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09 2/lEL Otilia Beatriz Fiori Arantes Paulo Eduardo Arantes SENTIDO DA FORMAGAo TRES ESTUDOS SaBRE ANTONIO CANDIDO GILDA DE MELLO E SOUZA E LUCIO COSTA ~ PAZ ETERRA o concciro de jornlflffio ja foi "uma verdadeira obsessao nacional" 1 como nos c explicado logo no inicio de a setltido da form"fao. Dos anos 30 aos 50, a sociedade brasilcira C Sllas csrrururas foram dissccadas em rcrmos hisr6rico-cconomicos, anrropo' 16gicos e csrericos por intelecruais que, cada qual a sua maneira, procuraram estabelcccr c dar scnrido a uma sirua,ao nacional perifcrica, dcslocada e, por isso mesmo, diferente. Assim, a FOn1Jflffio do Brflsil COIJtemporf;'Ieo (Caio Prado Jr.) pcla prime ira vel traljava em termos marxisras conscqiicntcs a csrrutura social legada pela coloniza~;io; a Fonnaflio cc01ltJmiCfldo Brasil (Cclso Furtado) explica os semidos do arraso c os impasses do subdesenvolvimen- to; a Fomtaftio do parro",rto politico brasile;- ro (Raymundo FaoTO) rcvcla os cstamentos nos quais se asscnravam nossas clites poliricas. Foi em 1959, alguns anos antes do golpc de 64 dar 0 ar de sua tcrrivel gra,a, que Antonio Candido trarou de reunir essa expcricncia inrclcctual aCllmulada nas ciencias sociais e no ensafsmo brasilciro (com a olho tambcm nas obras prcCllrsoras de Gilberto Freyre e Sergio Bllarque) publicando sua FomJnftio dfl /iteratura brnsi/eira, que rrazia para 0 campo da analise cultural aquclas mcsmas prcacupa- socs e inaugurava a tradisao critica a qual a livro de Otilia c Paulo Aranrcs rcram3 c invcstiga os prcssupostos. Dc AntOnio C~lJldido a RobertO Schwarz,J0111lflftio significou liln saIto nonivel na comprccnsao cultural c polftica do Brasil, enfatizando a ncccssidade de analisar como entre nos se da 0 processo de formalizaljao estcrica de uma cxperiencia historica detcrrninada. Foi dentro dessa nova tradiljao, conremporanca das conquis- tas cspeculativas ja dcvidarncnrc cstabiliza- das, do Modernisrno, da irnagcm subvcrsiva do Cinema Novo, do debate sobre os significados da abstra,ao nas artes plasticas SENTIDO DA FORMA<;:Ao IIIIIIU II 1010456722 OIEL B869.09 Ar14s Oolia Beatriz Fiori Arantes Paulo Eduardo Arantes SENTIDO DA FORMAGAO TRES ESTUDOS SaBRE ANTONIO CA DIDO, GILDA DE MELLO E SOUZA E LUCIO COSTA ffi PAZE TERRA (>O,ilia lk,uriz Fiori Arant\.':- l>rMJ/{Iio (;rrijicn: Karia HJlhc DillKrtlIIIO((/u: Adm (:ristill:l f\.lanins (jarf.:ia ("P": Chico llnt.:S Dadns In(~rn:.KilHlais de (::lta101!.:.u.:Jcln:11)t1hlie:l~Ju « :11) (Camara Hrusikira do I..i\'ro, Sl~ Hrasil) Arantcs. Otilia R~:ltriz Fiori S~ntid(l da fOfm;J.\=ao: tres cstudos s(Jhr~ Antonio C~lndido, Gilda dt:: I'vlcl 10 t: Souza e I .Lll:io (;fJSra Rio de Janeiro: Paz c 'lerra, 1997. ISBN Ho-219-lI274-.1 1.Cfindido.Antonio. IlJl~- 2. Stili;'..:.!. Gilda lic f"kllu c, 191<)- .l. Co~[a,Llll:io, 1902-. I. Arantcs. Paulo Edu:mJo II. Titulu 97-1114 CDD-869.909 CDU-RI>9.0(81 ).(~) 00;'545 EDITORA PAZ E TERRA SA Rua do Thullfo, 177 01212-01 () - S~O PJulo-SI) ·kl.: (lI11) 22.1-6022 Rua Dias Ferreira n." 417 - l.nj:1 P:1TtC 22431-0:'{) - Rio de Janc::iro-R.l ·kl.: (lIZ1) 2S'J-H'!46 1997 Imprcsso no Brasil J Printer! ill Ilmzil SUMARIO PROVIDENCIAS DE UM CRiTICO LITERARIO NA PERIFERIA DO CAPITALISMO Pattlo F,dttardo A ra>ltes 7 MODA CAIPIRA Otilia Bcaniz Fio";Armltn e Paulo F,duardo Arantes 67 LUCIO COSTA E A "BOA CAUSA" DA ARQUITETURA MODERNA Otilia Beauiz Fiori A rames 113 Paulo Eduardo Arantes PROVIDENCIAS DE UM CRITICO LITEMRlO NA PERlFERlA DO CAPITALISMO f;Jltao, an Sf'lltt'St', () tana i estc: quais as pn!J'idlucias que torna urn cscrittw JIll perifbia do capitalismo, nurn IU...CfaradJJerso, d£J7fl1tJos,plJra Sf tornar U11Iromanrlsta de' meJma import/illcia que os rnaiores de' Se'Utempo. Roberto Scbwarz, cntn:\'ista ao JORKA!. j)O BRASIL, 17/6/1989 Salvo em ca,os flagrantes de auto-engano dcliberado, todo intclectual brasilciro minimamente atento as singularida- des de wn quadro social que Ihe rouba 0 f6lego especulativo sabe 0 quanto pesa a au,encia de linhas evolutivas mais ou menos continuas a que se costuma dar 0 nome de ftnlUlftW. I Que se trata de verdadeira obsessao nacional da testemunho a insistente recorrencia do termo nos prillcipais titulos da en- saistica de explicaC;aodo caso brasileiro: fiJrllUlftWdo Brasil con- tempordneo; Fonnafiio politica do Brasil; FontlllftW economic« do Brllsil; F,mllllfiio do patrol/lito politico brasileiro etc. - sem <:on- tar que a mesma palavra emblematica designa igualmente 0 assunto real dos c1i"icos que nao a rrazcm enfutizada no tiruJo, como Casa-grande e senzala e Raizes do Brasil. Tamanha proli- teraC;aode expressoes, titulos e subtitulos aparentados' nao se pode deixar de encarar como a cifra de wna experiencia inte- lecrual basica, em Iinhas gerais mais ou menos a seguinte: na forma de grandes esquemas interpretativos em que se regis- tram telldencias reais na sociedade, tendellcias as voltas, nao - II SENi'lI)() 1M FORMM,:AO obstante, com lima especie de atrotia congenita 'l"e teima em abort<l-las, apanhava-se na'll1c1e corpus de ensaios sobrenldo 0 prop<'lsiro colerivo de dorar 0 meio gelatinoso de lima ossam- ra modeflla 'l"e Ihe sustentasse a evolu~ao. No~ao a lllll tem- po dcscritiva c normativa, comprccndc-sc alem do mais que 0 horizonte descortinado pela ideia de t(lrma~ao corresse na di- re"ao do ideal ellropell de civiliza~ao rclarivamenre integrada - ponto de tilga de todo espiriro brasileil1l bem t(lrmado. Quando em 1959 Amonio Candido tinalmente publicou a Formafiio da literarttra brasilcira - cuja conce~ao original remonta a segunda merade dos anos 40 -, n,io hOllve dClvi- das 'll1<\nto ao Illgar 'l"e lhe cabia IU esrame, exataJl1ente ao lado das obras classicas de Gilberto Prevre, Sergio HlI'lrque de Holanda e Caio Pr'ldo Jr., como ainda n:cenremenre recordoll Roberto Schwarz: a maneira daqucles mestres do ensaio de imerprera<;ao do Hrasil, que hav;,ull repassado a genese de nos- sos irregulares pad roes de sociabilidade e vida economica, An- tonio Candido, identiticando dinamismos especiticos da vida eultllral brasilcira, expunha a consritui~ao de lima tradi~ao li- tc[(tria nacional rclarivanlcntc esravd. ~ Cabcria entao rever as implica<;6es daqucle esrudo verdadeiramenre tillldador a luz do seu tra~o tisionomico mais saliente e original, uma cerra idCia de forma~ao, por assim dizer, rranscorrida em tamilia. Ao reconstituir a '~list6ria dos brasilciros no sell desejo de rer uma lirerarura", adorando, alias, com mal disEJ.r~ada porem nem scm pre bem compreendida ironia, 0 pontO de vista dos nossos primeiros romanticos, "vclha COnCe~a() cheia de e'll1i- vocos", que mcsmo assim aehara interessante experimentar, An- 12 PRO\'lIlI-:NClA!'i DE l'.\t CRiTIU) LITEMRIO tonio Candido parecia scm dllvida se alinhar ~ por historia imerposta de um desejo que de fato existiu - com essa aspi- ras.1.o coletiva de c()llstru~a() nacional. 0)111 unla ditcrcn<;acru- cial, ligeira dissonancia a ser resolvida, para a qual 0 mesmo Roocrro Schwarz me chamou a aten<;ao celta vcz. Se cmendi bcm, tonnularia 0 problema como segue. Ocorre que, tendo se restringido a t<:lrma<;aodc um siste- ma cultural que se mmpletara ji no seculo passado, com a entrada em cena de Machado de Assis, 0 au tor da FonnflfiU1 dfl litcrntltrn bmsileirn nao precisou associar a t<:)I1:unado juizo crftim accrca daquda Iinha evolmiva ao SlKCSSO hist<irico das cxpcct,uivas sociais que scm pre acompanharam a.",anatomia.'" dissicas da malt<:ll"l11a<;aobrasilcira. Tirame 0 modernismo retro- verso do primeim Giloclto Freyre, de costas para 0 hori7..0nte pr6xinlo do pais real, saoc-se quc t:lis progn6sticos tavor3\'cis falharam em roda Iinha: ao inves dc cxtirpi-Ia, a moderniza<;ao do pais agravou ainda nuis a dcpcndcncia herdada do comple- xo colonial. ~uma pabvra~ 0 Brasil nao dent cefto, ia mesilla muiro mal, por6n scm mmpromcter a Fonnafiio dc Antonio Candido, pois n0550 sistema literirio nao so se formara mmo ,1£efuneionavarazoavdmcntc ocm. Vanragcns dc uma dimen- sao que goza de rdativa independeneia' Scm duvida, e por isso mesmo pais errado c culrura viva podcm ate ccrro pOnto convivcr scm danos mllt110Sirrcpanivcis. Mas a dllvida rctorna quando notamos quc a realiza<;ao do descjo dos brasileiros dc ter lima literatura, caso csra nao SC resuma a mais lim melho- ramenro da vida modcrna, em principio nao poderia dispensar inteirameme 0 desenlace positivo do pnxcsso material de for- ma<;ao nacional, a que bem Oll mal atrdara seu destino - 13 SEt-:TII)O 1M FORMA<.:A() scndo pol' ceno obvia para Antonio Candido a cominuidade social do vinculo das Ictras, estreitado pda progressiva anicu- la\Caodo sistema. Se nao for presumir demais, 0 Smtido da Fonnilfiio - obra, ideal e n6 soeial objetivo - emergira em grande parte desse balan\o. DESCONHECEMOS 0 SILOGISMO OCIDENTAL Falta-lJos um uno apnmw. IOn certo metodo de espirito, uma urta lOgica. Descrmhecemos {)siwflimw ocidental / ... / As melbores idiias, por [alta de raZiUJ e seguimento, ftcam paralisadas em IJOSSOScirtbros. Tchadaaev, CARTA FILOS()F!CA, 1836. Vern de longe esse semimemo acabrunhad()r da posi\ao em falso de rudo 0 que concerne a culrura brasilcira, a bem dizer tem a idade de nossa vida mental e com cia se confunde - bern eomo as metanlor!C)sesdo desejo sempre renovado de corrigi-la mediante alguma sublima\ao descalibrada. Mas nao sera preciso remontar a dupla fidelidade dos arcades - nao pol' acaso identiticada e estudada pOI' Antonio Candido -, nem reterir a instabilidade de Nabuco - semil1lemo brasilci- ro, imagina\ao europt'ia -, que, ao ammciarern a "diall'rica rarefeita entre 0 nao-ser e a ser-outro" na qual Pal~OEmilio reconheeera a 16gica inteliz da "penosa consrru\ao de n6s mes- mos", atestam pelo menos a permancncia variada da sensa\ao de vida imclecrual prcjudicada, no caso, justamcnre pcla au- sencia da for\a formativa que the assegure alguma tibra diante das ineviciveis tlurua\Ocs do mal!adado intluxo externo, atc segunda ordem, predominante. 