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3 EURIDICE FIGUEIREDO PAG 31

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São Paulo
2013
REVISTA 
BRASILEIRA 
DE
Literatura
Comparada
Diretoria Abralic 2012-2013
Presidente Antônio de Pádua Dias da Silva (UEPB) 
Vice-Presidente Ana Cristina Marinho Lúcio (UFPB) 
Secretário José Hélder Pinheiro Alves (UFCG) 
Tesoureiro Diógenes André Vieira Maciel (UEPB) 
Conselho Fiscal Sandra Margarida Nitrini (USP) 
Helena Bonito Couto Pereira (Univ. Mackenzie) 
Arnaldo Franco Junior (UNESP - S. J. do Rio Preto) 
Carlos Alexandre Baumgarten (FURG) 
Rogério Lima (UnB) 
Germana Maria Araújo Sales (UFPA) 
Marilene Weinhardt (UFPR) 
Luiz Carlos Santos Simon (UEL)
Suplentes Adeítalo Manoel Pinho (UEFS) 
Humberto Hermenegildo de Araújo (UFRN)
Conselho Editorial Benedito Nunes, Bóris Schnaidermann, Eneida Maria de Sou-
za, Jonathan Culler, Lisa Bloch de Behar, Luiz Costa Lima, 
Marlyse Meyer, Raul Antelo, Silviano Santiago, Sonia Brayner, 
Yves Chevrel.
A B R A L I C
CNPJ 91.343.350/0001-06
Universidade Estadual da Paraíba
Central de Integração Acadêmica de Aulas 
R. Domitila Cabral de Castro S/N 3º Andar/Sala 326 
CEP: 58429-570 - Bairro Universitário (Bodocongó) 
Campina Grande PB 
E-mail: revista@abralic.org.br
REVISTA 
BRASILEIRA 
DE
ISSN 0103-6963
Rev. Bras. Liter. Comp. São Paulo n.23 p. 1-230 2013
Literatura
Comparada
2008 Associação Brasileira de Literatura Comparada 
A Revista Brasileira de Literatura Comparada (ISSN- 0103-6963) 
é uma publicação semestral da Associação Brasileira de Literatura 
Comparada (Abralic), entidade civil de caráter cultural que congrega 
professores universitários, pesquisadores e estudiosos de Literatura 
Compa rada, fundada em Porto Alegre, em 1986.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser 
reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, 
sem permissão por escrito.
 Editora Ana Cristina Marinho Lúcio
 Comissão editorial Antônio de Pádua Dias da Silva
 Diógenes André Vieira Maciel
 José Hélder Pinheiro Alves
 Revisão Priscilla Ferreira
 Editoração Magno Nicolau (Ideia Editora Ltda.)
 
Revista Brasileira de Literatura Comparada / Associação 
 Brasileira de Literatura Comparada – v.1, n.1 (1991) – 
 Rio de Janeiro: Abralic, 1991-
 v.1, n.23, 2013
 ISSN 0103-6963
 1. Literatura comparada – Periódicos. I. Associação 
 Brasileira de Literatura Comparada.
 CDD 809.005
 CDU 82.091 (05)
Sumário
 Apresentação
 Antônio de Pádua Dias da Silva 7
 Artigos
 
 Por um comparativismo do pobre: notas para um programa de estudos
 Alfredo Cesar Melo 9
 Literatura comparada: o regional, o nacional e o transnacional
 Eurídice Figueiredo 31
 A Intertextualidade em prol de uma Estética da Transgressão no Heavy Metal: 
 Ozzy Osbourne, o Louco, o Demônio, a Celebridade
 Flavio Pereira Senra 49
 
 Da literatura ao cinema, traduzindo sobre restos de linguagens
 João Manuel dos Santos Cunha 79
 Focos múltiplos: comparatismo e mídia nas crônicas de Xico Sá
 Luiz Carlos Santos Simon 97
 Outros Países das Maravilhas para Alice: novas perspectivas 
 para a Literatura Comparada apresentadas a partir do 
 estudo de caso de Alice no País das Maravilhas
 Manaíra Aires Athayde
 Paulo Pereira 119 
 Amor e morte em “Dido, a Rainha de Cartago” de Christopher Marlowe
 Maria da Conceição Oliveira Guimarães 171
 Literatura comparada ainda: facetas e eclipses disciplinários
 Paulo Sérgio Nolasco dos Santos 189
 Afrontando fronteiras da literatura comparada: 
 da transnacionalidade à transculturalidade 
 Zilá Bernd 211
 Pareceristas ad hoc 223
 Normas da revista 225
 7
Apresentação
A proposta de lançar um número da Revista 
Brasileira de Literatura Comparada – RBLT cuja discussão 
estivesse centrada na problematização e apresentação 
de outros ou novos parâmetros de viabilização do 
comparativismo literário, se deu em razão de a própria 
Associação Brasileira de Literatura Comparada, sobretudo 
em seus congressos, se mostrar propensa a novas relações 
dos estudos comparados, ora reiterando as antigas bases, 
ora proporcionando outros caminhos que contemplem os 
outros suportes, as outras linguagens, outras questões.
Com o número 23 – A literatura comparada hoje 
– esperávamos receber artigos que problematizassem 
estas questões postas, principalmente porque os estudos 
comparados no Brasil, como todos percebem, foram 
atravessados por outras propostas e modos de abordar os 
textos literários na medida em que estes também migraram 
do seu antes e quase único suporte – o livro – para outras 
mídias, o que exige, na perspectiva comparativista, 
adequações necessárias antes pensadas unicamente na 
relação livro-livro e seus condicionantes: língua, cultura, 
contextos, imagens, tempo, autores, estilos.
Nessa linha de raciocínio, os estudos culturais 
ganharam foro privilegiado em nossa cultura, alterando a 
paisagem do comparativismo literário fortemente enraizado 
na cultura acadêmica. As relações literatura e outras mídias 
também contribuíram para o enlarguecimento dessa visão 
que, sem abandonar a tradição da disciplina literatura 
comparada, avança, de forma migratória, para os estudos 
comparatistas, muitas vezes tomando estes estudos “fora 
do eixo” da antiga base, provocando aligeiradas tensões 
8 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
entre os estudiosos e co-fundindo-se em sua dinâmica ou 
práxis de trabalho.
Os artigos selecionados para compor o número 
desta RBLT, não somente pela chamada, mas, sobretudo, 
pela composição de outros olhares dentro e sobre o 
mesmo campo de estudo, trazem esta discussão. O leitor 
irá encontrar textos que revisam o conceito de literatura 
comparada a partir do tema motivador do XIII Congresso 
Internacional da ABRALIC: o regional, o nacional e 
o transnacional ou “à luz de conceitos de multi, inter e 
trans-disciplinaridade e multi, inter e trans-culturalidade”.
A discussão do eixo temático por pesquisadores 
experientes na área é uma prova de que a chamada da RBLT 
avança naquilo que sustenta a sua filosofia de existência: 
a base comparativista e suas interfaces com outras mídias, 
outros suportes, outros aportes, outros modos de ver e 
interpretar, sobretudo o que ainda se fazia estranho para os 
estudos clássicos que era incorporar à prática dos estudos 
comparados em literatura, porque somente em literatura, 
os objetos da cultura de massa, por exemplo. Dessa forma, 
os artigos deste volume contemplam também estudos na 
perspectiva interdisciplinar, intermidiática e intertextual, 
a literatura que migra para produtos new media como iPad, 
o Second Life e os games.
A RBLT quer contribuir com as discussões em 
torno do objeto que a sustenta e que é o fundamento da 
ABRALIC. Problematizar suas bases, seu modus operandi, 
seu suporte, sua base teórico-metodológica parece-nos 
viável em tempos de criação e invenção de outras práticas 
interpretativas.
Campina Grande - Paraíba
Antônio de Pádua Dias da Silva
 9
Por um comparativismo 
do pobre: notas para um 
programa de estudos
 
 Alfredo Cesar Melo*
* Universidade Estadual de 
Campinas.
1 Tal indistinção chega 
a ser uma questão 
institucionalizada, a ponto 
de José Luis Jobim, então 
presidente da Abralic, ter que 
refletir sobre as razões que 
levam a Abralic se chamar 
Associação Brasileira de 
Literatura Comparada, e não, 
simplesmente, Associação 
Brasileira de Literatura 
(JOBIM, 2006, p. 95).
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir, em caráter 
exploratório, possíveis caminhos para os estudos de literatura 
comparada no Brasil, levando em conta a crescente importância 
dos debates em torno da inserção do Brasil no Sul Global. No 
artigo discuto duas possibilidades de abordagem para o estudo 
da cultura brasileira num contexto de comunicação Sul-Sul.
PalavRas-Chave: Sul Global; Estudos pós-coloniais, Literatura 
Comparada. 
abstRaCt: This article sets as its goal to discuss, in an 
experimental fashion, possible routes to the comparative literary 
studies in Brazil, bearing in mind the growing importance 
of the debatesabout the Brazilian insertion into the Global 
South. In this article, I discuss two possible approaches to the 
study of Brazilian literature within a context of South-South 
communication.
KeywoRds: Global South; Postcolonial Studies; Comparative 
Literature.
