 0 ridkulo local de confundi-Ia com rcsenha bib-
liografica (boa divulga~ao no melhor dos cas",) e a habitual
colcha de cita~ocs a csmo} no conjllnto, invollll1tariamcntc pa·
nldica. Ncssa mcsma Iinha I' born notar quc as cxposi"c}cs
osrcnsivamcntc "tcclricas"do Autor costumam ter cunho dida-
tin) ou aparentado, no quc tamocm COSllllnasa exemplar,
sobretudo I")()rprcvenir 0 impcto tcorizantc dos mais jovclls.
H,i scm dllvida convic~{)cscm jogo nisso tudo (com perdao
da lapalissada), porcm ditlceis dc explicitar, alem dc contigura-
rcm 0 teJpico basico (pela ncgativa) da plataforma de uma
gcra~ao, para nao t'llar em rn{)cs intrlnsccas quanto ao mo-
mento histclrico da (ot1vergcncia entre raciocfnio cstctico e teo-
ria soc;al no Brasil. Scja como tilr, nao sera dema;s n)nt;nuar
sublinhando 0 vies tormat;vo.
Un1 excl11plo. Quando a marc cstruntralisrd. intmdava 110S-
sos dcpartamentos dc ktras, Amonio Candido, como sempre
cm sala de aula, aprcscmava cordialmemc 0 novo melOdo, ao
lado dos dcmais, amigos c rCcCm-chcgadosa sercm testados,
dc ccrto modo dcsignando polidamcnrc 0 lugar quc lhc cabia
cntn: as especialidadcs academicas, ao passo que reservava J
39
SE;-\"f1I)() J);\ r(lR,\1At,:"\()
sO!ldagcm d~lcultura viv~\a rdkxJo ;.ll1«)!lOma Jo cllsaio criti-
co, do qual, pOl'prindpio, estariam banidas quest{)esde mcto-
do tratadas em separado. :-.Jaoque faltasse ,10 gcnero praticado
por Amonio Candido complcxidade teelriea, pdo comdrio,
porcm r3rall1Clltc vislvd a olho 1111,s31\'0 l1a cxcc<;JO l10dvcl
do ensaio sobre 0 Cortifo, didaticameme apresemado como
uma comribui~ao para 0 estuJo das medi'l~{X:Sna analise lite-
d.ria~ c com razao considerado pOl' 11111itos0 mOl11cnto Jllais
alto da "teoria" litedria no Brasil. Se jumannos a esse escriro
o estudo sobre 0 Sar/fCllto de 11Iilz'cias (cujos pressuposros t(j-
ram analisados por RoLxno Schwarz), dcpar;.\n.:mos a segllin~
te situa~ao da "teoria": mais uma vez colhiJa em sua t<:i~ao
local, a discussao C cOl1duzida em sllrdina, clilminando I1UIll
retraro original do Brasil. Segundo Roberto Schwarz, os dois
ensaios, de caso pcnsado ou nao, poJeri,ull SlTconsidlTados
m primeiros capitulos de uma his«iria da representa~ao da
rea!iJade na !iteratura brasilcira, tomanJo-se 0 telllpo J)l1rste!-
[Ullf! na acep~ao enriqueciJa que the deu Auerbach, isro C, no
semido de exp()si~ao,descoberta e apropria~ao, ao qual nosso
Autor teria acrescemado a ti.lJl~aoestrururador'l da limn a, pre-
scnte naruralnlcnte no ambito cia (ontigllra~.i.o artistic<l, cuja
generalidade se poderia, emretamo, ak,m~ar gr.l~asaqueb mes-
Illa estrurura~ao atuame no sistema das Illedia~<iessoeiais, tralll-
po!im paradoxal para a an,ilise imerna, na medida em que tais
mcdia\{)es pOJCIll SCI'trat<luas como sc t()SSCIll c<ltcgorias cx-
plicativas desemranhadas da pllipria obra. Observemos pol' tim
que cste cenario, no qual a "teOl;a"volta a lazer scnrido na nata
medida em que se consm',i 0 aleancegcra.lJa reba.ixadarealidade
40
br'tsilcira, obcdeeeria illleir.lIllmte J \'lgiea da FOl1lla<;ao,aco-
me<;ar pdo seu n~l<;Omais salimre, a fi!fIlYilfM pauhtina de
lUlUsoeiedade deprimida pda pr6pria im'lgem.
