Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Autora: Profa. Raquel Sobral Colaboradores: Prof. Rodrigo Stolf Prof. Welliton Donizeti Popolim História da Alimentação 2 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Professora conteudista: Raquel Sobral Raquel Sobral é doutoranda no Programa Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades pela Universidade de São Paulo – USP (previsão de conclusão para 2019). Possui Mestrado em História Social pela USP (2014). Concluiu o Máster em História do Mundo Hispânico (2009) na Espanha. É graduada e licenciada em História (2005),e tecnóloga em Gastronomia (2017). Trabalha, atualmente, com pesquisas gastronômicas e consultoria de restaurantes. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S677h Sobral, Raquel. História da alimentação. / Raquel Sobral. – São Paulo: Editora Sol, 2018. 164 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-024/18, ISSN 1517-9230. 1. História da alimentação. 2. Banquetes. 3. Gastronomia brasileira. I. Título. CDU 641 (091) 3 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP). Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Talita Lo Ré Ana Fazzio 5 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Sumário História da Alimentação APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 PRÉ-HISTÓRIA ................................................................................................................................................... 11 1.1 Paleolítico (ou Idade da Pedra Lascada) ...................................................................................... 13 1.2 Neolítico (ou Idade da Pedra Polida) ............................................................................................ 14 1.3 Idade dos Metais ................................................................................................................................... 15 2 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA: DAS CIVILIZAÇÕES ANTIGAS AO SÉCULO XVIII ..................... 25 2.1 Alimentação no Egito antigo .......................................................................................................... 30 2.2 A alimentação na Idade Antiga: Babilônia, Pérsia e Palestina ........................................... 32 2.3 Alimentação na Antiguidade Clássica: Grécia e Roma ......................................................... 37 Unidade II 3 OS BANQUETES ................................................................................................................................................ 51 4 A ÉPOCA CONTEMPORÂNEA (SÉCULOS XIX-XX) ................................................................................ 65 4.1 Transformações do consumo alimentar ...................................................................................... 65 4.2 Nascimento e expansão dos restaurantes .................................................................................. 78 4.2.1 Itália ............................................................................................................................................................. 79 4.2.2 França .......................................................................................................................................................... 80 4.2.3 Estados Unidos ......................................................................................................................................... 83 Unidade III 5 ÉPOCA CONTEMPORÂNEA: A “MCDONALDIZAÇÃO” DOS COSTUMES ...................................... 89 6 A GASTRONOMIA NA ATUALIDADE: PRINCIPAIS SEGMENTOS DE ATUAÇÃO ......................... 98 6.1 Os chefs fundamentais para a evolução da gastronomia no Brasil e no mundo ....104 Unidade IV 7 A FORMAÇÃO DA GASTRONOMIA BRASILEIRA ................................................................................112 7.1 Influências religiosas .........................................................................................................................113 7.2 Principais povos formadores da gastronomia brasileira ....................................................120 6 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a 8 AS CARACTERÍSTICAS REGIONAIS DA GASTRONOMIA NO BRASIL ..........................................127 8.1 Região Norte ........................................................................................................................................129 8.2 Região Nordeste .................................................................................................................................131 8.3 Região Centro-Oeste .........................................................................................................................134 8.4 Região Sudeste ....................................................................................................................................136 8.5 Região Sul .............................................................................................................................................139 8.6 O papel da gastronomia na atualidade .....................................................................................140 7 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a APRESENTAÇÃO A disciplina História da Alimentação tem por objetivo estudar a evolução histórica da alimentação mundial, da Pré-história ao século XXI. Ao fazermos a retrospectiva dos principais aspectos da formação da gastronomia brasileira e discutirmos sua importância para o país, será possível analisar a relação com os recursos alimentares disponíveis, bem como a desigual distribuição de renda e, consequentemente, dos alimentos em um país tão produtivo. A disciplina também se propõe apresentar as principais influências das diferentes etnias que compõem a sociedade brasileira, responsáveis por esse caldeirão cultural e gastronômico chamado Brasil. Todas as nossas referências culturais gastronômicas, da mesa à rua, sofreram (e sofrem) influências das constantes correntes migratórias que chegaram (e continuam chegando) ao território brasileiro. Junto com as etnias indígenas emulsionaram recursos, hábitos, receitas e padrões alimentares. Tendo em vista o fato de a distribuição de alimentos ser bastante desigual no mundo, afetando os padrões de consumo, trataremosdo tema da “McDonaldização” dos costumes na época contemporânea. Veremos também os principais expoentes do cargo chef de cozinha, tanto no cenário nacional quanto no internacional. INTRODUÇÃO Será que conseguimos viver sem comer? Como a alimentação evoluiu de seus primórdios até as comidas disponíveis em supermercados e restaurantes, atendendo aos mais diversos preços e gostos? Aliás, como surgiram os restaurantes? Por que a comida pode nos trazer tantas lembranças, cheiros, sentimentos, sabores, risos e lágrimas de momentos da nossa vida? Qual a relação entre paladar e memória? Comida e religião têm algo em comum? Essas e outras questões relacionadas à alimentação surgem diariamente na sociedade atual. A comida sempre foi um caminho de expressão cultural. Ela ajuda a reencontrar pessoas, promove a magia de retornar ao passado por meio da memória afetiva, ou seja, nunca nos lembramos apenas da comida. Junto com todos os aromas, cores e sabores recordamo-nos de relações, amores, saudades, lugares, enfim, viajamos no tempo e no espaço. A maior parte das culturas construiu-se sobre várias bases, sendo uma delas a cozinha, com seus cheiros e sabores. Somos o que comemos e, por meio do ato de comer, entre outros, nos reconhecemos. Comer, portanto, é revelar-se. É na cozinha que aprendemos os primeiros prazeres e que, de certo modo, desenvolvemos as primeiras regras de sociabilidade. Com o boom da gastronomia no cenário nacional, faz-se necessário identificar as mais variadas inspirações culinárias regionais. O clamor pela identidade da mesa nunca esteve tão presente. De certo modo, apesar da desenfreada “gourmetização” das comidas regionais, houve também uma visível e importante valorização de ingredientes e receitas brasileiras (com todas as devidas considerações referentes aos abusos de colheita e à caça desenfreada e nada sustentável, assuntos sobre os quais se falará mais adiante). 8 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Atualmente, com as redes sociais e a realidade virtual, apertar um botão de bloqueio pode nos afastar automaticamente de publicações e de pessoas com as quais não concordamos. Dessa forma, evitamos o diálogo e a convivência com as diferenças. Assim, o convívio com os parentes torna-se a única esfera na qual tal bloqueio não se mostra possível, uma vez que ela gira para além da esfera virtual. A mesa possibilita o cultivo das relações de carinho e do afeto entre os familiares. Comer em família é um ritual que nos aproxima, acolhe, protege e nos ensina sobre sobrevivência e hospitalidade. O ritual de comer é, em última análise, ancestral e anterior à própria mesa e é um momento de descanso da vida exterior. Como disse Michael Pollan, autor americano, jornalista, ativista e professor de jornalismo na UC Berkeley Graduate School of Journalism: a refeição familiar é o berço da democracia (POLLAN, 2010). No mundo globalizado (e acelerado), saímos da esfera privada e procuramos refeições práticas em supermercados e restaurantes, mas sempre levando em consideração que uma refeição envolve saúde, memórias, políticas e experiências sensoriais. A alimentação é um fator primordial na rotina diária da humanidade. Tendo em vista tudo isso, o objetivo desta disciplina é fazer um estudo de forma retrospectiva, refletindo sobre o panorama da alimentação mundial por meio da evolução histórica dos padrões alimentares das diversas culturas e sociedades. A alimentação é, após a respiração e a ingestão de água, a mais básica das necessidades humanas. Mas como “não só de pão vive o homem”, a alimentação, além de uma necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de significados sociais, sexuais, políticos, religiosos, éticos, estéticos etc. A fome biológica distingue-se dos apetites, expressões dos variáveis desejos humanos e cuja satisfação não obedece apenas ao curto trajeto que vai do prato à boca, mas se materializa em hábitos, costumes, rituais, etiquetas (CARNEIRO, 2003, p. 1). 