Se “estudar literatura brasileira é, em boa parte, 
estudar literatura comparada”, como afirmava Antonio 
Candido, em 1946, pode-se dizer que a melhor crítica 
literária brasileira do século 20 fez justiça ao lema 
elaborado por Candido (2000, p. 213). E fizeram de 
tal modo que é difícil separar os estudos de literatura 
brasileira da literatura comparada.1 
Essa indistinção é notória, por exemplo, na obra 
mais significativa de Antonio Candido. Como caracterizar 
um livro como Formação da literatura brasileira senão 
10 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
como um finíssimo exercício de literatura comparada, 
em que os modelos europeus, tanto da Arcádia como do 
Romantismo, vão sendo gradualmente adaptados às terras 
americanas? Um texto como “Dialética da malandragem”, 
já na fase mais madura de Candido, sintetiza bem o 
emprego de uma moldura comparatista para entender as 
especificidades do Brasil. No seu estudo sobre Memórias de 
um sargento de milícias, Candido inicia a discussão sobre 
gênero literário definindo o romance malandro a partir 
de uma contraposição ao gênero do romance picaresco. 
Para isso, faz distinções entre o pícaro e o malandro que 
se remetem às diferenças de formações sociais da Espanha 
e do Brasil. No decorrer de sua análise, para demarcar as 
singularidades de uma ética malandra, Candido compara 
a sociabilidade iluminada no romance brasileiro com a 
ética puritana figurada no romance A letra escarlate, de 
Nathaniel Hawthorne (CANDIDO, 1998). 
Algo semelhante pode ser visto na obra de Roberto 
Schwarz, que já no seu primeiro estudo de fôlego sobre 
Machado de Assis, disserta sobre “as ideias fora do 
lugar”. Todo o argumento do famoso ensaio de Schwarz 
está estruturado em bases comparatistas. Para Schwarz, 
o liberalismo seria uma ideologia de segundo grau, pois, 
no Brasil, o discurso liberal não apresentava qualquer 
verossimilhança ao tentar mascarar o processo social de 
exploração. Na Europa, o discurso liberal correspondia 
às aparências da vida social, necessitando da contra-
intuição de um Marx para revelar a sua lógica; enquanto 
no Brasil, devido à escravidão, a qualquer transeunte o 
discurso liberal soaria grotescamente falso. A partir desse 
arcabouço conceitual eminentemente comparativo, 
Schwarz estuda as dificuldades de importação do romance 
no Brasil – sobretudo na obra de José de Alencar – para, 
finalmente, analisar a maneira como Machado de Assis 
consegue transformar gradualmente os pressupostos 
sociais do Brasil – bastante diversos dos europeus- 
em triunfos formais do melhor romance brasileiro 
(SCHWARZ, 1977, p. 13-26).
 Outro crítico que, ao longo da segunda metade 
do século 20, se debruçou sobre esse mecanismo de 
diferenciação da forma literária brasileira frente aos 
modelos europeus foi Silviano Santiago. No seu clássico 
 11
ensaio “O entre-lugar do discurso latino-americano”, 
Santiago teoriza sobre esse estatuto secundário ou 
derivativo geralmente atribuído às culturas periféricas 
como a brasileira. Combatendo as noções de fonte e 
influência – que haviam marcado até então a disciplina 
da literatura comparada -, Santiago argumenta que “[a] 
maior contribuição da América Latina para a cultura 
ocidental vem da destruição sistemática dos conceitos 
de unidade e pureza” (SANTIAGO, 2000, p. 16, grifos 
do autor). Empregando o conceito barthesiano de “obra 
escrevível”, Santiago argumenta que o escritor latino-
americano está sempre produzindo “a partir de uma 
meditação silenciosa e traiçoeira” sobre o texto europeu, 
contaminando-o e transformando-o em algo novo 
(SANTIAGO, 2000, p. 20).
Apesar de serem críticos literários se utilizando 
de marcos teóricos bem distintos entre eles, como a 
antropologia social britânica, o marxismo e o pós-
estruturalismo, os três críticos mencionados referem-se a 
um problema real, cuja presença é identificada desde os 
primórdios da literatura brasileira: ansiedade dos letrados 
brasileiros de pertencerem a uma cultura secundária, 
incapaz de originalidade. Se há algo em comum nos 
trabalhos de Candido, Schwarz e Santiago é a teorização 
sobre uma derivação criativa na cultura brasileira. 
Ao dar um sinal positivo na diferença da cultura 
brasileira frente à europeia – algo que os modernistas 
haviam feito no plano artístico –, a geração de críticos 
literários da segunda metade do século 20 talvez tenha 
dado, assim, sua mais valiosa contribuição para o estudo 
da literatura comparada no Brasil: a relativização da 
hierarquia entre centro e periferia. Esse talvez seja o grande 
paradigma do comparativismo brasileiro no século 20 – o 
paradigma da antropofagia modernista, da ressignificação 
do legado europeu por parte do letrado brasileiro, visto 
agora como ativo produtor de cultura. Em outras palavras, 
ao colocar em relevo a questão da autonomia criadora 
da literatura brasileira, estamos também nos referindo ao 
paradigma da formação da literatura brasileira.
Tal paradigma está longe de ter se exaurido e 
continua a render frutos para a nossa mais exigente crítica 
literária. A pujança dessa episteme – apenas para dar 
Por um comparativismo do pobre...
12 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
alguns poucos exemplos entre os pesquisadores mais jovens 
– pode ser identificada na fecunda análise de Pedro Meira 
Monteiro sobre a relação entre Visconde de Cairu e as 
máximas moralistas de La Rochefoucauld (MONTEIRO, 
2004); no fino estudo de José Luiz Passos sobre o diálogo 
do romance machadiano com temas shakespereanos 
(PASSOS, 2009); ou na investigação incontornável de 
Gilberto Pinheiro Passos sobre o intertexto francês na 
obra de Machado de Assis (PASSOS, 1996). 
O que estou propondo neste artigo é pensar as 
relações do Brasil com o mundo além dessa bipolaridade 
(Brasil X Europa; periferia X centro; ex-colônia X ex-
metrópole), o que não significa, já adianto, negar a sua 
importância, nem negligenciar o fato de que as relações 
assimétricas de poder com a Europa estruturam a nossa 
cultura. Não se trata, portanto, de invalidar uma moldura 
de análise, focada na relação entre centro e periferia, para 
celebrar uma outra, marcada pelas relações Sul-Sul, nem 
sugerir que a relação do Brasil com países igualmente 
periféricos implique alguma forma idealista de simetria 
de poder. É necessário examinar os dois tipos de relação 
(centro X periferia; Sul-Sul) simultaneamente, abraçando 
suas dificuldades e ambiguidades. Como veremos a seguir, 
trata-se de adicionar mais um grau de complexidade a essa 
moldura comparativa que já temos, mostrando que há 
outras relações além das bipolaridades tradicionalmente 
estudadas pela crítica brasileira. 
Seria o caso, conforme a sugestão de Silviano 
Santiago (2013), de não apenas focar na noção de 
formação – muito centrada na autonomia em relação 
ao centro – e pensar mais seriamente a ideia de inserção 
no mundo, levando em conta outras possíveis relações 
do Brasil com outras culturas que não aquelas centrais. 
Para isso, proponho dois tipos de moldura de análise para 
um comparativismo mais direcionado às relações Sul-
Sul: o primeiro teria a ver com a ideia de comparação 
como co-aparição, que poderia servir de paradigma 
para estudos comparativos de autores e culturas que, na 
maior parte das vezes, se ignoram em razão da própria 
dinâmica da divisão internacional de conhecimento, 
que dificulta a comunicação e difusão de cultura entre 
países do Sul Global; enquanto a segunda moldura teria 
 13
a ver com uma moldura interidentitária do Brasil (entre 
Próspero e Caliban), que obriga a revisão de uma série 
de representações cristalizadas na crítica cultural sobre o 
Brasil. Se estamos acostumados a compreender a cultura 
brasileiracomo uma desvio criativo de um modelo 
europeu, a inserção do Brasil no contexto lusófono 
africano pode nos ajudar a criar uma outra representação, 
na qual muitas vezes o Brasil se mostra como modelo para 
as culturas lusófonas na África.
Comparação como com-parison (co-aparição)
Utilizo o termo co-aparição, inicialmente 
empregado por Jean Luc-Nancy e depois retrabalhado 
por Natalie Melas no seu livro All the difference in the 
World. Co-aparição seria um conceito que tenderia afastar 
a conotação normativa que a palavra “comparação” 
ganhou no decorrer de sua institucionalização nos estudos 
literários (MELAS, 2007, pp. 58-72). Co-aparição também 
permite o estudo comparativo de formas, culturas, e 
dinâmicas sociais que não necessariamente entraram em 
contato, mas que, nem por isso, seria de menor interesse 
deixar de cotejá-las.
A divisão de conhecimento eurocêntrica irradia 
do centro para as margens. A estrutura rígida desse fluxo 
de informação permite pouco compartilhamento e trocas 
culturais entre os países na periferia. As consequências 
dessa divisão internacional do conhecimento são notórias. 
Seria impensável que intelectuais mexicanos, brasileiros e 
argentinos, por exemplo, não tivessem um conhecimento 
amplo da história cultural europeia. De outro lado, 
um intelectual brasileiro que não tenha familiaridade 
com grandes autores peruanos e cubanos não teria sua 
formação considerada falha ou precária. Somos impelidos 
a conhecer o centro e ignoramos outros países, cujas 
histórias e processos sociais são bastante semelhantes.2 
É importante frisar que houve considerável contato 
cultural entre brasileiros e hispano-americanos e que 
bons estudos comparativos foram feitos acerca desse 
intercâmbio. Apenas para dar alguns poucos exemplos: 
Raul Antelo estudou a apropriação que Mário de Andrade 
Dipesh Chakrabarty analisa esse 
sintoma causado pela divisão 
internacional do conhecimento 
em seu livro Provincializing 
Europe: “There are at least 
two everyday symptoms of the 
subalternity of non-Western, 
third-world histories. Third-
world historians feel a need 
to refer to works in European 
history; historians of Europe do 
not feel any need to reciprocate. 
