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Direito Internacional Público e Privado Regras de conexão e de jurisdição internacional Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms Reinaldo Zychan Revisão Textual: Profa Esp. Vera Lídia de Sá Cicarone 5 • Aplicação do Direito Estrangeiro • Regras de Conexão • O Estatuto Pessoal Nesta Unidade vamos conhecer dois importantes assuntos: as regras de conexão e a jurisdição internacional. Leia o conteúdo teórico, assista à nossa videoaula e participe de todas as atividades, pois tudo isso contribuirá para que você possa ter uma perfeita compreensão desta Unidade. · Nesta unidade iremos discutir questões referentes às regras de conexão e de jurisdição internacional, um dos pontos mais importantes de nossa disciplina. Regras de conexão e de jurisdição internacional • Reenvio • Jurisdição e Competência Internacional • Cooperação Judiciária Internacional 6 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional Contextualização Famílias Multinacionais Nas primeiras décadas no Século XX era muito comum o casamento entre brasileiros e estrangeiros, contudo essa situação foi se tornando cada vez mais incomum, particularmente em razão do encerramento do ciclo imigratório que se iniciou no Século XIX. Contudo, na década de 1980, muitos brasileiros resolveram seguir para outros países em busca de melhores condições de emprego. Muitos daqueles que estavam no exterior acabaram se casando com estrangeiros e outros com brasileiros que também fizeram a mesma jornada. Com o retorno desses casais ao nosso país, ocorreu a necessidade de regularizar, perante o Direito brasileiro, diversas dessas situações e outras que delas decorreram, tais como divórcios, guarda de filhos, a sucessão de bens em razão da morte de um dos cônjuges etc. Nesses casos, surge a necessidade de se saber qual é a legislação a ser aplicada e se o processo pode ser proposto em nosso país. Essas são algumas das situações que veremos em nossa aula. 7 1 Aplicação do Direito Estrangeiro Inicialmente, devemos destacar que o Direito Internacional Privado tem por objetivo maior estabelecer, em razão do elemento de conexão, as regras e os princípios para a extraterritorialidade da lei, razão pela qual ele irá definir, em diversas situações, se a legislação a ser aplicada em determinada relação jurídica é a legislação nacional ou a estrangeira. Nas situações em que as regras e princípios de Direito Internacional Privado determinarem a aplicação do direito estrangeiro, caberá ao juiz apurar a sua existência, seu conteúdo e sua vigência. Contudo ele poderá determinar que essa tarefa seja realizada pela parte que alegar a necessidade de aplicação dessa norma - artigo 337 do Código de Processo Civil. Para a prova da existência e validade do direito estrangeiro pode ser utilizada a forma apresentada pelo Código de Bustamante em seus artigos 408 a 411. Código de Processo Civil Art. 337 - A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz. Código de Bustamante REGRAS ESPECIAIS SOBRE A PROVA DE LEIS ESTRANGEIRAS Art. 408. Os juízes e tribunais de cada Estado contratante aplicarão de ofício, quando for o caso, as leis dos demais, sem prejuízo dos meios probatórios a que este capítulo se refere. Art. 409. A parte que invoque a aplicação do direito de qualquer Estado contratante em um dos outros, ou dela divirja, poderá justificar o texto legal, sua vigência e sentido mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados em exercício no país de cuja legislação se trate. Art. 410. Na falta de prova ou se, por qualquer motivo, o juiz ou o tribunal a julgar insuficiente, um ou outro poderá solicitar de ofício pela via diplomática, antes de decidir, que o Estado, de cuja legislação se trate, forneça um relatório sobre o texto, vigência e sentido do direito aplicável. Art. 411. Cada Estado contratante se obriga a ministrar aos outros, no mais breve prazo possível, a informação a que o artigo anterior se refere e que deverá proceder de seu mais alto tribunal, ou de qualquer de suas câmaras ou seções, ou da procuradoria-geral ou da Secretaria ou Ministério da Justiça. 