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Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 1 TRIBUNAL DO JÚRI Sumário 1. Considerações iniciais ......................................................................................................... 5 1.2. Natureza jurídica ........................................................................................................... 5 2. Princípios constitucionais do júri .......................................................................................... 6 2.1. Plenitude de defesa ....................................................................................................... 6 2.2. Sigilo das votações ....................................................................................................... 7 2.2.1. Sala especial (ou secreta) ...................................................................................... 7 2.2.2. Incomunicabilidade dos jurados .............................................................................. 8 2.2.3. Votação unânime .................................................................................................... 9 2.3. Soberania dos vereditos ................................................................................................ 9 2.3.1. Recorribilidade contra decisões do júri ................................................................... 9 2.3.2. Juízo a ser feito pelo TJ ou TRF ........................................................................... 10 2.3.3. Quesitos dos jurados ............................................................................................ 10 2.3.4. Revisão criminal contra decisão do júri ................................................................ 11 2.4. Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida ............................ 12 3. Procedimento bifásico do tribunal do júri ........................................................................... 13 4. Impronúncia ....................................................................................................................... 14 4.1. Natureza jurídica da decisão de impronúncia e coisa julgada ..................................... 15 4.1.1. Provas novas e oferecimento de outra peça acusatória ....................................... 15 4.2. Infração conexa ........................................................................................................... 16 4.3. Despronúncia .............................................................................................................. 16 4.4. Recurso cabível contra a impronúncia ........................................................................ 17 4.4.1 Interesse recursal .................................................................................................. 17 5. Desclassificação ................................................................................................................ 17 5.1. Desclassificação x Desqualificação ............................................................................. 18 5.2. Nova classificação ....................................................................................................... 18 5.3. Procedimento a ser observado pelo juiz singular competente .................................... 18 5.4. Infração conexa ........................................................................................................... 19 5.5. Situação do acusado preso frente à desclassificação ................................................. 19 5.6. Recurso adequado ...................................................................................................... 19 5.7. Conflito de competência suscitado pelo juízo singular competente ............................ 20 Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 2 6. Absolvição sumária ............................................................................................................ 20 6.1. Causas de absolvição sumária ................................................................................... 20 6.2. Infração conexa ........................................................................................................... 21 6.3. Coisa julgada .............................................................................................................. 21 6.4. Recurso adequado ...................................................................................................... 22 6.4.1. Interesse recursal ................................................................................................. 22 6.4.2. Recurso de ofício .................................................................................................. 22 7. Pronúncia ........................................................................................................................... 23 7.1. Pressupostos .............................................................................................................. 23 7.2. Regra probatória ......................................................................................................... 23 7.3. Natureza jurídica ......................................................................................................... 24 7.4. Fundamentação .......................................................................................................... 24 7.5. Conteúdo da pronúncia ............................................................................................... 25 7.6. Infrações conexas ....................................................................................................... 25 7.7. Constatação do envolvimento de outras pessoas ....................................................... 25 7.8. Efeitos da pronúncia .................................................................................................... 26 7.8.1. Submissão do acusado a julgamento perante o tribunal do júri............................ 26 7.8.2. Limitação da acusação em plenário (correlação entre pronúncia e quesitação) .. 26 7.8.3. Preclusão das nulidades relativas não arguidas até a pronúncia ......................... 27 7.8.4. Interrupção da prescrição ..................................................................................... 27 7.8.5. Preclusão da decisão de pronúncia e sua imodificabilidade ................................. 27 7.9. Decretação da prisão preventiva ou imposição de medidas cautelares diversas da prisão ................................................................................................................................. 28 7.10. Intimação do acusado acerca da pronúncia .............................................................. 29 7.10.1. Direito intertemporal ........................................................................................... 30 8. Desaforamento .................................................................................................................. 