Whether it is an Edward 
Thompson, a Le Roy Ladurie, a 
George Duby, a Carlo Ginzburg, 
a Lawrence Stone, a Robert 
Darnton, or a Natalie Davis - to 
take but a few names at random 
from our contemporary world 
- the “greats” and the models 
of the historian’s enterprise 
are always at least culturally 
“European.” “They” produce 
their work in relative ignorance 
of non-Western histories, and 
this does not seem to affect the 
quality of their work. This is 
a gesture, however, that “we” 
cannot return. We cannot even 
afford an equality or symmetry of 
ignorance at this level without 
taking the risk of appearing 
“old-fashioned” or “outdated.”” 
(CHAKRABARTY, 2007, p. 
28). Tradução minha: “Há ao 
menos dois sintomas cotidianos 
da subalternidade de histórias 
não-ocidentais e terceiro-
mundistas. Historiadores do 
terceiro mundo sentem a 
necessidade de se referir aos 
historiadores europeus, enquanto 
estes não sentem necessidade 
de agir reciprocamente. Seja 
um historiador como um 
Edward Thompson, um Le 
Roy Ladurie, um George 
Duby, um Carlo Ginzburg, um 
Lawrence Stone, um Robert 
Darnton, ou uma Natalie 
Davis – apenas para mencionar 
alguns nomes contemporâneos 
-, seu modelo historiográfico é 
sempre culturalmente europeu. 
Eles escrevem seus trabalhos 
ignorando as histórias não-
ocidentais e isso não parece 
afetar a qualidade de seus 
trabalhos. Este é um gesto 
que, no entanto, não podemos 
retribuir. Não podemos nos 
dar ao luxo de propormos 
uma simetria de ignorâncias, 
sob o risco de parecermos 
“antiquados” e “desatualizados”.
Por um comparativismo do pobre...
14 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
faz da literatura hispano-americana (ANTELO, 1986); 
Jorge Schwartz analisou como o artista argentino XulSolar 
incorpora temas brasileiros (SCHWARZ, 2011); assim 
como Leopoldo Bernucci meticulosamente examina o 
quanto da obra de Euclides da Cunha fora transfigurada 
pela pena de Mário Vargas Llosa (BERNUCCI, 1989). 
Todos esses são estudos que mapeiam bem o contato entre 
a cultura brasileira e as culturas hispano-americanas. 
Tratam-se de investigações comparativas que se fiam no 
liame existente entre dois sistemas literários, o que não 
deixa de ser um fator limitante. 
Uma das vantagens da ideia de comparação como 
co-aparição é exatamente a de poder estabelecer pontes 
nas quais a divisão internacional do conhecimento criou 
abismos. É poder perceber a co-emergência de formas 
literárias e dinâmicas sociais de culturas que se ignoram, 
mas que vivem, cada uma a seu modo, as contingências da 
experiência pós-colonial. Estudar as co-aparições dessas 
sociabilidades periféricas constitui um passo importante 
para criarmos um arquivo pós-colonial, isto é, de unir 
e comparar produções culturais geralmente segregadas 
pela divisão internacional de conhecimento e seu fluxo 
frequentemente unidirecional (centro em direção à 
periferia). 
Tomemos o exemplo do ensaísmo latino-
americano. Qualquer leitor da tradição do pensamento 
social brasileiro que entre em contato com os ensaios 
de cunho interpretativo- histórico-sociológico da 
América hispânica perceberá inicialmente duas coisas: 
a imensa similaridade que os textos hispano-americanos 
e brasileiros guardam entre si, na infrene busca para dar 
um sentido à nação; e a solene ignorância mútua que 
cerca, na imensa maioria das vezes, essas duas tradições 
do pensamento.
O caso da convergência entre as obras do 
brasileiro Gilberto Freyre e do cubano Fernando Ortiz é 
paradigmático. Afinal de contas, as semelhanças entre os 
dois ensaístas latino-americanos são dignas de nota: ambos 
estiveram na fronteira entre a literatura e a antropologia, 
escrevendo as obras seminais do nacionalismo cultural de 
seus respectivos países (Casa-grande & senzala no Brasil e 
Contrapunteo cubano em Cuba), além de terem inserido 
 15
seus discursos numa moldura por muito tempo considerada 
antirracista - que almejava separar os conceitos de raça e 
cultura - e de terem criado metáforas de incorporação e 
negociação culturais: plasticidade e transculturação (que 
juntamente com a antropofagia são metáforas centrais 
do campo discursivo latino-americano). No entanto, 
praticamente não existe diálogo entre esses dois autores. 
Não se pode dizer que houve qualquer influência de um 
sobre o outro.
Torna-se imperativo estudar, como dois intelectuais, 
completamente independentes e apartados um do outro, 
desenvolvem estratégias bastante similares para lidar com 
a questão da originalidade criativa das culturas periféricas. 
Para isso, proponho uma comparação entre os conceitos 
centrais de seus projetos intelectuais: plasticidade na 
obra de Gilberto Freyre e transculturação na obra de 
Fernando Ortiz. Esses conceitos são metáforas poderosas 
de negociação cultural que iluminam aspectos diferentes, 
e às vezes complementares, desse mesmo processo de 
negociação. O encontro entre diferentes culturas e etnias 
na América Latina se deu sob a égide da colonização, 
com todas as assimetrias de poder típicas desse sistema. 
As metáforas forjadas pelas obras de Freyre e Ortiz 
têm como referente as dimensões ambivalentes de tal 
processo. Da tensão desse encontro cultural tanto surgem 
formas de dominação que prezam pela continuidade das 
relações de poder colonial (o entendimento do conceito 
de plasticidade será fundamental para destrinchar 
analiticamente essas tendências), como manifestações de 
resistência e tentativas de subversão das relações vigentes 
(aspectos esses que ganham maior inteligibilidade à luz do 
conceito de transculturação).
A importância de tais metáforas de negociação é 
percebida mais agudamente quando se leva em conta o 
papel que desempenharam, numa época em que culturas 
periféricas, como a brasileira e a cubana, tinhamque lidar 
com o mal-estar da cópia, que levava que tais nações se 
considerassem culturas sem originalidade, e, portanto, 
condenadas a reproduzir as ideias e instituições européias 
(SCHWARZ, 1987, p.29). 
No entanto, mais do que lidar com esses problemas, 
por meio de suas metáforas, num plano meramente teórico 
Por um comparativismo do pobre...
16 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
ou abstrato, pode-se dizer que a própria construção de 
seus textos também se deve a um processo de negociação 
cultural. Mais do que um simples objeto de estudo, a 
negociação cultural estava no núcleo da prática discursiva 
de Gilberto Freyre e Fernando Ortiz.
Tanto Gilberto Freyre quanto Fernando Ortiz 
buscavam legitimidade para seus trabalhos por meio 
da associação de suas respectivas obras à autoridade de 
grandes nomes da antropologia de então (Franz Boas e 
Bronislaw Malinowski, respectivamente). Mas, ao mesmo 
tempo em que inscrevem seus discursos como sendo parte 
dessas tradições antropológicas, delas também muito 
discrepam. Enrico Mario Santí é enfático em afirmar 
que Fernando Ortiz não era e nem podia ser considerado 
funcionalista, como Malinowski assim o havia designado, 
no seu famoso prefácio a Contrapunteo (SANTÍ, 2002, 
p.230-35). De acordo com o próprio Malinowski, para 
o funcionalista, a cultura seria um vasto aparato com 
que homens faziam frente a problemas concretos com a 
finalidade de satisfazer suas necessidades. Ora, nada mais 
longe da abordagem que Ortiz faz do tabaco, que é um 
vício, e do açúcar, que é um luxo. Nenhum dos produtos é 
uma necessidade vital nas suas respectivas comunidades. 
Outra diferença significativa entre Ortiz e os funcionalistas 
é o uso da História. O funcionalismo estudava as 
comunidades sincronicamente, enquanto Ortiz sempre 
encontrou na História e no desenvolvimento diacrônico 
da sociedade as fontes para sua reflexão antropológica 
(RIVEREND, 1978, p. 25). De qualquer modo, sempre 
que a diferença entre Ortiz e o funcionalismo é colocada 
pela crítica do autor de Contrapunteo, há um resultado 
positivo. A diferença é marcada pela criatividade, pelo 
senso imaginativo e pela maneira pouco convencional de 
escrever do antropólogo cubano (CORONIL, 1995: p. 
35). Algo semelhante pode ser dito em relação a Freyre. 
Seu estudo estaria muito distante daquilo que, na teoria 
antropológica, tem-se chamado de culturalismo boasiano. 
A prosa de Freyre está longe da aridez metódica da escrita 
de Franz Boas, e muito mais próxima da imaginação 
romanesca, antecessora daquilo que seria cunhado 
posteriormente como “história íntima”, com seu apego 
ao concreto, às cores, aos sabores, aos detalhes, nisso 
 17
antecipando toda a tradição francesa de história da vida 
privada (MELLO, 2002, p. 261).
O que podemos concluir é que tanto Freyre como 
Ortiz reivindicam a legitimidade do centro de produção 
de saber como uma forma de se comunicar com esse 
centro, sem, no entanto, submeter-se à totalidade de suas 
normas disciplinares. Eles entremeiam a antropologia 
com imaginação e sugestões da oralidade de suas culturas. 
