Buscar

Homoafetividade E Direito Homoafetivo - Maria Berenice Dias

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Homoafetividade e Direito Homoafetivo 
 
Maria Berenice Dias 
www.mbdias.com.br 
www.mariaberenice.com.br 
www.direitohomoafetivo.com.br 
 
 
SUMÁRIO: Introdução; 1. A família na CF de 88 e a proteção 
constitucional das uniões homoafetivas; 2.O novo conceito de entidade 
familiar trazido pela Lei Maria da Penha; 3. A evolução jurisprudencial; 4. 
A homoparentalidade: adoção e reprodução assistida; 5. A necessidade 
de construir um novo ramo do Direito; Referências legais. 
Introdução 
A tendência de engessamento dos vínculos afetivos sempre existiu, 
variando segundo valores culturais e, principalmente, influências religiosas 
dominantes em cada época. No mundo ocidental, tanto o Estado como a Igreja 
sempre buscaram limitar o exercício da sexualidade ao casamento. A família, 
consagrada pela lei, tinha um modelo conservador: entidade matrimonial, 
patriarcal, patrimonial, indissolúvel, hierarquizada e heterossexual. O vínculo 
que nascia da livre vontade dos nubentes era mantido, independente e até 
contra a vontade dos cônjuges. Ora identificado como uma instituição, ora 
nominado como contrato, o casamento ainda é considerado a base da 
sociedade. Daí a excessiva intervenção estatal para impedir sua dissolução. A 
sacralização do casamento, e a tentativa de sua mantença como única 
estrutura de convívio lícita e digna de aceitação, fez com que os 
relacionamentos chamados de marginais ou ilegítimos, por fugirem do molde 
legal, não fossem reconhecidos, sujeitando seus atores a severas sanções. 
O conceito de família mudou e os relacionamentos homossexuais – 
que passaram a ser chamados de uniões homoafetivas – foram, pouco a 
pouco, adquirindo visibilidade. O legislador intimida-se na hora de assegurar 
direitos às minorias alvo da exclusão social. O fato de não haver previsão legal 
para específica situação não significa inexistência de direito à tutela jurídica. 
Ausência de lei não quer dizer ausência de direito, nem impede que se 
extraiam efeitos jurídicos de determinada situação fática. O silêncio do 
legislador deve ser suprido pela justiça, que precisa dar uma resposta para o 
caso que se apresenta a julgamento. 
 
1. A família na CF de 88 e a proteção constitucional das uniões 
homoafetivas 
A Constituição Federal inseriu na definição de entidade familiar o que 
chamou de “união estável”, alargando o conceito de família para além do 
casamento. Num único dispositivo o constituinte espancou séculos de 
hipocrisia e preconceito.1 Foi derrogada toda a legislação que hierarquizava 
homens e mulheres, bem como a que estabelecia diferenciações entre os filhos 
pelo vínculo existente entre os pais. 
Ao outorgar proteção à família, independentemente da celebração do 
casamento, vincou a Carta Magna um novo conceito de entidade familiar, 
albergando vínculos afetivos outros. Mas é meramente exemplificativo o 
enunciado constitucional ao fazer referência expressa à união estável entre um 
homem e uma mulher e às relações de um dos ascendentes com sua prole. O 
caput do art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo 
admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, 
estabilidade e ostensibilidade.2 
Pluralizou-se o conceito de família, que não mais se identifica pela 
celebração do matrimônio. Não há como afirmar que o art. 226, § 3º, da 
Constituição Federal,3 ao mencionar a união estável formada entre um homem 
e uma mulher, reconheceu somente esta convivência como digna da proteção 
do Estado. O que existe é uma simples e desnecessária recomendação para 
 
