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Prof. Me. Gil Barreto Ribeiro (PUC Goiás) Diretor Editorial Presidente do Conselho Editorial Dr. Cristiano S. Araujo Assessor Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira Diretora Administrativa Presidente da Editora CONSELHO EDITORIAL Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães (UFG) Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG) Profa. Dra. Helenides Mendonça (PUC Goiás) Prof. Dr. Henryk Siewierski (UnB) Prof. Dr. João Batista Cardoso (UFG Catalão) Prof. Dr. Luiz Carlos Santana (UNESP) Profa. Me. Margareth Leber Macedo (UFT) Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG) Prof. Dr. Nivaldo dos Santos (PUC Goiás) Profa. Dra. Leila Bijos (UnB) Prof. Dr. Ricardo Antunes de Sá (UFPR) Profa. Dra. Telma do Nascimento Durães (UFG) Profa. Dra. Terezinha Camargo Magalhães (UNEB) Profa. Dra. Christiane de Holanda Camilo (UNITINS/UFG) Profa. Dra. Elisangela Aparecida Pereira de Melo (UFT) Reginâmio Bonifácio de Lima Goiânia - Goiás Editora Espaço Acadêmico - 2020 - 1ª edição SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Copyright © 2020 by Reginâmio Bonifácio de Lima Editora Espaço Acadêmico Endereço: Rua do Saveiro, Quadra 15, Lote 22, Casa 2 Jardim Atlântico - CEP: 74.343-510 - Goiânia/Goiás CNPJ: 24.730.953/0001-73 Site: http://editoraespacoacademico.com.br/ Contatos: Prof. Gil Barreto - (62) 98345-2156 / (62) 3946-1080 Larissa Pereira - (62) 98230-1212 Editoração: Franco Jr. Imagem da capa: do autor CIP - Brasil - Catalogação na Fonte L732s Lima, Reginâmio Bonifácio de. Sobre terras e gentes : o terceiro eixo ocupacional de Rio Branco (1971-1982) [livro eletrônico]/ Reginâmio Bonifácio de Lima. – 1. ed. – Goiânia : Editora Espaço Acadêmico, 2020. 132 p. ; E-book. Bibliografia ISBN: 978-65-00-01088-6 1. Rio Branco (AC) - história. I. Título. CDU 93/99(811.2) O conteúdo da obra e sua revisão são de total responsabilidade do(s) autor(es). DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Impresso no Brasil | Printed in Brazil 2020 Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não Nas escolas nas ruas, campos, construções Caminhando e cantando e seguindo a canção (...) Os amores na mente, as flores no chão A certeza na frente, a história na mão Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição Vem, vamos embora, que esperar não é saber Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. (Pra não dizer que não falei de flores) Geraldo Vandré 6SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) SUMÁRIO APRESENTAÇÃO À SEGUNDA EDIÇÃO.............................................. 8 INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO ................................................ 10 Capítulo I: A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO .......................................................... 16 1.1 As Relações de Poder .................................................................................. 16 1.2 Ocupação Recente da Amazônia ............................................................ 17 1.3 Abertura e Definição da Fronteira Acreana ........................................ 20 1.4 Sudhevea e Probor ....................................................................................... 26 1.5 Breve Histórico Riobranquense ............................................................... 27 1.6 Demografia da Capital ................................................................................ 33 Capítulo II: AS POPULAÇÕES RURAIS EXPROPRIADAS E A PERIFERIA ESTENDIDA ........................................ 37 2.1 A Expansão da Fronteira ............................................................................ 37 2.2 As Formações e Ampliações da Periferia ............................................. 43 2.3 Acerca de Governos e Jornais .................................................................. 48 2.4 A Igreja Católica e a Luta pela Terra ....................................................... 55 2.5 Conflitos no Campo e a Luta pela Sobrevivência ............................. 57 7 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Capítulo III: O TERCEIRO EIXO OCUPACIONAL DE RIO BRANCO ............................................................... 64 3.1 Aspectos Gerais ............................................................................................. 64 3.2 Saneamento Básico ..................................................................................... 77 3.3 Localidades a Serem Observadas ........................................................... 82 3.3.1 Salgado Filho .................................................................................... 83 3.3.2 Sobral .................................................................................................. 87 3.3.3 Floresta Sul ........................................................................................ 89 3.4 De Espaço Fronteiriço a Território Local ............................................... 90 3.4.1 Informações gerais ......................................................................... 90 3.4.2 Informações técnicas..................................................................... 94 3.4.3 Informações sobre as edificações ............................................. 95 3.4.4 Serviços urbanos ............................................................................. 96 3.5 Habitantes e Habitat ................................................................................... 97 3.5.1 Impressões iniciais.......................................................................... 97 3.5.2 Ambiência ocupacional ................................................................ 99 3.5.3 Sujeito-identidade-lugar ...........................................................112 3.5.4 Perspectivas das localidades ....................................................116 MEMÓRIA E HISTÓRIA ................................................................... 120 REFERÊNCIAS ................................................................................. 123 Livros .........................................................................................................................123 Periódicos ................................................................................................................128 Entidades .................................................................................................................129 8SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Terras e Gentes, foi com essa expressão marcante que con-cluí minha Especialização em Cultura, Natureza e Movimen-tos Sociais na Amazônia pela Ufac. De forma geral e dinâmi- ca podemos dizer que as terras são os ambientes, lugares, locais, espaços de vivências e convivências antrópicas. De igual modo, as gentes são pes- soas indeterminadas e/ou entes com personalidade que habitam as locali- dades e nelas produzem ações e modificações. Enfim, terras e gentes são humanos se relacionando no tempo, no espaço e na memória. Quando publiquei a primeira edição desta obra em 2006, ainda de forma quase que artesanal, não imaginei que teria uma repercussão tão grande. Como era de se esperar, a obra foi muito mais lida e citada fora da terra de estudo que dentro dela – afinal, a velha política não gosta de assumir seus erros e desatinos. Tantos trabalhos a citaram – entre artigos, papers, dissertações e teses – que nos incentivaram a continuar trabalhan- do na mesma vertente e, por conseguinte, outros foram escritos a partir desta. “Sobre Terras e Gentes” virou nome de Grupo de Pesquisa. A partir dos estudos realizados, publicamos outros livros como Habitantese Ha- bitat (2007), que teve duas edições no mesmo ano; Habitantes e Habitat: a expansão da fronteira (2007), Memórias de Velhos (2008), Habitantes e Habitat: Vila do Incra e Porto Acre (2009) e Uma História do Acre em Retalhos (2014). Ao editar este livro, fui tomado por duas dúvidas que influencia- riam diretamente a reedição da obra: atualizar ou não os dados para o con- texto atual; e, adequar ou não a linguagem para um público mais amplo, transformando-a em obra mercadológica. Após meses de reflexões e, até de algumas reescritas, percebi que ao mexer nas bases fundantes elemen- APRESENTAÇÃO À SEGUNDA EDIÇÃO 9 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) tares do texto a obra seria reescrita e adaptada ao presente, mas destoa- ria no propósito de ser reeditada com uma marcação de tempo e espaço. Não atualizamos dados. Não revimos os novos paradigmas que se apre- sentam. Nem constituímos um texto dinâmico, salutar, incisivo. Optamos pela permanência para que a obra não se perdesse no tempo e no espaço – apenas atualizamos a escrita conforme o Novo Acordo Ortográfico e edi- tamos algumas expressões para o contexto atual. “Sobre Terras e Gentes” é um livro escrito em 2005 e publicado em 2006. Passaram-se 15 anos de sua escrita e seu conteúdo permane- ce atual. As terras, as gentes, as andanças, as necessidades de melhorias, as expropriações, a expansão do cinturão de pobreza, as lutas, as interlo- cuções entre os seres sociais constituintes das modificações antrópicas – tudo permanece em mobilidade e nesta, percebe-se que o avanço é para frente e em espiral. Este não é um livro sobre a cidade de Rio Branco apenas, mas so- bre a luta cotidiana por sobrevivência e a luta por moradia que assolam populações andantes e populações migrantes brasileiras que todos os dias tentam a sorte se deslocando para as periferias das cidades em busca de melhores condições de vida. 10SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Este livro é fruto de dois anos de pesquisa