l-imnnfiio dn rotina
Ulna Dutra providc!lcia dccisi\'<1 ()(1(crnc a jiJ17nafao da
mrilla. Com este titulo Alllonio Candido consagrou-Ihe um
capitulo pril1loroso do livro, elll que rr~lta,nclc c tambcm !lOS
do;s seguil1tes, dos deitos duradouros, por lUllpcriodo 'lue sc
cstcndc lil' tins oos sC[cccntos atc a (ol1sagra\Jo da scnsibili-
dadc romantica, da accita<;:ioc consolida<;:ioda disciplina ard-
diea no gmto medio, em euja estera por CCITO sc degrada,
porem estabilizada eom t(·,lcgosutieiente para sobreviver sew-
10 af()f°a IlJO S(l no .1mbito t"sragnado dJ. sublitcrarura, mas na
subeonseicncia dos bons alltores, 'luc desli74~mpara a'lueh vala
«)mum scmprc que ,1 inspira<;:ioIhes t:llcee. Para nosso Autor,
tal t:1SC de csrabclc ...'cimcnto cia rorilla importa, sob \'arios as-
pectos, COlllOell' mCSlllO 0 diz, em "'sugcstiva dubicdadc'\ que
se pode igualmcllle resllmir nos seguintes termos: "vista lite-
r;lriamcntc, a t()I"nu'l:l.O de ullla rotin.l C lllll dcsccnso. No que:
intcrL"Ssa() conjlU1to do proccsso culnn"al, rodavia, cia rem m~ri-
(os", c () 1l1CIlOr tides n3.0 ti:)i ccrt3mCntc a constitui~3.o dos
'"priolciros Pllbli(os rCb'1.ILtrcsno pais c com c.-:ks um prilnciro
mOlllcnto organic(l dc vida litlT<lria''''!o. Nao c difkil, porranto,
,uinar com a principal raz:io do apre<;odc Antonio Candido
pOl' IllOlllcntos como cstc, cuja primcira lllanitCsta~;}odcv4.'>
mos <10periodo em questao. E que a consolida~ao da medik
nia que tal estabiliz<l<;aodo gmro mnsagra, os h'lbiros mentais
41
que nwn certo semido n~tiva e se tornam tradi~ao, tuem da
rorina um dos raros atalhos de que dispomos para alcan~ar
algo semelhame a organicidade da eultura, atc segunda ordem
urn ideal civilizatorio que um cora~ao bem poSto nao pode
desprez.,r.
Uma eompara~ao ajudar,i a medir 0 a\cance dessa valori-
za~ao da rorina, emendida como uma mediania de carater co-
letivo, providencial no sentido da t(ltI11a~ao.E possivel que tal
compreensao, moderna e esclarecida, da rotina the tenha sido
sugerida em parte pelo argumento soeiole\gico de Mas Weocr
aeerea da "rotiniza~ao" do carisma, ao t.JlIalse rdere de passa-
gem num balan~o das rcla~'->esentre culrura e sociedade no
decenio de 30, de wja atmosfera de !Crvor estctico-s,xial nos-
so Autor se considera produtll e agora reC<lpitulasob 0 signo
formativo da rorina ocm entendida, no seu aspccto de sociali-
za~ao do gosto e equipamentos eulrurais atins, co\ctiviza~ao
por eerto muito restrita numa sociedade tao dividida e espo-
liadora como a nOSSa.QlIem viveu nos anos 30, recorda An-
ronio Candido, sabe que eles representam "um eiso em torno
do t.JlIalgirou de cerro modo a clllrura brasileira, eatalisando
elementos dispcrselSpara dispb-Ios numa contigura~ao nova".