1
 Zeno Veloso. Homossexualidade e Direito. 
2
 Paulo Luiz Netto Lôbo. Entidades Familiares Constitucionalizadas:..., p.95. 
3
 CF, art. 226, § 3º: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como 
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 
transformá-la em casamento. Em nenhum momento foi dito não existirem 
entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Exigir a 
diferenciação de sexos do casal para haver a proteção do Estado é fazer 
distinção odiosa,4 postura nitidamente discriminatória que contraria o princípio 
da igualdade, ignorando a existência da vedação de diferenciar pessoas em 
razão de seu sexo. 
A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode 
deixar de conferir status de família merecedora da proteção do Estado, pois a 
Constituição Federal5 consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da 
pessoa humana.6 Essa é a regra maior, que serve de norte ao sistema jurídico. 
Como bem afirma Carmem Lúcia Rocha, a dignidade é o pressuposto da ideia 
de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como 
ser de razão e sentimento.7 
Os princípios da igualdade e da liberdade estão consagrados já no 
preâmbulo da Carta Constitucional ao conceder proteção a todos, vedar 
discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade, e 
assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a 
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como 
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos 
(...). Já o seu artigo 5º, ao elencar os direitos e garantias fundamentais, 
proclama: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. 
Garante o mesmo dispositivo, de modo expresso, o direito à liberdade e à 
igualdade. 
De nada adianta assegurar o respeito à dignidade humana e à 
liberdade. Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei, dizer que 
homens e mulheres são iguais, que não são admitidos preconceitos ou 
qualquer forma de discriminação. Enquanto houver segmentos que sejam alvo 
da exclusão social, tratamento desigualitário entre homens e mulheres, 
 
4
 Adauto Suannes. As Uniões Homossexuais e a Lei 9.278/9, p. 32. 
5
 CFB, art. 1º, III: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e 
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: 
III - a dignidade da pessoa humana; 
6
 Maria Berenice Dias. Manual do Direito das Famílias (2005), p. 45. 
7
 Carmem Lúcia Antunes Rocha . O princípio da dignidade humana e a exclusão social, p. 72. 
enquanto a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se 
estará vivendo em um estado queq se diz democrático de direito. 
Em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir 
uma relação conjugal, uma união estável hetero ou homossexual. Há a 
liberdade de extinguir ou dissolver o casamento e a união estável, bem como o 
direito de recompor novas estruturas de convívio.8 Como afirma Rodrigo da 
Cunha Pereira, a verdadeira liberdade e o ideal de Justiça estão naqueles 
ordenamentos jurídicos que asseguram um Direito de Família que compreenda 
a essência da vida: dar e receber amor.9 
O direito a tratamento igualitário independe da tendência sexual. 
Inexistindo o pressuposto da igualdade, haverá dominação e sujeição, não 
liberdade. A sexualidade é um elemento integrante da própria natureza 
humana e abrange a dignidade humana. Todo ser humano tem o direito de 
exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. Sem liberdade sexual, o 
indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outro 
direito fundamental. A orientação sexual adotada na esfera de privacidade não 
admite restrições, o que configura afronta à liberdade fundamental a que faz 
jus todo ser humano, no que diz com sua condição de vida. 
As normas constitucionais que consagram o direito à igualdade 
proíbem discriminar a conduta afetiva noque respeita à inclinação sexual. A 
discriminação de um ser humano em virtude de sua orientação sexual constitui, 
precisamente, uma hipótese (constitucionalmente vedada) de discriminação 
sexual.10 Rejeitar a existência de uniões homossexuais é afastar diversos 
princípios insculpidos na Carta Magna, pois é dever do Estado promover o bem 
de todos, vedada qualquer discriminação, não importa de que ordem ou de que 
tipo. É de se relembrar a existência do princípio da afetividade11 e do princípio 
 
8
 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias (2007), p. 61. 
9
 Rodrigo da Cunha Pereira. Família, Direitos Humanos, Psicanálise e Inclusão Social, p. 161. 
10
 Roger Raupp Rios. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual:..., p.29. 
11
 Emanado dos artigos 226 e 227 da Constituição brasileira. 
da pluralidade familiar,12 que também oferecem respaldo às uniões 
homoafetivas. 
Um tratamento diferenciado só pode existir na ocorrência de uma 
fundamentação racional que o justifique. Na falta de fundamentação válida ou 
insuficiente, é lógico o juízo de que, em virtude da igualdade, deve-se aplicar o 
mesmo regime jurídico a todas as situações, sob pena de se atingir 
frontalmente diversos dos princípios constitucionais supracitados. 
 