9 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Figura 1 – A imagem é composta de alimentos orgânicos e naturais que remetem a uma dieta equilibrada, evitando os alimentos congelados e com conservantes Além dos diversos aspectos que a disciplina História da Alimentação aborda, há ao longo de todo o texto uma interação interdisciplinar, com o objetivo de expor sistematicamente o assunto de forma universal: Antropologia, Sociologia, Botânica, Zoologia, Filosofia, Agronomia, Arqueologia são as principais ciências utilizadas aqui. A História, por sua vez, vem sintetizar os recursos das diversas disciplinas e efetuar um analise dinâmica das transformações pelas quais a alimentação humana passou. Objetivando uma melhor compreensão do assunto, destacaremos também alguns tópicos relacionados à Medicina, que, desde a Antiguidade, tenta desvendar os mistérios do corpo humano e seu metabolismo por meio da digestão. Perceberemos que a alimentação, de um modo geral, é a luta contra a fome, e nem sempre os seres humanos saíram vitoriosos dessa luta. Com relação a isso, podem-se destacar vários aspectos: o nível de povoamento, a ausência de ferramentas adequadas na Pré-história, a produção dos alimentos, os desastres naturais e, é claro, a desigualdade social. Ou seja, a fome assola o passado e o presente da humanidade. 11 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Unidade I 1 PRÉ‑HISTÓRIA Por que comemos o que comemos? A verdade irá nos contar? Nossa comida é algo poderoso que nos afeta de maneiras inacreditáveis. Como quando o pão mudou nossas cabeças, a carne assada aumentou nosso cérebro e a cerveja, na verdade, salvou nossas vidas. Como tudo isso aconteceu? Hoje, os seres humanos habitam o planeta inteiro, mas, há milhões de anos, viviam em apenas um lugar: a África. O que nos deu força para conquistar o mundo? A caçada nos tornou humanos? A comida, por fazer parte do nosso dia a dia, não está presente no nosso questionamento básico. Para os nossos ancestrais, encontrar o que comer não era uma tarefa fácil e divertida, mas uma questão de vida ou morte. Então, por que a comida é tão importante para a sobrevivência humana? Sem comida morremos em pouco mais de um mês. Felizmente, nós possuímos instintos e sentidos que foram feitos para nos ajudar a localizar algo para comer. Assim, todos os seres vivos estão desenvolvendo o mesmo jogo evolutivo, e as três primeiras regras naturais para vencer o jogo são: comer, sobreviver, reproduzir. Se algum ser vivo não cumprir a primeira regra (comer), será difícil alcançar as outras duas. Vamos voltar 6 milhões de anos para tentar descobrir como nossos ancestrais sobreviviam sem supermercado e fast-food. Qual era a dieta dos nossos primeiros ancestrais? Provavelmente ela incluía muito do que já conhecemos, como frutas, tubérculos, folhas verdes, vegetais, ou seja, saladas e frutas. É interessante pensar que, no mundo contemporâneo, saladas e frutas nos remetem a uma situação de dieta, seja por doença, seja por estética. Figura 2 – Exemplos de fast-food 12 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Observação Fast-food significa comida rápida em inglês. É um tipo de comida, geralmente lanche, para pessoas que não dispõem de muito tempo para fazer as suas refeições. A grande vantagem do alimento fast-food é o fato de poder ser preparado e servido rapidamente. Fast-food (ou comida pronta) também é o nome dado ao consumo de refeições que podem ser preparadas e servidas em um intervalo pequeno de tempo. São exemplos de comidas de fast-food: sanduíche, pizza, batata frita, pastel etc. Os alimentos fast-food, em sua grande maioria, são altamente calóricos. Mas vamos voltarum pouco no tempo e pensar como a alimentação chegou até a rapidez atual. O que nos vem à cabeça quando a palavra Pré-história aparece? Vamos refletir um pouco? Pois bem, a Pré-história é definida pelos pesquisadores como o período anterior ao aparecimento da escrita, ou seja, não se trata de um período sem seres humanos, mas, sim, de um período em que a comunicação não se dava por meio da escrita. Os primeiros vestígios de escrita datam por volta de 4000 a.C. E como se estuda esse período? As pesquisas são feitas por meio da análise de vestígios encontrados em cavernas, vales e planícies onde o homem viveu nessa época. A caça, a pesca, os desastres naturais foram relatados principalmente por meio de desenhos (arte rupestre) deixados pelos ancestrais humanos. Figura 3 – Arte rupestre 13 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Para início de conversa, vamos entender melhor esse momento da história. A seguir estão os três períodos em que se costuma dividir a Pré-história. Observação A Pré-história, costumeiramente dividida em Paleolítico, Mesolítico e Neolítico, corresponde a todo o período em que não havia escrita no mundo. A partir do aparecimento da escrita, com os sumérios, por volta de 4000 a.C., inicia-se o período denominado História. Isso não significa que a Pré-história seja um período menos importante ou de menor desenvolvimento humano, ao contrário: devido às dificuldades para se alimentar, o homem pré-histórico aprendeu com a natureza e rompeu importantes barreiras, criando soluções práticas para conseguir comida. É a ele que devemos o fato de estar no topo da cadeia alimentar. 1.1 Paleolítico (ou Idade da Pedra Lascada) É o período mais longo de todos os denominados pré-históricos. Os seres humanos viviam como caçadores e coletores de animais, plantas e tudo o que a natureza oferecia. O cotidiano não era tão simples como imaginamos, pois os perigos da vida selvagem eram constantes e, além disso, era necessário lutar para obter alimentos. Figura 4 – Representação da Idade da Pedra Lascada 14 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Nessa época, os seres humanos eram nômades (ou seja, mudavam sempre de lugar em busca de água e comida) e moravam em cavernas para se proteger das chuvas, do sol, de animais e de desastres naturais. A natureza sempre regeu a forma de vida dos seres humanos: em razão de mudanças climáticas e do surgimento dos desertos, no fim do paleolítico (por volta de 10000 a.C.), precisaram mudar drasticamente sua forma de obter alimentos. Tais mudanças, relacionadas à moradia e às formas de caça e de coleta, marcaram o fim do Paleolítico: com a escassez de alimentos, os seres humanos desenvolveram técnicas que permitiram múltiplos modos de conservação e de preparo dos alimentos. Figura 5 – Homens de Neandertal do Paleolítico Médio 1.2 Neolítico (ou Idade da Pedra Polida) Com as modificações dietéticas do homem em razão da necessidade de buscar alimentos e conservá-los, o desenvolvimento da agricultura foi inevitável. Isso não significou o abandono da caça e da pesca, porém o cultivo dos alimentos diversificou a forma de alimentação e convívio entre os seres humanos. O período Neolítico vai de 10000 a.C. a 4000 a.C. Nesse momento, o cultivo do trigo, do centeio e da cevada tornou uma parte dos seres humanos sedentários, ou seja, com moradia fixa, justamente por conta do cuidado com sua horta. Ainda assim, as técnicas de caça avançaram e essa atividade tornou-se cada vez mais eficiente. Uma consequência do sedentarismo foi a domesticação de animais. Bois, cavalos e ovelhas foram os principais animais domesticados pelo homem nesse momento, fato que persiste até os dias atuais. Surgiram as primeiras casas e, assim, as primeiras vilas ou aldeias. Desenvolveram-se técnicas para fabricação de armas e ferramentas feitas de ossos, madeira e pedra polida. 15 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Figura 6 – O homem e o machado Para cozinhar com mais facilidade, o barro foi utilizado na fabricação de potes, panelas, bacias e outros utensílios domésticos. Com o maior convívio entre os humanos, a religião começa a se desenvolver nesse período, motivada, entre outros fatores, pela necessidade de um pensamento simbólico. Os ritos então criados, para adoração de seres materiais ou espirituais, estavam ligados ao sacrifício e às receitas culinárias. É necessário frisar que, apesar de tais pesquisas estarem ainda no plano da especulação, não podemos defini-las como improváveis. As preparações culinárias e as religiões são muito complexas, porém todos concordam que são manifestações provenientes de ritos e símbolos que integram o universo cotidiano desde os primórdios da humanidade. Saiba mais Para saber mais sobre a Pré-história e a evolução da nossa espécie, assista ao documentário indicado a seguir: NOSSAS origens. Dir. David Stewart. Inglaterra: BBC, 2011. 