na Pós-Graduação em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, pela UFAC, nele estão contidos os resultados iniciais da pes- quisa efetuada na área em que segue o caminho em direção ao antigo Ae- roporto, próximo à Secretaria Estadual de Educação. Naquele local, hoje em dia estão formados os quinze bairros que compõem a terceira fase de expansão da cidade de Rio Branco. Nessa localidade moram atualmente mais de 33.908 pessoas, de acordo com o último censo do IBGE. Muito se ouve falar da Fazenda Sobral, PROBOR II, Aeroporto Guiomard Santos, assassinato de João Eduardo, “quatro bocas”, Palhei- ral, hospital distrital, mas pouco ou quase nada se tem escrito a respeito. Este livro tem a pretensão de falar de forma geral, sem generali- zações, como se deu o processo expansivo da Capital acreana para aque- la área, bem como de que forma os moradores desenvolveram ali, suas identidades, culturas e transformaram a ambiência ocupacional. É certo que nesse primeiro momento nos concentraremos no viés historiográfico social, contudo na continuação dos trabalhos, com a conclusão da segun- da parte da pesquisa, desta vez na área de linguagens e identidades, pelo Mestrado em Letras da UFAC, pretendemos dar maior suporte para as re- lações de memórias, culturas e interações da/na dinâmica social. Com o apoio da Secretaria de Planejamento Municipal que nos ce- deu as fotos; do Setor de Georreferenciamento, que reconheceu a área e demonstrou interesse no setor; do Setor de Cadastro Imobiliário que for- neceu os croquis de todas as residências do local, no período de estudo ca- dastrado; da Prefeitura Municipal de Rio Branco que abriu seus arquivos à pesquisa; da Assessoria Jurídica da Câmara de Vereadores que cedeu as INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO 11 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) leis postas no trabalho “texto”; bem como o auxílio da Procuradoria Ge- ral do Estado, que auxiliou diretamente no aparato político, e aval jurídi- co concernente à jurisprudência e legalidade dos documentos referentes à possíveis titulações públicas daquela área; conseguimos ampliar as pes- quisas e chegar aos resultados que se seguem no decorrer de todo o livro. A ocupação desses locais já foi feita a mais de três décadas, e não seria justo deixar que as histórias das relações sociais lá produzidas, bem como as modificações antrópicas naquela ambiência sejam esquecida co- mo tantas outras, tão importantes quanto esta que se perderam nas fissu- ras não lineares da geo-história riobranquense. Não se intenta aqui ser “o salvador da pátria”: apenas tornar público os traços e recortes das rela- ções estabelecidas no Terceiro Eixo riobranquense. Relações estas nem sempre harmônicas, nem sempre causais, nem sempre intermitentes, mas sempre válidas, vívidas e bem vividas. São homens e mulheres, gentes como você e eu, em busca de melhores condições de vida, que habitam terras que embora há anos existam leis que lhes garantam o direito de ti- tulação, muitos deles ainda são posseiros e moram numa terra que segun- do os governos não é sua, porque a sua... essa foi tirada. Mas isso os go- vernantes não viram. Então, vamos lá. Em nome de uma pretensa integração do Acre ao espaço nacional de desenvolvimento capitalista, durante fins da década de 1960 e início da seguinte, as terras públicas foram vendidas, e, por conseguinte, as popula- ções nelas residentes foram obrigadas a sair – o que resultou num intenso fluxo migratório na direção campo-cidade1. Com a emergência dos confli- tos pela posse da terra, a realidade urbana surgia como desdobramento da expansão da fronteira agrícola. A trajetória dessa população no contexto regional, tanto quanto os laços de vínculo com os locais de onde migra- ram, tornam clara a aglutinação de famílias na periferia urbana. O “cinturão de pobreza” formado como expansão da periferia já existente não é um fenômeno exclusivo da história recente do Acre, em 1 O Termo aqui é utilizado no sentido de rural-urbano; de colônias, seringais, colocações, chácaras à parte composta de cidade e suas ampliações. 12 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) vários locais do Brasil e América Latina é perceptível a organização – ou falta de – nos bairros periféricos. O ajustamento cultural dos migrantes vai constituir novos contingentes de trabalhadores, mas também expor o sentimento de identificação com a terra como meio de produção e cons- tituição de laços internos de solidariedade e defesa (OLIVEIRA, 1983, p. 86) – traços característicos ao processo de formação, que em geral es- ses migrantes levam consigo para as cidades. Ao falar de Eixo Ocupacional em Rio Branco é preciso ter em vis- ta que “a compreensão do movimento de formação e transformações da cidade, em sincronia com as etapas e contradições da economia mercan- til da borracha, torna-se então uma das chaves para desvendar os proble- mas e conflitos surgidos agora com a aceleração do crescimento urbano” (OLIVEIRA, 1982, p. 32). Nesse aspecto, identifica-se a formação, ainda que parcial, de uma localidade extensiva aos habitantes do que se chama Terceiro Eixo Ocu- pacional de Rio Branco. Esse se constituiu na área próxima ao Centro de Treinamento, atual Secretaria de Educação, envolvendo os 08 bairros for- mados a partir da expansão da cidade ocorrida na década de 1970 e início de 1980. Quanto à temporalidade, é certo que não tem uma data-marco de formação específica, tampouco uma data final de andanças populacionais. O que se percebe é que a área que compreende o Terceiro Eixo, teve o iní- cio de sua formação “urbana” aproximadamente em 1971, e o desenvol- vimento espacial com uma definição básica próxima ao que é atualmente, por volta de 1982. Sendo composto pelos bairros Aeroporto Velho,Pa- lheiral, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, João Eduardo I e João Eduardo II. Ao mesmo tempo que se observa, nesse mesmo território, uma plurali- dade de identidades coletivas, envolvendo diversidades em relação a ori- gens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que aproximam e distinguem grupos de indivíduos entre si. As gentes do Terceiro Eixo, provenientes da zona rural e de outros bairros periféricos da capital, tiveram na cidade o mesmo descaso com o qual foram tratados anteriormente. Ao ocuparem terras que não lhes per- tenciam, as pessoas corriam o risco de serem expulsas, e assim ocorreu com os moradores de locais como Palheiral, João Eduardo e Bahia, sen- do parte dessas terras utilizadas em benefício de especuladores urbanos. 13 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) O que se pode ver também, diante do contexto histórico, são as condições de vida, o excesso de mão-de-obra “desprovida de qualificação” para a in- serção no mercado de trabalho, e as incertezas pairantes rodeadas de mi- séria e desagregação social. Em 1982, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro”, Olivei- ra citou o Terceiro Eixo, afirmando: Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o núcleo central através da Rua Rio Grande do Sul, a qual até 1970 era habitada só parcialmente, até o chamado Centro de Treinamento. Esta parte, inclusive, se estendia por uma grande superfície de áreas verdes naturais, as quais foram inteiramente derrubadas durante a década passada. (...). Nessa área pontificam os bairros do Aeroporto Ve- lho, Terminal, Baia e Palheiral, habitados pela população pobre de origem rural e que já somam [em 1982] mais de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a ocupação de áreas ainda prossegue nesse ei- xo e os novos bairros vão se formando, como o bairro João Eduar- do (...). (OLIVEIRA, 1982, p. 39). A mobilidade é uma regra na atualidade, o movimento sobrepõe-se ao repouso e quando o homem muda, junto com ele mudam também as mercadorias, as imagens e as ideias (SANTOS, 2002). Ao estudar a for- mação do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, envolto na perspec- tiva da dinâmica das migrações, ou seja, da vida dos migrantes, chega-se à compreensão de que sempre as mudanças fazem parte da vida cotidia- na, e essas afetam diretamente o ambiente por transformações sócio-es- paciais – enquanto causa ou efeito, e, em grande parte, ambas correlatas – e que os fluxos dessas gentes para o local não são fatos isolados, uma vez que se inserem no contexto das migrações internas, decorrentes da política nacional da Marcha para Oeste, intensificada durante o período da Ditadura Militar. As problemáticas levantadas buscam investigar a forma como se deram as relações entre as gentes que ocuparam as terras dando início à formação e ao crescimento do Terceiro Eixo Ocupacional no período de 1971 a 1982, almejando explicitar o processo de ocupação pelo qual pas- saram os referidos bairros, bem como as modificações antrópicas efetua- 14 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) das no ambiente receptor da migração. Desta feita o presente trabalho tem como objetivo investigar e analisar o processo de ocupação e formação do Terceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco – que compreen- de os bairros Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Aeroporto Velho, Glória, Pis- ta, João Eduardo I e II –, desde 1971 até 1982. Especificamente objetiva: perceber o Terceiro Eixo de Ocupação como parte integrante do proces- so de expansão de Rio Branco; compreender o movimento de formação e transformação da cidade, destacando a expansão do Terceiro Eixo Ocu- pacional e seus conflitos; abordar a luta pela sobrevivência das gentes mi- grantes expropriadas da periferia de Rio Branco, enquanto parte de um processo macroeconômico e social; analisar as modificações