2. O novo conceito de entidade familiar trazido pela Lei Maria da 
Penha 
 
A Lei Maria da Penha13, que vis coibir a violência doméstica, consagra um 
novo conceito de família, inserindo as homoafetivas. Seu art. 2º dispõe que, 
toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, 
renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos 
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as 
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde 
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. 
O parágrafo único do art. 5º 14 da lei explicitamente menciona que as 
relações pessoais e as situações que configuram violência familiar e doméstica 
independem da orientação sexual das pessoas envolvidas. Destarte, como é 
assegurada proteção legal a fatos que se dão dentro do ambiente doméstico, 
as uniões homoafetivas são entidades familiares. Violência doméstica, como a 
própria nomenclatura afirma, é violência que ocorre no seio de uma família. 
 
12
 Cujo esteio se encontra no art. 226 da Carta Magna. 
13
 Lei n. 11.340 , de 7 de Agosto de 2006. 
14
 Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer 
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e 
dano moral ou patrimonial: 
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, 
com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; 
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se 
consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; 
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, 
independentemente de coabitação. 
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. 
Assim, a Lei Maria da Penha estendeu o conceito de família, abarcando as 
uniões homoafetivas.15 
Ainda que a Lei tenha por finalidade proteger a mulher, acabou por 
cunhar um novo conceito de família, independente do sexo dos parceiros. 
Assim, se família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união 
entre dois homens. Mesmo que eles não se encontrem ao abrigo da Lei Maria 
da Penha, para todos os outros fins, impõe-se este reconhecimento. Basta 
invocar o princípio da igualdade. Não pode ser outro o entendimento: as uniões 
homoafetivas já galgaram o status de entidade familiar. 
3. A evolução jurisprudencial 
Apesar da omissão da lei, ainda assim é buscada a justiça. A resposta, 
em um primeiro momento era nenhuma. As ações tramitavam nas varas cíveis. 
A tendência era extinguir os processos por impossibilidade jurídica do pedido. 
Ao depois, começou a se reconhecer a presença de uma sociedade de fato, 
impondo a prova da participação efetiva de cada parceiro para a divisão do 
patrimônio amealhado durante a vigência da sociedade, na proporção do 
aporte financeiro levado a efeito por cada um. Fora do âmbito do direito de 
família e das sucessões, anda mais era deferido ou reconhecido. 
A mudança começou pela Justiça gaúcha, ao definir a competência dos 
juizados especializados da família para apreciar as uniões homoafetivas,16 as 
inserindo no âmbito do Direito das Famílias e deferindo a herança ao parceiro 
sobrevivente.17 
 
15
 Maria Berenice Dias. A Lei Maria da Penha na Justiça, p. 35. 
16
 RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE SEPARAÇÃO DE 
SOCIEDADE DE FATO DOS CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO. Em se 
tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa 
uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo 
provido. (TJRS, AI nº 599 075 496, Oitava Câmara Cível, Relator: Des. Breno Moreira Mussi, Data do 
julgamento: 17/6/1999). 
17
 UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. 
PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do 
mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas 
Na esteira dessas decisões, que alcançaram repercussão de âmbito 
nacional, encorajaram-se outros tribunais e, com significativa frequência, são 
divulgados novos julgamentos adotando posicionamento idêntico. Na medida 
em que se consolidou a orientação jurisprudencial - ainda que minoritária - 
emprestando efeitos jurídicos às uniões de pessoas do mesmo sexo, começou 
a se alargar o espectro de direitos reconhecidos aos parceiros quando do 
desfazimento dos vínculos homoafetivos. 
Dentre todos os institutos que se encontram normatizados no 
ordenamento jurídico brasileiro, é inquestionável a similitude entre a união 
homoafetiva e a união estável. A doutrina majoritária, assim como boa parte da 
jurisprudência,18 vai pelo caminho de aplicar as normas relativas à união 
estável às uniões homoafetivas, por analogia. 
 