Muitas vezes se rendem a uma mimese do objeto, ou 
seja, deixam-se misturar, imiscuir-se ao objeto que 
estudam, aderindo a seu ponto de vista, acrescentando, 
assim, uma dicção própria a seus textos. Compare-se a 
maneira empática com que Ortiz narra a chegada do 
tabaco na Europa para curar as doenças da razão, com 
os ensaios sobre magia e mito de Malinowski, e se verá 
que, enquanto o antropólogo polonês segue todas as 
regras de distanciamento e neutralidade discursivas, 
Ortiz desenvolve uma narrativa que adere ao ponto 
de vista do tabaco. Da mesma forma, Gilberto Freyre 
revitaliza a língua portuguesa, fazendo uso da oralidade e 
das construções mais eruditas, realizando na sua própria 
linguagem “um equilíbrio de antagonismos”, que seria 
o próprio objeto de estudo do ensaísta brasileiro. Desse 
modo, Ortiz e Freyre criam textos que são marcados 
pela diferença em relação ao discurso do centro - com o 
qual, não obstante, nunca deixam de dialogar. Se é certo 
que o ensaio resiste à pureza discursiva das disciplinas 
intelectuais - como a Antropologia - ao mesmo tempo 
em que mobiliza esses mesmos discursos (RAMOS, 
2001, p. 233), será com Gilberto Freyre e Fernando Ortiz 
que o ensaísmo latino-americano atingirá a mais plena 
consciência de sua dimensão heterogênea e aglutinadora 
de discursos.
Gustavo Pérez Firmat chama a atenção para a 
dicção ensaística de Contrapunteo (PÉREZ FIRMAT, 
1995, p. 52), na qual Fernando Ortiz habilmente 
emprega a paralepsis – que é uma figura de linguagem que 
consiste em querer dizer algo, afirmando o seu contrário 
(por exemplo, quando Ortiz afirma que não pretende 
emular El libro de buen amor, para em seguida escrever 
sua versão própria do livro de Juan Ruiz). Já Ricardo 
Benzaquen de Araújo destaca o tom de conversa que o 
Por um comparativismo do pobre...
18 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
ensaísmo freyreano adota, “parecendo facilitar que ele 
arme um raciocínio francamente paradoxal, fazendo com 
que cada avaliação positiva possa se suceder uma crítica 
e vice-versa”, criando, assim, “um ziguezague que acaba 
por dar um caráter antinômico à sua argumentação” 
(ARAÚJO, 1994, p. 208). Por trás de cada uma dessas 
estratégias – a paralepsis de Ortiz e a argumentação 
antinômica de Freyre –, pode-se entrever um pensamento 
em movimento, sendo estruturado e organizado por uma 
subjetividade criadora, o que dá uma tensão peculiar 
aos seus textos. Isso não se daria com a monografia 
científica, já que a sistematização teórica trata de elidir as 
possíveis arestas que só a inconsistência epistemológica 
e a heterogeneidade dos tons ideológicos do ensaio são 
capazes de potencializar. É curioso notar como, mesmo 
estando tão apartados, e ignorando-se mutuamente, 
Freyre e Ortiz chegam a um resultado formal – o ensaio, 
com seus limites e potenciais – muito similar.
Voltando à idéia de comparação como co-
aparição, espero ter demonstrado como ganhamos com 
cotejamentos em torno a configurações socioculturais 
que não necessariamente influenciam uma a outra 
(como os ensaios de Freyre e Ortiz), mas que têm uma 
imensa capacidade heurística de iluminar dimensões 
muito semelhantes da experiência pós-colonial, ao 
mesmo tempo em que auxilia a estabelecer os contornos 
específicos da cada uma dessas experiências. Comparar 
produções culturais feitas no Brasil com aquelas de 
países caribenhos, africanos, ou asiáticos pode ajudar a 
mapear identidades e marcar diferenças entre as maneiras 
dessas culturas se auto-representarem. A constituição 
de um arquivo pós-colonial, que seja capaz de resgatar 
a pluralidade da experiência pós-colonial, se faz cada 
vez mais necessária numa época em que os estudos pós-
coloniais nas universidades metropolitanas estão sendo 
guiados por uma perspectiva “indiocêntrica” (para usar 
a expressão da escritora argentina Beatriz Sarlo, apud 
ORTEGA; NATALI, 2007, p.310).
Há teóricos como Jorge Klor de Alva (1995) e 
Gayatri Spivak (1993) que consideram que o processo 
da descolonização não seria extensivo à América Latina, 
uma vez que o continente tem uma outra história, e seu 
 19
processo de emancipação política, ocorrida no século 
XIX, passou por outras dinâmicas sociopolíticas. A teoria 
pós-colonial, embutida no argumento de Klor de Alva e 
Spivak, é tão indiocêntrica que toma a Índia como um 
modelo normativo de pós-colonialidade. Se os estudos 
latino-americanos podem incorporar os estudos pós-
coloniais aos seus debates, a recíproca também deveria 
ser verdadeira para os estudos pós-coloniais praticados 
nas universidades metropolitanas. Como lembra 
Fernando Coronil, obras importantes como Colonial 
Discourse and Postcolonial Theory (WILLIAMS AND 
CHRISMAN, 1994), Post-Colonial Studies Reader 
(ASHCROFT, GRIFFITHS, TIFFIN, 2006), Relocating 
Postcolonialism (GOLDBERG E QUAYSON, 2002), 
Postcolonialism Theory: ACritical Introduction 
(GANDHI, 1998), não incorporam a longa experiência 
latino-americana à sua reflexão (CORONIL, 2008, pp. 
402-403). Mais recentemente, Robert Young, um dos 
mais atuantes representantes dos estudos pós-colonial 
nas universidades metropolitanas, reconhece que a teoria 
pós-colonial tem uma genealogia plural, encontrada nos 
diversos discursos anticoloniais do terceiro mundo. No 
seu livro Postcolonialism: An Historical Introduction, 
Young menciona intelectuais que pensaram a experiência 
latino-americana (Las Casas, Mariátegui, Ortiz, Che 
Guevara) como participantes desse discurso anti-colonial. 
No entanto, faz uma distinção bastante vacilante entre 
a “crítica pós-colonial” e os “discursos anti-coloniais”. 
Segundo Young, a crítica pós-colonial marca o momento 
em que a experiência política e cultural da periferia 
marginalizada “developed into a more general theoretical 
position to be set against western political, intellectual 
and academic hegemony” (YOUNG, 2001, p. 65).3 Tal 
“posição teórica geral” está associada aos “heartlands 
of the former colonial power”(YOUNG, 2001, p. 65), 
isto é, aos centros europeus de produção intelectual. 
Em outras palavras, Young reproduz uma hierarquia 
colonial na sua distinção: a teoria pós-colonial é um 
produto das universidades ocidentais, que estuda e 
examina os discursos anti-coloniais para colocar em 
xeque concepções eurocêntricas. O discurso anti-
colonial, produzido localmente, é matéria a ser moldada 
3 Tradução: evoluiu para uma 
posição teórica mais geral para 
ser contraposta à hegemonia 
política, intelectual e acadêmi-
ca no Ocidente
Por um comparativismo do pobre...
20 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
pelas categorias produzidas pela teoria metropolitana. O 
desnível é evidente. 
É preciso estar atento para não reproduzir, dentro 
dos estudos pós-coloniais, hierarquias que foram alvo 
de tanta luta e resistência entre intelectuais de países 
periféricos. É necessário pensar o Brasil no contexto do 
Sul Global, dentro de sua heterogeneidade. Comparar é 
imperativo, mas sempre dentro de uma moldura de co-
aparição, sem criar hierarquia entre os termos, isto é, 
sem estabelecer a experiência anglófona como um marco 
normativo que deve mensurar a experiência brasileira.
Moldura interidentitária: entre Próspero e 
Caliban
No seu artigo “Entre Próspero e Caliban: 
Colonialismo, Pós-Colonialismo e Interidentidade”, o 
sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, um dos 
principais teóricos do Sul Global, defende uma hipótese 
arrojada e polêmica, que tem causado intensos debates 
nos estudos pós-coloniais lusófonos: a cultura portuguesa 
habitaria uma zona de “interidentidade”, por ter sido um 
poder colonizador (Próspero), ao mesmo tempo em que 
uma “colônia informal” (Caliban) da Inglaterra.
A hipótese de Boaventura, que coloca Portu-
gal como ponto articulador dessa identidade poro-
sa entre colonizador e colonizado, vem sendo se-
riamente questionada por muitos estudiosos (cf. 
MADUREIRA, 2008). Ainda assim, creio que uma 
moldura interidentitária - entre Próspero e Caliban - 
daria rendimentos até mais interessantes caso aplicada 
à situação do Brasil. Se levarmos a sério essa posição 
interidentitária do Brasil, muito da própria imagem que 
construímos acerca da cultura brasileira precisaria ser 
revista. Como notamos no início do artigo, boa parte da 
crítica literária e cultural brasileira tem compreendido 
o Brasil dentro do paradigma centro-periferia, no qual 
o Brasil é frequentemente identificado como um país 
periférico, sofrendo com a dependência cultural. Ora, já 
está mais do que na hora de tirar as conseqüências do 
status de média potência mundial desfrutado pelo Brasil, 
 21
no qual estabelece relações de poder com outros países a 
partir de outros arranjos. O caso da África lusófona parece 
ser o mais ilustrativo. Faz-se necessário discutir com mais 
vagar essa posição ambivalente da cultura brasileira no 
mundo.