Roa parte desses elementos - "aspira~'-)es,inova~6es, pressen-
timentos" - toram liocrados no decen;o anterior pclo degelo
modernista. As novas condi~6es do pcriodo t.Juese abria sim-
bolieamente com 0 movimento de ourubro aeabarao normali-
7...1ndo, na accpS'ao sugcrida acima, 0 gosto modcrnista, antes
visto com descontiansa pcla maioria da opini'io. Reconhe~a-
mas entao nessa "rotiniza~ao" da wlrura moderna a fisiono-
mia familiar de um momento ">rmativo. 0 qlle havia antes de
42
PRO\,J])~:;:-.JClAS DE PM CRiTICO LiTERARIO
30, Fenomenos avulsos, manifcsta<;(leSaparentemente arbimi-
rias, desprovidas de necessidade real. Depois, 0 que parecia
"'t()lhamorta no torvelinho da nossa inditeren<;a",para voltar a
blar como Silvio Romero, a que era pensamento de poucos
I(li se convertendo em estado de espirito coletivo21 Onde ha-
via dispersao, achados decisivos e muita veleidade, it sombra
de uma reviravolta social muito desigual nos seus efeitos (qua-
sc nulos, lClnbra Antonio Candido, sc pcnsarmos no "povo
pobre", signiticativos, sc pcnsarmo$ nas camadas intermedia-
rias e nas chamadas elites, tendo-se em vista 0 estado de extre-
ma priva<;aocultural do pais), uma nova rotina vai aos poucos
integrando, unilicando. Aproveitemos para assinalar de passa-
gem a presen<;ada peculiaridade que distingue 0 raciocinio da
hmnarclo, tanto 0 livro quanto a concep<;ao da marcha das
idcias no Brasil, como apontado na introdu'$3.o do presente
estudo: evidentemente scm nenhuma ilusao quanta aa arranjo
olig,irquico em curso, servindo, contudo, de agente catalisador
nao program ado, Antonio Candido limita-se a anotar 0 novo
passo na dire<;aodo timcionamento da cultura moderna no
pais. Aeresce, todavia - para dar mais uma volta em nosso
problema -, que datam precisamente desse entrecruzamento
dos anos 30 os grandes ensaios de interpreta<;aodo caso brasi-
leiro que constituem a bmilia da obra c1issicado Autor.
Segundo escalao
Antcs dc prosseguir no rol das providcncias, convem no-
tar que uma rotina nao se I(Jrllla se nao I()r tocada pelo talento
medio. Dcvcr{amos, portanto, incluir ncstc capitulo a not6ria
43--
SE"'TII)() 1);\ f()R,\I.\l,:;\()
simpatia do Autor pelo scgundo CSC,l!;)O,simp'ltia cselarccida
na qual se rcvela 0 olho clinico para os mcandros dc L1I11eiclo
coletivo que nao sc cOlnplctaria scm () concurso decisivo dos
mcnorcs, dos enlldos dcscoloriJos, dos <:pigonos vacil~lntcs.
Salvo cngano, csrc 0 cspirito l:JllC pair'l n.1g;1!cri'l de pcqucnos
esrudos c retr:ltQs venjadcir~lmcnre l1ot;lvcis expostos ao longo
da Fonnnfiio. PaSS;ltllOSent5.o a rcconhecer as virtudes mc:dia-
nas de lim Evarisro cia Veiga, an I11CSll10tempo en1 que S01110S
polidamentc convidados a evitar 0 riso muim t,kil do modcr-
nista Aldmara Machado diantt' dc LUllGon~alVt's de l\tbgalhaes,
st:m dllvida modcstissimo rastilho qw.: sc tOmOll por lIm (0-
meta, kmbra 110SS0AlIt(>r~Illas que de Euo - c bom llaO
esque,'cr quando se cuida dc organiz'lr a cultura llLlm pais tao
mal-aeabado como 0 Brasil - "durantc pelo mt'llos dcz ,1IlOS
JOi a litcratura brasikira", Eis lima amostra dcsse cspirito da
FOnlla~aO, no fundo tamocm uma d1<lmada a ordem dc mes-
1110teor que a cstrcia na Tcori;l peln SCli l;ldo I1lJis dcsfi'ud\TI
c dcsconf<xtavc!mcntc pr(lxim() - Silvio Romero -, (()l1tra-
vcncno para govt:rno da aristocracia do nada dt:scrita mais tar-
de pOI' Paulo Emilio,
Higodc •.•\'l·lllT.ln:isl (~11x'I(lS,ll"rut11:1dos, t')(1I1(l~dc ,111)dc Durn,
l)(tSl' dc C~lTir/ll·io. Ilol1lcns lk ordl'll1 l' 1ll0l..kr.li);10, IllcdiJIlOS 11,1
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scm 4ua1qucr C\'l'llnl.l.l ant.lgol1i~m() pOl' P,Ull' dos mai~ \'dlms, 1)()1I-
cos c dI'Cllkntl'S, 0 sell pl;l1cip,11 n':lhalho foi ofici'l!iz'lr .1 rcti:ll'lll.l,
AmpJrJllc)S pl'l() InsrinJr() Hisfcll;l:(), illsr,\bd(~ n:t'\ m.'s 1\.'\'i~l.lSIllI'IKicl-
nada'\ I.Vitenii; Mincn'rl RrnsiiiLilJf; (;wmnllflnl], dlT'U11·lhl' \'isibilid;;\lk,
44
P/H )\'[DI-::'\"(:I.-\S DE l '.\1 CRITICO L1TERi\RJ()
~lpro\inUlldo-~l do pl'lbli«) r dos tigur{x's, <lOS qmis sr ~lltintl~lr~1Il1elll
lX'J1lJ1lont~llho.;diqUfS, nebs cSGldando ~lsua ObLl e ;l Sll~lpcssoa. Era
gr;llldr a (ol11ll1li(,hdr de illtlTesses elltre os br~lsilcir{)s(u]tos dc toda
idadc e ()ricllt~I';;lo,\nlr~ldos p~lr~l() progresso illtde(nJal (omo t<)Il1lade
lksll()hr~m1Clm) da Il1dqx'nd01Ki~l. Il()!"iss(), t(x.b pnx.ill';J.() dl) espirit()
cr;l lX'11l-vindac ~liHilJ(J11fl HrflsilinlJc pliblicl t<lllto ~ISpoesias de Dutra
e Melo qu~mto ~lSodes de Alvcs I-kl11((); ~l(()lhe 0 roema nl1lHlbr de
Cuhlso e lim imp;lg~i\'d ditir;unbo de Montezuma. Sobrc () tcrrCllO
(Ol1Hltll do llacioll;llisl11o, ;lbLI\"~l\'aJ1l-se~ISb()~IS\'olludcs.