de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade 
retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, 
buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os 
princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na 
constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se 
debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do 
acervo entre os parceiros. (TJRS – AC 70001388982, 7ª C. Civ. – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, 
j., 14/3/2001). 
18
 APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA 
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união 
homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A 
homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se 
olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadaspelo afeto, assumem feição de família. A 
união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes 
disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações 
mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os 
princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO 
ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A 
ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para 
suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de 
direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo. 
(TJRS, 7ª C. Cível, AC 70009550070, Rel. Desa. Maria Berenice Dias, j. 17/11/2004). 
APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. A união 
homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos 
com o intuito relacional. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos, de rigor o reconhecimento da 
união estável homoafetiva, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do 
ser humano. Via de consequuência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, em face 
do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. NEGARAM 
PROVIMENTO AO APELO, POR MAIORIA. (TJRS, 8ª C. Cível, AC 70021085691, Rel. Des. Rui 
Portanova, j. em 04/10/2007). 
Apartando-se o “requisito” da dualidade de sexo dos conviventes na 
união estável, não se encontra distinção alguma entre os relacionamentos 
heterossexuais e homoafetivos. Ambos são vínculos que têm sua origem no 
afeto, existindo identidade de propósitos, qual seja a concretização do ideal de 
felicidade de cada um. Destarte, é lógico o entendimento de que, na ausência 
de norma especifica, deve ser aplicada analogicamente às uniões 
homoafetivas a legislação relativa à união estável, em respeito aos princípios 
da dignidade da pessoa humana, da isonomia, além dos princípios gerais de 
Direito.19 
Mais recentemente, o STJ proferiu decisão histórica, ao determinar o 
prosseguimento da ação na qual um casal formado por um brasileiro e um 
canadense buscou o reconhecimento de constituírem uma união estável.20 
Vivendo juntos há 20 anos e casados no Canadá, buscam a obtenção do visto 
de permanência para fixarem residência no Brasil. Tanto o juiz de São Gonçalo 
como o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro haviam fulminado a ação, 
alegando “impossibilidade jurídica do pedido”, ou seja, que a ação não poderia 
ser proposta por falta de previsão legal. 
A decisão não significa que o STJ reconhece a existência do vínculo 
entre ambos e nem declara que se trata de uma união estável. Mas toma uma 
posição sobre tema envolto em preconceito e alvo de tanta discriminação que 
 
19
 AÇÃO ORDINÁRIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL 
PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-
DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECONHECIMENTO DA 
RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS 
OS FINS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. PEDIDO PROCEDENTE. À união 
homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o 
caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de 
ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226 da Constituição Federal 
não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais 
da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à 
união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até 
porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador 
essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não 
pensadas. A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um 
direito. (TJMG, 7ª C. Cível, AC-RN 1.0024.06.930324-6/001, Rel. Desa. Heloisa Combat, pub. 
27/07/2007). 
20
 PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA 
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. 
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO 
CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA 
ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. (STJ, 4ª T., Resp 820475/RJ, Rel. Min. Antônio de 
Pádua Ribeiro, j. 02/09/2008). 
 