Numa monografia dedicada ao estudo das 
relações entre Brasil e África, Fernando Arenas mostra 
a ambivalência que rege a interação entre Brasil e África 
lusófona. De um lado, há ações que claramente denotam 
solidariedade entre países “terceiro-mundistas”. O Brasil, 
por exemplo, exportou para Moçambique a tecnologia 
social do Bolsa Família; e ajudou a fundar a primeira 
universidade pública do Cabo Verde. Por outro lado, a 
presença de empresas brasileiras, como Companhia Vale 
do Rio Doce, Petrobrás e Odebrecht, tem exercido um 
impacto predatório nas economias e no meio-ambiente 
de Angola e Moçambique. Fazemos as vezes de parceiros 
pós-coloniais no mundo lusófono e, ao mesmo tempo, 
de neocolonizadores. Ademais, a cultura brasileira teria 
aquilo que Arenas chama de “capital afetivo” (ARENAS 
2011) - que é a simpatia nutrida pelos africanos diante de 
nossas manifestações culturais como música, telenovela 
e futebol. 
Convém lembrar que essa relação ambígua com 
a África não vem dos tempos recentes, com a política 
externa do governo Lula. Pelo contrário, trata-se de 
relação antiga, que nunca foi devidamente teorizada. 
Basta lembrar que, nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil 
defendeu Portugal nos fóruns multilaterais para que a 
antiga metrópole pudesse manter suas colônias. Gilberto 
Freyre foi um intelectual instrumental para essa missão, 
forjando a teoria do lusotropicalismo - teoria que estudaria 
a predisposição do lusitano para colonizar regiões tropicais. 
O Brasil narrado por Freyre serviria como exemplo da 
boa colonização portuguesa. No entanto, o que acontece 
no Atlântico Sul é mais complexo do que uma simples 
colaboração de um intelectual conservador com um 
regime fascista. Se o Brasil narrado por Freyre passa a ser 
extremamente conveniente para as narrativas oficiais do 
governo português, esse mesmo Brasil discutido nas obras 
seminais de Freyre servirá de inspiração para intelectuais 
caboverdianos - como Baltasar Lopes e Gabriel Mariano 
Por um comparativismo do pobre...
22 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
- articularem um projeto de independência cultural em 
relação a Portugal. A imagem do Brasil no Atlântico 
lusófono passa, então, a ser pendular - apropriada tanto 
por Próspero (Portugal), como por Caliban (Cabo Verde). 
Baltasar Lopes foi um dos fundadores do movimento 
Claridade, formado por um grupo de letrados interessados 
na investigação da identidade cultural cabo-verdiana. 
Desde seu início, o grupo se inspirou principalmente 
no modernismo nordestino do Brasil. Lopes confessa 
ter lido avidamente os romances de Jorge Amado, José 
Lins do Rêgo, Armando Fontes e Marques Rebelo, 
e as poesias de Jorge de Lima e Manuel Bandeira. Seu 
romance Chiquinho, publicado em 1947, tem uma forte 
afinidade com os romances sociais do Nordeste brasileiro, 
guardando alguma coisa do memorialismo de José Lins do 
Rêgo e da crítica social de Jorge Amado. Para Lopes “esta 
ficção e esta poesia revelava-nos um ambiente, tipos, 
estilos, formas de comportamento, defeitos e virtudes, 
atitudes perante a vida que se assemelhavam aos destas 
ilhas” (LOPES, 1956, p. 6). O impacto que a cultura 
brasileira teve sobre o fundador do Grupo Claridade pode 
ser percebido na descrição pormenorizada que o próprio 
Lopes faz de sua leitura de “Evocação do Recife”, poema 
de Manuel Bandeira. Lopes lia o poema visualizando 
Cabo Verde. Vila da Ribeira Brava, sua cidade natal, 
seria o Recife da poesia; um velho conhecido seu, Nhô 
Pedro António, faria as vezes de Totônio Rodrigues com o 
pince-nez, e a moça tomando banho nua, observada com 
alumbramento por Bandeira na Caxangá, era imaginada 
nos tanques da Ribeira do João. Tal como Tomás Antonio 
Gonzaga, poeta arcádico estudado por Antonio Candido 
em Formação da Literatura Brasileira, que colocava uma 
ninfa neoclássica nos ribeirões de Minas Gerais, Lopes 
vislumbrava os personagens e situações narrados pela 
literatura brasileira dentro de cenário cabo-verdiano.Numa das passagens de Aventura e rotina, Freyre 
reconhece os fortes vínculos culturais que unia Cabo 
Verde ao Brasil: “Mais de um cabo-verdiano foi o que me 
disse com a maior clareza: que se sentia mais brasileiro do 
que português da Europa. Que Cabo Verde deveria ser 
província do Brasil” (FREYRE, 1953, p. 246). 
É possível verificar, no testemunho de Baltasar 
 23
Lopes, o imenso impacto do livro brasileiro em Cabo 
Verde. Pode-se dizer que tal impacto - ainda não teorizado 
- não se restringiu a Cabo Verde. Em seu estudo sobre a 
recepção de Guimarães Rosa na África lusófona, Anita 
Moraes oferece subsídios importantes para essa reflexão 
(MORAES, 2012, p. 29-45). No seu estudo, Moraes 
mostra como o encontro - muitas vezes fortuito - com a 
ficção de Guimarães Rosa marca um ponto de inflexão 
nas trajetórias de escritores como Luandino Vieira, Ruy 
Duarte e Mia Couto. Em todos os relatos, os escritores 
revelam como a obra rosiana mostrou-se fortemente 
inspiradora para que tais escritores pudessem escrever 
os seus livros. Se, de acordo com Homi Bhabha, em 
seu “Signs taken for wonders”, o livro inglês representa, 
inicialmente, uma fonte de recalque para o colonizado; o 
livro brasileiro descortinava, por sua vez, possibilidades 
de desrecalque. Minha principal hipótese é a de que a 
literatura brasileira (sobretudo a prosa de Guimarães 
Rosa) forneceu aos escritores lusófonos africanos um 
modelo de narrativa transcultural que foi de extrema 
importância e utilidade no processo de formação das 
literaturas nacionais africanas de língua portuguesa. Se 
as ligações entre literatura brasileira e literatura africana 
lusófona estão bem documentada bem documentadas 
(HAMILTON, 1994; ORNELAS, 1996; CHABAL, 
1995), faz-se necessário tirar as consequências da natureza 
emuladora dessa relação. Ao incorporar a oralidade de 
uma cultura tradicional (caipira) à alta literatura, a ficção 
rosiana apresentava aos escritores africanos de língua 
portuguesa um achado formal que seria imprescindível 
na construção das literaturas nacionais africanas de 
língua portuguesa. Tanto o escritor angolano Luandino 
Vieira como o romancista moçambicano Mia Couto 
já declararam que Guimarães Rosa foi uma fonte de 
inspiração determinante na maneira como estes próprios 
escritores conceberam a literatura de seus países.
Como a maioria dos estudos comparativos em 
literatura (estudos pós-coloniais, estudos sociológicos, 
marxismo) tem focado suas análises na dicotomia entre 
colonizador/colonizado, ocidental/oriental, centro/peri-
feria, Norte/Sul, Prospero/Caliban, uma questão necessita 
ser colocada: como devemos dar conta de relações 
Por um comparativismo do pobre...
24 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
entre países que são considerados de “terceiro mundo”, 
“subdesenvolvidos”, “não-ocidentais” e do hemisfério 
Sul? Essa relação Sul-Sul seria uma relação baseada na 
emulação ou na colaboração? Que tipo de dinâmica 
de poder seria criada entre esses países? Essas são as 
principais questões que devem estruturar um programa 
de estudos focados no Sul Global. Primeiro, no entanto, 
são necessários alguns esclarecimentos conceituais. O que 
vem a ser narrativa transcultural e porque esse tipo de 
narrativa ofereceria uma moldura conceitual importante 
para entender as relações literárias Sul-Sul?
Narrativa transcultural é um termo cunhado pelo 
crítico literário uruguaio Angel Rama. De acordo com 
Rama, escritores latino-americanos como José Maria 
Arguedas, Gabriel García Marquez, Roa Bastos e João 
Guimarães Rosa seriam “narradores transculturais” 
(RAMA, 1982, pp. 15-67). Esse tipo de narrador 
trabalharia como uma espécie de “tecedor” literário, 
costurando alta literatura com a oralidade de culturas 
mais tradicionais. Vale a pena salientar que o conceito 
transculturación, cunhado por Fernando Ortiz e 
apropriado por Rama, implica necessariamente a formação 
de novas identidades e culturas. Transculturação é um 
processo que sempre leva à síntese de um binarismo, 
formando, assim, um terceiro espaço, resultante de 
negociações várias. Logo, a narrativa transcultural não 
seria propriamente nem literatura modernista nem ficção 
regionalista, mas uma produção cultural num entrelugar 
epistemológico, capaz de incorporar avanços formais 
da vanguarda com a revitalização do legado popular. 
Parece, portanto, bastante compreensível que esse modo 
particular de narrativa tenha atraído escritores africanos 
lusófonos, uma vez que países como Moçambique e 
Angola estavam enfrentando o desafio de reconstruir a 
nação das ruínas de guerras coloniais e civil. Costurar as 
diferentes vozes e visões de mundo dos variados grupos 
sociais e étnicos num texto nacional seria uma maneira 
de cicatrizar simbolicamente as feridas do conflito e criar 
uma comunidade imaginada.