58 minutos (3 episódios). 1.3 Idade dos Metais As características da idade dos metais, em relação ao modo de se alimentar dos homens, são mais fáceis de assimilarmos, pois estão mais próximas do modo de vida que conhecemos. O homem, nesse período, desenvolveu técnicas para a fabricação de armas e ferramentas mais duráveis e resistentes, 16 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I utilizando, para isso, cobre, bronze e ferro, principalmente. E algumas dessas ferramentas são utilizadas até hoje, como as panelas, por exemplo. Com a tecnologia de ferramentas mais avançada, a agricultura também avançou em técnicas agrícolas, mas as armas ficaram mais mortais e os conflitos por terra e comida tornaram-se frequentes. Os avanços da agricultura e o desenvolvimento da escrita marcaram o fim da Pré-história e, consequentemente, o início da Antiguidade. Ao falarmos de Pré-história, é inevitável a comparação entre humanos e macacos, por suas características primatas. Pois bem, apesar de ambos serem considerados animais onívoros, as escolhas e as variedades alimentares dos humanos são exclusivas entre os primatas, principalmente em virtude do caráter ritualístico, econômico e social que o ato de comer envolve no caso dos seres humanos. Observação Segundo o Dicio (2018), onívoro é aquele que se alimenta tanto de alimentos de origem animal como de vegetal. O mesmo dicionário apresenta ainda outras definições: como adjetivo, refere-se àquele que come de tudo; em sentido figurado: trata-se daquele que devora absolutamente tudo; sem restrições. Um sinônimo seria polífago. Além do homem, são exemplos de seres onívoros: ursos, porcos e baratas. Assim, caçar era uma estratégia de última instância, já que a abundância de frutos na natureza era constante. Porém, estamos tentando desvendar os mistérios da evolução humana através da alimentação, e a caça foi um elemento bastante importante nesse sentido, pois, a partir do desenvolvimento das armas de pedra, a fuga dos animais foi menor devido à eficiência do ataque dos seres humanos a esses animais. Após adotar a posição ereta, os homens se viram com as mãos livres para caçar. Podemos entender que a posição ereta do ser humano está ligada ao seu instinto de sobrevivência, possibilitando o uso de lanças, por exemplo, as quais permitiam tanto a defesa frente a outros animais como uma maior eficiência como um novo utensílio de caça. Há discussões acadêmicas intensas sobre os primeiros hominídeos, conhecidos como australopitecos, Homo habilis e depois Homo erectus. Discute-se ainda sobre seu comportamento como caçadores ou ladrões de carcaças (os debates sobre a caça do homem são comuns a partir do que se encontra nos sítios arqueológicos). Osfósseis do período anterior a 1,5 milhão de anos não possuem tantos vestígios no solo, e o desenvolvimento de pesquisas utilizando métodos químicos é recente. Tal método auxilia a medir os constituintes dos ossos fósseis e a verificar a ingestão de vegetais e carnes na alimentação humana na Pré-história. Com base em discussões acadêmicas sobre a alimentação humana na Pré-história, podemos afirmar que a caça foi responsável pelas primeiras regras de sociabilidade e de auxílio mútuo entre homens e mulheres nos primórdios da humanidade. A atividade de caça dos primeiros hominídeos (australopitecos 17 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO e Homo habilis) é constantemente associada a instrumentos de pedra lascada e a locais próximos a lagos e rios, ao ar livre, variando os animais abatidos, desde tartarugas a animais enormes como elefantes. Figura 7 – Pintura rupestre de uma vaca, provavelmente um animal de caça Mas o que isso tem a ver com sociabilidade e auxilio mútuo? Ora, para caçar animais de grande porte foi preciso fabricar ferramentas e agrupar-se para a caça coletiva. Esses hominídeos foram considerados os primeiros primatas caçadores por terem evoluído para bípedes permanentes, o que facilitou a adaptação à caça. Pela escassez de ferramentas de caça de longo alcance, o que facilitaria a caça de espera, desenvolveram uma atividade coletiva e cooperativa. Os restos de suas presas eram levados a locais mais seguros, uma espécie de acampamento coletivo, sendo repartidos entre os homens e as mulheres que participaram daquela ação. A caça, portanto, teria sido a responsável pela necessidade de comunicação entre os primeiros hominídeos e de divisão sexual do trabalho de forma cooperativa; ou seja, a atividade de caça teria dado início à organização social e familiar da espécie humana. Para muitos estudiosos, os australopitecos deram início ao comportamento humano porque se tornaram caçadores. Para os nossos ancestrais, caçar foi um passaporte para o planeta, uma inovação essencial para que os humanos pudessem povoar o mundo inteiro. Com a habilidade de caçar, os ancestrais diretos de todos os seres humanos que habitam a Terra hoje se espalharam pelo globo em busca de comida, e toda essa movimentação ao redor do planeta teve um efeito inesperado. À medida que os nossos ancestrais migraram para o norte do planeta, a comida mudou a pele das pessoas de maneira impressionante; em outras palavras, a comida mudou nossa aparência. Isso aconteceu há aproximadamente 90.000 anos, quando os primeiros ancestrais modernos se aventuraram para fora da África. Alguns foram para a esquerda, e outros para a direita, não demorando muito para habitarem todas as regiões do globo. 18 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I É necessário destacar um nutriente em particular, que teve papel fundamental na mudança de aparência dos seres humanos. Ao norte do globo, os efeitos do sol são menos intensos, levando a alterações nos genes da população que habitava esses locais. O nutriente envolvido aqui é a vitamina D, uma vitamina essencial na formação dos ossos e cuja absorção pelo organismo humano está diretamente relacionada aos raios solares (trata-se da principal forma de absorção, o restante se dá por meio da ingestão de alimentos). Mas o que isso tem a ver com a diversidade da aparência humana? Para que os homens que saíram da África em direção ao norte do planeta pudessem absorver da melhor forma possível a quantidade de vitamina D necessária transmitida pelo sol, a pele deles tornou-se mais clara. Assim, com a pele mais clara, a absorção de vitamina D foi eficiente e permitiu que eles sobrevivessem. Porém, os ancestrais que foram mais para o norte na sua andança pela Terra, mais especificamente na Groelândia, têm o tom de pele mais escuro que os seres humanos das regiões do norte da Europa. Isso é explicado pelo tipo de alimentação. Os ancestrais da Groelândia se alimentavam essencialmente de peixes e da gordura de animais marítimos, fontes riquíssimas de vitamina D. Assim, quando o sol, no inverno, quase não aparecia, a quantidade de vitamina D necessária para a sobrevivência era proporcionada por meio da alimentação. Observe que eles têm a pele mais escura para se proteger melhor do sol nas outras estações do ano. Desse modo, toda a História e a Evolução da humanidade estão relacionadas à alimentação. Em razão da busca de alimentos desenvolveram-se armas e ferramentas para a caça, agrupamentos sociais, escrita, arte, guerras, rituais e religiões. Podemos observar ainda que o homem consumia o que lhe era oferecido pela natureza, como frutos, raízes e folhas. Os cereais, por exemplo, foram ingeridos após o início da agricultura (caso de grandes civilizações da Mesopotâmia, como as do Egito, da Síria e do Irã). A evolução humana e a alimentação mostram-se claramente interligadas nas ações dos homens primitivos para tornarem-se independentes da natureza. A partir da mudança do nomadismo (sem moradia fixa) para o sedentarismo (com moradia fixa), o ser humano desenvolveu o cultivo de hortaliças, tubérculos, frutas e domesticou animais. O desenvolvimento da agricultura e da domesticação dos animais marcou o inicio real da civilização. A teoria da evolução humana indica que o Homo erectus substituiu o Homo habilis, passando a ocupar zonas temperadas da Terra. A partir do momento em que se estabeleceu nessas regiões, a diminuição de recursos vegetais disponíveis aumentou a procura por carne, sem torná-la exclusiva. Temos, então, a questão de sazonalidade dos recursos provenientes da natureza, o que explica a diversificação alimentar durante todo o Paleolítico. O período Paleolítico tem como principal característica o desenvolvimento de instrumentos e ferramentas provenientes de pedras, sendo, por isso, também conhecido como período da pedra lascada. A pedra inteira era lascada em pequenos e médios pedaços até que os hominídeos conseguissem objetos pontiagudos e cortantes. Tais ferramentas contribuíram para a caça em massa, para a preparação de 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO peles de animais, como vestimenta, para o armazenamento de alimentos e para o menor deslocamento possível na busca por comida. O armazenamento de comida e de outros objetos era uma novidade para os hominídeos. A conservação dos alimentos era feita por secagem, defumação ou congelamento em covas feitas no solo auxiliado pelo clima frio e seco do final do Paleolítico. Assim, o paleolítico é marcado pelo apogeu dos estilos de vida baseados na caça e na coleta. A