leva o legislador a omitir-se. Daí o significado do julgamento, pois impõe a 
inclusão das uniões homoafetivas no âmbito de proteção do sistema jurídico 
como uma realidade merecedora de tutela. 
Pela primeira vez é admitido, por um Tribunal Superior, que as 
pretensões envolvendo pares homossexuais merecem ser apreciadas pela 
justiça. Aliás, neste sentido, já vem se manifestando, de forma cada vez mais 
frequente, tanto justiça comum como as justiças especializadas de vários 
Estados. Inclusive as demandas propostas pelo Ministério Público perante a 
Justiça Federal têm eficácia erga omnes, o que levou o INSS a expedir 
Resolução Normativa21 para a concessão de direitos previdenciários aos 
parceiros do mesmo sexo. 
O próprio Supremo Tribunal Federal, ao menos em duas oportunidades, 
já manifestou postura francamente favorável ao reconhecimento das uniões 
como entidade familiar. Os Ministros Celso de Melo e Marco Aurélio, em 
decisões monocráticas, mostraram indignação ante ao descaso social a tal 
segmento da população. Fora disso, o Superior Tribunal Eleitoral, pelo voto do 
Ministro Gilmar Mendes, declarou a inelegibilidade da parceira de quem ocupa 
cargo político.22 
 
3. A homoparentalidade: adoção e reprodução assistida 
A primeira questão que se coloca é sobre a existência do direito à 
parentalidade. Na Declaração Universal dos Direitos do Homem está a 
resposta. Seu art. 12 dispõe que, “homens e mulheres, em idade adequada ao 
casamento têm direito de casar e constituir família”. Pode-se entender, 
portanto, que aí está situado o reconhecimento do direito a ter filhos, que deve 
 
21
 Resolução Normativa 25./2000. 
22
 REGISTRO DE CANDIDATO. Candidata ao cargo de prefeito. Reçação estável homossexual com a 
prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. (CF 14 § 7º). Os sujeitos de uma relação estável 
homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, 
submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se 
dá provimento. (TSE – Resp Eleitoral 24564 – Viseu/PA – Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 1º/10/2004). 
ser vislumbrado como um direito personalíssimo, inalienável, indisponível, 
passível de proteção estatal.23 
 O direito de ter um filho, seja por meio da procriação medicamente 
assistida, seja por meio da adoção, não corresponde a um direito de 
propriedade sobre a criança e não se desenvolve através da “aquisição” de 
uma vida humana. Ao contrário, se traduz na promoção de uma 
responsabilidade, de exercer o direito-dever da parentalidade de forma 
responsável e consciente.24 
 Ainda assim, é enorme a resistência para aceitar o exercício da 
parentalidade adotiva por homossexuais e admitir a possibilidade de 
homossexuais ou parceiros do mesmo sexo habilitarem-se para a adoção. Não 
há como deixar de reconhecer que tal configura uma maneira genuína de 
assegurar o melhor interesse dacriança, pois é um direito fundamental de todo 
cidadão crescer em um ambiente familiar e gozar de uma vida em sociedade. A 
vedação contrapõe-se ao habitual sistema de institucionalização, que mantém 
os menores abandonados moral e materialmente pelos pais, em regime 
fechado, obstando a colocação em família substituta.25 
São suscitadas dúvidas quanto ao sadio desenvolvimento da criança. Há 
a equivocada crença de que a falta de referências comportamentais de ambos 
os sexos possa acarretar sequelas de ordem psicológica e dificuldades na 
identificação sexual do adotado. É sempre questionado se a ausência de 
modelo do gênero masculino e feminino pode eventualmente tornar confusa a 
própria identidade sexual, havendo o risco de o adotado tornar-se 
homossexual.26 Também causa apreensão a possibilidade de o filho ser alvo 
de repúdio no meio que frequenta ou vítima do escárnio por parte de colegas e 
 
23
 Marianna Chaves. Adoção homoafetiva: ..., p. 210. 
24
 Vera Lucia da Silva Sapko. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais, p. 80. 
25
 Maria Berenice Dias. União homoafetiva: o preconceito & a justiça., p. 115. 
26
 De acordo com Roger Raupp Rios, “vale mencionar, nesse momento o caráter discriminatório 
injustificado pressuposto nesta argumentação. Parte-se da premissa de que, se fosse correta tal relação de 
causalidade, dever-se-ia evitar a adoção por homossexuais em face do caráter pernicioso e maléfico que 
tal orientação sexual, por si mesma, representaria. Trata-se de premissa totalmente discriminatória e 
segregacionista, sem qualquer fundamento racional, tendo em vista a compreensão contemporânea a 
respeito da homossexualidade”.Roger Raupp Rios. A homossexualidade no Direito, p. 141-142. 
 