antrópicas efetuadas nas terras do ambiente receptor das migrações rural e urbana. A pesquisa foi feita dentro de uma perspectiva historiográfica, ten- do como apoio metodológico as formulações e a discussão social da pro- pagação da experiência humana, como elemento fundante para constru- ção de um modo de vida comunitário, embasado no pensamento estrutu- ral de Paul Thompson. A vivência dos ex-seringueiros, ex-posseiros ru- rais e o quadro geral de seus movimentos históricos constituem o foco de interesse do estudo, como matéria de investigação pertinente à compreen- são específica das características assumidas; a acentuação urbana, devido à intensificação do êxodo rural, a luta pela terra e a ocupação dos espaços tornados urbanos. A pesquisa não se propôs a estudar a formação da pe- riferia de Rio Branco a partir de um viés economicista, vinculado unica- mente à expansão da frente capitalista na Amazônia, mas a caracterizar as complexidades que o processo de urbanização de Rio Branco apresenta no curso da sua história recente. Num primeiro momento foram trabalhadas as bibliografias exis- tentes acerca da formação periférica da cidade de Rio Branco, buscando fazer o enquadramento historiográfico do objeto de pesquisa e dos su- jeitos nele atuantes. Segundamente, os referenciais teóricos, conceitos e conjunturas sociais, foram estudados na pesquisa, com a devida contex- tualização acerca da urbanização da cidade e do processo expansivo. Para tanto, foram consultados autores como Leandro Tocantins, Luiz Antônio Pinto de Oliveira, Carlos Alberto Alves de Souza e Leila Gonçalves da Costa, estudiosos das relações sociais ocorridas no Acre, especialmente 15 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) em Rio Branco. Em seguida foi aplicado um questionário sócio-econô- mico e cultural com os moradores mais antigos dos bairros, procurando levantar informações sobre seu local de moradia e suas relações de con- vivência. Foram aplicados questionários nos oito bairros, tendo como base os seguintes requisitos: os entrevistados precisavam morar, ininterrupta- mente, no bairro há, pelo menos, 23 anos, ou seja, desde 1982, ou antes dessa data; ser o “chefe” ou um dos “chefes da casa” na atualidade; a ne- cessária cobertura e abrangência de toda a localidade, com aplicação de maior quantidade de questionários nas áreas que, segundo a Prefeitura2 e entrevistas orais com os moradores, eram os locais com maior densidade demográfica no período de formação. É certo que o Terceiro Eixo não se formou a partir de um planeja- mento territorial urbano, antes pelas migrações e andanças populacionais o espaço foi se transformando em lugar a partir da constituição da base territorial. O espaço desconhecido, natural, incomensurável, foi e ainda é mo- dificado, transformado e “reordenado” pela diversidade nas inserções an- trópicas que o tornam um território de ordem cultural, conhecido aos que lá se assentaram e mensurável às relações sócio-culturais nele estabele- cidas. Assim sendo, percebe-se, ainda que, às vezes, indiretamente, que o poder público opera e coopera no ordenamento territorial, através de ações de políticas públicas, estratégias de mudança social e organização do território ou falta delas. Essa transformação é ao mesmo tempo um assunto técnico e políti- co, não é o foco deste trabalho engajar-se nos fatores de distanciamentos (por rupturas, fissuras e até mesmo no termo físico), tampouco de acessi- bilidades (no viés geodésico). O que se busca é desenvolver a compreen- são de como as terras foram modificadas antropicamente pelas gentes que produziram modificações, organizaram e ocuparam o território do Tercei- ro Eixo desenvolvendo e estruturando esse habitat humano (ALMEIDA, 2001) à partir das diferentes atividades e relações sociais estabelecidas. 2 BCIs, Cadastro imobiliário, Plantas Oficiais da Cidade de 1979, 1980, 1981, 1982. 16SOBRE TERRAS E GENTES:o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) C a p í t u l o I A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO 1.1 As Relações de Poder O Brasil em seu subdesenvolvimento não galgou espaços co-mo as nações do Norte, chamadas de desenvolvidas. A ex-pansão do mercado no país teve nos mercados financeiros modernos a base garantidora da viabilidade modelada pelos países de- senvolvidos para que se seguisse neste país. A produtividade e assimila- ção das novas técnicas não conduziram à homogeneização social, antes, a difusão das novas técnicas deu-se em certas áreas, inicialmente qua- se que exclusivamente pela aquisição de novos produtos via importação (FURTADO, 1992). Esse chamado processo produtivo causou uma mo- dernização no Brasil, mas não conduziu à redistribuição dos bens, não houve a elevação do nível de vida da população. Nesse contexto de subdesenvolvimento surgiu a industrialização tardia brasileira, que agiu com grande rapidez para reestruturar o sistema produtivo, ainda embasado no sistema substitutivo. A Amazônia troca- va “pelas” de borracha por dinheiro, que não enriqueceu os seringueiros, mas formou grandes fortunas Brasil a fora. A modernização tardia imple- mentada pela “industrialização substitutiva” levou o Estado a sustentar a sua modernidade com recursos provenientes dos meios ditos atrasados. As transições ocorridas na Amazônia, principalmente a partir dos anos 1960, foram “pelo alto”, onde o governo agia procurando mecanis- mos explícitos de incentivos empresariais, para atrair capital e empreen- 17 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) dedores de diversos setores econômicos, enquanto as gentes que migra- ram em direção a esse local, atraídos pela política de colonização, tiveram poucos recursos e o apoio do Estado foi reduzido. A tentativa de desen- volvimento econômico deixa claro que há uma continuidade na formu- lação da política, sendo priorizada a dinâmica econômica. Altvater apud Heller (1999, p. 138) afirma que “como ocorre com o trabalho na indús- tria, a natureza também passa a ser ‘realmente subordinada’ ao capital, is- to é, subjugada à lógica da acumulação, de uma forma mais eficiente do que nunca na história da humanidade”. Há uma fluência do monetarismo que não respeita fronteiras, antes a seu interesse constrói nacionalidades e as destrói, desconsiderando as territorialidades postas. O desenvolvimento posto na Amazônia, fruto do predomínio dos países industrializados, não é socialmente justo, nem ecologicamente sus- tentável. A Amazônia está inserida na lógica de dominação capitalista, on- de esta lógica rompe fronteiras, fomentada pelo crédito de incentivos fis- cais, que em meados do século XX moldou o processo de desenvolvimen- to regional (SILVA, 1989); como consequência houve os conflitos pela posse da terra, contradições urbanas e rurais e continuação do estabele- cimento de desigualdades na apropriação do espaço econômico, político e sócio-ambiental da região. Nesse mesmo período, a questão ambiental estava internacionalizada com fomentos para uma postura de desenvolvi- mento – ainda não sustentável – onde se buscava construir cenários para a formação da base necessária para a atuação dos grupos ligados ao “pro- gresso humano” em detrimento da “barbárie” na região. Contudo, esse de- senvolvimento não chegava às classes trabalhadoras, como forma de me- lhorias sociais, e ainda, “quando ficou óbvio, por volta de 1970, que a cor- rida pelo desenvolvimento realmente intensificava a pobreza, inventou-se a noção de ‘desenvolvimento equitativo’ para reconciliar o irreconciliável: a criação da pobreza com a abolição da pobreza” (SACHS, 2000, p. 121). 1.2 Ocupação Recente da Amazônia As políticas traçadas de expropriação e formação de mercados de reserva se deram tardiamente na Amazônia em relação ao restante do pa- 18 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) ís. Contudo, os efeitos foram vistos alardeadores das disparidades exer- cidas pela “ditadura do grande capital” e pelas práticas governamentais voltadas aos interesses de uns poucos. As migrações da zona rural para a urbana e dos pequenos centros para as cidades fizeram ocorrer uma gran- de explosão demográfica nas cidades, aumentando as periferias, levando esses trabalhadores expropriados a viverem à margem das cidades. Tudo isso, em grande parte, fruto das políticas públicas e atividades capitalistas implementadas no campo. A política econômica adotada a partir de 1964 favoreceu os Es- tados da Amazônia com uma participação de forma mais efetiva de for- mação do capital e consequente integração à propaganda produzida pelo governo federal; a construção de rodovias como Belém-Brasília, Cuiabá- Santarém, Brasília-Acre; e, pouco depois, no Acre a especulação fundi- ária, o crédito fácil e barato, as facilidades para a expansão da pecuária, acentuaram o desequilíbrio social, afetando diretamente as populações que passam a ocupar as periferias das cidades, principalmente da capital. A forma de ocupação implementada na região acreana na primei- ra metade do século XX era extrativista da borracha. Com a transferência das terras dos seringais falidos aos compradores do Centro-Sul, viu-se um acelerado crescimento das pequenas propriedades, embora a terra tenha continuado extremamente concentrada. Já nos últimos anos da década de 1960 é perceptível uma ruptura no padrão de ocupação territorial nas capitais amazônicas. As alterações produzidas dão conta de um redimensionamento do quadro urbano com o amento da migração contínua para as cidades. O principal fluxo migra- tório se deu mais intensamente para a banda oriental, com predominân- cia de composição rural atingindo principalmente as cidades de Macapá, Porto Velho e Rio Branco. Uma temática a ser abordada