É sintomático, por exemplo, que o angolano 
Luandino Vieira tenha escolhido o musseque (uma 
vizinhança inter-étnica) como o local primordial de 
 25
sua ficção. De acordo com Patrick Chabal, “Vieira´s 
musseques are a frontier area where a mixture of social 
and racial groups meet: from the poor white settler to 
the rich mestiço trader, from Cape Verdean merchant to 
the black laborer, from the impoverished assimilado to 
the pretentious ambaquista” (CHABAL, 1995, p. 22).4 
O musseque seria, assim, um espaço poroso no qual a 
comunicação e a negociação entre diferentes grupos 
ainda eram possíveis. Já o escritor moçambicano Mia 
Couto, no seu romance Terra Sonâmbula, narra a história 
de um encontro entre um idoso, Tuahir, e um orfão, 
Muidinga, dois fugitivos de um campo de refugiados 
que acabam vivendo num ônibus queimado cercado 
de cadáveres. Muidinga encontra um caderno próximo 
a um dos corpos e começa a ler em voz alta os eventos 
escritos no caderno por alguém chamado Kindzu. A 
narração do romance alterna os dialógos entre Muidigina 
e Tuahir com entradas do caderno. Em um certo ponto do 
romance, voz e palavra escrita começam a se entrelaçar 
à medida em que Mudinga vai preenchendo as lacunas 
do texto de Kindzu com sua própria imaginação e desejo 
de ter uma família. O leitor do romance não consegue 
distinguir as entradas reais do diário de Kindzu da leitura 
que Muidinga faz do diário. No romance de Mia Couto, 
textos são espaços permeáveis que devem ser apropriados 
e contaminados pela imaginação e desejo do povo. 
Tais narrativas transculturais - viajando do Brasil 
para África lusófona - podem fomentar novas discussões 
teóricas da chamada literatura mundial. Baseado na 
teoria do sistema-mundo de ImannuelWallerstein, Franco 
Moretti, no seu artigo “Conjectures on World Literatura”, 
procura estabelecer uma “lei da evolução literária”, 
afirmando que “in cultures that belong to the periphery 
of the literary system (which means: almost all cultures, 
inside and outside Europe), the modern novel first arises 
not as autonomous development but as a compromise 
between a western formal influence (usually French or 
English) and local materials” (MORETTI, 2000, p. 58).5 
Respondendo a Moretti, Efraín Kristal menciona algumas 
exceções à lei de Moretti, encontradas na literatura 
hispano-americana, assim, questionando seriamente a 
eficácia do modelo teórico proposto por Moretti. Kristal 
4 Tradução minha: Os mus-
seques de Vieira são áreas 
fronteiriças onde os diferentes 
grupos sociais e étnicos se 
encontram: do colono pobre 
europeu ao rico comerciante 
mestiço; do mercador cabover-
diano ao trabalhador negro, 
do assimilado empobrecido ao 
pretensioso ambaquista.
5 Tradução minha: Em cultu-
ras que pertencem à periferia 
do sistema-literário (o que quer 
dizer: quase todas as culturas, 
dentro e fora da Europa), o 
romance moderno surge não 
como um desenvolvimento 
autônomo, mas como um 
compromisso entre influências 
formais ocidentais (geralmente 
inglesas ou francesas) e mate-
riais locais.
Por um comparativismo do pobre...
26 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
argumenta,por exemplo, que, na literatura hispano-
americana, a poesia - e não o romance - era o gênero 
literário dominante até 1920. Ademais, ao criticar o 
modelo de Moretti, Kristal estaria argumentando “in 
favor of a view of world literature in which . . . themes and 
forms can move in several directions – from the centre to 
the periphery, from the periphery to the centre, from one 
periphery to another” (KRISTAL, 2002, p. 65).6 
Essa visão da literatura mundial - proposta por 
Kristal -, na qual formas e temas viajam de um ponto 
periférico para outro, é certamente adequada para pensar 
as relações culturais, em geral, e literárias, em particular, 
do Sul Global - já que se trata de estudar as relações 
entre Brasil e África lusófona. Se nós entendermos que 
narrativas transculturais são um tipo de “compromisso”, 
dentre tantos outros possíveis, entre forma ocidental e 
práticas narrativas locais, seria apropriado afirmar que 
“compromissos” - especialmente a partir da segunda 
metade do século 20 - viajaram tanto quanto formas 
europeias. Seria tão importante mapear as viagens dos 
“compromissos” (narrativas transculturais) de uma 
periferia para outra como traçar os fluxos culturais do 
centro para periferia.
Conclusão
Se a prática da literatura comparada é constitutiva 
daquilo que chamamos de estudo da literatura brasileira, 
uma ampliação do alcance daquilo que consideramos 
literatura comparada certamente terá efeitos na maneira 
como nós entendemos a nossa cultura e o espaço que 
ocupa no mundo. 
Descrevi neste artigo duas possíveis abordagens 
para estudar a relação do Brasil com o Sul Global. Longe 
de serem exaustivas, tais abordagens devem e podem 
se somar a muitas outras. Reitero aqui as vantagens 
analíticas de cada uma: com a noção de comparação 
como co-aparição podemos estudar culturas, literaturas 
e autores que, de fato, não tenham nenhum liame entre 
si. Trata-se de agregar analiticamente aquilo que a divisão 
internacional de conhecimento fragmentou. A outra 
6 Tradução minha: De uma 
visão de literatura mundial na 
qual temas e formas pudessem 
se movimentar em várias dire-
ções – do centro para periferia, 
da periferia para o centro, 
de uma periferia para outra 
periferia.
 27
vantagem da co-aparição estaria na maneira de cotejar 
experiências pós-coloniais sem parâmetros normativos da 
experiência anglófona ou francófona. Cada configuração 
cultural periférica deve ser compreendida dentro da sua 
especificidade, e não como desvio de um suposto modelo 
canônico.
Trabalhar com a noção da cultura brasileira como 
pertencente a uma zona interidentitária - capaz de se 
revelar tanto como inspiração descolonizadora quanto 
presença neocolonizadora no continente africano - nos 
leva a pensar como as relações Sul-Sul estão longe de 
ser simétricas ou ideais. Frequentemente pensamos 
a cultura brasileira como aquela que de algum modo 
imitou, apropriou, canabalizou o alheio para se constituir. 
É chegada a hora também de pensar a cultura brasileira 
como objeto de emulação, com todas as ambivalências e 
problemas que essa emulação traz. Só poderemos renovar 
a prática comparatista quando formos capazes de conectar 
a disciplina da literatura comparada a uma noção mais 
precisa da geopolítica do saber e da cultura. 
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 31
Literatura comparada: 
o regional, o nacional 
e o transnacional
 
 Eurídice Figueiredo*
* Universidade Federal 
Fluminense/CNPq.
Resumo: O texto propõe uma revisão do conceito de Literatura 
Comparada a partir das mudanças operadas no mundo literário 
desde a descolonização dos países africanos e as diásporas de 
escritores que se instalaram nos países ocidentais, embaralhando 
o próprio conceito de Literatura Nacional. Em seguida, sugere 
a possibilidade de trabalhos comparativos entre as literaturas 
dos países que foram colonizados, longe da ideia de influência 
de literaturas centrais sobre as literaturas ditas periféricas.
PalavRas-Chave: Literatura Comparada; literaturas 
diaspóricas; estudos pós-coloniais.
abstRaCt: This text proposes a revision of the concept of 
Comparative Literature considering the transformations that 
have taken place in the literary world since the decolonization 
of African countries. The work of diasporical writers who 
moved to Western countries calls into question the very 
notion of a National Literature itself. The text then suggests 
that it is possible to perform comparative studies of literatures 
of formerly colonized countries that differ from the traditional 
approach which focuses on the influence of Central Literatures 
on Peripheral ones.
Key woRds: Comparative Literature; Diasporical Literatures; 
Post Colonial Studies.
32 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
Literatura Comparada: textos fundadores
Tomo como mote para a minha reflexão o livro que 
Eduardo Coutinho e Tania Carvalhal organizaram em 
1994 com o título Literatura Comparada: textos funda-
dores, no qual incluíram artigos publicados de 1886 até 
1974. O livro trouxe uma relevante contribuição para os 
estudos da área, já que colocaram à disposição do público 
brasileiro artigos escritos em várias línguas, dispersos em 
revistas ou livros de difícil acesso. Quase vinte anos de-
pois, relendo o livro para escrever este texto, parece-me 
importante ressaltar alguns elementos. Considerando que 
a Literatura Comparada nasceu na França em torno de 
1830 (JEUNE, 1994, p. 223), não surpreende que haja 
hegemonia da linha francesa no livro. No século XIX a 
nova disciplina se configurou a partir da ideia de centrali-
dade da Literatura Francesa, cujo principal postulado era 
a influência que exercia sobre as demais. O nacionalismo 
e a primazia da França eram os alicerces do pensamento 
que se delineava de maneira bastante inflexível. 
A contrapartida veio dos professores (muitos deles 
emigrados europeus) dos departamentos das universida-
des americanas, que adotaram uma posição mais aberta 
e mais cosmopolita. Muitos deles já não faziam distinção 
rígida entre Literatura Geral ou Literatura Mundial e 
Literatura Comparada. Remak questiona a assertiva do 
crítico francês Van Tieghem segundo a qual a literatura 
comparada envolvia investigações limitadas a dois países. 
“Por que uma comparação entre Richardson e Rousseau 
deveria ser classificada como literatura comparada, ao 
passo que uma comparação entre Richardson, Rousseau e 
Goethe [...] seria atribuída à literatura geral?” (REMAK, 
1994, p. 186).Além disso, uma nova questão metodoló-
gica se abria para o diálogo entre a Literatura e outras 
áreas do saber. A definição de Remak é bem ampla e se 
aproxima daquilo que se pratica até hoje. 
A literatura comparada é o estudo da literatura além das 
fronteiras de um país específico e o estudo das relações 
entre, por um lado, a literatura, e, por outro, diferentes 
áreas do conhecimento e da crença, tais como as artes 
 33
[...], a filosofia, a história, as ciências, a religião etc. Em 
suma, é a comparação de uma literatura com outra ou 
outras e a comparação da literatura com outras esferas 
da expressão humana (REMAK, 1994, p. 175).