vizinhos, o que poderia lhe acarretar perturbações psicológicas ou problemas 
de inserção social. 
Para além disso, levanta-se a absurda questão do abuso sexual que, de 
pronto, deve ser rechaçada, pois não há registro de um caso sequer de abuso 
por parte de adotante homossexual. 
Todas essas preocupações, no entanto, são afastadas com segurança 
por quem se debruça no estudo das famílias homoafetivas com prole. As 
evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade 
de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois 
pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao 
normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio 
de crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer 
potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos afetivos. Igualmente 
nada comprova que a falta do modelo heterossexual acarreta perda de 
referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, 
não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere 
patologias nos filhos. 
Nada justifica a estigmatizada visão de que a criança que vive em um lar 
homossexual será socialmente rejeitada ou haverá prejuízo a sua inserção 
social. Identificar os vínculos homoparentais como promíscuos gera a falsa 
ideia de que não se trata de um ambiente saudável para o bom 
desenvolvimento dos filhos. Assim, a insistência em rejeitar a regulamentação 
da adoção por homossexuais tem por justificativa indisfarçável o preconceito. 
O Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a adoção por uma 
única pessoa, não fazendo qualquer restrição quanto a sua orientação sexual. 
Portanto, não é difícil prever a hipótese de um homossexual que, ocultando sua 
preferência sexual, venha a pleitear e obter a adoção de uma criança, 
trazendo-a para conviver com quem mantém um vínculo afetivo estável. Nessa 
situação, quem é adotado por um só dos parceiros não pode desfrutar de 
qualquer direito com relação àquele que também reconhece como 
verdadeiramente seu pai ou sua mãe. Ocorrendo a separação do par ou a 
morte do que não é legalmente o genitor, nenhum benefício o filho poderá 
usufruir. Não pode pleitear qualquer direito, nem alimentos nem benefícios de 
cunho previdenciário ou sucessório. Sequer o direito de visita pode ser 
regulamentado, mesmo que o filho detenha a posse do estado e tenha igual 
sentimento e desfrute da mesma condição frente a ambos os genitores. O amor 
para com os pais em nada se diferencia pelo fato de eles serem do mesmo ou 
de diverso sexo. Ao se arrostar tal realidade, é imperioso concluir que, de 
forma paradoxal, o intuito de resguardar e preservar a criança ou o adolescente 
resta por lhe subtrair a possibilidade de usufruir direitos que de fato possui. 
Relativamente à adoção em conjunto, o suposto óbice reside no art. 
1.622 do Código Civil brasileiro, onde se encontra a assertiva de que ninguém 
pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou 
viverem em união estável. Nas palavras de Rolf Madaleno, revela-se hipócrita a 
proibição de adoção pelo par homossexual.27 Todavia, tal barreira vem sendo 
derrubada pela jurisprudência. 
O primeiro caso de adoção conjunta por casal homossexual ocorreu no 
Estado do Rio Grande do Sul.28 O acórdão reafirmou o entendimento, 
doutrinário e jurisprudencial, de que a união homoafetiva é uma entidade 
familiar e ressaltando que o relevante é a qualidade e o vínculo afetivo dos 
infantes com os requerentes, não a orientação sexual dos mesmos. 
Em face da procriação ou a reprodução medicamente assistida, o sonho 
de ter filhos e de constituir família está ao alcance de qualquer um. Ninguém 
precisa ter par, manter relações sexuais, ser fértil para tornar-se pai ou mãe. As 
 