Este 0 retrato da primeira gera<;ao IUmantica - Iinha m<'-
di.l da coabita<;ao brasilcira de Tempestade-e-Impeto de llnhas
aparadas c empcnho patri6tico em simbiose com a editica<;aodas bmilias. Contudo, sem a aplica~ao (om que os menores
entrolllzaram a refonna do gosto, nJ.o se roderia com preen-
dcr ° primciro grande exelllplo de rOlllantisnlo entre n6s, a
fUSJOde a."lsunto, cstilo c conccpl!ao dc vida realizada [X}rGon-
I!alvcs Dias. Entre os mineiros e 0 fOnlantlSIllO, 11111pequeno
excrcit() de escrit()res sccull<..tirios, rcprcscntando, todavia, ()
sell papel, onde 0 gosto amorn~ldo srrve de contrapeso a ma-
nifcsta<;()es que, cxtr.w'lSando 0 campo das belas-lctras, reve-
lam algllma ousadia, naquelcs momentos de transi<;ao e tran-
sal!Jo, no ,1mbito mais r111penhado do jornalismo c do cl1saio
politico-social. Dai 0 paradoxo mllito apreeiado pelo Autor de
Ul11afornla~ao e que \'Cm a ser 0 t:1to estranho de cssas '"'gera(i)-
cs csteticllnente ap;lgadas, rotineiras Ol1 vacilantcs, sercm as
mesmas 411r, no terreno po!ftico e CiClltitico~1110strar;_Ul1decisJo
e sellso atual da vida"." Nolltras palavras, em uis t:Jses de nor-
malizal!Jo dos passos isolados dos anteccssorcs sao rcqllcridos
outros mcritos\ raramente cncarados como tais, c do observador,
luna cerra brglleza de espirito ainda l1111itol11aisrara (C0I110csta-
4S
SENTll)() 1)1\fOR,\1N,:A()
mos compmvando pclo exemplo not"vcl da presente exce~ao),
para roder aquilatar 0 real signilicado de lUll Icn(,mcno bi-
liunte como este,0 da imprescindivclti)rma~aode lUlUrotina.
impeto planejador
Aceita a observa~ao, 0 corolario c igualmente hmiliar.
Sendo 0 pais aquilo que se sabe, e como nao h,:1cultura orga-
nizada scm rorina intelcctual planejada pelo tirodnio ocasional
dos maiores e a'5egurada pclo eslilr~o descompensado porcm
regular dos epigonos, cssa convcrgcncia nao poderi caminhar
no sentido da Forma~ao desejada se nao ti,r devidamente ca-
nalizada por instituif6es, alcm do mais inspiradas no similar
europeu, como nao poderia deixar de SCI' quando sc trata de
estabelecer modelos e instrumentos para lazer "funcionar" a
cultura entre n6s. Rdiro-me a uma OLltraprovidcncia liJrlllati-
va que Antonio Candido, como c sabido, nunca deixou de
tomar na hora apropriada e possivcl, a exemplo de Mario de
Andrade em sua lase didatico-construtiva, que em nosso Au-
tor tornou-se vezo permanente, mas nao predominante. Na
realidade, 0 exemplo vinha de longe, regularmente destacado
e encarecido pelo Autor, come~ando inclusive pela lembran~a
da oportwlidade hist6rica da literatura congregada dos pri-
meiros tempos coloniais. Mas nao sed preciso recuar tanto.