Note-se no livro de Coutinho e Carvalhal a au-
sência da América Latina tanto como sujeito do discurso 
(não há autores latino-americanos) como objeto do dis-
curso (não há menção às Literaturas Nacionais da região 
senão de passagem). A África e o Oriente aparecem uma 
ou outra vez nos textos como áreas exóticas que um dia 
viriam participar desse concerto de nações literárias. De-
ve-se destacar também a ausência de negros e demulhe-
res.
René Wellek mostra que há um paradoxo na evolu-
ção da literatura comparada já que, apesar de ela ter sur-
gido como uma reação contra o nacionalismo limitado, 
como um protesto contra o isolacionismo, acabou desem-
bocando numa competição entre países, cada um queren-
do provar que mais exerceu influência sobre os demais 
ou que melhor assimilou um grande escritor estrangeiro 
(WELLEK, 1994, p. 112-114).
Novas literaturas
Passados quase 40 anos da publicação do último 
texto que compõe a antologia, o que mudou? Na Amé-
rica Latina aconteceu o chamado boom que inseriu, de 
maneira cabal, as literaturas hispânicas do subcontinente 
no cânone da literatura. Mas o fenômeno talvez mais im-
pressionante foi a emergência tanto de literaturas africa-
nas quanto de literaturas de países asiáticos (como Índia 
e Paquistão) escritas nas línguas europeias. Uma nova 
característica mudou o mapa das grandes literaturas: es-
critores “étnicos” (seja pela cor seja pela religião: negros, 
mestiços, muçulmanos), provenientes das antigas colô-
nias, deixaram seus países e se radicaram nas metrópoles 
dos países ocidentais começando a dar novas configura-
ções às literaturas nacionais.
As primeiras publicações (tanto de poesia quanto 
Literatura comparada: o regional, o nacional e o transnacional
34 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
de romance ou teatro) de autores que viriam a ser con-
siderados fundadores das novas literaturas africanas co-
meçaram em torno dos anos 1950: no mundo da fran-
cofonia, Léopold Sédar Senghor (do Senegal) publicou a 
Anthologie de la nouvelle poésienègre et malgaxe, em 1948, 
e Kateb Yacine (da Argélia) publicouo romance Nedjma, 
em 1956; no mundo de língua inglesa, Chinua Achebe 
publicava o romance, recentemente traduzido entre nós, 
O mundo se despedaça, enquanto Wole Soyinka (ambos da 
Nigéria) representava suas primeiras peças em Londres 
em 1958. As literaturas das antigas colônias portuguesas 
na África emergem no mesmo movimento. Em 1953, é 
publicado o caderno Poesia negra de expressão portuguesa, 
organizado por Francisco José Tenreiro e Mário de An-
drade, que, segundo Benjamin Abdalla, foi concebido na 
esteira da Antologia de Senghor, que recebera como pre-
fácio o famoso texto de Sartre, Orfeu Negro (ABDALLA, 
2008, p. 80). Um pouco mais tarde (1964), saía Luuanda, 
de Luandino Vieira, que se tornaria um clássico da litera-
tura angolana. O que parece ser um denominador comum 
nessas literaturas, bem como em alguns autores do Caribe 
e da América Hispânica, é a tentativa de se apropriar da 
tradição literária, transformando-a de modo a integrar as 
tradições orais que caracterizam essas culturas. 
O barroco
Em grande parte da obra desses autores predomina 
o barroco, que permite a mistura, o hibridismo, a profu-
são de elementos que decorrem da mestiçagem cultural. 
Severo Sarduy assinala que o barroco “reflete estrutural-
mente a desarmonia, a ruptura da homogeneidade, do 
logos enquanto absoluto, a carência que constitui nosso 
fundamento epistêmico”, ou seja, os escritores barrocos 
fazem uma crítica da história oficial, adotando uma visão 
crítica, contestatária.
Barroco em sua ação de pesar, em sua queda, em sua lin-
guagem afetada, às vezes estridente, multicor e caótico, 
metaforiza a impugnação da entidade logocêntrica que 
 35
até então nos estruturava em sua distância e sua autori-
dade; barroco que recusa toda instauração, que metafo-
riza a ordem discutida, o deus julgado, a lei transgredida. 
Barroco da Revolução (SARDUY, 1979, p. 178).
Esses escritores barrocos fazem uma invocação épi-
ca da História através da alegoria, da fantasmagoria, si-
tuando-se numa visão revisionista que se insurge contra 
os paradigmas de modernização difundida pelo Ocidente, 
ao mesmo tempo em que incorpora os elementos da tra-
dição europeia, inclusive a do próprio barroco. Há neles 
uma visão não linear e não naturalista da História. Se-
gundo Chiampi, o barroco se dinamiza no nível de uma 
temporalidade paralela que seria a da meta-história: “é o 
nosso devir permanente, o morto que continua falando, 
um passado que dialoga com o presente por seus fragmen-
tos e ruínas, quem sabe para preveni-lo de tornar-se te-
leológico e conclusivo” (CHIAMPI, 1998, p. xvii).
As histórias contadas pelos escritores barrocos se 
embaralham, se entranham, em metamorfoses que pro-
duzem uma profusão de sentidos. As narrativas não são 
nem lineares nem miméticas, as intrigas e as relações en-
tre os personagens não são muito claras nem muito lógi-
cas. O leitor encontra-se no terreno do indecidível, há 
uma hesitação justamente porque os romances não são 
“realistas” (no sentido dos romances europeus do século 
XIX). A liberdade destes escritores decorre do fato de eles 
não terem a pretensão de desvelar “a verdade”; é antes 
uma maneira de conservar uma liberdade que se abre a 
todas as liberdades. Incorpora-se a tradição rabelaisiana 
do barroco que a França havia apagado por séculos, intro-
duzindo o riso, o erotismo, a carnavalização, a linguagem 
desregrada e inovadora, o realismo grotesco.1
Considerando que o Prêmio Nobel não é garantia 
de qualidade, mas constitui um sintoma de mudanças dos 
cânones, torna-se pertinente destacar o aumento signi-
ficativo de não europeus que foram premiados, sobretu-
do desde os anos 1980. Hispano-americanos tiveram seis 
prêmios (três antes de 1980, três depois): Gabriela Mis-
tral (Chile), em 1945, Miguel Ángel Astúrias (Guatema-
la), em 1967, Pablo Neruda (Chile), em 1971, Gabriel 
Literatura comparada: o regional, o nacional e o transnacional
1 Desenvolvo este aspecto no 
artigo “O humor rabelaisiano 
de Patrick Chamoiseau e 
Mário de Andrade”, publicado 
na revista Alea: Estudos neo-
latinos, vol. 7, n. 2, dez. 2005. 
Disponível em www.scielo.
br e retomado, com pequenas 
modificações, no meu livro 
Representações de etnicidade: 
perspectivas interamericanas 
de literatura e cultura (7letras, 
2010).
36 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
Garcia Marquez (Colômbia), em 1982, Octavio Paz (Mé-
xico), em 1990, Mário Vargas Llosa (Peru), em 2010. O 
Caribe de língua inglesa teve dois: Derek Walcott (Santa 
Lúcia), em 1992, e V.S. Naipaul (Trinidad e Tobago), em 
2001. A África teve quatro: Wole Soyinka (Nigéria), em 
1986, Naguib Mahfouz (Egito), em 1988, Nadine Gordi-
mer (África do Sul), em 1991, John Coetzee (África do 
Sul), em 2003. O Japão e a China tiveram dois cada um: 
Yasunari Kawabata (Japão), em 1968, e Kenzaburo Oe 
(Japão), em 1994; Gao Xingjian (China), em 2000, e Mo 
Yan (China), em 2012. A Turquia, um país periférico da 
Europa, teve um: Orhan Pamuk, em 2006. Merece des-
taque o Nobel concedido à escritora afro-americana Toni 
Morrison, em 1993.
Um aspecto que afeta a percepção do “nacional” 
é o fato de as línguas europeias terem sido apropriadas e 
transformadas por esses escritores descentrados: são mui-
tas as variações de francês, inglês, espanhol e português. 
Acabou a relação, mesmo que tênue, da tríade: um país, 
uma língua, uma literatura. Assim, novas apelações sur-
giram para designar o fenômeno - literaturas diaspóricas, 
literaturas migrantes, literaturas transnacionais. Nesse 
panorama movediço, em que os antigos alicerces ruíram, 
a Literatura Comparada já não pode mais ser a mesma.
Do conceito de influência ao de 
intertextualidade
A literatura não é mais apanágio dos países euro-
peus, já que a cada ano surgem novos escritores, oriundos 
de países quase desconhecidos do grande público, com 
formas literárias inovadoras. O conceito de influência 
continua na berlinda. Ultrapassada a visão positivista do 
século XIX francês, ele foi apresentado, em artigo de 1967, 
pelo crítico russo Victor Zhirmunsky.2 Ele considerava 
que a influência envolvia sempre a transformação social 
do modelo, ou seja, cada modelo é reinterpretado e adap-
tado “às condições literárias e sociais que determinaram 
sua influência, às novas relações de tempo e espaço, à 
tradição literária nacional em geral e à individualidade 
2 É bom lembrar que a União 
Soviética ocupa uma posição 
periférica se comparada com a 
hegemonia francesa e norte-
americana.