14 PROVIDENCIAS HE UM CRtnco LITERARIO Basta rccuar atc 0 decenio de 70 do secuJo passado, quan- do a famoso "banda de ideias novas" se abateu sabre a pais, prometendo reden~io social a golpes de espirito cientffico ins- tantaneo, para encontrar precisamente no aceleradissimo Sil- vio Romero - sempre com a novissima gera~io - 0 primei- ro registro por extenso do nosso problema, tingido e ceno pclo destempero caracteristico do eritico. Assim, nurn trecho de 1878, ressalta com nitidez 0 ideal de torma~io enquanto vida cultural eoletivanlente encadeada, mas sobre 0 tUndo fal- so de urna inversio final de pcrspectivas. Na hismri~ldo de:senvolvimemo cspititual do Rrasil h<i uma lacuna a considc:rar: a faIn de: sctiat;ao nas idcias, a all';cncia de lima gClletica. Pur OlltfOS tcnnos: wn autor nao procedc de uutro; wn sistc::ma nao e consequen..:;i;.\ de algurn que 0 precedeu. E uma verda- de afinnar que !laO temOS rradi<;6cs inrekcruais no rigoroso sentido. a hisn')na cspirirual das na~r>cs eulras cada tCnomeno de haje e urn wtimo do de uma eadeia~a c"olm;ao C uma lei l...]Neste pais, ao coordoo, os feoc)menos mcnrais segucm Dutra marcha; 0 esp(riro nao esti ainda criado C Inuito menos 0 espiriro cienrltico. A leintra de lUll escritor estrangciro, a prcdilc~ao por urn livro de fora vern decidir da naturt:'ZJ. d:ls opiniOcs de um auror enrrc n65.4 A nota picante esta na vclocidade com que 0 proprio autor dessas linhas clarividentes expcrimentou todas as esco- las, desbancando hoje a doutrina venerada na vespera. Sendo extranacional a tonte onde se nutriam - prosseguia Silvio Romero -, nenhum la~o prende as autores uns aos outros, talvez nem mesmo se conhe~am e por certo, assim como as cogita~6es isoladas de cada urn nio descendem urnas das Oll- tras, nenhurn aproveita do antecessor. Sio anomalias do espf- 15 SE~TIJ)() IlA FOKMA<.) •.O rito naciona! rcccnseadas apena' para melhor encart'Cer a condi- ,ao excepeional de um Tobias Barreto, "liI6soI0" entre ourras tantas velcidades exercidas com talcnto e despropasim, mas nem por isso dcixavam de compor um quadro mais amplo dos constrangimentos que dcprimiam 0 homcm culm, I(lr<;osa C ambiguamentc solidario dos "povos sistcmaticamcnte atra.sados, como 0 nosso". Destc lado do mundo, curiosidades inteltoCmais avulsas, scm passado ncm futuro, do olltro, :1"continlla~ao progressiva" que plasma uma tradi<;ao: sendo alcma a mania do moment'), na IntlSica Silvio Icmbrava que Haydn, Mozart c Recthoven sllccdiam·sc por I1c(cssidadc do dcscnvolvimcl1to da arte de compor, assim como no plano da evolu<;ao lilosoli- ca Fichte saira de Kant como Hegel de Schelling etc. Porcm, it boa obsclva<;ao seguia () inevitivel disparate. N'lda disso con- ligurava lUll prcjuizo, ,lntcs uma vantagem. Mas nao lim gol- pe de vista novo propiciado por alguma reviravolta do desen- volvimemo desigual que nos atribu'ra wn lugar de segunda c1asse na ordem Illoderna, Inas uma bem-vinda exce<;ao a "lei da a<;aodo meio social", quc no caso era atrasado e sulixante: atropclada a tradi<;ao loca!, tolhida na sua lonna<;ao, os "esp'- ritos vivazes" das na<;[)es toscas e preteridas pelo esp'rito do mundo, nao se sabe como dando as costas para os "p,itrios prejuizos" que os oprimiam, poderiam cnfim "a1<;ara li'onte acima do amesquinhamemo geral", deixando-se entaO arreba- tar pdo cosmopolitis1llo contcmpora,nco. Porranto, tun Ingar ao sol para si mesmo e para Tobias Barreto. Assegurado, no emamo, as avcssa5, anulando 0 vislllll1bre do pmblcma da mal- lorma,ao nacional: ao invCs da desejada organiza<;ao do inllu- 16 - PI{()\'ln~.N(·IAS IJE l'.\1 CRiTl<n L1TER..ARI() xo imerno, penhor de autonomia memal, a fuga para a frente, o prop6siro descabido de emancipar-se "sob a rurela" das no- vas idCiJ.s,cntrct,ulto rcvogadas ncm hem dCllcmbarcadas. Acres- cc que, a consciencia confusa c intcrnlitcntc do n0550 mal su- perior, Silvio Romero ramocm juntOlI a percep<;ao de qlle a talra de "seria<;ao nas id<'i,}s"- nourras palavras, a ,nlScncia de vida culrural organica - devia-se de taro a uma eSpCcie de inditCrencia<;ao social de fundo. Assim como aind,} nao havia- mos conseguido Jimnar Igriti) melll lim povo devidameme organizado ", a.ssim como nos blrava 0 "encadeamemo das clas- ses''':>as cogita\()cs de nossos ....csptritos vivazcs" acabavam sc rornando apenas "tillhas perdidas no rorvelinho de nossa indi- teren<;a" - sendo "inditeren<;a ", Oll "inditCremismo", LUnaou- rra expressao de epoca para designar a sindrome em quesrao, para a qual se buscaV<lremedio no ideal cumuJarivo de torma- <;ao, till-ma<;ao a lim rempo memal e social. Quem comribuis- se para ordenar a primeira ramocm ajudava na consrru<;ao da segunda. Essa a 6prica - nao c diffcil adivinhar -, alias, pe- dida pc10 objeto, "imagem nervosa do pais", da jusri<;a que Antonio Candido tad aos graves erros de julgamemo liredrio comeridos por Silvio Romero: "e1e rinha a descontian<;a per- manente dos que s6 aceitam a palavra lireraria quando jusrifi- cada por um cmpenho etico, rcligioso, polirico ou distar<;ado de outra coisa: cicncia, filosotia, s<>ciologia. Mas quem sabc isso toi are cetto ponto condi<;ao para ele compreender taO octn a litcratura como faro sociJ.1 c, no caso brasileiro, 0 SUI papel ua fmlUlfiio da amsciillcia do pais?" (griti) meu)6 Em suma, nLUnambiente social "amoli() e dissolvido", para falar como 0 17 - SENTII)() I)A FORMA<,:A() Tobias Barreto do Viscw"So em 1I1a1Was de camisa, mdo conspi- rava para 0 desinimo dos espiritos, uma especie de enerva- mento rcssentido por tados, lll11convite ao vdeitarismo, it deriva da curiosidade bmxuleante, tao deslibrada quanto era ''mole, ex- ccssivanlcnrc pli<.;ticac ductiP' a materia de urn corpo sociJ.] desconl()rme. A ausencia da I(>nna<;ao,de que tanto careda- mos, de lato roubava-nos 0 tolego em todos os scnndos, inclusive no mais drisnco ddcs, assinaladopclo mesmo Silvio Romen>:"0 rrabalhointek-allalno Brasile ummartirio: por issopollen produ- zimos: cedo nos laJ1S3JTIOS,cnvelhcccm()S c morrcm()S dcpressa".7 Quando os modernisms redescobriram 0 Brasil, passada a liberrinagem do mWldo scm culpa, da barafllnda nacional tCstejada,rcencontraram exposta a mesma tramra. Recem-inau- gurado 0 decenio construt;vo de 30, Mario de Andrade logo atinava com 0 nome pclo qual atenderia 0 problema nos cli,- sicos pllblicados a parrir de entao. ''Nossa I(lrma<;aonacional nao c natural, Ilao e C:SpolltJ.I1Ca,nao c1 por assinl dlzer, lugi- ca", escrevia em 1931.g Eramos Wlla tal "imundfcie de con- trastes" que os Icn6menos culturais, de tao desencontrados, proibiam qualquer sintese interpretativa, pois nada Ihe corres- pondia na vida real do espirito, ainda desconjwltada. Dai as prOPide1lCias que passaria a tomar - sendo 0 nosso problema lll11problema de t(lrma<;ao -, no semido colctivo do "alto nivclamento artesanal" da intdigcncia brasilcira em processo de atualiza<;aoacclerada. Balan<;<lSde cpoca, poemas meditati- vos, program as de estudos ou institui<;oesculturais bem pla- nejadas, tlldo convergia, solicitado por uma "Ionna<;ao"ainda mal resolvida, como parecia demonstrar 0 recome<;omoder- 18 ----- PR()VlDf:l'\(:II\S DE U:\1 CRtlUX) LrrERARIO nixta df/, capO. Entroncando na tradi~ao ensaistica c1i~sica,An- tonio Candido nao so respondia a wn problema que de faro existira, como tambern poderia ajudar a desatar wn no histo- rico que aind~lnao sc dcstizcra. QUESTAo DE METODO Quando em 1989 a l-imnilfiU! df/, literat"m brasileira com- pictou rrinta anox, lUll gmpo de ex-allUlose antigos assisten- res, aos quais se iuntaram alguns admiradores avulsos daquela obra c1assica,rewliu-se na Universidade de Campinas para ou- vir Antonio Candido reconsrituir, a pedidos, as circunsrincias que 0 levaram a concep~ao original do Iivro. Cont'Jnlle ja !em- brara no "Prdacio" da primeira edi~ao, 0 livreiro e editor Jose de Barros Marrins lhe encomcndara uma "histona da lireraru- ra brasilcira, das origens am nossos dias, em do;s vollU1les breves, entre a divuJga~;io scria e 0 compendio", mas acaboll rcccbendo, com dez anos de atraso, aperms 0 estudo de dois periodos, "crdade que decisivos e apresemados em estreita so- lidariedade, .1 Arddia e 0 romamismo. Para uma histona ge- ral, COnlC-S<lVal11uito tarde c tcrminava ccdo dCIllaiS - c, de tato, ate hoie desconccrta muito Icitor de boa-Ii:"scm faJar na confusa teitllosia de um Oll Dutro tc6rico nlais pro!ixo. Em lugar do panorama esperado, ax etapas da fimnafiW de wn siste- ma literario no Brasil, perconidas, cnrreranro, atrav6 do exame cxclllsivo das obras. Estava arm'ldo urn quadro inrerpretativo inediro, cuio entrcla~amcnto singular de perspeetiva historica e jlliw critico dirigiria oS paxsos de wna gera~ao (pot enqllan- 19 SE:-.ITII)(l Il/\ H)R~t"c,::\() to). Ficara no ar, todavia, a Icgirima curiosidade pelas raZ(leS que ditaram tamanha altera~ao no plano inicial do livro, atinal responsavel par uma radical mudan~a de rumo nos estudos litedrios brasileiros. Comoll emao Amonio Candido que a idcia de cscrcvcr uma ForuUlfao s6 Ihe o(orrcu dcpois de lUll bom tempo de muira anota~ao sem destino ceno. Discreta- mente insatisfcito con) 0 dcstcillpero dos antel'cssorcs, mcsmo os mais ilustrcs, que ameplU1hama rcsl'llhas hist"ricas conven- cionais inmxill~6es metodologiGl~ mirabolanrcs, ainda nao sa- bia bem 0 quc por no lugar. Como lidar com a literarura bra- sileira - '"galho sccum ..H.rio da JXlrtugucs,l, por sua vez arbusto dc segunda ordem no jardim das Musas..." - de uma maneira quc satistizcssl' intciramcntc os rcquisitos de uma vi- sao hist6rica e os requisitos de lima ViS30cstctica, (.k'scartada a saida Eicil porcm equivocada de lima serie de estudos criticos sem vinculo hisrorico estrururador? Decidida a virada do livro - quc nao seria mais uma hist6,;a da lirt'ramra brasileira, nem mesmo it maneira esquema rica insupcdvcl de um Thi- bauder -, passam-se os anos scm que Amonio Candido arine com a chave do quebra-cabe~a que est,tva monrando. A cerra alrura - "nao me lembro bem quando nem como" - chegou cntim a conclusao de que lim critcrio intercssante seria acoln- panhar a articula~ao das obras e dos escritores, um campo hisn\rico de intlucncias anistiGlS cruzadas, ao longo do qual se podcria disccrnir a continuidadc de Ulll.l traJi~a(). A sell vcr dera linalmente com a idCiate"rira ti.111damcnraldo livro, a de Sistema Literario, que exporia na "Inrrodu~:io", prudememen- te apresemada como displ'lls'\vcl, remendo wm razao a con- 20 troversia arrevesada e bel11brasikira do tipo doutrina-col1tra- doutrina, guando .1 !