Novamente a baliza data dos anos 30 e da atitude mental que
se exprilnia no segundo tempo modernista, cuja rotiniza~ao
(no sentido indicado), alargando em movimento amplo 0 que
era surto vanguardista, traduzia uma "tentativa consciente de
arrancar a cultura dos grupos privilegiados para transliJrlll,'·la
46
rRo\'mf:~ClAS DE UM CRinco LITERA-RIO
em tator de humaniza~ao da malaria, atraves de institui~6es
planejadas".B Regra geral lcmbrada a prop6sito do Departa-
mento Municipal de Cultura, organizado por Mario de An-
drade. 10 nesses momentos que Antonio Candido tambem cos-
tuma pedir justi~a para alguns raros "feitos da burguesia", em
particular para certas institui~6es que a burguesia programou
mas que, arrastadas pela dinamica muito peculiar da vida bra-
sileira, acabararn t0I11andooutro rumo, frustrando a cxpcctati-
va original dos programadores, pr6ceres esdarecidos de um
tlutuante partido brasilciro da ordem: de sorte que, "vem a
oligarquia, vcrn a cultura cstrangcira dc encOinenda, crialn-se
as coisas com um ccrto intuito - c no entanto brota ao lado
uma plantinha incomoda que nao estava prevista"24 Teria sido
o caso - ,,') para lcmbrar -, ainda na esteira do ''impeto
planejador" dctlagrado em 30 (na expressao de Alfredo Bosi),
da tiJl1da~aode institutos de ensino superior como a Universi-
dade de Sao Paulo e a Escola de Sociologia e Politica, contem-
poraneos do mencionado Departamento de Cultura, e mais
adiante, ja no decenio de 40, 0 Teatro Brasilciro de Comedia.
Os exemplos sao do pn\prio Antonio Candido e vern a prop6-
sito do epis6dio Vera Cruz, dai 0 ambito paulista deles e a
colora~ao de epoca muito dctinida, a brecha por onde a oli-
garquia local inlaginava ir ao cncontro do cspirito do tempo,
renovado em 30 urn pouco a sua revelia. Na falta de culturas
paralelas consistentes, era a cultura que podia havel; construin-
do-se nos termos em que isso era possivel: em parte pelo me-
nos, essa a li~ao de Antonio Candido numa hora de balan,os
estimulados pelo dedinio do regime militar, em que na revi-
sao dos principais momentos de instala,ao da cultura moder-
47
SLNTll)()])A F()R~Ii\(,:A()
na no BrasIl era praxe desancar aqucles luxus europeus em
torno dos quais "se ahra~avam 'IS boas-vontades". (Nao custa
recordar que 0 momento era de hegemoni'l liberal: a esquerda
imaginava dar 0 troco traindo segreclos de [lI11ilia\ sugerindo
nas ~llian~as desfrudvcis de antigamente a \'Oc.l~ao autoritiria
dos novos liberais.) Voltando: uma li~ao scm del\'iLbcalibrada
para () instante, 0 que nao impede de inclui-Ia no rcpert6rio
das providcncias formativ<.L"i,ncstc caso, no capitulo da organi-
za~ao instirucional da cultura.
PROVIDENCIAS DE eM NEO-II.L::VlINIS·!.,\?
Era 0 que pensava Allredo Bosi nos idm de 70, rclcrin-
do-sc a ....cocrcncia axio16gica da bela, rica C COlllplcxa trajct()-
ria de Antonio Candido"." Como 0 juizo c ddstico e procura
a cOlltro\'crsia, convcm cid-Io pOl' extenso, acrcscido da cir-
cUllsrancia polcmica que talvez cxplique 0 elltilvoCO muito C0I11-
precnsivel. No limdo, providcncias tonudas por quem cOl1cebe
a cultura como
instnJmenro dl' m()dcrnil.'l~'i.o, de emp'1relhamellto do HL1SilCOIllos
centros iIT,ldi,ldores da civiliza~J.o (}cidl'lltal; ° \'alm a SCI',uingido,
ai, c a supera~;i.(l cllltllLll do subdese!l\'olvimellto, ,1 p,lssagclll dl'
crapas lllenrais atr3sad,ls, provincianas, quc se faLl mediante a Jiber-
dade de nprcssJ.o, () rigor ciemitico e () plalH..'jamellto mais razo,lvc\
d,lS i!lstitlli~()l's [... 1 0 progresso ad\'iria do e:\erclcio li\Te, lllais es-
crupu!oso, de llllU CulhlLl scm t!n11tCir,l, scm cores n,Kiolulisr,ls lli.'lll
S(llllhras t(lkl()ril.antes.