 37
ideológica, psicológica e artística do autor em questão” 
(ZHIRMUNSKY, 1994, p. 208).Franco Moretti, em ar-
tigo publicado em 2000, afirma que o romance europeu, 
transposto em culturas periféricas, revela “uma conci-
liação entre uma influência formal ocidental (em geral 
francesa ou inglesa) e matérias locais” (MORETTI apud 
VASCONCELOS, 2011, p. 68). Como Sandra Guardini 
Vasconcelos (2011, p. 68) aponta, a adoção de modelos 
abstratos para explicar a difusão do romance, tal como é 
feito por Moretti, tende a deixar de lado o particular, ou 
seja, o objeto em seu contexto histórico.
No Brasil, já há algum tempo, evita-se falar de “in-
fluência”, porque nela subjaz a ideia de uma relação de 
subalternidade das literaturas dos países colonizados em 
relação às dos países colonizadores. A crítica a essa rela-
ção de dependência foi feita por ensaístas brasileiros, den-
tre os quais eu destacaria a figura de Silviano Santiago, no 
sentido de repensar o estatuto da literatura brasileira em 
relação às literaturas europeias, com destaque para arti-
gos como “O entre-lugar do discurso latino-americano” 
(Uma literatura nos trópicos, de 1978), “Apesar de depen-
dente, universal” (Vale quanto pesai, de 1982).
Do ponto de vista da teoria do texto, desde Mikhaïl 
Bakhtin, Julia Kristeva e Roland Barthes, fala-se muito 
mais de intertextualidade, conceito mais neutro, que dá 
conta do fato de que todo escritor é, antes de tudo, leitor. 
Para Barthes, a “escritura é a destruição detoda voz, de 
toda origem. A escritura é esse neutro, esse composto, 
esse oblíquo aonde foge o nosso sujeito, o branco-e-preto 
onde vem se perder toda identidade, a começar pela do 
corpo que escreve” (BARTHES, 1988, p. 65).3 Ao mos-
trar que “o texto é um tecido de citações” (BARTHES, 
1988), as quais, por sua vez, emanam de outros textos, 
Barthes dessacralizava a figura do autor como criador 
único e autoconsciente do texto. Ao tirar o foco do autor, 
Barthes privilegiava o leitor, aquele que teria o encargo 
de dar sentido ao texto no processo de leitura: “o leitor 
é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma 
se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; 
a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu 
destino” (BARTHES, 1988, p. 70).
Literatura comparada: o regional, o nacional e o transnacional
3 O tradutor usa a palavra es-
critura para écriture; eu prefiro 
usar o termo mais comum da 
língua portuguesa, escrita, e 
creio que esta é a tendência 
atual.
38 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
Manifeste pour une “Littérature-Monde” 
enfrançais
No dia 16 de março de 2007, o jornal Le Monde 
publicou um Manifeste pour une “littérature-monde” em 
français, assinado por 44 escritores, dentre os quais Edou-
ard Glissant, Tahar Ben Jelloun, Dany Laferrière e Maryse 
Condé. Alguns meses mais tarde, foi publicado um livro, 
Pour une littérature-monde, do qual participaram alguns 
dos signatários do Manifeste e outros escritores que não 
o haviam assinado. Inicialmente é preciso observar que 
o ponto de comparação postulado é a existência de uma 
literatura de língua inglesa que não teria um rótulo aná-
logo a “francófono” e cujos autores produziram “roman-
ces ruidosos, coloridos, mestiços, que diziam, com uma 
força rara e palavras novas, o rumor destas metrópoles 
exponenciais em que se chocavam, se misturavam, se 
mesclavam as culturas de todos os continentes” (Mani-
feste, tradução minha). Na reivindicação dos signatários 
do Manifeste, percebe-se a superação do “nacional” em 
benefício de uma visão “transnacional” da literatura na 
medida em que a maioria deles pertence, ao mesmo tem-
po, a várias “comunidades imaginadas” (Anderson), ou 
seja, são escritores que vivem uma realidade de hibridis-
mo e mestiçagem.
O livro Les littératures de langue française à l’heure de 
la mondialisation (2010), organizado por Lise Gauvin, pu-
blicou o Manifeste pour une littérature-monde em français, 
que estava inédito em livro desde sua publicação no jor-
nal. Este livro assinala a posição crítica dos quebequenses 
em relação ao Manifesto e a favor da francofonia literária, 
embora reconheça o ranço colonial que subsiste no termo 
francofonia, tal como usado no terreno da política inter-
nacional. 
Literatura do Commonwealth
Contrariamente à afirmação presente no Manifesto 
de que em inglês não haveria rótulo análogo à francofo-
nia, Salman Rushdie, em artigo intitulado “A literatura 
 39
do Commonwealth não existe”, escrito em 1983 (1993, 
p. 77), mostrava que a expressão “literatura do Com-
monwealth” — utilizada então para agrupar os escritores 
oriundos dos países que outrora fizeram parte do Império 
Britânico — era inapropriada, porque incluía escritores 
provenientes de países que não faziam parte do Com-
monwealth (como a África do Sul e o Paquistão). Mas o 
argumento principal tinha a ver com as mesmas questões 
colocadas pelos signatários do Manifeste pour une “littéra-
ture-monde” quase 25 anos depois, ou seja, que o termo ti-
nha uma ressonância paternalista e colonialista. Haveria, 
de um lado, a literatura inglesa propriamente dita — a 
superior, a sagrada — e, de outro lado, a literatura da pe-
riferia que reagruparia um bando de rudes recém-chega-
dos ao mundo das letras. Ele considerava particularmente 
desagradável a expressão “literatura do Commonwealth” 
por ela se constituir em “gueto de exclusão”. É importante 
destacar que ele concebe a literatura inglesa como toda 
a literatura escrita em língua inglesa, como Tahar Ben 
Jelloun considera que todos os que escrevem em fran-
cês fazem literatura francesa (e não francófona). Assim, 
separar a literatura inglesa seria conferir-lhe um caráter 
“segregacionista nos planos topográfico, nacionalista e 
talvez até mesmo racista” (RUSHDIE, 1993, p. 79). A 
regra base que sustenta o edifício do gueto “literatura do 
Commonwealth” seria que a literatura é expressão da na-
cionalidade, o que ele contesta. Assim, a recepção nos 
países centrais varia: se os livros recriam tradições orais e 
populares, com elementos das culturas ancestrais, eles são 
apreciados, enquanto que aqueles que mesclam as tradi-
ções ou rompem com elas parecem suspeitos. O escritor 
pós-colonial é, então, acusado de falta de autenticidade. 
Ora, por que se exige autenticidade de um escritor afri-
cano, asiático ou latino-americano, e não se exige auten-
ticidade de um escritor francês ou inglês? Porque, como 
afirma Rushdie, a autenticidade é a herdeira do velho 
exotismo. “Ela exige que as fontes, as formas, o estilo, a 
língua e os símbolos derivem todos de uma tradição pre-
tensamente homogênea e contínua” (RUSHDIE, 1993, 
p. 83). A busca de autenticidade é falaciosa, porque mes-
mo as tradições são múltiplas e já misturadas, não existe 
Literatura comparada: o regional, o nacional e o transnacional
40 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.23, 2013
nada puro e homogêneo, senão de forma abstrata e ima-
ginária. Nimrod, escritor nascido no Chade, afirma que o 
que os racistas europeus recusam é a mestiçagem cultural:
O que dizer do escritor africano? Tudo se passa como se 
ele tivesse de produzir uma literatura exótica destina-
da aos europeus e a si próprio, o que leva a destinar à 
nostalgia uma África que desapareceu há muito tempo 
[...] A literatura atravessa sua existência e o leva a es-
crever não uma literatura de africanos autênticos mas a 
de africanos urbanos — em todos os sentidos do termo 
— que é a prova inaudita do mestiço cultural em que eles 
se transformaram (NIMROD, 2007, p. 223).
A exigência de representar o autenticamente na-
cional coloca-se tão somente para os periféricos, porque 
ninguém pergunta sobre a francidade dos escritores fran-
ceses nem sobre a anglicidade dos escritores ingleses. A 
criação literária, nos dias de hoje, tanto nos países cen-
trais quanto nos países que passaram pelo processo de co-
lonização, não segue paradigmas rígidos.
Lusofonia?
No que se refere aos países africanos de língua por-
tuguesa, o termo lusofonia tende a não ser apreciado por 
atrelá-los de modo simbólico a Portugal, como salienta 
Laura Padilha (2007), que vê a lusofonia como extensão 
do lusismo, maneira de afirmação de Portugal. Ela consi-
dera que lusofonia significa mais do que o simples aspecto 
linguístico e, nesse sentido, vai de encontro à posição de 
Eduardo Lourenço.
Como nos espaços de língua francesa e inglesa, o 
português foi transformado para se moldar às peculiari-
dades da vida cultural dos diferentes países africanos e, 
principalmente, para incorporar elementos da tradição 
oral, como acontece em outras áreas diglóssicas, ou seja, 
países que falam mais de uma língua, com estatutos dife-
rentes (a língua ocidental e outra/s língua/s ágrafa/s). Essa 
“reinvenção linguística e cultural” da língua portuguesa 
foi chamada por David Mestre de “geogramática” (PADI-
LHA, 2007, p. 106).
 41
Do ponto de vista da legitimação, publicação e dis-
tribuição de livros, os autores africanos ainda passam por 
Lisboa, mas é de se destacar a amplitude do mercado edi-
torial brasileiro que abre as portas para esses escritores. E 
é também importante lembrar que os laços com o Brasil 
são antigos, já que os primeiros escritores, que participa-
ram dos movimentos de independência, foram leitores 
dos brasileiros, como Guimarães Rosa e Jorge Amado, o 
que provocou uma transversalidade bastante produtiva.
Língua e linguagem
Rushdie ressalta que a flexibilidade do inglês possi-
bilita

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