(lr~a diSCI"etado metoda deveria irradiar apcnas na analise lias obra.\i em sell cll(:adcamento historico. o dcpoimcnto (OlllClllorativo trouxera a baila uln pu- nhado de epislldios signi!ieativos rdacionados eom os tateios do ensaisca estudioso do Brasil a prowra de um ponto de vista. Passando adiame no balan~o de comribui~oes e omiss{)es, depois de lastinur 0 titulo infdiz que despistava 0 kitor, An- tonio Candido .Kabaria, no emanto, deixando passar sem co- l11entarios,quem sabe pm julga-Io decorrcncia natural do que disscra a respeito da no~ao de Sistema Literario, 0 pomo cru- cial daguela ,"irada fundadora, a aprop,.iafiio origillal pelo mcio- eilli" liteni,'-v da idiia de fV17Ill!frU1. isso, pelo menos, 0 titulo do livro era cxato. J\1CSIllO assim nao (ogitou de passar a or- dern do dia, no caso, aos momcntos dc..:isivos da f<'Jrm3.;ao da hm"l!frUl. Prekriu, ao wntdrio, transt(ltIna-la nUl11aquestao de mctodo, 0 que nao deisa de scr um achado, alCmdo mais igualmente despistador. Ao distinh'l.liremre 11lalliftstafiies literan'as avulsas- a eifra lllesma da tenuidade brasilcira - e litemtum propriamente dita, e'lCarada no livro como lUllsistema de obras ligadas por denominadores comuns que ["zel11de"l um aspecto organico da civiliz<l\ao, lInl taro de cultura que n5.o surge pronto c ;)c<\- bado, antes Sl.' contigura ao !ongo de um proccsso cl-JltlulatiiJo de arricula~ao COIll.1 sociedade e adensamemo arristico, ao rever nesses tennos a constitui~'lo de uma cominuidade literaria no Brasil, Antonio Candido dava en!im !(}rma metOdica ao con- telldo basico da expericncia intdectuaJ brasileira. Mais exata- 21 SEl'TI!)() Dt\ F()R~tA<,:A() mente, pondo em evidencia elementos da assim chamada lilr- ma~ao nacional, quc alimentavam as escolhas esn'ticas dos es- crirores, acaban desentranhando do law bruw, a que se resu- mia a referida lorma~ao nacional, 0 fio conduror de uma outra linin de I,)r~a I"rmativa, vir-a-ser de um sistema cultural que na sua trajet"ria ia aos poucos convenendo sunos desgar- rados em vida literaria ctctiva. 0 livro dava tambcm lim Olltro passo adiame, como a seu tempo veremos: aquda historia dc forma~ao, que refundia de alto a baixo a interpreta~ao de nos- so passado literario, incorporava-sc em tennos atuais a um processo imdecrual lilfmativo de multiplas dimens"es (do teatro ao cinema, passando peia teoria soLial- para dar uma idCiade sua abrangencia), ao qual deu enfim lilfmula~ao defi- nitiva, scm dllvida por mcriro pr"prio do Autor que primeiro compreendeu 0 significado do lugar cemral ocupado pela lite- ratura na reconstru~ao mental do pais. Nolltros termos, cui- dando aperlas de literatura, Antonio Candido deu com a equa- ~ao geral do problema da fimnllfiio, um apenas que enrre n(ls, duranre muiro tempo, li,i rudo, ilustrando alcm do mais com materia local0 vinculo modemo enOl:Formasao e Represenra~ao literariada rcalidade. UM PRECURSOR Se ainda fosse necessario comprovar 0 modo relo qual Antonio Candido extraiu 0 principio da Forma~ao do movi- mento mesmo do seu material, reordenando os dados da ex- pericncia brasileira, um unico excmplo bastaria, provenicnre, 22 PIU)vll)~:/'«:lAS HE llt.-1 CRiTIc<) LlTF.RARIO alias, da mesma constcla~ao em que vimos exposta por Silvio Romero a aspira<;ao nacional por uma vida intelectual organi- l.ada: nos termos da reconstitui~ao empreendida por nosso Auror, a "vontadede fazer litcratura brasilcira", definida por Ulna "continuidade ininterrupta de obras e autorcs, cientes quao;e scm pre de integra rem lun processo de ti>rma<;aolitedria". Na virada do scculo, pode-se dizer que Josc Verissimo, batendo na mesma tecla - nao sc podera falar de literatura brasilcira na ausencia de um sistema vivo de obras, autores e pllblico -, e descontada a dose habitual de mal-entendidos quanta a r<:aldimensao das idiossincrasias nacionais, aeabara entrevendo 0 ponto senslvcl no qual nossa forma<jao girava em falso. Mas 0 que falta entao a nossa literamra? Mal formu- lada a pcrgllllta, Jose Verlssimo roman 0 cuidado de lembrar que cia continuava "ramo da portuguesa", ramo no qual se enxertaram outros clementos, "mas nao de modo que a pri- meira vista se nao perceba que e a mesma arvore apenas modi- licada pela transplanta<jao a outros climas". Como se sabe, An- tOnio Candido aproveitou a deixa - "a nossa literahlra e galho secundario da portuguesa ..."~, mas para efeito de ducha fria, novamente para ressaltar e prevenir outro vezo de maHarma- <jao, a "Ialta do sensa de propor<ji>es", muito fiuniliamlente reconhedvcl nos que se nutrem arenas delas, sendo a portu- guesa por sua vel., como lembrado ato COntinuo, "arbusto de segunda ordem no jardim das Musas". (Tratando-se de adver- tencia com cndcrc<jo cerro, compreendc-se quc tenha sido biso- nhamentc acusado de plagiar Jose Verissimo, por sobre ser mau brasilciro, denegrindo de qucbra as Ictras da antiga metropole.) 23 ----- SEN nun IJA FO!t.\IM,:Ao l'assemos entaO it resposta do "lJremrsor" it pergunta por de mesmo t(lrI11ulada: Esta nOSS.llit(T:ttur'l qUI.:,como ramo J,l porrllglll.'sa, [1.:111j.i rx:rto dt' quarm s~(\_dos dc cxi.·m:·]Kia,ll.lO possui :1 (olltilluidaJt' pntl-iu, a (ocs.io, ;1 llnithde das g,null.ks lireramr,l~ [ ... j ~alrou-lhc scm pre a cOlllunil.:ahilidadc, iSle) <.:, (JS sc.'us CS(rih)fCS 1, .. 1 ticIram csrr.Inh()S LUIS;lOS olltn)S. E nan llle rdim as (I)llluni(a\{JCs pc.:ssoais, dc valor scnmdirio, SCll.lOis inn:knu.Ii .••, e~ubdcdJ.lS rlt:kts obras. As di"cr- sas intlll\:llci.1S que se poJCl11 !lour cm llOSSOS!luis nodvc.:is Illo"i- memos litc.:drios S;)O rodas l'Xtc.:rion:s I ...J Como st: di7. c.:1ll dtira milirat~ 0 (onta(to jalluis St; cstaht.'!ecc cmrc os csniron:s Ill! t'lltn: n seu pcns'll11ClltO. Esra tl1r'l dt, nmt<1cro (OmillUa ainda hoj~,: I.""] Fal- tou sm'rrc 0 clcmmro rransmissor, () llH:diador pLl.sriLOJo rx:nsa- memo n;Kioll;lI, lim po\'o sllticiClltcl11ClUt'(ulto 1 ... 1 N.It·onstitlli\"J.o 1.1<.'lUlU lirn,ltura 0 po"o rt'm SilllU!r;U1t"11llt:mc lun parlt,.'1p.lssivo l' ativo: c Jde llllc patTI.' r l' ;1cle qm: ,"olta .1inspir,'l}5.o do pocta ou do opensJd()r. Como sc vi:., cstamos a I1lcio l'tll11inho da ~\cria\ao nas id6as" rcdamada pm Sflvio Romero ~ luz do modelo europeu de cultura integrada - ali,1s, por de mesmo alcgremente des- rcspeitado na ansia civilizadora dc cUlllpri-lo -, e da articuLi- <;aodo sistema literario posta em perspeetiva pela idcia de t(Jr- ma<;ao em Antonio Candido. Mesmo trope<;ando, Oll, por outra, sobretudo quando es- con·cga, Jose Verlssimo nao deixa de dar livre curso ~ obses- sao COIll 4UCpcrscguimos durante mais de scculo 0 idcJ.1euro- peu de cultura organica. Veja-se 0 que Ihe ocone a prop6sito da "cocsao", apanagio das grandc.~ literaturas. Sflvio Romero, de tal modo oprimido pelo estado de arremedo permanente em 24 PRO\'Jll!J\:C1A,"i nE l \"1 CRiTICO LITERARJ() que vivlamos, ehegou a elogiar eerra vez os bons tempos colo- niais em que a "h,ibil polftiea da segrega~ao, afastando-nos dos . .. d -"IOJ•cstrangcllus, malltcvC-IlOSUIll cerro esplnto Ccoesao. use Vcrlssimo heira uma ellonnidade de mcsmo calibre ao encare- cer, em nome das intlucncias cruzadas que consolidam a "con- tinuidade pelicita" de uma literatura auto-suticiente, 0 pedo- do rom antico, a seu vcr nosso ullico mOlllcnto litedrio urganico, por existir, selado pelo destino do pals novo e independente, U111 nexo sentimental entre os escritores C~\1111 pllblico simpa~ tico, que illstintiv;uncnte senti a na sua obra uma cxprcssao dessa nacionalidade". Entre parcnteses: pelo sim, pelo nao, nao cttsta lemhrar que an diz,er cerra vez que 0 escritor brasileiro sc ha- bituara a pmduzir para "pllblicos simpaticos", Antonio Candi- do tinha em vista justamclltc 0 etC-itocontdrio da comtmica- bilidade desejada por Verlssimo, a sabel; 0 acanhamento daquela simpatia, mdeada por LUlla esmagadora maioria de ilctrados cujo alheamento t()r~ado repercutia na apmva~ao incondicional da- 4ueles pllblicos restritos, cOI1taminauos pela meSilla indigcn- cia cultural que acabou reduzindo as chances de pmdu~ao de LUlUliteratura verdadeiramente complcxa entre nos. Uma outra talha de tomla~ao, alias, registrada no mesmo espirito das consi- dera~{)es anteriores por M,irio de Andrade, quando, na Elegia de abril, queixava-se oa inexistcncia na literatura brasilcira de alguma obra em que pudessemos "seguir uma linha de pens a- mento, muito menos a evolu~ao de um corI'o organico de ideias". Voltando a coesao de Jose Verlssimo, unidade literaria que editica na dupla acep~ao brasileira do tenllO - tanto su- bliola<;anestctica ql1~UltOconsttu<;ao nacional -, 0 (dtico COlll- 25 SENTIIlO I)A FORMA<;AO plerava 0 clogio do pcriodo romantico observando que, passa- da aquela breve idade de ouro em rennos de vida lireraria, desnacionalizavamo-nos inrelecrualmenre, 0 vemiz cosmopo- lira da hora presenre roman impcnsavel um sucesso lirerario como 0 da MorenilIha. Tudo se passava como se a modern- iza~ao culrural do publico prejlldicasse nossa evolll~ao lireri- ria. Vale a pcna reler a expl;ca~ao que 0 cririco dava para 0 paradoxo que observava, quando mais nao seja pela curiosa semclhan~a com as reflexoes que inspirava a Paulo Emilio a sitlla~ao colonial vivida pclo cinema brasileiro, lima harmonia pcrversa emre os produrores e 0 publico dos Ilimes brasileiros que prolongavam a rradi~ao de espet:iculos populares - "para ambos, cinema mesmo code fora, e outra coisa e aquilo que os primeiros fazem e 0 segundo aprecian. Veja-seemao 0 que dizia Jose Verissimoacercada prc-hisr6ria da mesma a1iena~ao: Defeimosa c faJha, cs."a cuJrma tCli ainda assim hastamc para n.:vdar an pllblico Icdor ;\ inf~rioridade dos 110SS0S cscritorcs, nao mais (011- trabahnccando esse sl.:ntimento pelo ardor patri6fico do pcr{odo de forll1a~io da nacionalidade. E, pois, a ddicicm:ia da cultura gera.l de todo 0 gcnero, no Rrasil, wna das falha .