8 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional Uma vez estabelecida a incidência do direito estrangeiro, essa aplicação é obrigatória, não havendo para o juiz a faculdade de optar por ele ou pelo direito nacional. Essa impossibilidade de escolha decorre, em especial, das normas internas de Direito Internacional Privado, tal como a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) . Dessa norma pode ser destacado seu artigo 7º, cuja redação é a seguinte: Observe que a norma é taxativa, ou seja, ela não cria uma possibilidade de utilização da lei nacional ou estrangeira, mas sim determina qual delas será aplicada no caso concreto. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art. 7º A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. [...] 2 Regras de Conexão O método de aplicação do Direito Internacional Privado baseia-se na qualificação da situação ou relação jurídica; em seguida, realiza-se a identificação de sua sede jurídica e, ao final, ocorre a determinação do direito vigente nessa sede. Dessa forma, na primeira etapa, devemos realizar a caracterização jurídica do ato ou situação que está sendo apreciada, sendo que, aqui, podemos ter a seguinte classificação: CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA ESTADO OU CAPACIDADE DA PESSOA SITUAÇÃO DE UM BEM ATO OU FATO JURÍDICO 9 Vejamos um exemplo de cada uma dessas situações: 1º exemplo: João, um angolano de 19 anos de idade, é domiciliado no Brasil e, aqui, deseja adquirir um automóvel. Em nosso país, o Código Civil estabelece que a plena capacidade civil é adquirida aos 18 anos, porém, em Angola, pode essa idade ser outra: vamos supor que lá somente aos 21 anos é adquirida essa capacidade. Diante desse problema, ele poderá adquirir o veículo sem estar assistido por seus pais? 2º exemplo: José, um brasileiro domiciliado em Portugal, realiza, naquele país, a venda de um terreno situado em Belo Horizonte para Joaquim, um português domiciliado na França. Nesse caso, deverão ser seguidas as formalidades estabelecidas pela lei brasileira, portuguesa ou francesa? 3º exemplo: Antônio, um brasileiro domiciliado em Brasília, está viajando pela Argentina. Em um passeio por Buenos Aires, acaba por perder um relógio de pouco valor material, mas de muito valor afetivo. Para tentar rever seu relógio, oferece uma recompensa, e, dias depois, um funcionário do hotel em que está hospedado (um peruano chamado Juan) encontra o bem e o restitui para o legítimo proprietário. Como o relógio foi achado no hotel, Antônio julga que não precisa fazer o pagamento da recompensa ao funcionário, contudo Juan quer receber o valor oferecido como recompensa. Nesse caso, para resolver o problema, devemos aplicar a lei brasileira, argentina ou peruana? Considerando cada uma dessas categorias, devemos localizar a sua sede jurídica. Dessa forma: A localização da sede jurídica implica na identificação do elemento de conexão, do qual decorre a regra de conexão do Direito Internacional Privado. ESTADO OU CAPACIDADE DA PESSOA SITUAÇÃO DE UM BEM ATO OU FATO JURÍDICO NO PAÍS DE SUA NACIONALIDADE OU DE SEU DOMICÍLIO ONDE O BEM ESTÁ ONDE FOI CONSTITUÍDO OU ONDE DEVE SER CUMPRIDA A OBRIGAÇÃO 10 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional Podemos sintetizar esse método de aplicação do Direito Internacional Privado com o seguinte esquema: M ÉT O D O D O D IR EI TO IN TE R N A C IO N A L PR IV A D O CLASSIFICAÇÃO ESTADO OU CAPACIDADE DA PESSOA SITUAÇÃO DE UM BEMATO OU FATO JURÍDICO PAÍS DE NACIONALIDADE OU DOMICÍLIO PAÍS ONDE ESTÁ LOCALIZADA PAÍS ONDE FOI CONSTITUÍDO OU DEVA SER CUMPRIDO REGRA DE CONEXÃO ELEMENTO DE CONEXÃO Vamos ver como deve ser resolvida cada uma dessas situações, lembrando que é a lei brasileira que estabelece qual é a norma a ser aplicada, ou seja, a norma nacional ou a estrangeira: 1º exemplo Como se trata de um assunto atinente à capacidade de pessoa, o elemento de conexão determina que seja aplicada a lei do país de nacionalidade ou domicílio. Sobre esse assunto, estabelece a LINDB que: Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art. 7º A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. [...] Dessa forma, como João é domiciliado no Brasil, deverá ser aplicada a regra estabelecida no Código Civil brasileiro, ou seja, ele poderá adquirir o veículo sem estar assistido por seus pais. 11 2º exemplo Como se trata de um assunto relativo a um bem imóvel, a norma a ser aplicada é aquele referente ao país onde ele está localizado. O assunto é regido na lei brasileira da seguinte forma: Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. [...] Como o imóvel está situado no Brasil, deverá ser aplicada a lei brasileira. 