Hoje, a nova esquerda hrasilcira, convenida com mUlto
alarde aos imperativos da assim chamada Modernidade e ou-
48
PR()\"II )1:='( :I,\S DE l '.\1 (:RITI<I) LITER:\R «)
tms paradigm as (()rr~Lltos, d~l1tr~c1~sa IdCia pdtica d~ Hu-
manidadc, CllGUn3da pda norma culta curopci;l t' suas insti-
tuil./lCS, n;\o veria m,ll ncnhum naquda 61sa 3tribui'iJo - atc
porqu~, como s~ alega, !'0 111undomultipolar d~ hoj~, ond~
iuta d~ c1ass~s~ imp~rialis111ot~riam ticado para mis, 0 pm-
c~sso glooal d~ moderniza<;ao voltou a ser 0 principal Enor d~
de1110cr,niu<;ao,~ " AUfNii17l1l!f ~m ~scala planed ria, lun pm-
ino que sc rode confessar. H~lvintc _lnos, entrctanto, simpa-
ti;1S iluminisras, rcais ou apcnas de c:onvcnicncia, ainda caiam
111uito111alnos Ill~ios d~ ~squcrda, au lllc1hor, nos scrores de
ponta do Ixnsa111entoLk esquerda, 0 lIu111inis111otornara-se 0
alvo prdcrido da critic!, uma ~spcci~ de quinta-~sscncia do
n~tasto ondc ~\'id~nt~llleme cl0ia Lk tudo, d'l raz,io tecnoer.i-
tiLl j vonrad~ d~ n:rdaLIcLiaSvanguard'ls politicas, de Voltaire
J. midi." lia cutrllra IctraU;l dos vcno:dorcs ao crcs('imcnto ceo-
Il(;mico etc. Ess~0 <ingulode ataque de Alfi-cdoHosi, no caso,
j culn,r.l universidri.l d~ 5.10 Paulo, expr~ssao 'lCabada dos
"idcais ilustrados do hllmanismo pauJista", mito ()lig~lrqllicn-
liberal d~ redcn<;aonacional p~1a~s(()lariza"ao do po\'o brasi-
Ieim, f'lbllla"ao qu~ de r~sto nao era d~ ont~111n~111apan.igio
paulista, Aquek idear;o amiilu111;nistacorria 0 111undoem va-
rias \,crs{)cs, da contracultllra amcri('ana ao J.X}s-csrrururalismo
fi'anccs, Ncnhullla delas pareee ter COI1lovido0 eritico Alfredo
Bosi, quc, no Cllt311tO, panilhava 0 mcslno ditna dc opiniao,
alinhando com as assim chamadas cllituras de rcsisrcncia, ani-
madas pclos novos movim~ntos sociais c demais "vanguardas
cspirituais'\ gcralmcntc propcnsas .1 cncarar a modcrniza'iaoGlpitalista antes de rudo como um fcnomcno cultural de cad-
tel' prcdate')rio. Bosi apoiou-sc entao numa outra grande rete-
49
SENTI DO nA fORMA(AO
reneia de cpoea, Gramsci, rclido inrensamcnte na I£<iJia,rcdcs-
cobeno na Fran~a quanda cadueau a ecosura althusscriana, ~
por tabela, para variar, na Brasil, ond~ cicntista.s politicos d~
antiga tarma~ao marxista, por ~x~mplo, procuravam cncaixar
a crise do regime e a rcvisao do pcr1odo cOl11prccndidoentre a
R~volu~aa de 30 e 0 colapso do populisl11o~m 64 em no~ues
tais como ''bloco hist6rico'" ~'hcgclnonia",""socicdadccivir' etc,
enquanto outros deixavam-s~ ~mbalar pcla analogia enrr~ a
"revolu~aopassiva"nos maldes do Riso'l/immto (ou rn~srno nos
termas pr6ximos em qu~ s~ contigurara a "via prussiana") c a
nossa Revolu~o IIlltb'I.Jcsa,evidclllemel1teinrrou""hle. Quanro ao
nosso Cririco, rcvisando a trajcrc)riada intdigcncia univcrsid-
ria uspiana, c julgando encontrar, como dizia, no scu p<,ndor
cririco-liberal, urn cuidado cxccssivo, cstuuioso pOrC1l1 asscpti-
ca c bern pensa.mc, com a difusaa da eultllra lctrada, eellSu-
rou-Ihe 0 alhearnenta dclibcrado, a distancia em que scmpre
se manteve de um prujcw mais arnplo para 0 IIrasil, urn pro-
jew cntim vcrdadeiramentc "nacionaJ-popular" - outra no~ao
gra.msciana que dava a volta no pais naquclc dccenio d~ 70,
dividindo, alias, as opiniocs. Para rcsumir, digamos qu~ Bosi
contrapunha uma nova "ida ao pavo" ao cosmopalitismo qu~ a
Seu ver impregnava a culnu" uspiana, otU<;eadapdo dcscja de
integrar 0 pavo miuda, eomposto pdas camadas pobrcs ~ rUsti-
ea.s- que, no ent.lnta, aqueks scholal! sabia.mcsmdar tao bem
-, no "sistema raeiona! indusivo" da sociedade modern a, tara
do qual mdo c residua, atraso e areaismo.