partir do ano 8000 a.C. as geleiras derreteram consideravelmente e o clima na Terra passou a ser mais temperado e úmido. A mudança climática atingiu a fauna e a flora naquele período e as florestas tomaram conta da paisagem. Como consequência, a disponibilidade de carne diminuiu, uma vez que houve uma espécie de substituição de animais de grande porte (acostumados com ausência de mata densa) pelos de pequeno porte (mais desenvoltos em matas fechadas). Ao contrário do que se imagina, a alimentação no Mesolítico tornou-se mais diversificada que no período anterior e intensificou-se a coleta (em razão da enorme variedade de espécies nas florestas temperadas). Peixes, moluscos e pássaros eram amplamente consumidos e podiam ser mirados e abatidos a partir de um mesmo ponto. Podemos então imaginar que os hominídeos tendiam a estabelecer-se próximos das florestas (onde a caça era abundante), à beira dos rios ou de mares (ricos em peixes e pássaros) e baseavam sua alimentação na exploração sazonal de recursos que permitiram armazenar alimentos e fixar morada por mais tempo. Assim, tornou-se possível o desenvolvimento de técnicase de ferramentas para a caça e a coleta, e o período da pedra polida surgiu com a evolução do processo alimentar. A diferença entre o homem e os demais animais é a racionalidade, que auxiliou o domínio humano sob as outras espécies antes mesmo que o homem dominasse o fogo. Sabe-se, por exemplo, de fósseis na África Oriental associados ao ato de cozinhar em fontes termais, fontes essas existentes em abundância na região. O calor proveniente dessas fontes teria sido utilizado na Pré-história para devolver temperatura alta à presa recém-abatida na caça, permitindo, assim, que alimentos fossem cozidos antes mesmo de que houvesse o domínio do fogo pelo homem. No período Mesolítico (o período que sucede ao Paleolítico), os seres humanos juntavam-se em clãs (homo socialis) e já conheciam o fogo (em decorrência de raios e da chama dos vulcões), que adoravam, mas sobre o qual não tinham domínio, tampouco sabendo como produzi-lo (devoravam as carnes chamuscadas de animais mortos em incêndios da floresta). Segundo a mitologia grega, a descoberta de como fazer fogo partiu de Prometeu. Foi atribuída a Prometeu a criação da raça humana e dos animais na Terra. Por ordem de Zeus, o fogo seria símbolo do espírito criador e pertenceria apenas aos deuses do Olimpo. Após oferecer aos deuses um animal abatido em dois pedaços diferentes, a parte maior com gordura e ossos e apenas a parte menor com a carne mais nobre, Zeus, o deus mais importante do Olimpo, entendeu que Prometeu queria enganá-lo. 20 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Figura 8 – Prometeu acorrentado O deus dos deuses ficou furioso, acorrentando o titã Prometeu a uma rocha e punindo-o ainda com a visita diária de uma águia que dilaceraria seu fígado. Como Prometeu era imortal, seu fígado se regenerava, o que tornava seu sofrimento diário e eterno. Certa vez, ao ser dilacerado pela águia, atritou por acaso dois pedaços de pedra e depois dois pedaços de lenha entre si, vendo surgir uma centelha que originou fogo. Então, cedeu o segredo aos homens, e esses puderam espantar animais bravos, se aquecer no frio e assar a carne; tal presente de Prometeu intensificou a ira de Zeus sobre a raça humana. Para castigá-lo, o deus dos deuses ordenou dilúvio sobre a Terra por quarenta dias e quarenta noites, a fim de exterminar as criações do titã traidor. No entanto, quando as águas baixaram ainda restaram alguns seres vivos, que foram responsáveis pelo repovoamento quem houve a seguir. O fogo exerceu e ainda exerce grande fascínio sobre a humanidade, esteve presente na maioria dos ritos das primeiras adorações e foi considerado divindade e/ou elemento sobrenatural em várias tribos antigas estudadas por pesquisadores. 21 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Figura 9 – O fogo Para além do fogo, os utensílios culinários também foram indispensáveis para o desenvolvimento da dieta humana. Os utensílios de pedra e de barro permitiram o cozimento dos alimentos, além da condimentação das caças com ervas e sementes aromáticas. Com a argila, o forno de barro foi inventado, possibilitando mudanças significativas que ocorreram na Pré-história. Observação O fogo foi a maior conquista da humanidade, ou, melhor dizendo, o domínio do fogo foi a maior conquista da humanidade. Tal conquista devemos aos nossos ancestrais pré-históricos. Ao dominar o fogo, o homem afastou animais perigosos, conseguiu se proteger do frio, iluminar o interior das cavernas e assim ficar mais seguro, fabricando ferramentas para caça/ pesca, iniciando o cozimento de carnes e o desenvolvimento de utensílios de cozinha, como as panelas. O domínio do fogo e, posteriormente, sua produção e manutenção foram, sem dúvida, a primeira grande revolução do homem frente aos outros animais e à natureza. As mudanças que os utensílios trouxeram estavam ligadas ao cultivo da terra e ao surgimento das primeiras aldeias sedentárias. Assim, o início das civilizações está relacionado à procura e à colheita de alimentos, aos rituais envolvendo ciclos sazonais (como épocas de chuva e de seca), ao prazer de comer e aos hábitos de cultivo dos alimentos. Nesse momento da história, não havia tantos métodos de conservação para os alimentos, o que levou o homem a partilhar e consumir prontamente sua caça. Foi então que surgiu a ritualização do consumo desses alimentos em abundância: a refeição. 22 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Figura 10 – Peixes na brasa e com varetas, típicos da Pré-história É impressionante imaginar que somos os únicos sobreviventes da enorme árvore genealógica humana. É possível que a carne assada tenha sido o segredo da nossa sobrevivência? Tudo começou há dois milhões de anos, com o desenvolvimento das ferramentas que possibilitaram caçar animais de grande porte. A carne sustentou nossos ancestrais como combustível ímpar, favorecendo o desenvolvimento de músculos e a sobrevivência dos seres humanos, mas a mágica do fogo foi essencial para a verdadeira revolução evolutiva. Sabemos que o fogo ocorre naturalmente e é quase impossível indicarmos com precisão quando o homem o dominou, porém, acredita-se que a arte de assar a carne tenha aparecido há cerca de meio milhão de anos. A energia liberada pelo fogo faz mais do que simplesmente aquecer a comida: quando cozida, as proteínas e os açúcares nela contidos sofrem transformações químicas que a tornam ainda mais nutritiva e saborosa. Figura 11 – Carne na brasa 23 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Muitas comidas, que são duras demais ou até mesmo venenosas quando cruas, podem ser consumidas com segurança após serem assadas. Dessa forma, o domínio do fogo facilitou a sobrevivência humana e transformou nossos primeiros ancestrais em nós. Quando nossos ancestrais passaram a assar a carne, eles aliviaram a carga do nosso sistema digestivo, que passou a gastar menos energia com a digestão. Esse excedente de energia possibilitou ao homem viver mais tempo, crescer e até mesmo ter o formato de seu crânio alterado (as calorias excedentes foram utilizadas para o desenvolvimento do corpo humano). Comparando os hominídeos daquela época conosco, perceberemos que seus dentes eram extremamente maiores do que os nossos, já seus cérebros eram visivelmente menores. Quanto aos dentes, seu tamanho avantajado pode ser associado à utilização constante e massiva da mandíbula para mastigar alimentos que não eram assados. Podemos dizer que, naquele momento, mastigar era mais importante que pensar. Há dois milhões de anos, o cérebro humano tornou-se três vezes maior devido à absorção de nutrientes provenientes da carne assada. Em outras palavras, graças à carne assada, sobraram tempo, energia e calorias para o desenvolvimento do cérebro e da inteligência humana. Figura 12 – Cérebro e racionalidade A revolução agrícola libertou o homem da total dependência da natureza; com o trabalho no campo, os alimentos, mesmo que de forma sazonal, estavam disponíveis para ele. Além de se alimentar com mais frequência, o homem passou a correr menos riscos para saciar sua fome, pois a caça não era mais a única possibilidade para a sobrevivência: além de caçar, o homem era coletor e agricultor. Quando, ainda na Pré-história, o homem trocou a vida nômade pela vida em pequenas aldeias, aprendeu a acolher e a domesticar pequenos animais, iniciando-se na atividade pastoril. Dispunha, então, de carne e de leite, obtinha manteiga, coalhava o leite, fazia queijo, fiava a lã, tecia agasalhos. A seara e o rebanho asseguravam-lhe o sustento e alimentação. 