••de nossa litcfatura. Nao fa7.(:ndo senao repetir sen·;lmenrc () (:str.lIlgt.:im, scm nenhuma origi- llalidadl' de pCllsamenw e de.:forma, scm idtias pr6prias, com imcn- sas lacunas de enldi\"3o, e nao men( )res ddiciem:ias da instnlljaO (0- mrun hajc aos homeos de mt.'diana l-Wrura nos pJ.i~csque prt:tendl'mos imitar c seguir, nos nao p<-xicmos competir diann: dos nossos !(:itores com 0 (.jue ck!' de L1recebcm em primeira mao, ofeteCi:.'ndo-lhcs um produro similar em scgunda. Esrava dclineado 0 drama da Vera Cruz, prenunciada a dlibia vaJoriza~aoda chanchada, e, se nao tor~amos demais a 26 ~- PR()Vll)f:N(]AS I)E l:M CRiTI(:O LITERARIO nora, demarcado 0 futuro lugar do Cinema Novo no proccsso formativo de nossa Clllturacinematognifica. TRADl<;Ao E T ALENTO INDIVIDUAL Tudo isso nao obstante, Cvoz corrente entre os discipu- los que a idCiade literatura como sistema em Antonio Candi- do esra muito pn\xima da no~ao de tradi~ao em T. S. Eliot, segundo a qual, como c sabido, nao se pode apreeiar devida- mente 0 significado de urn escriror a nao ser por compara~ao C contrastc, situando-o idealmente entre os autores mortos, de tal sorte que a ordem constituida pelos monumentos Iiterarios se modificaria toda vez que entrasse em cena uma obra verda- deiralllente nova. II Nao serei eu a dizer que nao. to bern possi- vel que na sala de aula Antonio Candido tenha referido aquela versao celebre da presen~a ativa do passado Iiterario e da exis- tcnciasillluiranea da literatura de urn pais, para illlstra~ao di- ditica e apoio do seu argumcIlto CIll favor do ponto de vista da "forllla~ao". Mas essa llitima, que e antes de mdo LUn pro- cesso, evaporaria nas maos de Eliot, cuja visao c cordata e afirmativa. Sob 0 aspecro da exigcncia maxima, pois se trata nada menos que de literatura universal apanhada no seu con- junto, ressalta a quase afabilidade mundana de urn mestre-de- cerimtmias que, para acolhcr urn rcccm-chegado de merito re- conhecido, Illuda a disposi~ao das personagens ilustres que ornamentam 0 panteao das letras: no todo reajustado, reina sempre a harmonia entre 0 antigo e 0 novo. A continuidade nunca e de problemas, nem se constr6i dando forma aos im- passes hist6ricos a que se reterem ~ a tradi~ao e sempre ines- 27 SENTIDO llA f-:ORMA(,:Ao pedtica " d" wliversalidadc m,hima. E wrdade que a imagem d" transmissao da tocha entre corredores, utili7.ada por Anto- nio Candido para evocar .1 tradi<;ao viva scm a qual nao hi Iiteratllra como tCnomeno de "iviliza<;.io, contribui para a im- prcssao da cOllvergcncia em qucstao. Seja como liJr, 0 mais prov.ivel e quc xc renha esrendido a Amonio Candido uma ob.scrva<;ao de Llkia Miguel-Pereir.l a respeito da publica<;ao das Memd,-;as pdsturnas de Hras Cuba .•.• urn acomccimento de ral modo decisivo no nosso panorama lirerario, exigindo a revixao de valol"l'S,rransf(Jrmando por com- pk-to a visao do passado b"m "omo 0 jUlzo da .ltualidade pH'- xima, que nao Ihe ocorreu melhor maneira de real<;ar 0 imcn- so alcance daquela inup.;,io do qu" ajlls•.•i-Ia ao tamoso paradigma de Eliot: "aplicando ao restrito patrim<lnio das lcrras brasilei- ras a tormula empregada mUll plano muito mais vasto pdo crltico ingles, podemos dizer que 0 aparecimento do H,'as eu- bas moditieou a ordem esrabelecida: .LX posi<;ix:s de Jose de Alcncar, de Manuel Antonio de Almeida, dc '[lunay, de Mace- do - arc emao os grand"s nomes da nossa tic<;ao - riveram que ser sensivdmente alreradas ".12 Conl'enhamos que ,1 mera "spccilica<;ao hisr6rica ji d",m<:l1r" a tormula prestigiosa ao reduzi-Ia a sua cmiC<1dimensao t'>rIllal - nisso tao indiscutivd quamo inapmwitavel. Isso nao C tudo. AI'lstamo-nos ainda Illais da du ve apenas tormal ~l que St' resume ~lrradi~ao ~KO· Ihedora de Elio[, sc cOllsiderannos agora 0 ~lnguloGlrJCrCrlSri- co segwldo 0 qual Antonio Cmdido recapimlou aqud.l mesma redisrribui<;ao geraJ de posi<;i}(:sprovocada pclo aparecim"nto do segundo Machado, cup mamra<;ao consisriu nUlll modo 28 PRO\'lJ)~::"JClA.s DE l!M CRiTiCO LiTERARIO peculiar de tixar e sublill1ar os achados modestos dos prede- cessores, como diz nosso Autor, numa das t(\rll1ulasdetinido- ras do semido da fmma,ao. Como 0 livro tambcm foi escrito para ser lido como uma imrodu,ao ao estudo de Machado de Assis, cabe a cita,ao por extenso: Se \'olrannos porCIl1 ;lS vistas para !\hch;ldo de Assis, verell10s que esre mesrre ;ldmir:ivcl se emhdxu nKriculosam<..'nre da nora dos pre- decessores. A Sll,l linlu evolutiva mosrra 0 escritor alrametlte cons- ciellte, que cOll1prel'lldeu 0 que havia de cerro, de ddinirivo, na orienta- ~;l.Ode Macedo paLl a descri~ao dos costumes, no realisillo sadio e co]orido de lVLUlUcIAmtl1lio, IU vocl~ao an;llitica de Jose de Alen- car. Ek pressup(le a cxisrcncia dos pred<"'cessor<..°s,e <..'sraC ulna das f;lZ(lCSda sua grandcza: nunu lircrarura em que, a clda gera~ao, os mclhores cOme~;1l11da capo c S('los medlocres continU;1l110 p;lssado, de aplicou 0 seu gcnio em assimibr, aproftlll<..hr, tCcundar 0 que luvia de certo IUS ex\xricnci;ls amcriores. Esre <..'0 segredo da sua independcl1cia em rda~J.() a(lS c(mr<..°lnptlr;'l.l1e(lSeunlpeus, d(l seu alhea- memo JS lllodas de Portugal e frall~ao l.i Por onde se ve que 0 novo inquilino, ao contra rio do que presull1ia Eliot, nao nasce feito, e c a sua "t()rma,ao" que alte- ra 0 semido da tradi,ao. Vc-se tambcm, pm outro lado, que, 111esmoC0l11a f()nnula de Eliot 111uitoprescntc, Antonio Can- dido ajustou-se ames de tudo pela li,ao de Silvio Romero e Jose VerfsSil110,naturalmcnte revista c corrigida, cOlno se de- precnde dessa reconstitui,ao da carreira de Machado de Assis, que tinalmente cumpria 0 program a de continuidade cultural pm canaliza,ao do intlmo interno, e cmrcspondcnte despro- vincianiza,ao da conscicncia literaria, tra,ado pelos dois criti- cos '"'' linha.srorta.sque se vtrall1.NWlla palavra, t()rmado na 29 escola de Machado de Assis, de faro Antonio Candido aprcn- deu mesmo foi com as falhas de f(lrllla<;aodos predeeessores, cujos achados modestos tamtx'm souoc fixar e sublimar. Po<.k- ria entio cirar Eliot 11vontade, guem sabe ate para se fmr emender. FORMA<;:Ao E DEPENfJEl\;CIA (I) Um tftdgio fimdnmental1l1J. suprYllflUJ ria depmdblcia in mpncidlldc de prot/lIzir obrm de primeirn. ordem. jllj1umcindas, min pur modflos tstrl1lt/,eiros imediatus, mas por exemplos nncimmis Imre11ores. Isto s~lJnifiCfJ u csmbdt'cimmto do 'lue se poderin chamaI' mn p{mco mtxfl1limmmte tU camalidatie '-"tema. '!lIe ronm inclusive majJ ftctmdoJ os cmprlstimos tmnadvs iu outras CIt/rums. Antonio Candido, I.JTERAn:RA E SCBlll·:SEl"VOl.VL\lE~T() Isso posto, nao sera demais atinnar gue a medita<;aoso- bre a carreira exemplar de Machado de Assis tt:ra sido deeisiva para a virada gue deu origem 11composi<;aooriginal do IivlU. Poderemos tomi-la inclusive comO um modclo reduzido da ideia de tlmna<;ao, aliis, em tudo 0 mais exato possivcl, pois se rrata da trajet6ria imelectual bcm-sucedida da pane de um escriror gue soube cumpri-Ia 11revclia do pais real: lUll caso muito pcculiar de animo constnttivo infatigivcl por redio a comrovcrsia. Daremos entao mais lim passo na demarca<;ao de nosso assllllto se acompanhannos por lim momento 0 gue diz Robeno SchwarL acerca dessa mesma carreira, kmbrando de resto glle os dois treehos citados hi POllCOnao ~x)r acaso Ihc servem de mote c cpigrafe para a Ultima parte do cnsaio sobre 0 segwldo Machado. H 30 PROVllJf:NCI:\S DE UM CRITICO LrrEAARIO Na reeapimja~aoque mcerra ° esmdo em questao, desen- volvendo em nova chave 0 resurno de Machado delineado por Antonio Candido, a 1()rma~aOque nos conceme vern delimitada no sentido mais tangivcl de LUllaacumulafiio literdria realizada na mais ingrata das sima~6es, pois afinal periteria e envergadura intelecmal nao cosmmam andar jLUltas.C.omo pode se formar urn escritor de verdade em condi~6es tao adversas? Esta a per- gunta que interessa a todos, enunciada e respondida por Ro- beno, scm exagero, pela primeira vez. Para eome~ar, passa a ordenar aspr01'idencias tomadas por Machado de Assis no sen- tido de se tornar 0 primeiro escritor brasilciro a dispensar a simpatia que Ihe seria devida por contribuir tambem, como seus acanhados antecessores, para a constru~ao do novo pais. Nao posso deceno enumera-Ias todas nem por extenso, muito menos abordar de fj'ente 0 nucleo em torno do qual gira 0 argumellto, a transfornla~ao, por imita~ao em profundidade de singularidades de nossa k\gica social, da materia literaria da primeira fase acomodaticia em procedinlcnto narrativo, uma trai~ao de classe que no mesmo golpe conseguia contCrir al- cance mundial, nao a generalidades catadas no lixo ideolrlgieo internacional, mas ao ponto de vista prejudicado da periferia. Numa palavra, LUllestudo enlim conclusivo da curva literaria ascendente de Machado de Assis veio revelar a "matriz prati- ca" - na qual sc cntroncanl, se altcram e contlrnlatTI mutua- mellte expericncia social, material estetico e esl()r~o de estru- mra~ao - da linha intelectual evolutiva a que estamos dando o nome de forma~ao, no caso, urn areo abrangendo meio se- cwo de acertos e desproprlsitos da conlusa eonsciencia litera- 31 SEN'J'JI)() n:\ f'()R,\l:\(,:A() ria nacional. ['-araencurtar, digamos que a principal provid~n- cia tormativa tomada por Machado dc Assis - registrada por Antonio Candido e explorada por Robcrto Schwarz na dire- "ao assinalada - tenha sido a tIIll tempo CII1IIpflrfltistrl(por assitn dlzcr) e cz,tnl1llntivlI. Tratoll assinl, enl primciro