concernente a esse período específi- co da ditadura militar e seus projetos para a Amazônia, é o caráter trans- nacional da compreensão amazônica enquanto necessária aos interesses dos países de economia desenvolvida, não apenas com o intuito de uma economia predatória, mas também, pelas riquezas da biodiversidade, des- cobertas científicas, a água potável para um mundo que já sente a escas- sez deste produto, e, as alterações climáticas que a destruição da Amazô- 19 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) nia poderia causar nesses países. Por isso, o enfoque que deve ser dado, além da visão militar, precisa incorporar temas emergentes e complexos que superem a crise ecológica e ampliem o pensar reformulante que está ocorrendo dentro de uma atuação entre Estado, as forças do mercado e a sociedade civil, numa questão de segurança internacional. Os movimentos políticos e econômicos que começaram a surgir no final da década de 1960, davam margem a grupos e ONGs que buscavam “proteger” a natureza para tornar em “meio ambiente” a localidade imple- mentando o “desenvolvimento sustentável”, a natureza onde, por séculos os seus habitantes já viviam. Nesse período, qualquer processo de trans- formação teria o aparato estatal e o fundo público como pressupostos. Além da criação de empresas e agências estatais de desenvolvimento, vi- sando atrair grandes grupos de capitais privados. O poder público dotou, ainda que parcialmente, de infra-estrutura adequada, formulou políticas e incentivos fiscais e de crédito. Como consequência dessa inicial atividade pública, foram implan- tados grandes projetos agropecuários e dispositivos jurídicos excepcio- nais, como os mecanismos de regulamentação adotados pelo estado. Esse período foi o que mais rápido convergiu terras públicas em propriedades privadas. A expansão capitalista na Amazônia resultou, além da desre- gionalização da propriedade do capital, na predominância dos projetos agropecuários sobre os industriais, nos ganhos especulativoscom a terra, geração de violentos conflitos sociais decorrentes da luta pela terra e ex- pulsão dos camponeses de sua terra, acelerando o processo de destruição ambiental (PAULA, p. 1991). Em nome da integração nacional, e mais tarde, de uma integração com o mercado externo, o ambiente social foi modificado. As normati- zações produzidas pelo jogo monetário regulado pelo sistema financeiro internacional, FMI e Banco Mundial, transformaram a dinâmica interna das convivências intra-nacionais, regulando-as através do controle estatal com políticas e ações coordenados por investimentos setoriais e fomento às “práticas de desenvolvimentos” na região. As regulamentações, tão ne- cessárias em meados do século XX, tornaram-se carentes de modificações e desregulamentação na década de 1980. As leis executadas e a generosi- dade do poder público concederam ao grande capital “salvo conduto” para 20 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) agir livremente na Amazônia. Mesmo com a aprovação da política nacio- nal de meio ambiente, em 1981, o que se viu foram mecanismos que aju- daram aos interesses estrangeiros em detrimento das populações locais. 1.3 Abertura e Definição da Fronteira Acreana As terras do Acre por vários séculos foram tidas como desconhe- cidas ou “terras não descobertas” e assim permaneceram até meados do século XIX. O Tratado de Madri realizado em 13 de janeiro de 1750, re- gularizou os limites entre as terras portuguesas e espanholas, mas não de- limitou a área especificamente referente ao Acre; outros tratados foram produzidos e, de mesma feita, não estabeleceram, no terreno, a linha fron- teiriça que abrange do Rio Madeira ao Javari. A borracha amazônica era bem conhecida e utilizada pelos índios, eles faziam artefatos de borracha e brinquedos para os curumins, além de utilizá-la como impermeabilizante. Várias espécies de árvores que for- necem o látex eram há muito utilizadas: como o caucho (castiloa ulei), a balata (chrysophyllum balata), a sorva (couma utilis), a mangaba (harni- cornia speciosa) e a seringa (hevea basiliensis). É certo que em 1762, com o uso da terebintina, houve um avanço na qualidade da consistência da borracha e consequente avanço na pro- dução. A Europa estava vivenciando o início da Revolução Industrial, enviando pesquisadores ao mundo inteiro em busca de novos produtos. O padre jesuíta João Daniel escreveu que “entre o Rio Madeira e o Javari, por mais de 200 léguas não há povoação nem de branco, nem de tapuias mansos ou missões”, isso em 1760, na época em que as missões estavam se estabelecendo na Amazônia (Revista Interior: 1978, p. 6). Desde o descobrimento da América se conhecia a borracha, o pró- prio Cristóvão Colombo presenciou, em sua segunda viagem à América, o “jogo da bola”, no Haiti. Muitos viajantes anunciaram essa “maravilha da América”, contudo, foi o pesquisador geógrafo e astrônomo francês Charles Marie de Lá Condamine, estudando as selvas do Equador, que comunicou à Academia de Ciências de Paris em 1736, notícia sobre a aplicabilidade da borracha. 21 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) O mundo em industrialização estava querendo usufruir as riquezas da Amazônia, várias foram as tentativas de conquista do território nacio- nal brasileiro. Em 06 de julho de 1801 o Tratado de Badajós anulava o de Santo Idelfonso, ficando definidas as fronteiras da América do Sul. As Frentes de Expansão, muitas delas capitalistas, buscavam demarcar o ter- ritório brasileiro. Após a descoberta do processo de vulcanização da borracha em 1844, por Thomas Hancock, na Inglaterra, e Charles Goodyear, nos Esta- dos Unidos, foi possível dar outras utilidades à borracha. Essa se tornou indispensável para a civilização. O uso que antes era restrito, mas que já tinha mercado garantido em Boston, Nova York, Lisboa, Viena, Londres e tantos outros lugares, foi expandido. O preço do látex subiu considera- velmente e iniciou-se a corrida para o Acre. Serafim da Silva Salgado, Manuel Urbano, João Cunha Correa, Willian Chandless e, mais tarde, Euclides da Cunha, desbravam o territó- rio acreano estabelecendo marcos. Nessas áreas foram descobertas várias tribos indígenas, grande quantidade de árvores para a coleta do látex, ri- cas fauna e flora. Abre-se uma Frente pioneira no Rio Acre e pouco depois no Purus, impulsionadas pelos interesses internacionais em adquirir a riqueza pro- veniente da floresta. Antes, o comércio das drogas do sertão havia impul- sionado o adentrar a floresta, agora a borracha fazia subir às cabeceiras dos rios. A introdução de barcos a vapor em 1853, bem como a aberturara do Rio Amazonas à navegação internacional, fizeram com que a comer- cialização da borracha aumentasse em muito, a ponto de ainda no século XVIII superar a de cacau no porto do Pará. A relação entre os seringais e a cidade de Manaus era de compra da produção por parte desta, enquanto subsidiava aqueles. O drama inter- nacional começou a se esboçar por os brasileiros transporem a fronteira entre seu país e a Bolívia, iniciando um rudimentar processo de “civiliza- ção”. Os limites ainda não haviam sido fixados, nem os marcos coloca- dos, daí a dificuldade; nem a Bolívia sabia que as terras lhe pertenciam. A linha limítrofe leste-oeste só existia nos tratados internacionais. Os bra- sileiros eram os únicos a explorar a borracha, atendendo uma demanda existente desde 1839, mas que não havia sido suprida até a grande seca do 22 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) nordeste de 1877, onde sem condições de vida, levas de imigrantes che- gavam às terras da Amazônia em busca de sobrevivência, e foram formar os seringais do Acre e seus primeiros núcleos populacionais, em busca do ouro negro. A terra desconhecida, paisagem totalmente isolada do que se cha- ma civilização, fora aos poucos sendo ocupada. O ciclo se completara, terras novas, produção e população. Havia um fluxo de relação entre es- ses; então, Brasil e Bolívia resolveram demarcar as fronteiras delimitan- do a linha Cunha Gomes a 10’ 20” de latitude. Portanto, o Acre pertencia oficialmente à Bolívia; no ano de 1897, um ano depois foi dada ordem ao governo amazonense para reconhecer essa linha. Contudo, pelo tratado de Ayacucho, o artigo segundo reconhecia o “uti possidetis”, para fixar a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Casa Comercial da Vila Rio Branco, do Sr. Newtel Maia e Cia. Arma- zéns dos Srs. Apolinário, Floguel e outros (em cima). Propriedade da firma Alves Braga e Cia. do Pará. Data: 1906-1907. Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, p. 99 e 113. Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas. 23 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Seringal Nova Empreza (abaixo). Propriedade da firma Alves Braga e Cia. do Pará. Data: 1906-1907. Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, p. 99 e 113. Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas. Durante o período de 1890 a 1905, além do crescimento da de- manda de matéria-prima gumífera, o que se vê é uma série de atividades acentuando as relações envolventes da prática vigente na expansão fron- teiriça do oeste. De um lado, o Brasil busca se afirmar com a instalação do regime republicano, no intento de atingir o equilíbrio de sua economia que mesmo com a atuação do café, ainda era instável; de outro, a Bolívia liderada por seu representante advindo das frentes liberais, Manuel Pan- do, procurava afirmar-se como Estado autônomo. Ao desenvolver essa análise, percebe-se que o leite extraído da hevea brasiliensis aparece co- mo possibilidade concreta de ambos os países alcançarem seus objetivos. Com a ascensão de Pando ao poder, a instabilidade política, deficiência econômica e falta de unidade territorial na Bolívia vai eclodira “Questão do Acre”, e, mais tarde, o Bolivian Sindicate. Luiz Galvez, Plácido de Castro e tantos outros “heróis” acreanos entre lutas, batalhas, tratados e diplomacia imputaram ao Acre status de pertencer ao Brasil. A fronteira foi definida oficialmente no dia 17 de de- 24 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) zembro de 1903, com o Tratado de Petrópolis, anexando as terras do Acre ao Brasil; um pagamento ao Bolivian Sindicate de 110 mil libras esterli- nas; e à Bolívia, de dois milhões de libras esterlinas, além da construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Definida a questão do Acre é necessário que se dê continuidade ao estudo da abertura da fronteira: as necessidades de excedente demográ- fico foram, em grande medida, supridas pela corrente migratória para a Amazônia ocorrida a partir da grande seca do nordeste. De acordo com Lima (1982) a intensificação da migração nordestina para o Acre inicial- mente se deu no período de 1877 a 1900. Nesses treze anos, cerca de cen- to e sessenta mil imigrantes se estabeleceram nos seringais situados na bacia dos rios Madeira, Acre, Purus, Chandless e Juruá. Sendo possível traçar a concomitância da seca com o início do período mencionado, e o auge da produção gumífera com os últimos anos do século XIX. Essa expansão, aparentemente intensiva, não manteve seu fluxo proporcional ao aumento da produção do látex. As novas terras utilizadas mantinham uma estreita relação entre a atitude pioneira de “assentamen- to” e produção e o modo de vida existente nas unidades produtivas. Assim a relação entre a terra da qual se retira a borracha (o seringal), o respon- sável pelas terras, mantenedor do “modo de vida” implementado em suas propriedades (o seringalista) e o indivíduo diretamente responsável pela extração do leite da seringa e sua transformação em pélas (o seringueiro), se dá ora amistosamente e ora em conflito. É válido ressaltar que embora a relação vigente fosse de explora- ção e que os seringueiros tenham sido expropriados, gradativamente se endividando e enriquecendo os donos dos seringais, era latente que mui- tos seringueiros viam seus “patrões” como alguém que cuidava deles, não como pesarosos ludibriantes. A relação tida na penetração, ainda que com momentos de confusão implementou marchas e contra marchas, por con- seguintes êxitos e fracassos, não necessariamente ligados às forças de re- lações locais, mas prementes no âmbito do mercado de produção e na va- lorização – ou falta dela – no produto gumífero explorado. Os seringueiros ficavam anos sem ter a paga pelo fruto de seu pe- noso trabalho. As dívidas a eles imputadas iam além do superfaturamento dos produtos; o patrão colocava na nota itens que não chegavam até su- 25 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) as colocações, aumentando ainda mais as dívidas dos seringueiros. Estes, para não verem aumentadas suas dívidas, pediam o estritamente necessá- rio para a sobrevivência, e muitas vezes, pediam menos que isso, ficando vulneráveis a doenças e morrendo de desnutrição. Nessas relações sociais os seringueiros criaram várias formas de resistência, como colocar barro dentro das pelas, plantar grãos, fugir das colocações, não pagar as dívidas por ter consciência de que estavam maiores do que deveriam. Essas eram algumas das atividades consideradas ilegais, mas que ocorriam como for- ma de resistência dos seringueiros na luta pela sobrevivência. O seringal sempre foi uma empresa desvinculada da terra, con- tendo em sua área as árvores necessárias para a retirada do “leite”, colo- cações, “estradas de seringa” e barracão. O seringalista monopolizava o acesso ao seringal, praticando o “aviamento” dos produtos necessários aos seringueiros. Estes, por sua vez, trabalhavam até catorze horas por dia, moravam em tapiris, tudo o que consumiam era-lhes imputado como débito no barracão e comumente morriam de malária, febre amarela, ata- ques de índios ou de animais selvagens. As casas aviadoras situadas em Belém e Manaus abasteciam os se- ringais, recebendo também os rolos de borracha produzidos nestes e ven- dendo-os ao exterior. Elas financiavam quase cem por cento da produção, vendendo os víveres aos seringais por preços superfaturados e recebendo as “pélas” que vendiam ora com lucro, ora com prejuízo, dependendo das estimativas e preços no mercado. O sucesso de Henry Wickham ao embarcar setenta mil sementes da hevea brasiliensis, em 1876, e consequente início da produção de bor- racha na colônia inglesa do Ceilão (no sul da Índia) e Indonésia, fez com que por sua seleção, disposição de plantio, e facilidade de coleta, a bor- racha inglesa se tornasse mais barata e de melhor qualidade que as plan- tações nativas, com isso quebrou o monopólio da região amazônica. Em 1905, a produção brasileira de borracha era de 35 mil toneladas, e a in- glesa de apenas 145 toneladas (SOUZA, 2002). No ano de 1913, a pro- dução amazônica da goma elástica respondia por apenas quarenta e cinco por cento da produção mundial, menos de duas décadas depois, por ape- nas cinco por cento. Era a decadência da borracha amazônica, mas não da Amazônia. O capital estrangeiro foi embora, contudo, viu-se um novo li- 26 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) miar de atividade nas terras acreanas. A interação com a sociedade central foi modificada e iniciou-se uma urbanização nas terras acreanas, não na escala das migrações de outras áreas do Brasil para o Acre, e sim, o fluxo interno das populações e a mudança de sua relação com a terra. 1.4 Sudhevea e Probor Com o aumento do consumo da borracha e o necessário suprimen- to do mercado interno, a Superintendência do Desenvolvimento da Borra- cha (SUDHEVEA) foi fortalecida pelas práticas políticas nacionais que, de acordo com o superintendente da SUDHEVEA, José Cesário Mendes Barros, em 1972 implantou “bases necessárias e irreversíveis para o to- tal auto-abastecimento do país de borracha natural. No mesmo ano deu- -se início ao primeiro programa-piloto destinado a implantar, consolidar a lavoura heveícola e modernizar a exploração da borracha nativa” (RE- VISTA INTERIOR, 1978, p. 6). Para ele o objetivo foi atingido a pon- to de em 1977, o Conselho Nacional da Borracha, lançar o segundo Pro- grama de incentivos à produção de borracha natural (PROBOR II), tendo como fim principal a ampliação do primeiro, concessão de crédito rural, operacionalizado pela superintendência da borracha em ação coordenada com os agentes financeiros básicos do Sistema Nacional de Crédito Ru- ral (Banco da Amazônia, no norte e centro-oeste, e Banco do Brasil, no sul da Bahia). Foi aprovado o plantio de seringueiras, num total de 07 mil hectares. Sendo assumido pelo superintendente, que no caso acreano, a implantação alcançou apenas um terço do planejado. Em 1972 o Acre produziu cerca de seis mil toneladas de borracha, e em 1976 produziu seis mil e oitocentas toneladas. O Acre foi o maior produtor nacional de borracha no período, seguido do Amazonas e do Pará. A produção brasileira de borracha natural em 1978 representava apenas um terço da demanda nacional, sendo que em 1974 a produção foi de dezoito mil e seiscentas toneladas, sendo o país responsável por apenas 0,6% da produção mundial. No mesmo período, a borracha natu- ral brasileira representava apenas 10% do consumo nacional (REVISTA INTERIOR, 1971, p. 4-31). 27 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) A produção não estava atendendo a demanda, o não atendimento da necessidade de tempo e cuidado necessários para a seringueira come- çar a produzir, a falta de incentivos continuados e desacerto na política de implemento dos seringais, foram alguns dos fatores que contribuíram pa- ra que os seringais cultivadosnão alcançassem o pleno desenvolvimento. Pelas de Borracha – hevea basiliensis. Fonte: Acervo digital - IBGE. 1.5 Breve Histórico Riobranquense O local onde mais tarde seria a cidade de Rio Branco, era habita- do por tribos Aquiris, Canamaris e Maneteris, pertencentes à família dos Aruaques, que dominavam a bacia do Purus. De acordo com Silva “os solos riobranquinos foram pisados por civilizados, pela primeira vez, em 1861, quando uma expedição de caráter exploratório, chefiada por Mano- el Urbano, sob os auspícios da Província do Rio Negro, por ali passara...” 28 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) (1981, p. 96). Em 1882, aportou às margens do Rio Acre, nas proximida- des da gameleira, o cearense Newtel Newton Maia, dando início ao esta- belecimento do seringal Empresa. Seringal Empreza. Propriedade da firma comercial do Pará, Lopes de Brito e Cia, à margem esquerda. Data: 1906-1907. Este barracão serviu de hospital de sangue durante o período revolucionário. Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, p. 103. Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas. Rio Branco está localizado no Nordeste do Estado do Acre, possui características geológicas e geomorfológicas com singularidade predomi- nantemente horizontal no relevo, com grandes áreas de depósitos aluviais resultantes da erosibilidade das águas sobre as margens dos rios que o ba- nham: Rio Acre, Rio Iquiri, Rio São Francisco, Rio Antimari, Rio Xipa- mamu e Riozinho do Rôla, durante as enchentes cíclicas anuais. A cidade de Rio Branco está localizada às margens do Rio Acre, sendo que o Rio 29 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) São Francisco também faz parte do ambiente urbano desta. O clima rio- branquense é classificado como equatorial, com uma estação chuvosa do mês de outubro a março, e uma de estio de abril a setembro. A temperatu- ra média anual é de 25,5° C e a umidade relativa tem valores médios que ficam em torno de 85% (INMET/UFAC). A partir do povoamento desse seringal surgiu o que em 1904 seria elevada à categoria de Vila. Através do Decreto nº 5.188, de 07 de abril de 1904, o Território acreano foi dividido em três Departamentos: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá, tornando-se Rio Branco sede do Departamento do Alto Acre. Em 1908, várias mudanças significativas foram implemen- tadas pelo então prefeito, Gabino Bezouro; como a transferência da sede do Departamento do Alto Acre para a margem esquerda do Rio Acre (BE- ZERRA, 2002), a instalação de policiamento, justiça e fiscalização tribu- tária, estruturação da Vila Penápolis, realização de construções públicas e criação da secretaria Geral do Departamento para fiscalização da limpeza pública (COSTA, 2003). Rio Branco teve sua constituição legal em 13 de junho de 1909, como sede da prefeitura do Departamento do Alto Acre, na época era chamada de Penápolis. No ano de 1912 recebeu o nome que possui até os dias atuais, em homenagem ao Barão do Rio Branco. Em 1909, a cidade de Empresa recebeu o nome de Penápolis, em homenagem ao presidente do Brasil Afonso Pena (...) em 1912 os lados direito e esquerdo do antigo seringal Empresa foram chamados de cidade de Rio Branco, em homenagem ao Barão do Rio Branco, tornando-se capital do Acre em 1920 (SOUZA, 1999, p. 36). Seguindo a prática de outras cidades amazônicas, Rio Branco de- senvolveu-se às margens do rio, com casas de madeira e ruas de traçado irregulares. Todas as ruas de Penápolis, no “centro” do Primeiro Distrito do que veio a ser a Capital, foram planejadas, mas nem por isso têm seu traçado com paralelas e perpendiculares, antes, muitas delas seguem o de- linear do curso do Rio Acre. Inicialmente, Rio Branco era a sede do Departamento do Alto Acre, sua formação se deu para atuar como entreposto comercial avançado da economia mercantil da borracha. Ainda em 1909 planejou-se e executou- 30 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) se a construção de duas vias estruturais importantes: a Avenida Ceará, na direção oeste-leste, e a Avenida que mais tarde viria a ser chamada Getú- lio Vargas, na direção sudeste-noroeste. O fato de Rio Branco se encontrar na Bacia Hidrográfica do rio Acre, estando esta inserida na Bacia Sedimentar do rio Amazonas, em função de sua topografia, percebe-se a origem do rio Acre decorrente da precipitação pluviométrica e do encontro das águas fluviais e pluviais com o tenro relevo litológico, resultante da erosão natural que esculpiu os rios da região e seus afluentes, bem como o chamado “regime das águas”, onde há enchentes que ocorrem em correlação estreitamente ligada à in- tensidade das chuvas, e, à vazante no período de estio. Durante as cheias, alguns locais são alagados e proporcionam ver- dadeira calamidade às populações ribeirinhas que vivem nas margens próximas aos rios da região. Milhares de famílias são desabrigadas nesse período, principalmente as que vivem nos bairros Taquari, Seis de Agosto e Airton Sena. Em contrapartida, no período de estio, o lençol freático é rebaixado pela ausência de chuva, que ocorre em proporção 80% menor que no período chuvoso. O município conta atualmente com uma área territorial de aproxi- madamente 883.143 hectares, sendo sua população de 377 mil habitan- tes. Limita-se ao sul com os municípios de Capixaba, Xapuri e Brasiléia; a leste com o município de Senador Guiomard; a oeste com o município de Sena Madureira; e ao norte com os municípios de Sena Madureira, Bu- jari e Porto Acre. Apenas na década de 1920 foram erguidas as primeiras constru- ções em alvenaria e abertas ruas paralelas às margens do rio Acre. Na margem direita, em Empreza, foi aberta a rua Primeiro de Maio; na mar- gem esquerda, em Penápolis, foram abertas as ruas paralelas Epaminon- das Jácome e Benjamim Constant; e perpendiculares a aquelas, Marechal Deodoro e Getúlio Vargas. Craveiro Costa (1998), ao estudar a formação territorial do Acre, afirma que Rio Branco no início era formada por duas zonas distintas, separadas pelo rio Acre: Empreza, à margem direita, onde se situavam os principais hotéis, as diversões e os negócios de beneficia- mento e transporte de produtos extrativos; e Penápolis, à margem esquer- da, onde se situavam as repartições públicas. 31 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Com o passar dos anos, Penápolis teve melhor constituição de ruas, praças, infra-estrutura em geral, não somente pela função de ser sede da administração pública, mas também pelo fato de as pessoas mais abastadas financeiramente se mudarem para lá, afastando-se da agitação de Empre- za. Em 1920, Rio Branco havia suplantado as outras cidades. Com a ex- tinção e unificação dos três Departamentos existentes, através do Decreto nº 14.383, de 01 de outubro de 1920, Rio Branco foi elevada à categoria de capital do Território Federal do Acre, nessa época tiveram as primeiras construções em alvenaria, além de planejamento e abertura das ruas. Com a crise do sistema da borracha em 1920, ocasionado pela queda do preço no mercado internacional e diminuição da produção da borracha acreana, várias foram as mudanças ocasionadas na economia local. Ocorreu um redimensionamento da composição social urbana (OLIVEIRA, 1983, p. 82), com a queda do preço da borracha parte do grande contingente po- pulacional ligado a essas atividades abandonou o Território acreano. A po- pulação que ficou, estabeleceu-se em função da administração pública, do comércio e, parte, em atividades de produção extrativa e de beneficiamento. As andanças das populações pelo território acreano vão se confi- gurar como fruto dessa “liberação”. O trabalhador começa a arcar com o próprio provimento de víveres e custo de produção, através do cultivo em redor de seu tapiri. As forçasde trabalho não mais eram represadas e direcionadas para a produção da borracha. Dentre as alterações ocorridas nos seringais destacam-se a diversificação da produção, e o ritmo imple- mentado. O tempo de trabalho e sua liberdade de movimento refletiram diretamente na migração para fora dos seringais, um sinal de excedente populacional; e mudança das relações de força de trabalho entre os que ficaram no seringal e os seringalistas. Não há grandes alterações na economia acreana até a década de 40, quando as atividades orientada pelo capital mercantil, em um novo esforço de produção extrativa, retomaram a extração da borracha. Nesse período, Rio Branco contava com cerca de onze mil e noventa e três habitantes, ou seja, metade do contingente populacional que havia nela na década de 1920. A estrutura que antes era implementada de forma social rural “co- letora”, representada pelos coletores de látex e castanha, no início do sé- culo XX, foi modificada com o acréscimo da agricultura de subsistência, que não conseguia suprir sequer um terço do mercado interno. 32 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Balsa de pélas de borracha da Casa Aviadora A Limitada. Década de 1950. Fonte: Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas. A partir de 1940, com a crescente urbanização, várias foram as modificações ocasionadas pelas novas conjunturas político-econômicas que eclodiram no Acre. Os problemas do êxodo rural, a deficiência na as- sistência sanitária e social, a falta de crédito para o desenvolvimento das atividades extrativistas da borracha e castanha foram fatores importantes que influíram na modificação do ambiente acreano e seus sistemas de fo- mento, o que refletiu diretamente na Capital. A luta pelo progresso levou o Brasil na década de 1960 a, teorica- mente caminhar para a reforma agrária na Amazônia, onde pudesse haver um desenvolvimento das relações e resolução das tensões suscitadas pela mudança das estruturas industriais brasileiras e pelos equilíbrios sociais decorrentes do desenvolvimento – o que não ocorreu. O crescimento de Rio Branco, capital do Estado do Acre, que já vinha alimentando-se do deslocamento populacional desde a década de 1960, foi nutrido tanto pelas populações expropriadas dos seringais como pelas populações que, em face às condições difíceis vividas nos seringais, precisavam se deslocar de lá para sobreviver. Rio Branco tornou-se o cen- 33 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) tro receptor dos contingentes populacionais recentes do Acre, das gentes retirantes da zona rural que também foram obrigadas a sair por circuns- tâncias como a interrupção do aviamento, a desistência dos responsáveis pelos seringais, as pressões dos credores, a queda do preço da borracha, dentre outros. A reforma agrária teria um peso decisivo no modo de atuação do governo e das relações com o mercado, contudo a política aplicada per- sistiu numa via de “modernização mais conservadora”, com a persistên- cia do latifúndio e a configuração de um sistema político mais autoritário (PAULA, 1991). As políticas propostas para o projeto de desenvolvimen- to foram principalmente para exportação. O mercado e o Estado buscaram compensar suas falhas pela intervenção mútua, sendo que as intervenções públicas do Estado foram no setor de comunicações e rodovias, aparatos básicos para a atuação do mercado gerador de lucros e dividendos. No caso acreano da reforma agrária, Nascimento (1996) afirma que ela se deu ao contrário. Na década de 1980 havia maior quantidade de propriedades latifundiárias de grande porte que nas décadas proximamen- te anteriores – o que leva a pensar a estruturação do governo para a ex- pansão do capital. Não foi diferente no restante da Amazônia, o que hou- ve foi uma subdivisão dos minifúndios em relação às décadas anteriores. 