3º exemplo Neste caso, o elemento de conexão determina que devemos aplicar a lei do país onde a obrigação foi constituída ou onde ela deve ser cumprida. A legislação brasileira determina que: Dessa forma, como a obrigação foi constituída na Argentina, a lei brasileira não poderá ser aplicada, devendo ser aplicada a lei argentina. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. [...] 12 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional Há diversas outras regras de conexão, razão pela qual, no quadro abaixo, apresentamos as principais espécies. NOME DO ELEMENTO RAMO CRITÉRIO NA LINDB Lex Patriae Estatuto Pessoal Lex Loci Domicili Estatuto pessoal Lei Domicílio (art. 7º) Lex Loci Celebrationis Formalidades casamento Lei do local da celebração (art. 7º, §2º) Lex Loci Obligacionis Obrigações Lei do local da constituição da obrigação (art. 9º) Lex Loci Contractus Contratos Lei do local do domicílio do proponente (art. 9º) Lex Rei Sitae Direitos reais – bens imóveis Lei do local de situação do bem Mobília Sequntum Persona Bens móveis Lei do domicílio do proprietário Lex Sucessionis Sucessões Lei do local de domicílio do falecido do “de cujus” (art. 10) 3 O Estatuto Pessoal Uma expressão muito utilizada no Direito Internacional Privado é Estatuto Pessoal (ou Lei Pessoal), que se refere às normas e princípios que regem o estado e a capacidade da pessoa. Dentre as questões atinentes ao estado da pessoa, podemos mencionar, por exemplo, o nome da pessoa, seu local de nascimento, sua filiação, seu estado civil, suas obrigações em relação ao seu cônjuge (se for casado), entre diversas outras. Na visão de nosso Direito Internacional Privado, como vimos anteriormente, o caput do artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estipula que questões referentes ao estado e à capacidade de pessoas são regidas pela lei do país de seu domicílio, assim, essa lei será o seu estatuto pessoal. 13 5 Jurisdição e Competência Internacional 4 Reenvio Uma das questões mais discutidas no Direito Internacional Privado refere-se à possibilidade de aplicação do reenvio. Entre várias hipóteses, o reenvio caracteriza-se em situações em que a lei do país “A” determina, em certa hipótese, a aplicação da lei do país “B”, contudo, naquela mesma situação, a lei do país “B” manda aplicar a lei do país “A”. Muito embora haja uma séria polêmica sobre esse tema, o melhor é entender que não há a possibilidade de utilização do reenvio, pois, segundo as normas nacionais, a regra é a aplicação do direito pátrio e, nas situações em que é aplicável a lei estrangeira, não há faculdade em sua utilização, ou seja, a aplicação deve ser obrigatória. Um dos elementos caracterizadores de um Estado é a sua soberania e dela decorre a jurisdição. Como decorrência da jurisdição, o Estado pode decidir imperativamente as pretensões a ele apresentadas, bem como impor suas decisões às partes que estão em conflito. Dessa forma, cabe ao Estado resolver todos os litígios que lhe são apresentados, contudo nem sempre isso ocorre, pois há limitações à sua atuação. Particularmente, interessam-nos os limites internacionais, os quais são ditados pela necessidade de convivência dos diversos Estados, bem como por critérios de conveniência e viabilidade. Essas limitações são impostas pelas normas internas de cada Estado, pois não há grande interesse em aumentar exageradamente a área de abrangência de sua jurisdição para fora de seu território. “[...] o legislador não leva muito longe a jurisdição de seu país, tendo em conta principalmente duas ponderações ditadas pela experiência e pela necessidade de coexistência com outros Estados soberanos: a) a conveniência (excluem-se os conflitos irrelevantes para o Estado, porque o que lhe interessa, afinal, é a pacificação no seio da sua própria convivência social); b) a viabilidade (excluem- se os casos em que não será possível a imposição da autoridade do cumprimento da sentença).” (CINTRA, GRINOVER, & DINAMARCO, 2012, p. 175) 14 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional Como decorrência dessas limitações, o legislador brasileiro estabeleceu os limites internacionais da jurisdição brasileira no artigo 12 da LINDB, ou seja, podem ser propostas ações judiciais em nosso país quando: o réu for domiciliado no Brasil; se a obrigação tiver que ser cumprida em nosso país; se o litígio tiver por objeto imóvel aqui situado. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. [...] O Código de Processo Civil repete essas mesmas regras da LINDB, e, além disso, acrescenta outras disposições nos seus artigos 88 e 89. Código de Processo Civil Art. 88 - É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de fato praticado no Brasil. Parágrafo único - Para o fim do disposto no nº I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. Art. 89 - Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional. 15 6 Cooperação Judiciária Internacional Deve ser observada uma diferença de tratamento dada nos dois artigos da lei processual civil, ou seja: O artigo 88 estabelece hipóteses em que a competência da jurisdição brasileira pode estar em concorrência com a jurisdição de outros países. Já, no artigo 89, são estabelecidas hipóteses de competência exclusiva da jurisdição brasileira, não se reconhecendo os efeitos desse tipo de ação judicial se ocorrer a sua propositura em outro país . Outra questão bastante importante refere-se à impossibilidade de caracterização da litispendência em relação a processos em trâmite em nosso país e àqueles que correm no exterior. Código de Processo Civil Art. 90 - A ação intentada perante tribunal estrangeiro nãoinduz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que Ihe são conexas. As ações são identificadas por três elementos: as partes, a causa de pedir e o pedido. Esses elementos possuem, entre outras funções, a de impossibilitar que duas ações idênticas sejam apreciadas pelo Poder Judiciário. Diante da constatação de que há duas ações idênticas, estando ambas em curso, estará caracterizada a litispendência, devendo o juiz extinguir o processo sem resolução do mérito (art. 267, inciso V, do Código de Processo Civil), ou seja, ele não chegará a apreciar o pedido formulado pelo autor. Embora a atuação da jurisdição brasileira somente possa ocorrer nos limites acima descritos, é certo que, em razão da cooperação judiciária internacional, atos judiciais são realizados em nosso país para auxiliar a jurisdição de outros países na coleta de prova e outras informações sobre fatos que tenham repercussão em seus processos. Há, igualmente, a possibilidade de que sentenças judiciais proferidas em outros países sejam executadas no Brasil, ou seja, embora tenha sido a ação judicial proposta no exterior, seus efeitos podem ser reconhecidos em nosso país. 16 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional Nessas duas situações, contudo, é necessária a apreciação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em razão de sua competência deferida pela alínea “i” do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal. Constituição Federal Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; Deve ser destacado que, anteriormente, essa competência pertencia ao Supremo Tribunal Federal, sendo, atualmente, deferida ao Superior Tribunal de Justiça em razão do disciplinado pela Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004. Em razão dessa mudança de competência, o Superior Tribunal de Justiça expediu a Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005, que estabelece a forma como, naquela Corte, se dá o processamento desses feitos. Dessa resolução, devemos destacar os seguintes itens: A competência para homologar sentenças estrangeiras e para a concessão do exequatur às cartas rogatórias pertence ao Presidente do STJ, exceto se a parte interessada contestar a homologação da sentença estrangeira ou impugnar a carta rogatória – artigo 2º. Não pode ser homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública – artigo 6º. A parte interessada deve ser citada para, no prazo de quinze dias, contestar o pedido de homologação de sentença