24 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om edo d ia gr am ad or - d at a Unidade I Observação Como começamos a beber leite? Há cerca de 10 mil anos, uma mutação genética devolveu ao homem a capacidade de digerir lactose quando adulto. Os primeiros humanos a desenvolver tal mutação foram os criadores de gado, que perceberam que, fermentando o leite para obter iogurte ou queijo, mantinham-se as propriedades nutritivas sem que houvesse o desencadeamento de problemas digestivos (em adultos). Da pedra polida fez-se instrumentos de caça e objetos domésticos, fundiu o cobre e o bronze, moldou o barro e endureceu-o na brasa, fazendo tijolos, figuras de divindades e vasilhames. Entre duas pedras moeu o grão, fez a farinha, amassou o pão e assou-o no forno. Também fermentou a cevada e fez a cerveja, encontrou uvas e produziu vinho. Com os progressos do período Neolítico (Idade da Pedra Lascada), a vida tornou-se menos dura. É importante ressaltar que o período Neolítico, apesar de ter sido marcado pelo começo da agricultura e pelo aperfeiçoamento de ferramentas que proporcionaram diferentes tipos de técnicas de cultivo, não se desenvolveu de forma uniforme no mundo. Em algumas regiões, por exemplo, a produção agrícola e a domesticação de animais não foram atingidas, continuando seus habitantes a viver da caça e da coleta de alimentos, tal como no Paleolítico. Apesar do aumento considerável do número de vilas e de aldeias no Neolítico e na Idade dos Metais, as migrações eram constantes: apenas os egípcios e os mesopotâmicos continuaram em suas terras. É claro que as maravilhas férteis e agrícolas que os rios Nilo, Tigre e Eufrates proporcionavam em suas regiões no início do sedentarismo, ainda na Pré-história, auxiliaram no desenvolvimento de civilizações extremamente desenvolvidas e culturalmente intensas ao redor deles. Figura 13 – Rio Eufrates, no atual Iraque 25 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Com o aumento das aglomerações humanas, a comida deixou de ser apenas um item para sobrevivência, passando a agregar valor cultural. Há relatos de que a comida se tornou a protagonista nas configurações da mesa, estando presente nas formas de organização das antigas civilizações e na hierarquização do ato de alimentar. Ou seja, a comida passou a ser motivo ou indício de hierarquia social: quanto mais comida e mais utensílios para servi-la, maior era a posição social do comensal. A construção dos grandes impérios da Antiguidade teve como base a alimentação. A unificação da China, por exemplo, que era fragmentada em vários reinos, se deu com base no agrupamento desses reinos em torno da disputa pelo sal (o famoso e moderno sal do Himalaia). O sal e a água são os dois minerais básicos da nossa alimentação (CARNEIRO, 2003). A importância do sal pode ser indicada desde o período do Império Romano, quando o sal era o pagamento dos soldados do Império. É dessa ação, aliás, que deriva o termo “salário”. Percebemos, então, que o controle do comércio do sal foi uma política estratégica de dominação e de poder utilizada por muitos impérios (CARNEIRO, 2003). Egito, Mesopotâmia, Grécia e Roma são expoentes de culturas que fizeram da culinária sua máxima nos ritos e, com base no ato de comer, separaram de vez os pobres dos ricos. De acordo com os convidados, os governos mudavam a forma de servir a comida e os serviços relacionados a tais eventos. Observação Você sabia que para muitos cientistas e até mesmo religiosos (judeus e cristãos) o Jardim do Éden bíblico localizava-se na região mesopotâmica (próximo ao Iraque atual, entre os rios Tigre e Eufrates)? Ou seja, o Iraque, hoje devastado por guerras e cobiça, já teria alocado o paraíso de Deus na Terra. Se há um local que podemos destacar como marco do desenvolvimento da gastronomia, esse lugar foi o mundo grego antigo. Na Grécia, a comida passou a ser objeto de estudo, uma ciência: era a arte de representação à mesa. O ato de servir e cozinhar, inclusive, criou a divisão de cargos para os responsáveis por cada serviço. Nessa época, já eram utilizados panelas de cerâmica, ferro fundido, pilão, pedras de amolar, frigideiras e os mais variados tipos de forno. Mas foi em Roma que se estabeleceu a divisão do trabalho na cozinha tal qual a conhecemos hoje, com funções específicas para padeiro, chefe de cozinha, mestre de cerimônia, degustador de vinhos, comprador de produtos etc. É claro que esses cargos serviram como base para as funções de cozinha na atualidade e a adaptação e aprimoramento são constantes conforme a necessidade da realidade aplicada. 2 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA: DAS CIVILIZAÇÕES ANTIGAS AO SÉCULO XVIII Vamos começar pelos conceitos. Gastronomia é diferente de alimentação, correto? Sim! Então, o que é gastronomia? Gastronomia vem da junção dos termos gregos gastros, que significa estômago, e nomia, que significa lei e conhecimento. Dessa forma, ao pé da letra, gastronomia significa lei do estômago. 26 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Trata-se de um estudo que engloba a culinária, a qual, por sua vez, concebe-se como o ofício de preparar alimentos e bebidas a partir de técnicas variadas, com ou sem cocção. Figura 14 – Estudo do estômago A história da gastronomia se confunde com a evolução humana. Como vimos anteriormente, no período paleolítico foi dado o pontapé inicial aos ritos alimentares, principalmente com a caça. Com a adoção do sedentarismo, da agricultura e da domesticação dos animais, uma maior quantidade de alimentos se tornou disponível, possibilitando, assim, o crescimento populacional. Pode-se dizer que a gastronomia teve início com o homem primitivo descobrindo que os alimentos poderiam ser modificados. Aliás, o domínio do fogo foi crucial para a descoberta de manipular o sabor dos alimentos. Com o calor, as texturas dos alimentos puderam ser modificadas (ou seja, tornaram-se mais tenras). Tais mudanças de textura possibilitaram que uma menor quantidade de energia fosse gasta com a mastigação, facilitando o processo de absorção pelo sistema digestivo. Ao diminuir o esforço para mastigar, o cérebro humano ganhou destaque, e seu desenvolvimento foi crucial para o homem chegar ao topo da cadeia alimentar. Como vimos anteriormente, a inteligência está diretamente ligada à alimentação. Com o desenvolvimento de técnicas agrícolas e de ferramentas para cocção, a busca por alimentos passou a ser guiada não somente pela necessidade de alimentação, mas também pelo gosto e pelo sabor, que se tornaram, então, componentes dos hábitos alimentares da humanidade. Plantas e animais são produtos de um relacionamento simbiótico (quando espécies diferentes, vivendo juntas, compartilham vantagens e se comportam como um único organismo) entre os humanos e o mundo natural; trata-se do processo que chamamos de domesticação, no qual plantas e animais selvagens são transformados em algo novo; tornam-se fontes de alimentação pacíficas que saciam as necessidades dos seres humanos. Através da domesticação, os seres humanos puderam criar os primeiros mercados. Como? Bem, se, em seu período exclusivamente nômade, o homem era dependente da abundância que a floresta proporcionava, a domesticação dos animais selvagens nos tornou dependentes dos animais para comer. 27 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Carnes, ovos e leite foram responsáveis por mudanças significativas na aparência dos seres humanos. O leite, principalmente, transformou os humanos em seres mutantes. No período da Pré-história todos os adultos eram intolerantes à lactose e aos derivados do leite. Obviamente, a intolerância estava voltada aos adultos, porque somos mamíferos, e os mamíferos nascem com a capacidade de digerir o leite materno, mas os adultos não.Porém, pessoas que habitavam a Europa e o Oriente Médio desenvolveram a capacidade de ingerir leite e seus derivados. Por isso, queijo, manteiga, iogurte e sorvete são tão populares em lugares como França e Turquia. Curioso observar que no extremo da Ásia esses mesmos produtos não são tão populares, pois deixam as pessoas enjoadas. Assim, pessoas que conseguem ingerir leites e seus derivados são geneticamente mutantes. Figura 15 – Ingerir leite nos tornou mutantes Além dos animais, os homens domesticaram algumas plantas também. Sementes de arroz, de milho e de trigo foram domesticadas e hoje fazem parte da nossa dieta quase que irrestritamente. A aparência e o sabor desses alimentos não têm nada a ver com a aparência e o sabor de seus “parentes” selvagens. Figura 16 – Cenoura laranja 28 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Observação O nacionalismo holandês tornou as cenouras laranjas. Tempos atrás a cenoura silvestre existia em muitas cores: branco, vermelho e até roxo, mas não em laranja. Há cerca de 300 anos, um fazendeiro holandês usou uma semente de cenoura amarela com o objetivo de gerar uma planta com a cor da família real holandesa, o laranja (a seleção de futebol do país, inclusive, é conhecida como laranja mecânica). A partir de então, a cenoura laranja tornou-se tão popular que foi plantada em todas as partes do mundo, sobrepondo-se, assim, às variedades de outras cores. Figura 17 – O leão faz parte do brasão do uniforme da laranja mecânica, a seleção holandesa de futebol Através da domesticação, a simbiose entre o homem e a comida aconteceu. E ao ter se fixado em um lugar junto com vários homens, mulheres, animais e plantas, os humanos iniciaram a construção da civilização. Mais de 6 mil anos antes de os egípcios construírem suas pirâmides, os seres humanos já plantavam as sementes do mundo moderno e as transformavam em algo novo. As comidas que eles estavam comendo tiveram um efeito transformador em seu esqueleto, sobretudo o pão. Há registros sobre um assentamento neolítico chamado Çatalhüyük, na Turquia, que contava com 8 mil habitantes no seu auge e era considerado o local mais populoso (ou mais densamente povoado) do planeta. Esse novo estilo de vida exigiu um novo patamar alimentar. O sul da Turquia é considerado o local de mudança genética do trigo