lugar, de contornar os dikmas da dupla tidclidade nos quais sempre se debateu todo escritor brasikiro, por exemplo e prineipalmen- te: arualizar-se a ponto de perder de vista a implanta"ao local e girar no vazio como um europeu posti"o, ou alinhar com a posi"ao em b.lso do pais, porem a (mica rcal, e dar as costas ao I11lU1do contcnlfXJranco? Machad(J simpleS111cIltc submC'tclI J. critica reciproca e sem resto os tcrmos da eompara"ao, que, alias, sempre nos t"i desfavoravel. r untando os do is p('llos, re- lativizava-os C assim acaooll l11ostrando que era posslvd opi- nat sabre os grandes assuntos ao chamar pclo nome as COntra- di"Ocs locais, ao mesmo tempo em que especiticava a hota historica daqucles mesmos assuntos ditos universais. Encarada desse modo com independcncia a norma europeia indescard- vel, p6de dar vez, scm a correspondeme perda de tensao, a "eausalidade interna", tornando possivcl a experii'ncia intclec- rual brasilcira tinalmeme tClfInar-se,na acep"ao especitica que se esta dando ao tenno: pela primeira vez um escritor conse- guia cscapar a dana"ao do rccome"o solitario, a mercc das escolas literarias sem continuidadc com os resultados acumu- lados pcla experimema"ao literaria no pais, real<;ando-Ihein- clusive a dimensao coletiva da produ<;ao. Ocorre ainda (para adiantar uma observa<;aoa ser rero- mada adiante) quc, ao tirar as devidas consellli~ncias do rotci- 32 I'IHl\·Jllf::-.:u,\.'i ilL l ','I' CRITIC() Ll I"ER,\I{](} ro tr<1~adopm Antonio Candido, reapresentando 0 problema da 1()t"Jna~,iocomo lll11;\quest,io material dc 'KlImllla<;ao da 4.:xr4.:ri~ll(ia illtdcl'tual IUS condi\flCS frJIlGUllCllrC proibirivas da dq1Cndcncia, Rol1Crro Schwarz nJO s,', Ihe deu 1()Imula<;Jo gel\11como illdicou-Ihe 0 hori7Alnte no Brasil conmnpo..aneo, o qUl' a seu tl'mpo Antonio Cmdido tambcll1 lizl'ra, e ll1ais para a frl'nrc vcr4.:!11o.~CO!11O. Rdiro cnt;}o ;1 obscrva~j() am- pli'ld'l ,lOSdi,l.<de hoje para devolver a ideia de tc)rma<;Jo a sua dill1ensao mais polcmica. Estlldando IlJO Etz muito 0 amal eclipse ltl mais arraig;.1ltl dc Ilossas sl'llsal,/)cs) () pertnanenrc sentimento de inadequa<;;!o que desde a origem vem alimen- rando 0 Ilul·csrar dctinidor de 1l0SS0 rr:1to cllvicsauo com as idCias, des'llc)go apoiado 11;\cnbsc' cia dimensao internacional da cultllra (t,io mirol<\gica quanto a 'lllt'lrqllia l1;1eionalde an- res), Roherro \'olta .1 ponderar, como nos tempos da ]-'0111111- flio, os estragos provoeados f1Clapreteri<;;!o do vinculo local, 0 Icnc>mCl1ofamiliar, porem n;!o por acaso neg!igmeiado f1C!OS princip;lis intcr4.:ssados\ de que no Brasil a (ada gcr3~ao a vida intelcemal pareee recoJ11e<;arde zero. 0 que signitiea 0 desin- teresse pL'io trabalho da gera<;;!o anterior e 0 que se segue da conseqlicme descontilluidade da rdkx;!o que 0 apetire des- controbdo pela produ<;.lo metropolitana recente traz consigo) Nan c pr('ciso St.Tadepro da rr"l(ji~a()) Illuiro !HellOS lut..:ionalis- r;l, respol1tk Roherto Schwarz, p.lI'" n;(ollh<.\.\.T os innlllWllit'lUt'S dcsta pr.Ut" ., \.llK' blt.l 0:10 SC'1;l (Oll\;":~;10d,ls tI.:OI;:t'i, logo mM.:~lth••, mas taml:x:m de.: sua .•. impli"::li/X·" Illl·1l0S pre'l~im,l",de S1l3reb.ii''io l:Olll 0 mCl\'illKnro sOl:i:l1 (onjulUo, l· ,lO tim t' ;10 (;lbo, da rdcd.lKi:l do pn'lprio trao:llbo e dns :lSSll!1tOS I.:sttllbdos. Pcrcq,\-(X's I.: tCSl:S IlOt;l\Tis ,1 rl.:spt:ito dol culmra do rai~ 33 SENnno nA FORMA<,:Ao sao dccapiradas pt:rioJicamcnre, c problemas ,1 muiro CUSt"O idemifi- C<lJO~ e aSSlUllidos ticam sem 0 Jcsdobraml.'mo que lhcs poJ<.Ti'l corn.:,o;ponJc.:r 1 ... 1 Nat) sc tr.1!;,1 da. (t)llrlmliJo.1dc pcb (OmilluidaJc, mas dJ constituit;:lo de: 11111campo lk prohlclll.l.'i R'ais, p.lni(ubn:s, com insen;:5.o c dura')lo hisr()rica prclpri,1s, qlll: rccolha as t<Jr')JS em pn.:sen)J c solicitc 0 passo :tdiamc.15 Como se acabou de vcr, I(,i assim com Machado de Assis, ao qual nfio falrou "int(lIlna<;ao e abcrtura para a atualidade" e que, entrctanto, soulx ''"n:tomarcriticu11CI1tC c cm larga cscala () tra- balho dos predecessores, emendido nao como peso morto, mas (omo c!cnlcnto dinamico e iITCSolvid(), subjaccnrc as cOl1o";;ldi'1Ocs contemporancas", Ta.mbcm c cstc 0 caso, mais pr6ximo de n()s, de Antonio Cmdido, como, aliis, recorda 0 mesmo Roberto Schwarz. Desnecess,irio acrescentar que a idcia de FOl1na<;aore- tira sua lor<;ajustameme da pertinacia na constinli<;fio do campo de problemas reterido linhas acima, que sua indole caracteristica se define pelo amidoto correndo na via contralia dos prcjui7Ds causados pela mencionada prctcri<;fio do inlluxo imel110 - par,! nos aterrnos ainda a terminologi'l especifica com que Roberto Schwarz nomcou de vez csscs impasses advicos. CAPiTULO DAS PROVIlJENCIAS Se tudo isso c taro, eomo acrcwtamos, p<x.!erel11osdi7.cr que 0 scmido da FOl11la<;ao,cxemplamleme estabclecido por Antonio Candido, cspecilica-se em primeiro lugar numa serie de providencias destinadas antes de tudo a ampliar a no<;ao corrente de Critica. Mais exatamente, quem dispuscr de ele- mentos para enumerar e coordenar tun conjunto significativo 34 PRovmi::l\'C1AS nr l Tf\.l CRITICO LITERARIO dclas, estara em condi<;oesde tinalmente tetta<;ar a forma<;ao da hW11Iariio, e rudo mais que dai segue no plano da organiza- <;aoda cultllra num pais dependente. Nem de longe c 0 easo do autor da presente aproxima<;ao.Como tambcm se trata aqui de lml Mestre na periferia do capitalismo, com 0 qual precisa- mos e queremos aprender, nao custa arriscar algumas observa- <;6cs, no intuito de atinar com a natureza Illuito ben1 construl- da de um atc hoje inigualado scxto sentido para tudo 0 que respeita a ''t(lrma<;ao''de um intclecrual na atmosfera opressiva do subdesenvolvimento, barreira alinal transposta na I"rma de problema e ponto de vista. Teoria pela porta dosJUndus J;i topal110S, ald_s, (Onl um desses cuidados fornlativos em ato, por ocasiao da virada de concep<;aoque deu origem ao livro condusivo que est.l nos servindo de apoio e refcren- cia. () call1inho cdtico que lcvava a hist6ria dos brasileiros no seu desejo de ter uma literatura era 0 mesmo que permitia contornar a Illania I11etodol6gica nacional - e a recep<;J.otor- ta do livro contirl11ava 0 nosso l11undo lctrado dcsconforl11c, onde ainda se t:,lava mais da maneira de bzer critica do que proprianlentc se cuidava de faze-Ia. Rctroccdcndo a tcsc de 1945, () metodo cn'tico de Silvio Romero, rcencontrarcl11os 0 pri- meiro grande exemplo da estratcgia tlmnativa discreta porcm caleuladamente adotada desde entao. Fazia alguns anos que Antonio Candido cxcrcia a atividade de critico, e nao so de Iiteratura, primeiro na revista Clima, depois tambcm nos ro- 35 SU~TII)(} 1M h)R1-IA('\() dapes SClll:lnais de dois jornais paulist,lllOS, 0 ra,~,"ioSl:gUlI1tC, dado na t<lrma de lima tesc lIllivcrsidria, cmbora 0p0rtlIlU· mente Kadcmico 11:1col1lposi.,-ao do ;trglll1lentll, procedia de bto a lim primeiro bal'lIl.,-o da publicistica em curSll, apanhal1- do-a pelo .1mbito mais gcral das rl'i,H/)CS entre (ontiguraij;l.o cstcriCl c proccsso SO(i~ll.If)Acolllp,lniurclllos nuis lIllla vcz J. li.,-aode Roberto SChW;lI-L: em Itlg~\r(,.k dena(cr .1.1[rl,:rl\:ltiv.1,1bstr:ua cmn: os •...srudo., Lil'(l)Jl(O- to (,.'dl' f<.rIlla, dirct;llllnm: nos (CnllOS da discuss.io l' d.l hihliografi'l illtl'madon~\1 a rcspciro, Antonio Candido prd\:rc (olhcr (I prohkm;, ll~lsua ki~.io [ocll, expost:, \lOS imp"ssl's J1)l,todo]()gicos dn pn:lkccs- SOl', l)csTl' Clngu[o, ~,\'lTS;llJ ulli\'ers~llist;\ d'1 qucsr:i.o parl'(lTL1 acadc- micl no m.1l1 semido, drixamlo Csclp.1r os (f)picos rrkv.llltcs, Sl'lllpre lig,ld(l~ ,\ llm.l hisHki'1 p,uti(:ubr, I... j An insi ••rir lla rdl'\':\lKi.l dll tr,lh.llho I.k Silvio Romnu, m,lS snll lhl' lks(:onhnTr tl .1sf":(:10 rc- b.lIDarivo, Antonio C:.mdiJo 3.'iSlUlll'CO!110(fll1di\.ltl pnlpri.l, qlll' l:lllll- pre fl.'(Ol1hnT!" e Sllp,,·!".l!',0 deSl'lJuilihlillI.: ;1 preorini:lde dl' (lOSS.l hCf;,lllfi.lnlltUr,l!. P;\ra I.'S(,.TI.'\'lT ;1 n:speiro, 0 I.Tltico (k~(,.·ll\'(Jke tUll •.'stilo lJlK' (omhilla ,1snil'dadl' l' () sensu ;\l11isroso do ridklllo, l'stilo quc rl'g.is!ra l.: rccquilihr.l !lOS tcr!llOS dn'idos a i!llp()rd.n(i~\ que re!ll para n{)s - nao 11;1 (fl!110 s~lltar pOl' sohn: ,\ pn'lpria sOlllhLl - <1 , . I I I j' . 17IlOSS;)tI )rilla~';lo ell wr.' le Clnl<IS;l. Rc(onhc'!am()s ncssc apn)VCirall1Cllt() "n1<x.kn)()" d()s acer- tos e desacertos da tradi~ao critica br",ilcir., l1uis luna providcl1- cia !ormativ:I q"e viri:l dar igllalmentc' 1111111<1outr" il1iciativa de mcsmo te()r~a saber, 0 projcro de lun (onjunto dc estudos SOblT a crltic..:a liter"lria brasilcira, plancjado pOl' Antonio Can- dido 110ambito da disciplil1a de tcoria litedria da L.:niversida- de de Sao Paulo, lima Olltra hist()ria dos brasilciros cllitivados de, 110seu desejo de ter lima critict litcdria, tamhcm contn- 36 PROnlll~:--.I(J:\S DE l".\1C1tiTl<:oLrn:Ri\RIO buir pelra Icmnar a cultura nacional - e assim lOmo havia lugar para 0 "suhstamivo e vulnedvel" Silvio ROl11cro,havcria igllalmcJ1tl' para quantos "'jllstos c ingl-l1l1os" Nestor VItOI' sc "pudessem apurar. Vo!tando. 1\0 preceito Icmnativo segundo 0 qual se deve come<;ar <:olhcndo lllll prohlenu na sua tCi<;;1olocal, est<idara- meme pressuposta a convi<:<;aodl' quc se pode alcan<;<lra real wliversellidade do problema em questao (pOl' isso mesmo sem- pre detenninada) medi.lme 0 aprohllldamento das sugestl)eS louis, que sao parte da evolu<;ao mundial do wnjunto. Como se heide reeordar, mnvie<;ao pdti<:a da prosa nu<:hadi'Ula, apon- tada por Antonio Candido e descnvo!vida em tcrmos pr()prios por Robcno S<:hw.lrz, nos quais englobou 0 neso ICllmativo de paninllarilLJde local e alcance geral articulado pdo autor da Fonnnrno - kmbn..:mos, para rl'tomar mais tarde esse pon- to capital, l11uito wnhccido e pouco esmdado (salvo pdo mes- mo RobclTO Schwarz <.Jueesumos 'l(ompanhando), que D pro- ccsso formativo em YllcstJ.O tc.)i cxposto tambcm (01110 lima "sintese de tcndcncias universalistas e partilUlaristas". Convic- <;ao na <.Jualse esprime por sua vcz 0 scntimcnto da .ullca<;a do passo em l'llso <.Juep<lira sobrc todos, sentimcnto de impli- <:a<;aoque vimos h" pouw Roocrto dest<lc<lrna hora nata da sua primcir~l C Illuito indin:ra t{)I"lllUIa<;J.O (de acordo, aids, com a urb<lnid<lde imelecrual do Autor) e cVDcado em mais de um<l ocasi;1o pelo pn)prio Antonio Candido, para governo dos mmpatriotas recalcitrames. Por exemp!o, quando em 1969, diSllltindo as reb<;l)eS entre Iiteratura e subdesCllvolvimcnto, rclembr.l 0 t:juanto a pcnltriJ. cultl1r~lIClr~lCtcrfstica do !lasso 37 SENTII)() )).'