27
 Rolf Madaleno. Curso de direito de família, p. 501. 
28
 APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. 
POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada 
por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de 
constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os 
estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais 
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que 
serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes 
hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade 
que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da 
Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as 
crianças e as adotantes. (TJRS, 7ª C. Cível, AC 70013801592 , Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 
05/04/2006). 
técnicas são reguladas pelo Conselho Federal de Medicina29 que, ressalte-se, 
não possui força de lei. 
O Código Civil não conseguiu ignorar esses avanços e, ao estabelecer 
presunções de paternidade, faz referência a elas, ainda que de forma bastante 
limitada (CC 1.597, III a V). Chama-se homóloga a concepção quando o 
material genético utilizado no procedimento de fertilização é do marido. Por 
presunção, ele é o genitor. Já na concepção heteróloga, é feito uso de esperma 
de doador. Havendo a concordância do marido, ele é considerado o pai. 
Essas normatizações, no entanto, não são suficientes para atender aos 
avanços da ciência. Assim, quando surge situação não prevista no 
ordenamento jurídico, o Poder Judiciário é convocado a decidir. Como se vive 
em um Estado Democrático de Direito, as decisões dos juízes não podem se 
afastar dos comandos constitucionais. A lacuna da lei não significa ausência de 
direito, e a Justiça precisa decidir de conformidade com os mandamentos 
constitucionais.Os primeiros princípios elencados são o da cidadania e o da 
dignidade da pessoa humana (CF 1º, II e III). Entre os objetivos fundamentais 
encontra-se o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, 
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF 3º, VI). Mas 
há um punhado de postulados outros que precisam ser atendidos. A 
Constituição considera a família a base da sociedade, outorgando-lhe especial 
proteção (CF 226). Também admite o planejamento familiar tendo como base 
os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável 
(CF 226, § 7º). Fora isso, é assegurado a crianças e adolescentes, com 
absoluta prioridade, o direito à convivência familiar (CF 227). 
Com o alargamento do conceito de família não mais se pode admitir 
presunções de paternidade exclusivamente no casamento. A união estável 
adquiriu o status de família, e as uniões de pessoas do mesmo sexo passaram 
a ser reconhecidas como entidade familiar pela jurisprudência. As famílias, 
todas elas, embalam o sonho de ter filhos e não há como limitar o uso das 
técnicas reprodutivas aos cônjuges ou a quem vive em união estável. Também 
 
29
 Resolução nº 1.358/92. 
as famílias homoafetivas precisam ter acesso à filiação, ainda que, enquanto 
casal, não consigam procriar. 
Como não é possível negar o uso dos meios reprodutivos em face da 
orientação sexual de quem quer ter filhos, os homossexuais passaram a se 
socorrer da concepção medicamente assistida. 
Todavia, questiona-se: no caso de uma inseminação artificial 
parcialmente heteróloga, onde uma mãe doa o óvulo e a outra gera o filho, com 
esperma de um doador, quem é a mãe de “verdade”? A mãe biológico-
gestacional, a mãe genética ou ambas? 
Não cabe outra resposta: ambas são as genitoras. O só fato de ter a 
mãe gestacional carregado o filho no seu ventre, não a autoriza a registrá-lo 
somente em seu nome. Aliás, a Justiça já vem admitindo que, em caso de 
gestação por substituição, o registro seja feito em nome de quem forneceu o 
material genético. De outro lado, nada justifica impedir que no registro de 
nascimento conste também o nome de mãe que doou os ovócitos. O exame de 
DNA comprova ser ela a mãe genética. 
Esta é a única solução. Proceder ao registro em nome de ambas, pois 
as duas são mães, não só por uma ser a mãe gestacional e a outra a mãe 
genética. Indiscutivelmente, são elas as mães, porque juntas planejaram tê-lo e 
juntas não mediram esforços para que o sonho comum se realizasse. 
Diante desta realidade, que se tornou possível graça aos avanços da 
ciência, outra não poderá ser a resposta da Justiça, senão determinar que o 
registro retrate a verdade. Negar às crianças oriundas deste tipo de reprodução 
o direito de serem reconhecidas como filhos de ambas as mães é afrontar o 
direito à identidade, é desrespeitar o princípio da dignidade humana. E mais. É 
negar-lhes o direito à convivência familiar. Afinal, crianças e adolescentes 
merecem, com prioridade absoluta, especial proteção do Estado. Para isso 
indispensável que as duas exerçam o poder familiar e assumam juntas todos 
os encargos decorrentes, entre eles, o de criá-los, educá-los e tê-los em sua 
companhia (CC 1.634). Enfim, é de ambas o compromisso de torná-los 
cidadãos que se orgulhem de terem nascido em um país que sabe respeitar a 
dignidade de cada brasileiro. 30 
Qualquer resposta que não reconheça a dupla maternidade ou a dupla 
paternidade está se deixando levar pelo preconceito. Permitir que apenas uma 
das mães ou apenas um dos pais possua vínculo jurídico com o filho é olvidar 
tudo que vem a justiça construindo através de uma visão mais ampliativa da 
estrutura famíliar.31 
 