e, assim, os homens passaram a ingeri-lo. Junto com o trigo, veio a colheita, que necessitava de um plantio trabalhoso de suas sementes em campos cada vez maiores. Tivemos, então, o nascimento da agricultura. As pessoas moíam os grãos colhidos e obtinham a farinha, que era então cozida nos fornos e assim havia a transformação da farinha em pão. A comida mudou novamente nossos ancestrais, mas, ao 29 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO contrário da mudança anterior (a carne assada), os resultados foram negativos: houve o surgimento de doenças relacionadas à desnutrição e a uma dieta pobre em ferro, como a anemia. Por viverem aglomerados e não mais apenas como caçadores, as doenças contagiosas também eram constantes, e, apesar da continuidade da atividade relacionada à caça, houve diminuição na ingestão de carne. Quatro mil anos antes de Cristo, as pessoas se alimentavam mais de grãos e cereais, viviam com seus animais e estavam se aglomerando cada vez mais, diminuindo seus deslocamentos. Dados esses fatores, não é difícil entender o aumento do número de mortes por desnutrição e problemas sanitários, além do surgimento de inúmeras doenças e parasitas. A ingestão de uma maior quantidade de açúcar (em razão do aumento da porção de amido na dietas) causou um crescimento significativo dos casos de cárie e, consequentemente, de apodrecimento dos dentes. A solução veio na forma de uma bebida espumante e fermentada, que foi crucial para a nossa sobrevivência: a cerveja. Figura 18 – Cerveja A cerveja está presente desde o início da civilização e, possuindo os mesmos nutrientes de algumas comidas, acabou contribuindo para a sobrevivência dos nossos ancestrais. No Egito, a cerveja era a bebida das massas e fazia parte de alguns ritos; para os sumérios, era considerada, em grau primário, a principal fonte de nutrientes. Um fato bastante curioso atestado pelas descobertas históricas é que a primeira receita médica de que se tem notícia continha cerveja. O trigo e a cevada em sua forma natural já são boas fontes de nutrientes, porém, ao serem fermentados (tornando-se pão ou cerveja), passam a ser ainda mais nutritivos e, portanto, alimentos mais balanceados. E esse tipo de alimento balanceado mostrou-se importantíssimo quando a sobrevivência humana estava em jogo. Além do aspecto comestível, a cerveja também tinha propriedades que purificavam as águas: no processo de fermentação, a bactéria presente na levedura matava vários organismos infecciosos, ou 30 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I seja, graças à cerveja, considerada uma bebida segura e cheia de nutrientes, as cidades cresceram. Esse crescimento foi inversamente proporcional à importância dada à comida, pois o que antes era a única preocupação humana (buscar alimentos) passou para um segundo plano. Que tal fazermos um breve e resumido passeio pelas grandes civilizações através da alimentação? Vamos começar! 2.1 Alimentação no Egito antigo Para alguns historiadores, a civilização egípcia migrou da localização hoje conhecida como Iraque para as margens do rio Nilo, onde viveu seu apogeu. O sistema de irrigação, a aritmética, o sistema decimal, o conceito de propriedade, os templos monumentais, enfim, tudo isso foi desenvolvido entre os rios Eufrates e Tigre por volta de 5500 a.C. O Egito construiu seu grande império em torno do rio Nilo, que, ao secar sazonalmente, não prejudicava a agricultura e proporcionava um solo fértil. Pode-se perceber que a alimentação sempre foi o foco da sobrevivência da humanidade e a partir dela desenvolveram-se os grandes impérios, as revoluções e também as guerras. Por terem o rio Nilo à sua disposição, a comida no Egito antigo era rica e bem variada. O trigo, por tratar-se do ingrediente base do principal alimento egípcio (o pão), era plantando em grande quantidade. Além do cultivo do trigo, os egípcios criavam gado, carneiros e cabras e fabricavam queijo e vinho. Eles ainda consumiam feijão, alface e açúcar proveniente do mel. Os egípcios dispunham de uma boa variedade de frutas (como figos, tâmaras, romãs e amêndoas), cultivavam cogumelos para o consumo do faraó e repolho para a alta classe. A importância do pão era tanta que ele foi a primeira moeda usada no Egito, pelo menos para a classe baixa: os faraós e sacerdotes cobravam tributos em forma de grãos e pagavam salários aos seus servos em forma de pão. Portanto, mesmo com o desenvolvimento da civilização egípcia, o trigo continuou sendo sinônimo de riqueza. A alimentação também fazia parte dos rituais fúnebres do Egito. As crenças egípcias indicavam que, mesmo depois da morte, as pessoas ainda teriam as mesmas necessidades da vida. Por isso, depositava-se na tumba uma boa quantidade de comida, a fim de garantir o suprimento de tais necessidades. O açafrão era o condimento sagrado e é encontrado ainda hoje nas pinturas das cerimônias religiosas com ofertas ao deus Sol. 31 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Figura 19 – Açafrão, o condimento sagrado Os remédios mais utilizados no Egito antigo eram: cervejas de diferentes qualidades, levedo, óleo, tâmara, figo, cebola, alho e ópio. Não é novidade a fabricação de cerveja pelos egípcios desde a Antiguidade: foram encontrados vestígios de cevada em sítios arqueológicos localizadosna foz do rio Nilo datados de cerca de 4000 a.C. Quanto às receitas, conhecemos a preparação graças às pinturas deixadas em paredes de algumas tumbas e em maquetes de cervejaria (FLANDRIN, 1998). Figura 20 – Pinturas egípcias Observação A receita de cerveja do Egito antigo consiste em pôr para fermentar a quente, na água e no trigo triturado, pedaços de pão de cevada ou de trigo malcozidos (a fim de preservar as enzimas da fermentação). Em seguida, deve-se filtrar o líquido espesso resultante, deixando-o descansar em jarros de cerâmica (FLANDRIN, 1998). 32 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A partir do século XII a.C., o território egípcio foi invadido por diversos povos. Acredita-se que a riqueza dos faraós e a abundância alimentar proveniente do rio Nilo eram os principais fatores a desencadear tais invasões. Em 670 d.C. os assírios conquistaram o Egito e, após oito anos de dominação, a região iniciou uma fase de recuperação, que logo foi interrompida em 525 a.C., com a invasão dos persas. Duzentos anos depois, os macedônios, liderados por Alexandre Magno, derrotaram os persas e dominaram o Egito. Então, Roma dominou a Alexandria e com isso abriu caminho para as estratégias políticas de Cleópatra, a mais célebre governante egípcia. Após a deposição de Cleópatra por forças de Roma, o Egito foi dominado pelos romanos por 600 anos, quando teve início a conquista árabe da região (que dura até hoje). Mesmo após as invasões, o alimento básico no Egito continuou sendo pão, e, com a presença de populações muçulmanas, novos hábitos foram introduzidos na região. Vale destacar que ainda hoje o ensopado de ervilhas (com bastante cebola, servido com cereal cozido e azeite de olivas) é prato popular no Egito, e que, atualmente, sua culinária é muito versátil. Mas há uma explicação para isso: a culinária egípcia incorporou muito das cozinhas grega, italiana, árabe, turca e francesa. Trata-se de uma decorrência direta das várias invasões sofridas: a civilização egípcia recebeu influências de todas essas nações que ali desembarcaram, bem como imposições a seus costumes dependendo da nação que estava no domínio. 2.2 A alimentação na Idade Antiga: Babilônia, Pérsia e Palestina Por volta de 2000 a.C., a civilização dos assírios e babilônios floresceu no Oriente Médio, mais precisamente na região entre os rios Tigre e Eufrates, chegando até o golfo Pérsico. Os babilônios possuíam culto religioso pagão e utilizavam óleo de sésamo (também conhecido como óleo de gergelim) em seus rituais. Babilônia era tanto o nome da região quanto a denominação de sua maior cidade, aliás, a maior cidade-fortaleza construída pela humanidade. Seus monumentos mais conhecidos são os Jardins Suspensos e a Torre de Babel. É interessante observar que, assim como para os egípcios, o açafrão também era importante para a cultura do Império Babilônico, no entanto, aqui o açafrão era utilizado para fabricação de essências aromáticas. Os babilônios usavam mel selvagem como adoçante e fígado imerso nesse mel para tratar de cegueiras. O famoso Código de Hamurabi (atualmente sob custódia do Museu do Louvre em Paris) dita, além de outras regras, o regime alimentar da época (estamos falando de 1700 a.C.). Segundo esse código, havia um pão que se comia e outro que se bebia (a cerveja), com receitas que indicavam fermentação e cozimento de cevada. Assim, o pão e a cerveja também eram muito consumidos pelos babilônios. 