1.6 Demografia da Capital A população riobranquense atualmente representa cerca de 46% da população total do Estado, sendo que, desse contingente, 89,4% concen- tra-se na cidade. De acordo com o Censo Demográfico de 2000, a popula- ção total do município é de 253.059 habitantes, o que representa um cres- cimento populacional de 3,40% ao ano, no período de 1991 a 2000. Esse índice é muito elevado se comparado à taxa de crescimento demográfi- co brasileira, que ficou em torno de 1,3% ao ano no mesmo período; mas também é representativo, quando comparado ao crescimento ocorrido na Capital durante a década de 1980, que era de 4,35% ao ano. Na década de 1970, 42,3% da população riobranquense residia na área urbana; na década de 1980, esse percentual passou para 79,38%; e, 34 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) na década de 90, até os dias atuais, as estimativas dão conta de que a po- pulação urbana seja 89,4%. As justificativas apresentadas para esse incre- mento populacional são as de que: houve a incorporação na zona urbana de áreas que em censos anteriores eram consideradas rurais; há um êxodo quase constante em direção à cidade; e o próprio crescimento vegetativo nas áreas urbanas de Rio Branco. Populações de Rio Branco e do Acre - Censos de 1940 a 2000. Ano Rio Branco Acre Participação de Rio Branco em relação à população total (%)Urbano Rural Total Urbano Rural Total 1940 4.945 11.093 16.038 14.138 65.630 79.768 20,09 1950 9.371 18.875 28.246 * * 114.755 24,613 1960 17.104 30.333 47.437 17.620 63.753 158.852 29,86 1970 35.578 48.399 83.977 59.307 155.992 215.299 39,00 1980 87.646 29.467 117.113 132.174 169.432 301.605 38,82 1991 167.882 19.287 187.169 258.520 159.198 417.718 44,81 1996 201.347 27.510 228.857 351.271 168.322 438.593 47,33 2000 226.298 26.761 253.059 370.672 187.259 557.931 45,36 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. * Não foram encontrados dados precisos, motivo da omissão. Na década de 1970 a população riobranquense era predominante- mente jovem, seguindo a característica brasileira da época, com altos ín- dices de fecundidade. As crianças e adolescentes (de 0 a 14 anos) repre- sentavam 44,82% da população do município; a população jovem e adul- ta (de 15 anos acima) representava 55,18%. De acordo com o último Censo (IBGE - 2000), a população de crianças e adolescentes era de 34,7%, enquanto a de jovens e adultos re- presentava 65,13%, o que representou um aumento na parcela de jovens e adultos. A estabilização e a diminuição de fecundidade levaram a um amadurecimento na população riobranquense. 35 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Evolução dos grupos de idade em Rio Branco - 1970/2000. Ano Grupos de Idade % 0-14 15-64 65 e + 1970 44,82 52,82 2,36 1980 43,71 53,59 2,70 1991 44,11 52,74 3,15 2000 34,87 61,36 3,77 Fonte: IBGE. Outro dado que não pode passar despercebido é a relação por gru- po de idade e sexo entre 1970 e 1991, é o fato do envelhecimento popu- lacional estar intimamente ligado ao fato de as mulheres também estarem vivendo mais. Com exceção da faixa entre 60 anos ou mais, em todas as outras, a quantidade de mulheres tornou-se maior em relação a número de homens, na década de 1990; quadro invertido se analisado e comparado em relação aos apresentados nas décadas de 1970 e 1980 onde os homens eram a maioria em todas as categorias. População por grupo de idade e sexo - 1970/1991. Grupo de Idade 1970 1980 1991 Homem Mulher Total Homem Mulher Total Homem Mulher Total 0-19 26.018 23.551 49.569 32.337 32.247 65.584 47.379 48.480 95.859 20-59 16.456 14.586 31.042 23.823 23.495 47.318 40.052 41.896 81.948 60 e + 1.381 1.087 2.468 2.663 2.305 4.968 4.860 4.502 9.362 Total 43.855 39.224 83.079 58.954 58.149 117.713 92.291 94.878 187.169 Fonte: IBGE. Durante todo o trabalho se falará em bairro e em bairros, mas é certo que não existem bairros em RioBranco, ao menos de acordo com a conjuntura para constituição legal dos mesmos, com necessidades de de- limitação formal, decreto de criação e formalização. Todavia, para que não seja preciso “inventar” um nome ou outra designação que não seja 36 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) corriqueira ou acertada para a realidade vigente, se falará de onde há ha- bitações, convivências, sociabilidades e, enfim, a transformação do espa- ço em local como sendo o “bairro”, com a consciência de que, nas pala- vras de Marco Antônio Otsubo: Rio Branco tem hoje uma particularidade, que não existem bair- ros na sua forma legal. Um bairro sob o ponto de vista legal, tem que ter delimitações físicas, preferencialmente, e que essas delimi- tações estejam embasadas em algum documento. No caso de Rio Branco, a gente não tem bairros definidos com seus limites físicos. O que existe hoje dentro da cidade como um todo, são as defini- ções populares convencionadas e criadas pelos próprios morado- res. A partir de uma criação de um loteamento, seja ele oficial ou não, regular ou irregular. O morador tende a tratar aquilo como seu bairro. Então, às vezes, um loteamento que faria parte de um bair- ro, que é um contexto maior, uma região que tem característica se- melhante em torno, ele passa a ser considerado um bairro. Dessa forma, Rio Branco tem esse número de bairros, considerado absur- do para muitas capitais (OTSUBO, 2005). Vista aérea da área central de Rio Branco - 1980. Fonte: Acervo digital IBGE. 37SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) C a p í t u l o I I AS POPULAÇÕES RURAIS EXPROPRIADAS E A PERIFERIA ESTENDIDA 2.1 A Expansão da Fronteira A localidade está contida em um lugar maior e esse passa por conjecturas políticas, econômicas, interesses mercantis e pro-jeções de analogias com fins, ora especulativos, ora cogniti- vos, em grande parte, oscilando conforme os grupos que estão no controle. Deve-se ressaltar que qualquer atividade conflituosa ou ainda, que condu- za a um êxodo, impelindo a uma migração afeta não apenas o local de saí- da, mas também, o curso, o motivo, as circunstâncias e o local de chegada. As migrações constituem-se em marcos na vida dos indivíduos, à medida que estabelecem mudanças que provocam rupturas e conflitos. Ao mesmo tempo, apontam para a perspectiva de novos horizontes. É preci- so estar atento para o fato de que a mudança espacial implica em outras mudanças na vida das gentes migrantes, relacionadas a novas dinâmicas sociais, diferenças culturais e alteração de hábitos no cotidiano, mudan- ças que também ocorrem na esfera das relações interpessoais, além das rupturas, distanciamentos e traumas decorrentes de situações desse tipo. Ao ter em comum situações de mudanças em suas trajetórias de vida, essas pessoas passam por rupturas, adaptações e resistência aos novos espaços e culturas, modificando no próprio processo de mudan- ça espacial, impregnado de rupturas, a reconstrução de sua identidade individual e coletiva, formando-se gradativamente uma memória social (FENTRESS, WICKHAM, 1992). Todo este processo envolve laços afe- 38 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) tivos, alegrias, tristezas, conquistas, perdas e, sobretudo, vivências, não mais da mesma forma que dantes, mas em um outro espaço, em um ou- tro tempo, em uma outra perspectiva, circunstanciados no desenvolver de afinidades e divergências do que se faz no constituir do local. Para os migrantes, a relação entre o passado e o presente remete a ganhos e perdas vivenciados em suas trajetórias. O passado que muitas vezes está associado, em parte, a dificuldades, limitações, escassez e es- tagnação, considerando o quadro cristalizado em seus locais de origem, também representa aspectos positivos, envolvendo laços familiares, há- bitos e práticas do cotidiano, tradições e manifestações populares, a vida comunitária, o lazer e a diversão, a riqueza da cultura local. No sentido dado por Carlos E. Reboratti: Fronteira é “a área de transição entre o terri- tório utilizado e povoado por uma sociedade e outro que, em um momen- to particular do desenvolver dessa sociedade e de seu ponto de vista, não tenha sido ocupado de forma estável, ainda que já tenha sido utilizado” (REBORATTI, 1990, p. 4) e sua expansão se dá quando a terra, já quase totalmente ocupada, transforma-se de um simples elemento de produção em mercadoria, e como uma das consequência aparece uma imigração que não apenas ocupa os espaços vazios, como também “obriga” os pio- neiros dessa área a migrar (REBORATTI, 1990, p. 22). Há uma imensidão de postulações representativas nas vozes desses homens e mulheres. Os discursos interagem entre si, ora por intertextuali- dades, ora por interdiscursividade (BAKHTIN, 1992). E a tentativa de fa- zer algum tipo de análise, por si só já leva o historiador a mudar a si e ao conteúdo que se propõe a estudar porque, segundo Thompson: A natureza da memória coloca muitas armadilhas para os incautos [...] oferece[m] também recompensas inesperadas para um historia- dor que esteja preparado para apreciar a complexidade com que a realidade e o mito, o “objetivo” e o “subjetivo”, se mesclam inex- tricavelmente em todas as percepções que o ser humano tem do mundo, individual e coletivamente (THOMPSON, 1992, p. 179). A expansão da fronteira acreana está intimamente ligada ao au- mento populacional e aos problemas por ele produzidos; o nascente mer- cado de terras aos poucos foi se estruturando. 