4. A necessidade de construir um novo ramo do Direito 
Diante de todo o exposto, é imperioso reafirmar a necessidade de se ter 
coragem de advogar essas causas, sem medo de ser rotulado de homossexual 
ou receio de desagradar sua clientela. Tão-somente com um grande derrame 
de ações, trazendo todo um embasamento teórico coerente, é que será 
construída uma jurisprudência de inclusão. A Justiça não é cega nem surda. 
Precisa ter os olhos abertos para ver a realidade social e os ouvidos atentos 
para ouvir o clamor dos que por ela esperam. Mister que os juízes deixem de 
fazer suas togas de escudos para não enxergar a realidade, pois os que 
buscam a Justiça merecem ser julgados, não punidos. 
Mas em um país onde a lei escrita é tão prestigiada, a jurisprudência – 
ainda que cristalizada – não é suficiente. Assim, é necessário instituir um novo 
ramo do direito: o direito homoafetivo, estabelecer os seus princípios, fontes, 
suas conexões com outros ramos do direito e um regramento próprio. Destarte, 
é necessário elaborar um estatuto da diversidade sexual, tal qual há o estatuto 
do idoso, da criança e do adolescente. 
 E, consolidada a jurisprudência, o legislador não poderá deixar de fazer as 
leis afinadas com o entendimento dos tribunais, sob pena de estar perdendo 
espaço de poder. Talvez essa não seja a saída masi fácil ou a mais célere, 
mas, indubitavelmente, é a única e só depende de cada um. 
 
30
 Maria Berenice Dias. Milagre da Ciência. 
31
 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias (2009), p. 340. 
 
Referências bibliográficas 
 
CHAVES, Marianna. Adoção homoafetiva: panorama brasileiro e luso-
hispânico. In: Parentalidade: análise psico-jurídica. SOUZA, Ivone Maria 
Candido Coelho de (coord.). Curitiba: Juruá, 2009. p. 205 - 222.. 
 
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista 
dos Tribunais, 2007. 
 
____. “Milagre da ciência”. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br>. 
Acesso em: 17 jul. 2009. 
____.União Homoafetival, o Preconceito e a Justiça. 4. ed. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2009. 
____. Homoafetividade: o que diz a Justiça! Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2003. 
____. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: 
Editora Revista dos Tribunais, 2009. 
LÔBO, Paulo. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do 
numerus clausus. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. 
Família e cidadania – o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 
2002. 
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 
RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual: o Direito 
Brasileiro e a Homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos 
Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Brasília, nº 6, dez. 1998. 
____. A Homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado/Esmafe, 2000. 
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O princípio da dignidade humana e a 
exclusão social. In: Anais da XVVI Conferência Nacional dos Advogados – 
Justiça: realidade e utopia. Brasília, OAB – Conselho Federal, v. I, 2001. p. 69-
92,. 
 
SAPKO, Vera Lucia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos 
homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: 
Juruá, 2005. 
 
SUANNES, Adauto. As Uniões Homossexuais e a Lei 9.278/96. COAD. Ed. 
Especial out/nov. 1999. 
VELOSO, Zeno. Homossexualidade e Direito. Jornal O Liberal. Belém do Pará, 
22 maio 1999.

Continue navegando