Urn eontraponto familiar. E, s~ kmbrarrnos que durante
tUTI sceulo c1ebalizoll 0 debate russo atc as partas da revolu-
~ao, poder~rnos faeilment~ imaginar que nao nos livrar~mos
50
PRovmf::'-JCIASDEUMCRITICO LnEIV\RIO
tao cedo dessa oscila~ao caracterlstica da condi~ao intelccrual
na periferia da ordem capitalista internacional, ora procuran-
do a vinculo direto da empatia, no caso cOIn a cultura pre-
burguesa, mais particularmente com ados oprimidos deixados
para tras na corrida da moderniza~ao, ora sonhando com uma
ocidentaliza~ao acelerada do pais, de outro modo condenado
a insignitidncia. A esse prop6sito, uma observa~ao de passa-
gem dara a medida do desencontro: tendo encarecido lun dos
p()los da equa~ao, Bosi acabou perdendo de vista a verdadeiro
problema de Antonio Candido, tantas vezes enfatizado por
nosso Autor, justamente esse balan\o de localisn10 e COSI110-
politismo que nos momentos de equilibrio define etapas de
acumula~ao. E pelo visw a t'Jrtuna critica de Antonio Candi-
do t'U11bcmcontinuara oscilando entre esses dois extremos scm
perdao, ora acusado de nacionalista, ora de euroccntrico. Ain-
da ha mais neste capitulo. C.omo se nao bastasse deixar-se indu-
zir pela alergia de Gramsci ao cosmopolitismo dos intelecruais
italianos, ostcnsivo, c dcsdc entao por assim dizer heredirario,
a partir do alheamento caracteristico dos hwnanistas da Re-
nascen~a - ao qual Gramsci contrapunha a cariter popular
da Rd'lrlna protestante - Alfredo Bosi nao deu muita aten-
~ao ao faw de que, ao centrar em grande parte na Escola sua
profecia a respcito de unl novo scnso C0I11Um,Gramsci, nisto
tilho de uma velha e entorpecida sociedade de parocos, bacha-
rcis e mestres-esco!as, congregados a volta das velhas classes
proprietarias, nao $(') nao rompia, antes rdor~ava, a tradi~ao
do antigo socialismo ilustrado, muito contiante nos milagres
do saber, tradi~ao que por sua vez Antonio Candido reencon-
troll ainda viva, cstudando-a, porem, C0l11distal1te simpatia,
5\
SE:--:Tlll() 1).-\ f()R.\I:\(;:\()
no modo de ser soci.liisl;\de lmla Teresina Carini Rocchi. Com
pcrdao do atrevimellto, ali.is, duplo, scri.l 0 C1S0de nota •.que
ha um pouco de dr. Fernando de Azevedo no Gr.unsci organi-
zador da wltma. Ter.i, port.1I1W,a sua gr.l~·a"isar 0 primeiro
nos tcrmos do segundo para mclhor c:nqu'ldrar a desconcl'r-
t.lllte VOCI~.IO.lp.uelltemelltl· ilustrada de Anwnio Candido.
Pois nao c:r3Olltro 0 <11\'0da impacicl1cia "na('ional-popll-
l<1r"de AlliTdo Hosi em meados de 70, Cluena pessoa do org.l-
nizador do Inqucriro sobre a Insrru~ao Pllblica em Sao Paulo
divisou sobrerudo, nas suas mesn1c!Spalavras, as Ic)rmas en-
lcalltes da boa conscicllcia ilusrrada: cictllt.10plTsrigiado pela
oligarquia c intdigcJ1('ia rd<>rtnador3 dicicntc.:, no dr. fernan-
do de Azevedo comoinava-se 0 melhor do p'lssado com 0 me-
IhoT Jo prcscntc - que mais sc podcria descjar?10 1 l1l11pais
de 'Tlonnas pclo alto, a liga de melhori.\ moderna e conlcu'd-
vel perpetua~ao do nundo rradieional seria sempre oem-vin-
d.l. Scm pOr em dllvida essa rorina do pais de pasS<ldocoloni'll
e 0 correspondellte tClgomorto dOlmitologia dos sonhadores
ilusrrados, c nessas horas que Alltonio Candido costllma enca-
recer a oora pioneira de Fernando de Azevedo, par.l lcmorar
em seguida que revolu~ao educaciol1;)lS(') meSlno em Cuoa a
partir de 1959. Mais uma providcncia c'lraetnisrica, que a um
rClllpo cncaminha c despisr'l, ('01110 cstrc.u n:ssalv3ndo 0 me-
todo eririco do vulnedvel Silvio Romero.