33 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Figura 21 – Código de Hamurabi, 1700 a.C. Os assírios eram a classe pobre da Babilônia e tinham uma vida muito rudimentar. A classe média (se assim podemos chamá-la) possuía fornos para cozer o pão e, ao ar livre, cozinhavam todos os alimentos em apenas um vasilhame. Os ricos possuíam mesas para alimentação, mas apenas os convidados e o chefe da família se sentavam nela. Em 1000 a.C., o Império Babilônico entrou em declínio e os assírios incorporaram a mesa farta e os produtos que os outros povos consumiam, como carnes, pescados, frutas variadas, leguminosas e diferentes tipos de vegetais. Os pobres comiam farinha de peixe e ervas silvestres. Por volta de 7000 a.C., o destaque civilizatório coube à Pérsia (que ficava onde atualmente se localiza o Irã). À medida que se expandiam, os persas mesclavam com sua cultura os hábitos alimentares dos povos que dominavam. Consumiam cereais, leguminosas e algumas frutas, passando a comer também cerejas, ameixas, nozes, pêssegos (o mais nobre para os persas), melancia, frutas cítricas e espinafre. Alimentavam-se de carne de porco, de animais selvagens, de boi e mesmo de tartarugas (com exceção dos magos, que não comiam carne por abstinência religiosa e respeito aos ritos). Em 1800 a.C., aproximadamente, um homem chamado Abraão saiu de Ur, na região da Caldeia, em busca de uma terra prometida que proporcionaria, a ele e a seus seguidores, alimentar-se de leite e mel: Canaã (note que, mais uma vez, a alimentação aparece como foco de desejo e conquista). Esse homem, Abraão, tornou-se o patriarca do povo hebreu e sua linhagem consolidou-se através de seu filho Isaac. Durante a peregrinação em busca da terra prometida, esse povo foi escravizados no Egito e depois libertado por Moisés, que o conduziu pelo deserto com o objetivo de chegar a Canaã. O contato com o povo egípcio transformou a forma de alimentação do povo hebreu, que aprendeu a utilizar ferramentas 34 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I de bronze e barro, talheres de madeira e de bronze para servir a carne. Dada a considerável dificuldade para conseguir alimentos, todas as refeições à mesa eram acompanhadas de orações. Figura 22 – Na imagem, podem-se ver o Muro das Lamentações, a Basílica do Santo Sepulcro e a Cúpula da Rocha. Jerusalém é a terra prometida para judeus, cristãos e muçulmanos A história do povo hebreu (mais tarde denominado judeu) é divulgada através da Torá, o livro sagrado dos judeus. Porém, como o cristianismo tem sua origem ligada aos preceitos judeus, sobretudo com relação à espera do messias, foi por meio da Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, que essa passagem tornou-se conhecida no Ocidente. Ambos os livros narram a peregrinação e oferecem detalhes sobre as cerimônias religiosas, as guerras, as invasões e os ritos do povo judeu envolvendo sacrifícios (sempre com o alimento em destaque). Segundo a Torá, as interdições religiosas referentes aos hábitos alimentares se justificavam pela necessidade de higiene da época. O sangue, por exemplo, é tido por substância sagrada e, por isso, algo vetado para o consumo humano; da mesma forma, a morte de animais precisa ser supervisionada por rabinos, os líderes religiosos do povo judeu. Esses alimentos permitidos pela religião judaica são denominados de comida kosher. Mesmo que essas leis inicialmente tenham sido elaboradas para evitar altas taxas de mortalidade em decorrência da alimentação, acabaram tornando-se ritos religiosos, funcionando como vínculo entre os judeus de qualquer ponto do globo (sobretudo após o enfraquecimento do reino de Judá e o domínio dos árabes na Palestina). Os alimentos kosher são classificados em três grupos, listados a seguir: • Aqueles que são naturalmente kosher e podem ser ingeridos em seu estado natural, ou seja, sem intervenção do rabino. São exemplos: grãos, frutas, vegetais, chás e infusões em geral. • Aqueles que requerem certo tratamento para tornarem kosher, como aves, insetos e animais ruminantes de pés fendidos (animais que mastigam o alimento e o fazem voltar do estômago para a boca: bois, vacas, carneiros, cabras, antílopes, búfalos, veados, camelos, coelhos e girafas são alguns dos animais que fazem parte desse grupo). 35Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO • Aqueles que, originalmente, não são kosher, como produtos de porco, mariscos e peixes sem escamas ou barbatanas (segundo a Torá, as escamas e as barbatanas envolvem o corpo do animal separando-o do mundo exterior). Tudo o que anda em enxames ou que rasteja, com muitas ou quatro patas, é condenado, como ratos, lagartos, crocodilos, camaleões e lagartixas. Além dessas condutas, a gordura interna do animal também é tabu e não se pode consumir leite ou lacticínios junto com a carne: é necessário um intervalo de seis horas entre a ingestão do leite e a da carne (no caso de produtos lácteos, esse intervalo é reduzido para uma hora). Neste momento, vale lembrar daquela mutação na genética relacionada ao consumo de leite descrita anteriormente: medicina, religião e alimentação estão juntas para explicar as tradições e hábitos alimentares. Nas cerimônias religiosas judaicas o alimento desempenha um papel rico em simbolismo. Para o dia semanal do descanso, o shabat, prepara-se tradicionalmente o pão challah, do qual eram colocados 12 exemplares sobre o altar, no Templo de Jerusalém, representando as 12 tribos originais de Israel. Figura 23 – O pão challah Pão challah Você conhece a receita do challah? A seguir estão os ingredientes e a forma de preparo. Ingredientes 1 kg de farinha de trigo 1 copo (requeijão) de açúcar 1 colher de sopa de sal 36 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 100 g de manteiga vegetal 2 ovos 1 ½ copo de água (morna, porém mais para fria). 3 tabletes de fermento biológico (45 g). Modo de preparo Primeira etapa Espuma Reserve numa vasilha à parte o açúcar, as três colheres de farinha de trigo, o fermento, o sal e um pouco da água. Misture tudo até dissolver o fermento. Deixe descansar por meia hora (tempo de fermentação). Segunda etapa Após os 30 minutos, em uma bacia grande, coloque o trigo e todos os outros ingredientes restantes, inclusive a espuma (massa da primeira etapa), e amasse até ficar mais consistente. Sove a massa muito bem e deixe descansar na vasilha coberta com pano úmido entre 10 horas e 12 horas em temperatura ambiente. A massa deve, pelo menos, triplicar de volume. Observação: essa massa precisa ser feita um dia antes do cozimento para que haja tempo suficiente para ela crescer. Por exemplo, se você quer fazer as tranças para sexta-feira (dia de shabat), faça a massa na quinta à noite e na sexta pela manhã passe para a terceira etapa. Terceira etapa Numa superfície lisa abra a massa e corte em três partes iguais (dependendo do tamanho do pão que você quiser fazer, pode-se dividir em quatro partes). Em uma superfície lisa e polvilhada com farinha de trigo, abra cada parte com rolo de pastel. Se quiser, recheie a gosto. Quarta etapa Faça três rolos e trance. A challah está quase pronta! Finalize pincelando gema com óleo e polvilhando semente de papoula ou gergelim. Espere mais ou menos 20 minutos e leve ao forno pré-aquecido. Tempo de cozimento: entre 40 minutos e 60 minutos. 37 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Retire do forno quando a massa começar a ficar corada. Rendimento: quatro pães grandes. 2.3 Alimentação na Antiguidade Clássica: Grécia e Roma Da Grécia antiga nos veio o respeito pelo comer bem e viver bem. Inclusive a palavra gastronomia, como já vimos, deriva do grego. O mais antigo relato escrito de culinária existente no mundo é o Deipnosophistae, que significa doutores jantando. Esse tomo foi escrito por Athenaeus em 228 a.C. e nele hás registros sobre música, dança, conversação, escritos, alimentos e até mesmo etiqueta à mesa. O prato popular da época de Athenaeus era conhecido como dolmades: carne picada, amassada com especiarias e enrolada depois em folhas de videira. Os encarregados da cozinha eram chamados de mageiros, e as escravas incumbidas das massas e bolos eram chamadas de miurgas. Vale ressaltar que a escravidão existente naquele período antigo na Grécia estava ligada, principalmente, às guerras, além de ser uma prática comum, naquele momento, pagar dívidas com trabalho. Assim, trata-se de um outro processo, não estando ligado à escravidão moderna, que violentou e deixou feridas infinitas nas populações negras africanas. Depois das guerras médicas (entre gregos e persas), os gregos aprenderam muito com os persas, principalmente com a culinária evoluída que lá encontraram. Incorporaram ao seu cardápio sopas, grelhados, frituras, cozidos, molhos de azeite, gema e mostarda. Com o declínio da Pérsia, a Macedônia passou a dominar o mundo e, com Alexandre, o Grande, seu império regeu a Grécia, a Pérsia e foi até a Índia. Assim, a partir dessa multiplicação comercial e cultural que as guerras e as conquistas gregas causaram, as habitações da Grécia tornaram-se mais requintadas e destinavam a sala especial para as refeições. Usavam mesa posta com uma enorme variedade de peças de baixela, pratos, copos, cestos para pão, vasos e garfos de dois dentes para espetar alimentos. Vale destacar que, para se servir, usavam apenas colheres, com as quais também tomavam sopas e molhos. A Grécia moderna apresenta duas tendências básicas na cozinha: os habitantes do norte são apreciadores de carne, enquanto os do sul preferem os vegetais. Entretanto, alguns alimentos são unanimidades gregas, como aperitivos de camarão, azeitonas, rabanetes, queijos, peixe frito e kokoretsi (espeto de tripa de carneiro comumente acompanhado de vinho, pão e azeite). 