\ F()R.'vlAt.,:A() "atr:lSo"nao t:1Z excc';llCSc dc Elto plllduz uma dchilidadc muito mais pcnetramc e insidiosa do que pensam nossos 1ctrados hem envernizados. Estrcar '1;1Teoria cntr,lIldo pcb porta dos tllndos, revcn- do, no casol 0 111ctodo crltico dl.: Sflvio Romero, contigurav~ emao um ato dc independCncia, um modo de reavaliar posi- S6cs em contraponto com ~1prara da casa, c pnrtanto a manci- ra mais produtiva de purgar a miragem que se viu, i1usaocom- pensat6riado hra.sileimcl~tivadopOrCm"dcprimido pclos p,ltrios prejufzos". Em SWlla, conlO nao h.i 111CS!nOcomo sal tar fXX sobre a propria sombra, melhor come~ar estudando o.satrope- los de lUn Brasil errado mas vivo (como Cruz O."ra se retcriu certa vez a tigura desconjumada dc Tobi.ls Barreto) do que bisonhamcnte rccxport~'" poctic<ls contcn::ionadas (om as so- bras de uma culmra de enclave, alias, remontadas rcprisando justamente 0 lado mais desfrudvel do velho critico, do qual fazcmos POUCO simp1csmeme porquc cominuamos a suhstituir urn decalque por outro. Podemos emao incluir nesse plano das providcncias 1()11113tivasa not6ria avers50 de Amonio Can- dido pcla Teoria, em particular pelo que no BrasiI passa por rcoria, a rigor tudo 0 que C accss6rio em Iiteratura.1Y osso Autor scm pre alcgou os acasosde um curso univcrsirario ain- da scm grandes especializa~{)es,a ascendcncia de alguns pro- lessores que puxavam um pouco para 0 ensaismo, ou pclo Illt:nos nao 0 ccnsuravam, mais a primcira distribui<;ao de ra- refas na revista Clima, sem falar no senso da assim chamada realidade hra.sileira,despcrtJdo pclos modemista.s,apur.ldo pclas exigcncias do dia a partir de 30 e educado peb nova disciplina PK.()\'II)f::'-J(:JASDE ltM CRiTI(:O LITERARIO n:prcscntada pda inicia~ao nas cicncias sociais propiciada pela rcn'm-tlmdada Faculdadc dc Filosofia - farores que 0 teriam contirmado de vez na v(">ca~_ao exdusiva de crltico. 0 que c bto, scm, contudo, anubr 0 lado obliquamente polcmico da mCl1cionadaalcrgia, uma ddibcrada quebra dc cnfase especu- lativa, lima inequivoca mancira de dcnunciar em tom menor tllll ccrto modo muito superlativo dc dar aparcncia monu- mental a idCias inexistcntes. POl' isso, nunca tCIncu a tcoria, ternia apenas 0 ridkulo local de confundi-Ia com rcsenha bib- liografica (boa divulga~ao no melhor dos cas",) e a habitual colcha de cita~ocs a csmo} no conjllnto, invollll1tariamcntc pa· nldica. Ncssa mcsma Iinha I' born notar quc as cxposi"c}cs osrcnsivamcntc "tcclricas"do Autor costumam ter cunho dida- tin) ou aparentado, no quc tamocm COSllllnasa exemplar, sobretudo I")()rprcvenir 0 impcto tcorizantc dos mais jovclls. H,i scm dllvida convic~{)cscm jogo nisso tudo (com perdao da lapalissada), porcm ditlceis dc explicitar, alem dc contigura- rcm 0 teJpico basico (pela ncgativa) da plataforma de uma gcra~ao, para nao t'llar em rn{)cs intrlnsccas quanto ao mo- mento histclrico da (ot1vergcncia entre raciocfnio cstctico e teo- ria soc;al no Brasil. Scja como tilr, nao sera dema;s n)nt;nuar sublinhando 0 vies tormat;vo. Un1 excl11plo. Quando a marc cstruntralisrd. intmdava 110S- sos dcpartamentos dc ktras, Amonio Candido, como sempre cm sala de aula, aprcscmava cordialmemc 0 novo melOdo, ao lado dos dcmais, amigos c rCcCm-chcgadosa sercm testados, dc ccrto modo dcsignando polidamcnrc 0 lugar quc lhc cabia cntn: as especialidadcs academicas, ao passo que reservava J 39 SE;-\"f1I)() J);\ r(lR,\1At,:"\() sO!ldagcm d~lcultura viv~\a rdkxJo ;.ll1«)!lOma Jo cllsaio criti- co, do qual, pOl'prindpio, estariam banidas quest{)esde mcto- do tratadas em separado. :-.Jaoque faltasse ,10 gcnero praticado por Amonio Candido complcxidade teelriea, pdo comdrio, porcm r3rall1Clltc vislvd a olho 1111,s31\'0 l1a cxcc<;JO l10dvcl do ensaio sobre 0 Cortifo, didaticameme apresemado como uma comribui~ao para 0 estuJo das medi'l~{X:Sna analise lite- d.ria~ c com razao considerado pOl' 11111itos0 mOl11cnto Jllais alto da "teoria" litedria no Brasil. Se jumannos a esse escriro o estudo sobre 0 Sar/fCllto de 11Iilz'cias (cujos pressuposros t(j- ram analisados por RoLxno Schwarz), dcpar;.\n.:mos a segllin~ te situa~ao da "teoria": mais uma vez colhiJa em sua t<:i~ao local, a discussao C cOl1duzida em sllrdina, clilminando I1UIll retraro original do Brasil. Segundo Roberto Schwarz, os dois ensaios, de caso pcnsado ou nao, poJeri,ull SlTconsidlTados m primeiros capitulos de uma his«iria da representa~ao da rea!iJade na !iteratura brasilcira, tomanJo-se 0 telllpo J)l1rste!- [Ullf! na acep~ao enriqueciJa que the deu Auerbach, isro C, no semido de exp()si~ao,descoberta e apropria~ao, ao qual nosso Autor teria acrescemado a ti.lJl~aoestrururador'l da limn a, pre- scnte naruralnlcnte no ambito cia (ontigllra~.i.o artistic<l, cuja generalidade se poderia, emretamo, ak,m~ar gr.l~asaqueb mes- Illa estrurura~ao atuame no sistema das Illedia~<iessoeiais, tralll- po!im paradoxal para a an,ilise imerna, na medida em que tais mcdia\{)es pOJCIll SCI'trat<luas como sc t()SSCIll c<ltcgorias cx- plicativas desemranhadas da pllipria obra. Observemos pol' tim que cste cenario, no qual a "teOl;a"volta a lazer scnrido na nata medida em que se consm',i 0 aleancegcra.lJa reba.ixadarealidade 40 br'tsilcira, obcdeeeria illleir.lIllmte J \'lgiea da FOl1lla<;ao,aco- me<;ar pdo seu n~l<;Omais salimre, a fi!fIlYilfM pauhtina de lUlUsoeiedade deprimida pda pr6pria im'lgem. l-imnnfiio dn rotina Ulna Dutra providc!lcia dccisi\'<1 ()(1(crnc a jiJ17nafao da mrilla. Com este titulo Alllonio Candido consagrou-Ihe um capitulo pril1loroso do livro, elll que rr~lta,nclc c tambcm !lOS do;s seguil1tes, dos deitos duradouros, por lUllpcriodo 'lue sc cstcndc lil' tins oos sC[cccntos atc a (ol1sagra\Jo da scnsibili- dadc romantica, da accita<;:ioc consolida<;:ioda disciplina ard- diea no gmto medio, em euja estera por CCITO sc degrada, porem estabilizada eom t(·,lcgosutieiente para sobreviver sew- 10 af()f°a IlJO S(l no .1mbito t"sragnado dJ. sublitcrarura, mas na subeonseicncia dos bons alltores, 'luc desli74~mpara a'lueh vala «)mum scmprc que ,1 inspira<;:ioIhes t:llcee. Para nosso Autor, tal t:1SC de csrabclc ...'cimcnto cia rorilla importa, sob \'arios as- pectos, COlllOell' mCSlllO 0 diz, em "'sugcstiva dubicdadc'\ que se pode igualmcllle resllmir nos seguintes termos: "vista lite- r;lriamcntc, a t()I"nu'l:l.O de ullla rotin.l C lllll dcsccnso. No que: intcrL"Ssa() conjlU1to do proccsso culnn"al, rodavia, cia rem m~ri- (os", c () 1l1CIlOr tides n3.0 ti:)i ccrt3mCntc a constitui~3.o dos '"priolciros Pllbli(os rCb'1.ILtrcsno pais c com c.-:ks um prilnciro mOlllcnto organic(l dc vida litlT<lria''''!o. Nao c difkil, porranto, ,uinar com a principal raz:io do apre<;odc Antonio Candido pOl' IllOlllcntos como cstc, cuja primcira lllanitCsta~;}odcv4.'> mos <10periodo em questao. E que a consolida~ao da medik nia que tal estabiliz<l<;aodo gmro mnsagra, os h'lbiros mentais 41 que nwn certo semido n~tiva e se tornam tradi~ao, tuem da rorina um dos raros atalhos de que dispomos para alcan~ar algo semelhame a organicidade da eultura, atc segunda ordem urn ideal civilizatorio que um cora~ao bem poSto nao pode desprez.,r. Uma eompara~ao ajudar,i a medir 0 a\cance dessa valori- za~ao da rorina, emendida como uma mediania de carater co- letivo, providencial no sentido da t(ltI11a~ao.E possivel que tal compreensao, moderna e esclarecida, da rotina the tenha sido sugerida em parte pelo argumento soeiole\gico de Mas Weocr aeerea da "rotiniza~ao" do carisma, ao t.JlIalse rdere de passa- gem num balan~o das rcla~'->esentre culrura e sociedade no decenio de 30, de wja atmosfera de !Crvor estctico-s,xial nos- so Autor se considera produtll e agora reC<lpitulasob 0 signo formativo da rorina ocm entendida, no seu aspccto de sociali- za~ao do gosto e equipamentos eulrurais atins, co\ctiviza~ao por eerto muito restrita numa sociedade tao dividida e espo- liadora como a nOSSa.QlIem viveu nos anos 30, recorda An- ronio Candido, sabe que eles representam "um eiso em torno do t.JlIalgirou de cerro modo a clllrura brasileira, eatalisando elementos dispcrselSpara dispb-Ios numa contigura~ao nova". Roa parte desses elementos - "aspira~'-)es,inova~6es, pressen- timentos" - toram liocrados no decen;o anterior pclo degelo modernista. As novas condi~6es do pcriodo t.Juese abria sim- bolieamente com 0 movimento de ourubro aeabarao normali- 7...1ndo, na accpS'ao sugcrida acima, 0 gosto modcrnista, antes visto com descontiansa pcla maioria da opini'io. Reconhe~a- mas entao nessa "rotiniza~ao" da wlrura moderna a fisiono- mia familiar de um momento ">rmativo. 