Como nao estou di7.endo mda que AltiTdo Rosi nao sai-
ba C lTIuito mclhor do quc cu, tica no ar a curiosidadc: Icgiri-
mamellte insaristeira:se lcmorannos que Alltonio Candido nao
so passou a vida esmiu~ando 0 imago de nOS"1"ilusao ilusrra-
da", como chegou entim a datci-la, 11;)condi~ao de idcologi'l
52
da h" lJl1e dUIllOli de conscicncia al11ena do atraso, de onde
poderia provir a il11press;\o de que ao tilll e ao cabo reria sido
vttima oa miragc111 n:Jcntora cuja pn:scn~a rccorrcnte na his-
[(')ria dos progralllas de relllodel,I,;\O da inteligcncia brasileira
\Till sendo registrad'l pelo Illenos desde os remixlS de Sergio
Buarqul'i" Ali,is, sclllpre a plUp<'lsito daquele Illalentcndido de
epocl ,Kerca da co!wergcncia illl.str'ld'l de Ill(l\.krniza,ao e de-
1110CLllil, s~ri;)() C1SO de recordar l.lllC no I11CSlllO •.1110do jUlzo
(r(rico em qUCS(;10 c em tcrmos (uriosamcntc aparcnrados 110
que concerne l indole derradeira da organi7.1"\O da cultura
nUIll pais subdesenvolvido, Antonio Candido dava-sc ao luxo
de imaginal' lim Jocin!is1J1o pobrf que, base ado no "'prindpio da
igu'lldade na pohreza, a tilll de que todos p<'SS<11llse livrar da
l11iscri.l·~, to Icvando elll COlltaa '\1inlcllsao da natureza, as tra-
di\(K'S ntituLlis !ol'ais C Ilossas rcais perspectivas (ientiticas c
rccll()!()gicls", finallllclltc crraJiclssc () ti-cncsi U(> COIlSUIll(),
nele induidos todos os ,qat{qcts d,\ indllstria cultural, illlfxlSto
as ccol1omias rdk.\3s por cOIl\'cni~ll(ia do capiralismo cen-
tra!." UI11 projeto de rceducl,;\O' Selll du\'ida, porelll na {)r-
bita de Ullla sociedade igualit,iria CUj'l Illediania realista, mCa-
rando COIllsobriedade ,I heran,a colonial do '\ltr,lSO", flCnnitiri'l
cntim renov;}r0 vinculo indescard.vd (0111 a l1orn1a (ulta plantk
da peh 'lI1tig3 llletr!Jp<>lc. Ullla contlucncia apcn,ls imaginalh,
para Jcpois dl" ullla outra ·'t()rn1a~~\o~·.Ate hi, Illl.'smo sob pt"ll<l
do mal-eI1tendido, scria 0 GlSOde ir socializ;mdo os ainda eSGlS-
sos rccursos da cultura moderna acumulados a partir de 30 nas
P<)UGl'insrinli,'-x:s phnej,\d,lS peh boa conscicnci,\ ilustrada.
Volremos l querd,' "russ,l" que Ihe l\lOVeu Allil"do Bosi
num mOl1lcnto dc alt;\ li;}s (ulturas pohrcs l."t"1l1sintonia (om
53
SE:-':TIJ)O DA FOR .•.•ll\<,:Ao
o antiuniversalismo das dcrradeiras vanguardas europCias. De-
safinando ou nao, 0 faro e que 0 "naeional-popuJar"de Gramsci,
cuja arvore genealogica remontava ao lIarodnosz reinventado
pclo radicalismo russo dos oitocentos, gravitava na orbit.! dos
novos regionalism,>s e demais ideologias da infracomplcxida-
de. E mais, de novo na bcrlinda a sempiterna ob.'essao da
sitltnftio colonial, denomina~ao impr6pria ou nao, mas desig-
nando impasses objetivos. Assim scndo, no processo de amadu-
recimento descrito

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