estrangeira ou intimada para impugnar a carta rogatória. Contudo, nas cartas rogatórias em que a prévia intimação possa resultar na ineficácia da prova que se deseja produzir, o cumprimento da medida poderá ocorrer sem ciência da parte interessada (é o que ocorre, por exemplo, se a autoridade estrangeira solicitar a apreensão de um importante documento, pois a parte interessada, ciente desse pedido, poderia destruir o documento) – artigo 8º. O Ministério Público deve ter vistas dos autos nas cartas rogatórias e homologações de sentenças estrangeiras, sendo colhida a sua manifestação – artigo 10. O cumprimento das medidas solicitadas na carta rogatória ou a execução da sentença homologada deverá ser realizada pela Justiça Federal – artigo 13. Após o cumprimento da carta rogatória pela Justiça Federal, a documentação é remetida ao Presidente do STJ que a encaminha à autoridade judiciária estrangeira, por meio do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações Exteriores – artigo 14. 17 6.1 Carta Rogatória Quando uma autoridade judiciária estrangeira necessita colher prova em outro país, ela solicita essa providência por meio de um instrumento denominado carta rogatória. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art. 12 [...] § 2º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências. É o que ocorre, por exemplo, se um juiz de Portugal necessitar inquirir uma testemunha que se encontra no Brasil. Veja uma decisão do Presidente do Superior Tribunal Federal que concedeu o exequatur a uma carta rogatória. CARTA ROGATÓRIA Nº 7.138 - PT (2012/0179557-6) RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE DO STJ JUSROGANTE : SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE PORTIMÃO INTERES. : P C G DA C PARTE : M F DA S DECISÃO Trata-se de carta rogatória pela qual a Justiça portuguesa solicita a inquirição do interessado P C G DA C. Devidamente intimado, não apresentou impugnação (fl. 38). O Ministério Público Federal, por sua vez, opinou pela concessão do exequatur (fl. 29). Decido. O objeto da presente carta rogatória não atenta contra a soberania nacional nem contra a ordem pública, razão pela qual, com fundamento no art. 2º da Resolução n.º 9/2005 do e. Superior Tribunal de Justiça, concedo o exequatur. Assim, remeta-se a comissão à Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado do Paraná para as providências cabíveis, recomendando-se, desde já, acaso o interessado não seja localizado, a promoção de diligências com efeito de se encontrar o endereço atualizado, notadamente em órgãos públicos bem como nas concessionárias de serviços públicos (v.g. água, energia e telefonia). Cumprida a rogatória, devolvam-se os autos a esta e. Corte, a fim de que sejam enviados ao país de origem por meio da autoridade central competente. P. e I. Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2013. MINISTRO FELIX FISCHER Presidente 18 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional 6.2 Homologação de Sentença Estrangeira Além do acima mencionado sobre a homologação de sentenças estrangeiras, devemos acrescentar que esse ato encontra previsão nos artigos 15 e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, os quais estabelecem os requisitos para que ele ocorra. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 12.036, de 01.10.09) [...] Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Como mencionamos anteriormente, a competência para esse ato é, atualmente, do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual a alínea “e” do artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro está tacitamente revogada. 19 Há, igualmente, previsão desse ato judicial no artigo 5º da Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005, do Superior Tribunal de Justiça. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005 Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira: I - haver sido proferida por autoridade competente; II - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; III - ter transitado em julgado; e IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil. Além dos requisitos estampados nessas duas normas, devemos acrescentar que não podem ser homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça sentenças proferidas por autoridades judiciárias estrangeiras nas situações em que há competência exclusiva da jurisdição brasileira – artigo 89do Código de Processo Civil. A homologação de sentenças estrangeiras ocorre, por exemplo, na situação de um casal de brasileiros que se casou nos Estados Unidos e, nesse mesmo país, resolvem se divorciar. Se, posteriormente, um deles fixar residência em nosso país, talvez seja necessária a homologação da decisão judicial estrangeira para, por exemplo, estabelecer situações ligadas à guarda de filhos comuns ou de bens adquiridos durante a vigência do casamento. Veja um exemplo de uma decisão desse tipo: Sentença Estrangeira nº 8.723 - US (2012/0159068-5) Relator : Ministro Presidente do stj Requerente : R R A Requerente : Rosânia Rocha Araujo Requerente : M F A Advogado : Mauro Russo e outro(s) Requerido : os mesmos Decisão Trata-se de pedido de homologação da r. sentença estrangeira de dissolução de sociedade conjugal dos requerentes R R A e M F A, brasileiros, ambos qualificados nos autos, proferida pelo eg. Tribunal Superior do Estado de Connecticut, Estados Unidos da América (fls. 29/38). 20 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se, à fl. 98, favoravelmente ao pedido. É o breve relatório. Decido. Inicialmente, verifico que os pressupostos indispensáveis ao deferimento do pleito foram observados. Ademais, a pretensão não ofende a soberania nacional, a ordem pública nem os bons costumes (art. 17 da LINDB e arts. 5º e 6º da Resolução nº 9 de 2005 do Superior Tribunal de Justiça). Ante o exposto, homologo o título judicial estrangeiro. Expeça-se a carta de sentença. P. e I. Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2013. MINISTRO FELIX FISCHER Presidente Glossário Conexão: A conexão vem a ser a ligação, o contato entre uma situação da vida e a norma que irá regê-la (DOLINGER, 2012, p. 295). Estado da pessoa: O estado da pessoa são os atributos constitutivos da individualidade jurídica da pessoa natural. Capacidade da pessoa: Já a capacidade refere-se à aptidão da pessoa natural de exercer direitos (em especial, os de natureza privada) e de contrair obrigações. Jurisdição: É uma das funções estatais, que decorre de sua soberania, “mediante a qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos” (CINTRA, GRINOVER, & DINAMARCO, 2012, p. 31). Exequatur: É uma palavra latina que significa “cumpra-se” 21 Material Complementar Nesta aula observamos que algumas questões ligadas ao Direito Internacional Privado são resolvidas com as normas abaixo indicadas. Vale a pena conhecer mais sobre elas! Essas normas estão disponíveis nos seguintes links: - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm - Código de Processo Civil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm - Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005: (Pasta - Material Completar) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm //www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm 22 Unidade: Regras de Conexão e de Jurisdição Internacional Referências BATALHA, W. d. (1961). Tratado elementar de Direito Internacional Privado. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais. CAHALI, Y. S. (1983). Estatuto do Estrangeiro. São Paulo: Saraiva. CARVALHO, D. (1976). A situação Jurídica do Estrangeiro no Brasil. São Paulo: Sugestões Literárias. CINTRA, A., GRINOVER, A., & DINAMARCO, C. (2012). Teoria geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros. DOLINGER, J. (2012). Direito Internacional Privado: parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense. GRECO FILHO, V. (2010). Direito processual civil brasileiro. v 1. 22. ed. São Paulo: Saraiva. MONTENEGRO FILHO, M. (2010). Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v 1. 6. ed. São Paulo: Atlas. NEVES, G. B. (2009). Direito internacional público e direito internacional privado. 3. ed. São Paulo: Atlas. SANTOS, M. (2010). Primeiras linhas de direito processual civil. v 1. 27. ed. São Paulo: Saraiva. STRENGER, I. (2005). Direito Internacional Privado. 6. ed. São Paulo: LTr. 23 Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000 http://www.cruzeirodosulvirtual.com.br
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