0 qlle havia antes de 42 PRO\,J])~:;:-.JClAS DE PM CRiTICO LiTERARIO 30, Fenomenos avulsos, manifcsta<;(leSaparentemente arbimi- rias, desprovidas de necessidade real. Depois, 0 que parecia "'t()lhamorta no torvelinho da nossa inditeren<;a",para voltar a blar como Silvio Romero, a que era pensamento de poucos I(li se convertendo em estado de espirito coletivo21 Onde ha- via dispersao, achados decisivos e muita veleidade, it sombra de uma reviravolta social muito desigual nos seus efeitos (qua- sc nulos, lClnbra Antonio Candido, sc pcnsarmos no "povo pobre", signiticativos, sc pcnsarmo$ nas camadas intermedia- rias e nas chamadas elites, tendo-se em vista 0 estado de extre- ma priva<;aocultural do pais), uma nova rotina vai aos poucos integrando, unilicando. Aproveitemos para assinalar de passa- gem a presen<;ada peculiaridade que distingue 0 raciocinio da hmnarclo, tanto 0 livro quanto a concep<;ao da marcha das idcias no Brasil, como apontado na introdu'$3.o do presente estudo: evidentemente scm nenhuma ilusao quanta aa arranjo olig,irquico em curso, servindo, contudo, de agente catalisador nao program ado, Antonio Candido limita-se a anotar 0 novo passo na dire<;aodo timcionamento da cultura moderna no pais. Aeresce, todavia - para dar mais uma volta em nosso problema -, que datam precisamente desse entrecruzamento dos anos 30 os grandes ensaios de interpreta<;aodo caso brasi- leiro que constituem a bmilia da obra c1issicado Autor. Segundo escalao Antcs dc prosseguir no rol das providcncias, convem no- tar que uma rotina nao se I(Jrllla se nao I()r tocada pelo talento medio. Dcvcr{amos, portanto, incluir ncstc capitulo a not6ria 43-- SE"'TII)() 1);\ f()R,\I.\l,:;\() simpatia do Autor pelo scgundo CSC,l!;)O,simp'ltia cselarccida na qual se rcvela 0 olho clinico para os mcandros dc L1I11eiclo coletivo que nao sc cOlnplctaria scm () concurso decisivo dos mcnorcs, dos enlldos dcscoloriJos, dos <:pigonos vacil~lntcs. Salvo cngano, csrc 0 cspirito l:JllC pair'l n.1g;1!cri'l de pcqucnos esrudos c retr:ltQs venjadcir~lmcnre l1ot;lvcis expostos ao longo da Fonnnfiio. PaSS;ltllOSent5.o a rcconhecer as virtudes mc:dia- nas de lim Evarisro cia Veiga, an I11CSll10tempo en1 que S01110S polidamentc convidados a evitar 0 riso muim t,kil do modcr- nista Aldmara Machado diantt' dc LUllGon~alVt's de l\tbgalhaes, st:m dllvida modcstissimo rastilho qw.: sc tOmOll por lIm (0- meta, kmbra 110SS0AlIt(>r~Illas que de Euo - c bom llaO esque,'cr quando se cuida dc organiz'lr a cultura llLlm pais tao mal-aeabado como 0 Brasil - "durantc pelo mt'llos dcz ,1IlOS JOi a litcratura brasikira", Eis lima amostra dcsse cspirito da FOnlla~aO, no fundo tamocm uma d1<lmada a ordem dc mes- 1110teor que a cstrcia na Tcori;l peln SCli l;ldo I1lJis dcsfi'ud\TI c dcsconf<xtavc!mcntc pr(lxim() - Silvio Romero -, (()l1tra- vcncno para govt:rno da aristocracia do nada dt:scrita mais tar- de pOI' Paulo Emilio, Higodc •.•\'l·lllT.ln:isl (~11x'I(lS,ll"rut11:1dos, t')(1I1(l~dc ,111)dc Durn, l)(tSl' dc C~lTir/ll·io. Ilol1lcns lk ordl'll1 l' 1ll0l..kr.li);10, IllcdiJIlOS 11,1 m:liori:l, quc "i\'i'lIlt par.ldox;\lllll'lltl.: 0 illil:io lb ~r.mdl' ,H'l'llfur:lro- 1l1;i.mic11... ] foil portanrol lun grupo 1't'J'lJL'iuil'rl qUl' (onduziu () Ro- m:lIltisll1o inicial p:lr<l0 ((>1lfonnis!llo, tl dl'(OIU, a :\(ciu\,:lo pllhli(,l. ~,ld,1 n:\,ohll'joll,lrlo tk Kllliwr,ll1ll'nrn ou de inn.·Ill:.·;lo,alClll do Iluis scm 4ua1qucr C\'l'llnl.l.l ant.lgol1i~m() pOl' P,Ull' dos mai~ \'dlms, 1)()1I- cos c dI'Cllkntl'S, 0 sell pl;l1cip,11 n':lhalho foi ofici'l!iz'lr .1 rcti:ll'lll.l, AmpJrJllc)S pl'l() InsrinJr() Hisfcll;l:(), illsr,\bd(~ n:t'\ m.'s 1\.'\'i~l.lSIllI'IKicl- nada'\ I.Vitenii; Mincn'rl RrnsiiiLilJf; (;wmnllflnl], dlT'U11·lhl' \'isibilid;;\lk, 44 P/H )\'[DI-::'\"(:I.-\S DE l '.\1 CRITICO L1TERi\RJ() ~lpro\inUlldo-~l do pl'lbli«) r dos tigur{x's, <lOS qmis sr ~lltintl~lr~1Il1elll lX'J1lJ1lont~llho.;diqUfS, nebs cSGldando ~lsua ObLl e ;l Sll~lpcssoa. Era gr;llldr a (ol11ll1li(,hdr de illtlTesses elltre os br~lsilcir{)s(u]tos dc toda idadc e ()ricllt~I';;lo,\nlr~ldos p~lr~l() progresso illtde(nJal (omo t<)Il1lade lksll()hr~m1Clm) da Il1dqx'nd01Ki~l. Il()!"iss(), t(x.b pnx.ill';J.() dl) espirit() cr;l lX'11l-vindac ~liHilJ(J11fl HrflsilinlJc pliblicl t<lllto ~ISpoesias de Dutra e Melo qu~mto ~lSodes de Alvcs I-kl11((); ~l(()lhe 0 roema nl1lHlbr de Cuhlso e lim imp;lg~i\'d ditir;unbo de Montezuma. Sobrc () tcrrCllO (Ol1Hltll do llacioll;llisl11o, ;lbLI\"~l\'aJ1l-se~ISb()~IS\'olludcs. Este 0 retrato da primeira gera<;ao IUmantica - Iinha m<'- di.l da coabita<;ao brasilcira de Tempestade-e-Impeto de llnhas aparadas c empcnho patri6tico em simbiose com a editica<;aodas bmilias. Contudo, sem a aplica~ao (om que os menores entrolllzaram a refonna do gosto, nJ.o se roderia com preen- dcr ° primciro grande exelllplo de rOlllantisnlo entre n6s, a fUSJOde a."lsunto, cstilo c conccpl!ao dc vida realizada [X}rGon- I!alvcs Dias. Entre os mineiros e 0 fOnlantlSIllO, 11111pequeno excrcit() de escrit()res sccull<..tirios, rcprcscntando, todavia, () sell papel, onde 0 gosto amorn~ldo srrve de contrapeso a ma- nifcsta<;()es que, cxtr.w'lSando 0 campo das belas-lctras, reve- lam algllma ousadia, naquelcs momentos de transi<;ao e tran- sal!Jo, no ,1mbito mais r111penhado do jornalismo c do cl1saio politico-social. Dai 0 paradoxo mllito apreeiado pelo Autor de Ul11afornla~ao e que \'Cm a ser 0 t:1to estranho de cssas '"'gera(i)- cs csteticllnente ap;lgadas, rotineiras Ol1 vacilantcs, sercm as mesmas 411r, no terreno po!ftico e CiClltitico~1110strar;_Ul1decisJo e sellso atual da vida"." Nolltras palavras, em uis t:Jses de nor- malizal!Jo dos passos isolados dos anteccssorcs sao rcqllcridos outros mcritos\ raramente cncarados como tais, c do observador, luna cerra brglleza de espirito ainda l1111itol11aisrara (C0I110csta- 4S SENTll)() 1)1\fOR,\1N,:A() mos compmvando pclo exemplo not"vcl da presente exce~ao), para roder aquilatar 0 real signilicado de lUll Icn(,mcno bi- liunte como este,0 da imprescindivclti)rma~aode lUlUrotina. impeto planejador Aceita a observa~ao, 0 corolario c igualmente hmiliar. Sendo 0 pais aquilo que se sabe, e como nao h,:1cultura orga- nizada scm rorina intelcctual planejada pelo tirodnio ocasional dos maiores e a'5egurada pclo eslilr~o descompensado porcm regular dos epigonos, cssa convcrgcncia nao poderi caminhar no sentido da Forma~ao desejada se nao ti,r devidamente ca- nalizada por instituif6es, alcm do mais inspiradas no similar europeu, como nao poderia deixar de SCI' quando sc trata de estabelecer modelos e instrumentos para lazer "funcionar" a cultura entre n6s. Rdiro-me a uma OLltraprovidcncia liJrlllati- va que Antonio Candido, como c sabido, nunca deixou de tomar na hora apropriada e possivcl, a exemplo de Mario de Andrade em sua lase didatico-construtiva, que em nosso Au- tor tornou-se vezo permanente, mas nao predominante. Na realidade, 0 exemplo vinha de longe, regularmente destacado e encarecido pelo Autor, come~ando inclusive pela lembran~a da oportwlidade hist6rica da literatura congregada dos pri- meiros tempos coloniais. Mas nao sed preciso recuar tanto. Novamente a baliza data dos anos 30 e da atitude mental que se exprilnia no segundo tempo modernista, cuja rotiniza~ao (no sentido indicado), alargando em movimento amplo 0 que era surto vanguardista, traduzia uma "tentativa consciente de arrancar a cultura dos grupos privilegiados para transliJrlll,'·la 46 rRo\'mf:~ClAS DE UM CRinco LITERA-RIO em tator de humaniza~ao da malaria, atraves de institui~6es planejadas".B Regra geral lcmbrada a prop6sito do Departa- mento Municipal de Cultura, organizado por Mario de An- drade. 10 nesses momentos que Antonio Candido tambem cos- tuma pedir justi~a para alguns raros "feitos da burguesia", em particular para certas institui~6es que a burguesia programou mas que, arrastadas pela dinamica muito peculiar da vida bra- sileira, acabararn t0I11andooutro rumo, frustrando a cxpcctati- va original dos programadores, pr6ceres esdarecidos de um tlutuante partido brasilciro da ordem: de sorte que, "vem a oligarquia, vcrn a cultura cstrangcira dc encOinenda, crialn-se as coisas com um ccrto intuito - c no entanto brota ao lado uma plantinha incomoda que nao estava prevista"24 Teria sido o caso - ,,') para lcmbrar -, ainda na esteira do ''impeto planejador" dctlagrado em 30 (na expressao de Alfredo Bosi), da tiJl1da~aode institutos de ensino superior como a Universi- dade de Sao Paulo e a Escola de Sociologia e Politica, contem- poraneos do mencionado Departamento de Cultura, e mais adiante, ja no decenio de 40, 0 Teatro Brasilciro de Comedia. Os exemplos sao do pn\prio Antonio Candido e vern a prop6- sito do epis6dio Vera Cruz, dai 0 ambito paulista deles e a colora~ao de epoca muito dctinida, a brecha por onde a oli- garquia local inlaginava ir ao cncontro do cspirito do tempo, renovado em 30 urn pouco a sua revelia. Na falta de culturas paralelas consistentes, era a cultura que podia havel; construin- do-se nos termos em que isso era possivel: em parte pelo me- nos, essa a li~ao de Antonio Candido numa hora de balan,os estimulados pelo dedinio do regime militar, em que na revi- sao dos principais momentos de instala,ao da cultura moder- 47 SLNTll)()])A F()R~Ii\(,:A() na no BrasIl era praxe desancar aqucles luxus europeus em torno dos quais "se ahra~avam 'IS boas-vontades". (Nao custa recordar que 0 momento era de hegemoni'l liberal: a esquerda imaginava dar 0 troco traindo segreclos de [lI11ilia\ sugerindo nas ~llian~as desfrudvcis de antigamente a \'Oc.l~ao autoritiria dos novos liberais.) Voltando: uma li~ao scm del\'iLbcalibrada para () instante, 0 que nao impede de inclui-Ia no rcpert6rio das providcncias formativ<.L"i,ncstc caso, no capitulo da organi- za~ao instirucional da cultura. PROVIDENCIAS DE eM NEO-II.L::VlINIS·!.,\? Era 0 que pensava Allredo Bosi nos idm de 70, rclcrin- do-sc a ....cocrcncia axio16gica da bela, rica C COlllplcxa trajct()- ria de Antonio Candido"." Como 0 juizo c ddstico e procura a cOlltro\'crsia, convcm cid-Io pOl' extenso, acrcscido da cir- cUllsrancia polcmica que talvez cxplique 0 elltilvoCO muito C0I11- precnsivel. No limdo, providcncias tonudas por quem cOl1cebe a cultura como instnJmenro dl' m()dcrnil.'l~'i.o, de emp'1relhamellto do HL1SilCOIllos centros iIT,ldi,ldores da civiliza~J.o (}cidl'lltal; ° \'alm a SCI',uingido, ai, c a supera~;i.(l cllltllLll do subdese!l\'olvimellto, ,1 p,lssagclll dl' crapas lllenrais atr3sad,ls, provincianas, quc se faLl mediante a Jiber- dade de nprcssJ.o, () rigor ciemitico e () plalH..'jamellto mais razo,lvc\ d,lS i!lstitlli~()l's [... 