39 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Essa expansão é problemática, envolta em violência e dor; as áreas cultivadas pelos antes extratores e agora colonos é apropriada pelos go- vernantes para produção que tenha maior rendimento, uma vez que poucas eram as pessoas que tinham o título das terras. Assim, não apenas os “es- paços vazios” são retomados e preenchidos, mas há a expulsão dos velhos pioneiros que os obriga a migrar. Com a presença do médio e grande capi- tal agropecuário no Acre, a população expulsa do interior, ou que abando- nava as terras ocupadas, procurava oportunidades de emprego e negócios, indo para a periferia das cidades. Para se ter em conta, segundo o Anuário Estatístico Estadual (1977), a renda produzida pela pecuária superava a da borracha. Mesmo os seringais mais produtivos sofriam as constantes pres- sões para serem transformados em fazendas de criação de gado. Nas décadas que se seguiram ao pós-guerra são vistas as muitas facetas dos interesses políticos e econômicos do Centro-Sul para com a Amazônia, e para com o Acre especificamente. O sistema de comunica- ções foi melhorado, as rodovias abertas, o Território Federal do Acre foi transformado em Estado, no ano de 1962, o que deu mais autonomia a ele. A própria política de colonização oficial, na década de 1970, produziu impacto decisivo sobre o isolamento em que o Acre ainda se encontrava, dando continuidade a uma política de integração, para beneficiar ao capi- tal que estava se estabelecendo no Acre. Grileiros, “paulistas” e especuladores compraram terras a um pre- ço extremamente baixo. O termo “paulistas” é utilizado nesta obra para designar os migrantes do Centro-Sul do país que adquiriram grande parte das terras acreanas para transformá-las em fazendas de criação de gado. Quando das primeiras expulsões em algumas áreas, ao perguntar aos en- trevistados quem os retirara das terras, estes respondiam que havia sido os paulistas. Com o passar do tempo o termo “paulistas” passou a ser uti- lizado para designar os migrantes envolvidos em conflitos nos seringais acreanos durante a segunda metade do século XX. A expansão territorial do Acre se deu de forma diferenciada entre os Vales do Juruá e Purus. Enquanto neste as BR’s 364 e 317 favoreciama intensificação do contato com frentes demográficas externas; naque- le pairou o isolamento, falta de estradas, e a inacessibilidade para imi- grantes, isso fez com que o aumento populacional e a concentração de 40 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) novas fontes de produção permanecessem estreitamente aglutinadas no leste acreano. O propagandeado futuro fator de desenvolvimento do Acre, a pe- cuária extensiva, não alcançou seu objetivo, o governador Wanderlei Dantas e seus auxiliares não conseguiram enriquecer o Acre com o pro- gresso e o desenvolvimento. Antes, a concentração de terras nas mãos de uns poucos, a crescente derrubada das florestas para transformar em pastos, a venda das toras por madeireiras vindas ao Acre e o êxodo rural, são mais visíveis como consequência da política implementada e do ca- pital especulativo, que do alardeado progresso acreano. Em conseguin- te, as gentes foram migrando na direção campo-cidade, e assim vão se firmando os “bolsões” populacionais ao redor das cidades e às margens das rodovias. Nas cidades os comércios e as indústrias tiveram a mão-de-obra necessária para produzir, embora não “qualificada”. É certo que durante a década de 1970 e início da de 1980, houve um aumento substancial da quantidade de indústrias e casas de comércio acreanas, além de o Esta- do tornar-se o principal empregador. Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Xapuri e outras cidades, na década de mil novecentos e vinte experimentaram uma urbanização por causa da borracha, tiveram ao fim dos anos cinquenta um aumento considerável em suas populações e nos anos oitenta, viram o inchamento de suas periferias pelos que foram ex- pulsos de suas terras. Analisando os dados do IBGE nos censos de 1960 e 1970, percebe- se que a população quase que dobrou se comparada ao número de habi- tantes. Na década de 1960 eram 47.437 habitantes, na década de 1970 a população riobranquense era formada por 48.399 habitantes na zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana, totalizando 83.977 habitantes. Na década de 1970 a população riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana, totali- zando 83.977 habitantes. A população quase que dobrou se comparada ao número de habitantes na década de sessenta que era de 47. 437 habitantes (IBGE - Censos 1960 e 1970). Nesse período de andanças das populações amazônicas, com cerca de 77% da população migrando, ocorreu também um fluxo populacional 41 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) para a capital acreana. De acordo com estudos realizados pela SUDAM, a migração interna de Rio Branco na década de 60/70 foi marcada pela procedência regional e local, com cerca de 60% da população migrante; e os outros 40% provenientes de outras localidades do país, com predomi- nância nordestina – 14% provenientes do estado do Ceará (SUDAM apud OLIVEIRA, 1983). Migrações em Rio Branco entre as décadas de 1960 e 1970. Fonte: SUDAM. A população que foi atingida pela penetração do capital sulista nos anos de 1970, já residia há várias décadas nas terras acreanas. Os dados obtidos em uma pesquisa efetuada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) no ano de 1978, em Rio Branco, revelaram que 45% dos chefes de família que migraram para Rio Branco chegaram a menos de 10 anos, sendo a intensidade do fluxo migratório expressa em concomitância com as políticas públicas de acumulação de capital. Ou seja, o próprio CEDEPLAR vincula a migração dos chefes de família e as andanças populacionais às políticas públicas implementadas no período (OLIVEIRA, 1983, p. 91). De acordo com dados levantados pela SUCAM, a relação entre a quantidade de bairros e número de moradores fora do núcleo central nos anos de 1975 e 1979, demonstra a expansão fronteiriça ocorrida em Rio Branco; em 1975 existiam apenas 19 bairros fora do núcleo central, e, 42 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) quatro anos depois, em 1979, já se contabilizavam 26 bairros. Quanto à população desses locais, o número era de 18.176 pessoas em 1975, e, em 1979, passou para 53.935, o que totalizava um acréscimo de 296,7% em apenas quatro anos. Cidade de Rio Branco - Bairros e Número de Moradores Bairros (fora do Núcleo Central) Número de Moradores 1975 1979 Aeroporto 455 2.219 Abraão Alab 603 1.438 Aprendizado (Palheiral) 476 3.935 Bahia 1.240 3.059 Baixa da COHAB 473 1.093 Castelo Branco - 1.882 Cadeia Velha I - 547 Cidade Nova 2.055 5.245 Estação Experimental 435 1.227 Guiomard Santos 2.033 3.304 Iniciação II 460 1.073 Vila Ivonete 448 698 Jardim Tropical - 766 Jardim São Francisco - 385 Mascarenha de Moraes 511 1.551 Nemmaia - 427 Olaria João Vila 1.122 3.020 Quinze 1.707 4.055 Quarto Batalhão Especial de Fronteira 220 1.089 Redenção 1.407 2.471 Santa Terezinha 1.393 4.043 Seis de Agosto 1.806 4.926 Santa Quitéria - 723 São Francisco 861 2.358 Triângulo 471 1.387 Oito Placas - 1.017 Fonte: Levantamento SUCAM/Acre, apud OLIVEIRA, 1983, p. 90. 43 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) Em 1976 ao analisar o contingente e as condições de existência da população urbana em Rio Branco, Fernando Garcia de Oliveira registrou a existência de oito bairros pobres, “que diferem dos demais bairros da cidade” (OLIVEIRA, 1978). Para ele, o fluxo migratório contribuiu para o crescimento da cidade, afirma ainda que o incremento desse fluxo foi grande se comparadas às proporções com que se deu e os níveis popula- cionais amazônicos em específico, uma vez que se a população riobran- quense no período fosse de quinhentos mil habitantes não se teria sentido de forma tão incisiva o fluxo migratório. Dentre os bairros pobres citados encontram-se os loteamentos não totalmente normalizados: Vila Reden- ção, Papouco, São Francisco e Aeroporto Velho, além de quatro outros resultantes da intervenção direta das populações chegantes à capital, que são: Cadeia Velha, Cidade Nova, Bahia e Palheiral. A cidade se distribuiu espacialmente nas diversas direções e os bairros periféricos são parte desse processo de alargamento do períme- tro urbano. As Colônias Agrícolas do Aviário e São Francisco formaram-se a partir de bolsões pobres. Como eles, os bairros mais antigos como Base e Papouco (Dom Giocondo) tiveram um crescimento acelerado no número de seus habitantes, bem como, o surgimento do bairro Cidade Nova, na outra margem do rio, em terras pertencentes à Marinha. Também, como uma espécie de continuação do tradicional bairro Quinze, apareceram os bairros do Triângulo Velho e Triângulo Novo, junto com a Cidade Nova e bairros adjacentes. O que na década de 1970 era um alagado da Marinha, foi povoado e dado o nome de Cidade Nova, este tornou-se o bairro mais populoso da cidade. É provável que seu excepcional crescimento deva-se, em parte, a sua localização próxima às rodovias que dão acesso a Brasi- léia, Xapuri, Porto Velho, localidades onde a expulsão dos trabalhadores rurais foi crítica e incisiva. 2.2 As Formações e Ampliações da Periferia O inchamento da cidade de Rio Branco se deu como resultado da urbanização acentuada, intensificando as ampliações dos bairros periféri- 44 Reginâmio Bonifácio de Lima SOBRE TERRAS E GENTES: o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971-1982) cos e os problemas sociais na área urbana. Como consequência do acele- rado crescimento, os problemas sociais se acumularam, já que Rio Bran- co não teve suporte para absorver o contingente populacional que se des- locava da zona rural. Marginalidade, desemprego, falta de moradia, den- tre outros, foram constatados como desdobramentos tão palpáveis quanto dramáticos da realidade urbana desencadeada pelas mudanças sensíveis
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