38 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Figura 24 – Aperitivo de camarão A Grécia ficou sob domínio romano de 300 a.C. a 300 d.C. Em 1500 foi tomada pelos bizantinos. Há quem diga que os arqueólogos salvaram a Grécia da morte, assim como os poetas a salvaram do esquecimento. Sua culinária, no entanto, não resistiu à imposição das cozinhas turca, árabe e persa. Segundo Sócrates, homens maus vivem para comer e beber, enquanto homens bons comem e bebem para viver. O auge do domínio romano na Grécia se deu por volta do século II a.C. Como consequência do controle sobre os gregos, os romanos aprenderam também a arte culinária. Os romanos eram descendentes dos etruscos e, deles, herdaram hábitos de vida muito primitivos para aquela época. Quando conquistaram a região da Sicília, dominaram também os melhores cozinheiros e aprenderam desde então a arte do bem comer. Mas foi na Grécia que efetuaram um fabuloso salto à gastronomia. Na Grécia antiga, as artes nasceram diretamente do solo e se mantiveram fiéis à paisagem que lhes deu origem. Por isso, o desenvolvimento de Atenas foi orquestrado pelo acesso ao mar e seu comércio foi um verdadeiro empório de iguarias do mundo todo – que era conhecido pelos europeus até então. Trouxeram, da Grécia, os aspargos, as cenouras e os cogumelos; da Líbia, a truta; da Pérsia, os pêssegos; da Ásia, as cerejas, os abricós e os pepinos; da África, o melão. A cada conquista, a culinária romana se tornava mais elaborada, com suas saladas de agrião, alface, azedinha e outras folhas, com suas tortas, massas, pudins e bolos. Após a conquista de Salamina (localizada na costa oriental de Ciprus), os romanos se tornaram mestres em salsicharia, pois lá haviam aprendido sobre o salame. Eles ainda aprimoraram a fabricação engordando porcos e gansos com figos, para que a carne e o fígado se tornassem perfumados e resultassem no melhor patê (o foie gras, ou patê de fígado de ganso, tem origem italiana, e não francesa). 39 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Figura 25 – Patê de fígadode ganso Marcus Gavius Apicius escreveu o livro mais antigo de culinária romana, datado de, aproximadamente, 35 a.C. Esse livro tornou famosos quatro cozinheiros da época: o próprio Apicius (ou sublime garganta), Juvenal (ou exemplo de glutão), Tertuliano (ou criador de excelentes molhos e o maior apreciador de comida de todos os tempos) e Sêneca (ou o grande esbanjador e campeão da gastronomia cujos ensinamentos corromperam o povo de seu tempo). De acordo com Horácio, em Roma era costume comer pão com sal e agrião, enquanto a manteiga se empregava para esfregar o corpo das crianças ou era fundida e vertida sobre o fogo dos sacrifícios e das oferendas colocadas ante o altar. Tal como os gregos, os romanos apenas começaram a usar a manteiga na culinária mais tarde, após o contato com os germanos, pois cozinhavam com óleo e gordura natural (animal). Em 395 d.C., Teodósio dividiu o Império Romano entre seus dois filhos: o Império do Ocidente para Honorius e o do Oriente para Arcadius. Após a divisão do Império Romano, a Europa foi ocupada por reinos bárbaros. Na Bretanha existiam sete pequenos reinos comandados por anglo-saxões, na Ibéria os visigodos comandavam a região, na Itália predominavam os hérulos, os ostrogodos e os lombardos, enquanto na Andaluzia os vândalos exerciam seu domínio. Moravam em casas de madeira, revestidas de barro e tinham hábitos primitivos de alimentação: pão, leite e derivados, ovos, leguminosas, pescado, aves e porcos selvagens. Usavam açafrão, sal, cebola, vinagre, além de beberem vinho e cerveja. 40 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Saiba mais A fim de saber mais sobre a passagem da República para o Império Romano, assista à série indicada a seguir: ROME. Dir. Alan Poul. Inglaterra: HD Vision Studios, 2005. 52 minutos. Os bárbaros consideravam pecaminoso o cultivo da terra, preferindo deixá-la entregue à natureza; os romanos, pelo contrário, possuíam grande conhecimento de agricultura (conhecimento o qual os monges católicos tentavam divulgar à população no início da era Cristã do Império Romano, aproximadamente a partir do século 4 d.C.). Talvez, por isso, nos tempos medievais, a população europeia consumisse poucos vegetais. As especiarias eram as mais disputadas, pois serviam para mascarar o forte salgado das carnes conservadas. O continente europeu, sob a influência do vasto Império Romano (favorável ao cristianismo após o Edito de Milão), adotou também a prática da abstinência de carne em determinados dias do ano, incentivando o consumo de peixe. As cozinhas do século XIV eram localizadas no centro da habitação, tendo o fogão como peça central e grande chaminé para o exterior (o que seria a origem dos fire place, isto é, as lareiras). As reuniões que se faziam ao redor do fogo eram herança romana. Segundo essa tradição, o fogo era dedicado ao deus da família (ou deuses do lar), vindo daí o nome lareira. Na figura a seguir temos um exemplo de cozinha medieval europeia. Figura 26 – Na tradição romana, a lareira era dedicada aos deuses protetores do lar No breve passeio que fizemos pela Idade Antiga e Antiguidade Clássica, percebemos que o rito de comer foi o mais importante hábito dos povos. O que comemos sempre teve os pés fincados na religião, nas conquistas de povos e nos costumes. Com a evolução para as panelas como ferramentas de cozinha, 41 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO nasceram as receitas. As especiarias passaram a fazer a diferença no ato de cozinhar ou preparar os alimentos, diferenciando a culinária de várias regiões do mundo. Aliás, pelas especiarias impérios foram dizimados e guerras sangrentas foram travadas. Até mesmo novos mundos foram descobertos pelos europeus, algo que mudou para sempre o nosso modo de alimentação. Figura 27 – Especiarias: pimenta rosa em grãos, pimenta-do-reino em grãos, pimenta branca em grãos, sal, açúcar, canela em pó, pau de canela, mostarda em grãos, anis estrelado e açafrão Observação No Brasil as especiarias eram chamadas de drogas do sertão. No período colonial, portugueses e espanhóis disputavam o território e os sabores da Amazônia. Como o interior da floresta era denominado de sertão e as drogarias eram o que hoje conhecemos como farmácia, os colonizadores apelidaram as especiarias da Amazônia de drogas do sertão. A maioria dos pratos europeus que conhecemos atualmente não existia antes de 1492, isto é, antes da chegada de Cristovão Colombo na América e do aumento do comércio de especiarias entre o velho e o novo mundo. De forma gradual, as comidas que eram locais passaram a ser globais. 42 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A partir do período das Grandes Navegações e da conquista da América pelos europeus, as trocas culturais e alimentares entre os povos foram tão intensas e cruciais que transformaram mais uma vez a alimentação, o gosto e o sabor dos alimentos. Além de metais preciosos, os europeus levaram os cheiros e os sabores dos povos pré-colombianos ao novo mundo: molho de tomate, nhoque, polenta, risoto e massas são alguns exemplos de produtos provenientes do período das grandes navegações em 1492. Podemos imaginar que, até aquele momento, a Europa era o continente com menos sabor no mundo. Figura 28 – Réplica da Nau Santa Maria que transportou Cristovão Colombo e sua tripulação durante as Grandes Navegações Nenhum evento na história da humanidade influenciou mais o que comemos hoje do que a busca por novos territórios e novos caminhos para as Índias, ocorrida em 1492, episódio conhecido como a descoberta da América. Comidas que antes eram locais tornaram-se globais e, para muitos historiadores, Cristovão Colombo e a monarquia espanhola deram início a um fenômeno de intercâmbio cultural e alimentar que mais tarde se transformou no que chamamos hoje de globalização. Por exemplo, o tomate italiano não existia, o abacaxi não podia ser encontrado no Havaí, a laranja não era conhecida na Flórida, a batata não existia na Europa, não havia café colombiano e muito menos chocolate suíço. A chegada de Colombo à América em 1492 foi responsável pelo surgimento de novas fontes de alimentação na Europa. Tais alimentos foram recebidos com sucesso: o peru da América do Norte, a baunilha e o cacau do México, o milho para pipoca, o tomate e as batatas do Peru, além de outras espécies de milho, feijão, amendoim, as quais foram enriquecer a dieta monótona do Velho Mundo. O Brasil, por exemplo, é conhecido como o país das bananas, mas não existiam bananeiras no território brasileiro. Há quem diga que a banana é a fruta favorita do mundo. 43 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Figura 29 – A fruta mais querida do mundo, a banana A banana, com uma variedade de mil espécies, é originária do sudeste da Ásia e não tinha o formato curvo que conhecemos atualmente. Ela foi levada à América Central pelos espanhóis, sendo manipulada para a comercialização. Saiba que a espécie de banana que conhecemos e consumimos hoje é incapaz de se reproduzir sozinha na natureza (sendo dependente da mão de obra humana) e seu aspecto regular a tornou mais saborosa ao paladar e aceita universalmente. A maioria das espécies que consumimos hoje é fruto do período das grandes navegações iniciadas no século XV pelo Estado Português com intuito de encontrar novos caminhos para as Índias. O cosmopolitismo português tem raízes antigas: para alguns historiadores, a origem étnica dos portugueses é paleolítica europeia, para outros, a origem étnica dos patrícios é africana. No período Neolítico e na Idade do Bronze, a Península Ibérica (local onde atualmente estão Portugal e
Compartilhar