1 0 progresso ad\'iria do e:\erclcio li\Te, lllais es- crupu!oso, de llllU CulhlLl scm t!n11tCir,l, scm cores n,Kiolulisr,ls lli.'lll S(llllhras t(lkl()ril.antes. Hoje, a nova esquerda hrasilcira, convenida com mUlto alarde aos imperativos da assim chamada Modernidade e ou- 48 PR()\"II )1:='( :I,\S DE l '.\1 (:RITI<I) LITER:\R «) tms paradigm as (()rr~Lltos, d~l1tr~c1~sa IdCia pdtica d~ Hu- manidadc, CllGUn3da pda norma culta curopci;l t' suas insti- tuil./lCS, n;\o veria m,ll ncnhum naquda 61sa 3tribui'iJo - atc porqu~, como s~ alega, !'0 111undomultipolar d~ hoj~, ond~ iuta d~ c1ass~s~ imp~rialis111ot~riam ticado para mis, 0 pm- c~sso glooal d~ moderniza<;ao voltou a ser 0 principal Enor d~ de1110cr,niu<;ao,~ " AUfNii17l1l!f ~m ~scala planed ria, lun pm- ino que sc rode confessar. H~lvintc _lnos, entrctanto, simpa- ti;1S iluminisras, rcais ou apcnas de c:onvcnicncia, ainda caiam 111uito111alnos Ill~ios d~ ~squcrda, au lllc1hor, nos scrores de ponta do Ixnsa111entoLk esquerda, 0 lIu111inis111otornara-se 0 alvo prdcrido da critic!, uma ~spcci~ de quinta-~sscncia do n~tasto ondc ~\'id~nt~llleme cl0ia Lk tudo, d'l raz,io tecnoer.i- tiLl j vonrad~ d~ n:rdaLIcLiaSvanguard'ls politicas, de Voltaire J. midi." lia cutrllra IctraU;l dos vcno:dorcs ao crcs('imcnto ceo- Il(;mico etc. Ess~0 <ingulode ataque de Alfi-cdoHosi, no caso, j culn,r.l universidri.l d~ 5.10 Paulo, expr~ssao 'lCabada dos "idcais ilustrados do hllmanismo pauJista", mito ()lig~lrqllicn- liberal d~ redcn<;aonacional p~1a~s(()lariza"ao do po\'o brasi- Ieim, f'lbllla"ao qu~ de r~sto nao era d~ ont~111n~111apan.igio paulista, Aquek idear;o amiilu111;nistacorria 0 111undoem va- rias \,crs{)cs, da contracultllra amcri('ana ao J.X}s-csrrururalismo fi'anccs, Ncnhullla delas pareee ter COI1lovido0 eritico Alfredo Bosi, quc, no Cllt311tO, panilhava 0 mcslno ditna dc opiniao, alinhando com as assim chamadas cllituras de rcsisrcncia, ani- madas pclos novos movim~ntos sociais c demais "vanguardas cspirituais'\ gcralmcntc propcnsas .1 cncarar a modcrniza'iaoGlpitalista antes de rudo como um fcnomcno cultural de cad- tel' prcdate')rio. Bosi apoiou-sc entao numa outra grande rete- 49 SENTI DO nA fORMA(AO reneia de cpoea, Gramsci, rclido inrensamcnte na I£<iJia,rcdcs- cobeno na Fran~a quanda cadueau a ecosura althusscriana, ~ por tabela, para variar, na Brasil, ond~ cicntista.s politicos d~ antiga tarma~ao marxista, por ~x~mplo, procuravam cncaixar a crise do regime e a rcvisao do pcr1odo cOl11prccndidoentre a R~volu~aa de 30 e 0 colapso do populisl11o~m 64 em no~ues tais como ''bloco hist6rico'" ~'hcgclnonia",""socicdadccivir' etc, enquanto outros deixavam-s~ ~mbalar pcla analogia enrr~ a "revolu~aopassiva"nos maldes do Riso'l/immto (ou rn~srno nos termas pr6ximos em qu~ s~ contigurara a "via prussiana") c a nossa Revolu~o IIlltb'I.Jcsa,evidclllemel1teinrrou""hle. Quanro ao nosso Cririco, rcvisando a trajcrc)riada intdigcncia univcrsid- ria uspiana, c julgando encontrar, como dizia, no scu p<,ndor cririco-liberal, urn cuidado cxccssivo, cstuuioso pOrC1l1 asscpti- ca c bern pensa.mc, com a difusaa da eultllra lctrada, eellSu- rou-Ihe 0 alhearnenta dclibcrado, a distancia em que scmpre se manteve de um prujcw mais arnplo para 0 IIrasil, urn pro- jew cntim vcrdadeiramentc "nacionaJ-popular" - outra no~ao gra.msciana que dava a volta no pais naquclc dccenio d~ 70, dividindo, alias, as opiniocs. Para rcsumir, digamos qu~ Bosi contrapunha uma nova "ida ao pavo" ao cosmopalitismo qu~ a Seu ver impregnava a culnu" uspiana, otU<;eadapdo dcscja de integrar 0 pavo miuda, eomposto pdas camadas pobrcs ~ rUsti- ea.s- que, no ent.lnta, aqueks scholal! sabia.mcsmdar tao bem -, no "sistema raeiona! indusivo" da sociedade modern a, tara do qual mdo c residua, atraso e areaismo. Urn eontraponto familiar. E, s~ kmbrarrnos que durante tUTI sceulo c1ebalizoll 0 debate russo atc as partas da revolu- ~ao, poder~rnos faeilment~ imaginar que nao nos livrar~mos 50 PRovmf::'-JCIASDEUMCRITICO LnEIV\RIO tao cedo dessa oscila~ao caracterlstica da condi~ao intelccrual na periferia da ordem capitalista internacional, ora procuran- do a vinculo direto da empatia, no caso cOIn a cultura pre- burguesa, mais particularmente com ados oprimidos deixados para tras na corrida da moderniza~ao, ora sonhando com uma ocidentaliza~ao acelerada do pais, de outro modo condenado a insignitidncia. A esse prop6sito, uma observa~ao de passa- gem dara a medida do desencontro: tendo encarecido lun dos p()los da equa~ao, Bosi acabou perdendo de vista a verdadeiro problema de Antonio Candido, tantas vezes enfatizado por nosso Autor, justamente esse balan\o de localisn10 e COSI110- politismo que nos momentos de equilibrio define etapas de acumula~ao. E pelo visw a t'Jrtuna critica de Antonio Candi- do t'U11bcmcontinuara oscilando entre esses dois extremos scm perdao, ora acusado de nacionalista, ora de euroccntrico. Ain- da ha mais neste capitulo. C.omo se nao bastasse deixar-se indu- zir pela alergia de Gramsci ao cosmopolitismo dos intelecruais italianos, ostcnsivo, c dcsdc entao por assim dizer heredirario, a partir do alheamento caracteristico dos hwnanistas da Re- nascen~a - ao qual Gramsci contrapunha a cariter popular da Rd'lrlna protestante - Alfredo Bosi nao deu muita aten- ~ao ao faw de que, ao centrar em grande parte na Escola sua profecia a respcito de unl novo scnso C0I11Um,Gramsci, nisto tilho de uma velha e entorpecida sociedade de parocos, bacha- rcis e mestres-esco!as, congregados a volta das velhas classes proprietarias, nao $(') nao rompia, antes rdor~ava, a tradi~ao do antigo socialismo ilustrado, muito contiante nos milagres do saber, tradi~ao que por sua vez Antonio Candido reencon- troll ainda viva, cstudando-a, porem, C0l11distal1te simpatia, 5\ SE:--:Tlll() 1).-\ f()R.\I:\(;:\() no modo de ser soci.liisl;\de lmla Teresina Carini Rocchi. Com pcrdao do atrevimellto, ali.is, duplo, scri.l 0 C1S0de nota •.que ha um pouco de dr. Fernando de Azevedo no Gr.unsci organi- zador da wltma. Ter.i, port.1I1W,a sua gr.l~·a"isar 0 primeiro nos tcrmos do segundo para mclhor c:nqu'ldrar a desconcl'r- t.lllte VOCI~.IO.lp.uelltemelltl· ilustrada de Anwnio Candido. Pois nao c:r3Olltro 0 <11\'0da impacicl1cia "na('ional-popll- l<1r"de AlliTdo Hosi em meados de 70, Cluena pessoa do org.l- nizador do Inqucriro sobre a Insrru~ao Pllblica em Sao Paulo divisou sobrerudo, nas suas mesn1c!Spalavras, as Ic)rmas en- lcalltes da boa conscicllcia ilusrrada: cictllt.10plTsrigiado pela oligarquia c intdigcJ1('ia rd<>rtnador3 dicicntc.:, no dr. fernan- do de Azevedo comoinava-se 0 melhor do p'lssado com 0 me- IhoT Jo prcscntc - que mais sc podcria descjar?10 1 l1l11pais de 'Tlonnas pclo alto, a liga de melhori.\ moderna e conlcu'd- vel perpetua~ao do nundo rradieional seria sempre oem-vin- d.l. Scm pOr em dllvida essa rorina do pais de pasS<ldocoloni'll e 0 correspondellte tClgomorto dOlmitologia dos sonhadores ilusrrados, c nessas horas que Alltonio Candido costllma enca- recer a oora pioneira de Fernando de Azevedo, par.l lcmorar em seguida que revolu~ao educaciol1;)lS(') meSlno em Cuoa a partir de 1959. Mais uma providcncia c'lraetnisrica, que a um rClllpo cncaminha c despisr'l, ('01110 cstrc.u n:ssalv3ndo 0 me- todo eririco do vulnedvel Silvio Romero. Como nao estou di7.endo mda que AltiTdo Rosi nao sai- ba C lTIuito mclhor do quc cu, tica no ar a curiosidadc: Icgiri- mamellte insaristeira:se lcmorannos que Alltonio Candido nao so passou a vida esmiu~ando 0 imago de nOS"1"ilusao ilusrra- da", como chegou entim a datci-la, 11;)condi~ao de idcologi'l 52 da h" lJl1e dUIllOli de conscicncia al11ena do atraso, de onde poderia provir a il11press;\o de que ao tilll e ao cabo reria sido vttima oa miragc111 n:Jcntora cuja pn:scn~a rccorrcnte na his- [(')ria dos progralllas de relllodel,I,;\O da inteligcncia brasileira \Till sendo registrad'l pelo Illenos desde os remixlS de Sergio Buarqul'i" Ali,is, sclllpre a plUp<'lsito daquele Illalentcndido de epocl ,Kerca da co!wergcncia illl.str'ld'l de Ill(l\.krniza,ao e de- 1110CLllil, s~ri;)() C1SO de recordar l.lllC no I11CSlllO •.1110do jUlzo (r(rico em qUCS(;10 c em tcrmos (uriosamcntc aparcnrados 110 que concerne l indole derradeira da organi7.1"\O da cultura nUIll pais subdesenvolvido, Antonio Candido dava-sc ao luxo de imaginal' lim Jocin!is1J1o pobrf que, base ado no "'prindpio da igu'lldade na pohreza, a tilll de que todos p<'SS<11llse livrar da l11iscri.l·~, to Icvando elll COlltaa '\1inlcllsao da natureza, as tra- di\(K'S ntituLlis !ol'ais C Ilossas rcais perspectivas (ientiticas c rccll()!()gicls", finallllclltc crraJiclssc () ti-cncsi U(> COIlSUIll(), nele induidos todos os ,qat{qcts d,\ indllstria cultural, illlfxlSto as ccol1omias rdk.\3s por cOIl\'cni~ll(ia do capiralismo cen- tra!." UI11 projeto de rceducl,;\O' Selll du\'ida, porelll na {)r- bita de Ullla sociedade igualit,iria CUj'l Illediania realista, mCa- rando COIllsobriedade ,I heran,a colonial do '\ltr,lSO", flCnnitiri'l cntim renov;}r0 vinculo indescard.vd (0111 a l1orn1a (ulta plantk da peh 'lI1tig3 llletr!Jp<>lc. Ullla contlucncia apcn,ls imaginalh, para Jcpois dl" ullla outra ·'t()rn1a~~\o~·.Ate hi, Illl.'smo sob pt"ll<l do mal-eI1tendido, scria 0 GlSOde ir socializ;mdo os ainda eSGlS- sos rccursos da cultura moderna acumulados a partir de 30 nas P<)UGl'insrinli,'-x:s phnej,\d,lS peh boa conscicnci,\ ilustrada. Volremos l querd,' "russ,l" que Ihe l\lOVeu Allil"do Bosi num mOl1lcnto dc alt;\ li;}s (ulturas pohrcs l."t"1l1sintonia (om 53 SE:-':TIJ)O DA FOR .•.•ll\<,:Ao o antiuniversalismo das dcrradeiras vanguardas europCias. De- safinando ou nao, 0 faro e que 0 "naeional-popuJar"de Gramsci, cuja arvore genealogica remontava ao lIarodnosz reinventado pclo radicalismo russo dos oitocentos, gravitava na orbit.! dos novos regionalism,>s e demais ideologias da infracomplcxida- de. E mais, de novo na bcrlinda a sempiterna ob.'essao da sitltnftio colonial, denomina~ao impr6pria ou nao, mas desig- nando impasses objetivos. Assim scndo, no processo de amadu- recimento descrito
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