31 8.1. Competência para julgamento do pedido de desaforamento ...................................... 32 8.2. Princípio do juiz natural ............................................................................................... 32 8.3. Desaforamento x incidente de deslocamento de competência (IDC) .......................... 32 8.4. Desaforamento no processo penal militar ................................................................... 32 8.5. Legitimados para o requerimento (art. 427) ................................................................ 33 8.6. Momento para o desaforamento ................................................................................. 33 8.7. Hipóteses que autorizam o desaforamento ................................................................. 33 8.8. Crimes conexos e coautores .......................................................................................35 Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 3 8.9. Comarca (ou subseção judiciária) para a qual o processo será desaforado ............... 35 8.10. Efeito suspensivo ...................................................................................................... 35 8.11. Recursos ................................................................................................................... 35 8.12. Reaforamento............................................................................................................ 36 9. Preparação do processo para julgamento em plenário ..................................................... 36 9.1. Ordenamento do processo (despacho saneador) ....................................................... 37 9.2. Habilitação do assistente da acusação ....................................................................... 38 10. Organização do júri .......................................................................................................... 38 10.1. Requisitos para ser jurado ........................................................................................ 38 11. Organização do júri .......................................................................................................... 40 12. Sessão do julgamento ..................................................................................................... 42 12.1. Distinção entre reunião periódica e sessão de julgamento ....................................... 42 12.2. Ausências injustificadas à sessão de julgamento...................................................... 42 12.3. Verificação da presença de pelo menos 15 jurados .................................................. 45 12.4. Empréstimo de jurados ............................................................................................. 45 12.5. Recusas .................................................................................................................... 45 12.5.1. Questão .............................................................................................................. 48 12.6. Instrução em plenário ................................................................................................ 49 12.6.1. Leitura de peças ................................................................................................. 49 12.6.2. Interrogatório do acusado e uso de algemas ...................................................... 49 12.7. Debates ..................................................................................................................... 50 12.7.1. Réplica e tréplica ................................................................................................ 51 12.7.2. Exibição e leitura de documentos no plenário do júri .......................................... 52 12.7.3. Argumento de autoridade ................................................................................... 53 12.7.4. Direito ao aparte ................................................................................................. 54 12.7.5. Acusado indefeso ............................................................................................... 54 12.7.6. Sociedade indefesa ............................................................................................ 56 12.7.7. Esclarecimentos aos jurados e possível dissolução do conselho de sentença .. 56 13. Quesitação ....................................................................................................................... 57 13.1. Sistema utilizado para quesitação ............................................................................. 58 13.2. Leitura dos quesitos .................................................................................................. 58 13.3. Votação ..................................................................................................................... 59 13.4. Contradição e prejudicialidade .................................................................................. 59 Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 4 13.5. Ordem dos quesitos: ................................................................................................. 60 13.6. Falso testemunho em plenário .................................................................................. 63 13.7. Agravantes e atenuantes .......................................................................................... 64 14. Desclassificação pelos jurados ........................................................................................ 66 14.1. Espécies de desclassificação .................................................................................... 66 14.2. Desclassificação e infração de menor potencial ofensivo ......................................... 66 14.3. Desclassificação pelos jurados e competência para o julgamento dos crimes conexos e/ou continentes Exemplo: ................................................................................... 67 14.4. Absolvição pelos jurados e competência para o julgamento dos crimes conexos e/ou continentes ......................................................................................................................... 67 Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 5 1. Considerações iniciais Conceito1: o júri é um órgão especial do Poder Judiciário de 1ª instância, pertencente à Justiça Comum (Estadual ou Federal), colegiado e heterogêneo (formado pelo juiz presidente e por 25 jurados), que tem competência mínima para julgar os crimes dolosos contra a vida, temporário (porque constituído para sessões periódicas, sendo depois dissolvido), dotado de soberania quanto às suas decisões, tomadas de maneira sigilosa e inspiradas pela íntima convicção, sem fundamentação, de seus integrantes leigos. Observações sobre o conceito: Não existe tribunal do júri na Justiça Eleitoral nem na Justiça Militar (da União ou dos Estados). Segundo a doutrina, a lei poderia até regulamentar um tribunal do júri nestas justiças, mas não há previsão legal nesse sentido. Dos 25 jurados, apenas 7 irão compor o conselho de sentença. O MP não faz parte do tribunal do júri. A competência do órgão colegiado e heterogêneo é um exemplo de competência funcional por objeto do juízo. Portanto, determinadas matérias serão da competência do juiz presidente e outras dos jurados. Ex.: Jurados: existência do crime, causas de diminuição, materialidade, qualificadoras, entre outras. Juiz presidente: todas as demais matérias, como nulidades, agravantes e atenuantes, entre outras. A competência do tribunal do júri está prevista na própria Constituição Federal. De acordo com a doutrina, a competência é considerada mínima porque ela pode ser ampliada, inclusive por lei ordinária, mas não pode haver supressão. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes conexos e continentes, pois havendo conexão ou continência com um crime doloso contra a vida, o tribunal do júri exercerá força atrativa. 1.2. Natureza jurídica É um órgão do Poder Judiciário de primeira instância. O art. 92 da CF/88 não faz referência ao tribunal do júri como órgão do Poder Judiciário. Por essa razão, há doutrinadores que entendem que o tribunal do júri não poderia ser considerado um órgão do Poder Judiciário. No entanto, segundo RB, o rol do art. 92 da CF não é taxativo, por exemplo, JECrim, que entende estar inserido nos tribunais e juízes dos Estados. 1 Conceito baseado na obra Tribunal do Júri – Teoria e Prática, de Walfredo Cunha Campos. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 6 2. Princípios constitucionais do júri CF/ 88. Art. 5º (...) XXXVIII- é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; 2.1. Plenitude de defesa Distinção entre a ampla defesa e a plenitude de defesa: Ampla defesa Plenitude de defesa CF, art. 5º, LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. CF, art. 5º, XXXVIII – “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; (...)”. Assegurada aos acusados em geral, inclusive no júri. Acusado no júri. De acordo com RB, a única diferença é que no tribunal do júri a defesa pode se utilizar de argumentação extrajurídica. No âmbito do júri, o veredicto é dado pelos jurados, que são pessoas do povo e que não possuem necessariamente formação jurídica. Portanto, às vezes, é mais fácil convencer o julgador leigo se valendo de teses que não têm fundamento jurídico, como argumentos sociais, de política criminal e o lado emocional, o que jamais poderia ocorrer caso o acusado estivesse sendo julgado por um juiz singular. Jurisprudência: STF: “(...) Quanto mais grave o crime, deve-se observar, com rigor, as franquias constitucionais e legais, viabilizando-se o direito de defesa em plenitude. PROCESSO PENAL - JÚRI - DEFESA. Constatado que a defesa do acusado não se mostrou efetiva, impõe-se a declaração de nulidade dos atos praticados no processo, proclamando-se insubsistente o veredicto dos jurados. JÚRI - CRIMES CONEXOS. Uma vez afastada a Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 7 valia do júri realizado, a alcançar os crimes conexos, cumpre a realização de novo julgamento com a abrangência do primeiro”. (STF, 1ª Turma, HC 85.969/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 04/09/2007, Dje 18 31/01/2008). 2.2. Sigilo das votações Não obstante a CF utilizar a terminologia “sigilo das votações”, não é a votação que é sigilosa, mas o voto. Isso significa que a ninguém é permitido conhecer o sentido do voto do jurado, inclusive o juiz presidente. 2.2.1. Sala especial (ou secreta) Evitar a terminologia sala secreta. Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) § 1º Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) § 2º O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Não é o assistente e o querelante que se dirigirão à sala especial, mas sim os respectivos advogados, que têm capacidade postulatória. Caso a vítima estivesse presente, haveria prejuízo à livre manifestação do Conselho. O público pode ser privado do acesso à votação, pois a sala especial trata-se publicidade restrita. A regra é a publicidade ampla, porém a própria CF autoriza que a publicidade sofra restrições para preservar algum interesse público envolvido (CF, arts. 93, IX e 5º, LX). O acusado e o público em geral não acompanharão a votação na sala especial, com o fim de preservar a livre manifestação dos jurados, que sofreriam nítido constrangimento caso o público e o acusado estivessem presentes. O acusado pode ser seu próprio defensor? Sim, desde que seja advogado. Para compatibilizar a ampla defesa e a livre Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 8 manifestação dos jurados no momento da votação, a melhor solução seria a nomeação de um defensor ad hoc (para o ato). Assim, o advogado continuaria exercendo sua defesa técnica, mas ele, como acusado, não pode acompanhar a votação. 2.2.2. Incomunicabilidade dos jurados Art. 466. Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o juiz presidente esclarecerá sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades constantes dos arts. 448 e 449 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 11.689/08) § 1º O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2º do art. 436 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 11.689/08) § 2º A incomunicabilidade será certificada nos autos pelo oficial de justiça. (Redação dada pela Lei nº 11.689/08) A incomunicabilidade é necessária para preservar o sigilo do voto. A incomunicabilidade não é absoluta, já que ela está relacionada com a opinião sobre o processo (art. 466, § 1º). A ligação rápida e imediatamente após o sorteio, acompanhada do oficial de justiça, não viola a incomunicabilidade. Jurisprudência: STF: “(...) Não se constitui em quebra da incomunicabilidade dos jurados o fato de que, logo após terem sido escolhidos para o Conselho de Sentença, eles puderam usar telefone celular, na presença de todos, para o fim de comunicar a terceiros que haviam sido sorteados, sem qualquer alusão a dados do processo. Certidão de incomunicabilidade de jurados firmada por oficial de justiça, que goza de presunção de veracidade. Desnecessidade da incomunicabilidade absoluta. Precedentes. Nulidade inexistente. (...)”. (STF, Pleno, AO 1.047/RR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 28/11/2007, Dje 65 10/04/2008). A incomunicabilidade é protegida até o fim do julgamento. A incomunicabilidade busca proteger o sigilo que, por sua vez, existe para proteger o jurado. Só há falar em necessidade de preservação da incomunicabilidade dos jurados até o encerramento da sessão de julgamento. Logo, concluído o julgamento, não há falar em nulidade absoluta do processo se, porventura, o jurado vier a revelar a posteriori o sentido do seu voto. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 9 2.2.3. Votação unânime Antes da Lei 11.689/08: todos os votos eram computados (7x0). Sendo hipótese de votação unânime, saber-se-ia o sentido que cada um dos jurados votou, violando-se o sigilo das votações. Depois da Lei 11.689/08: a votação deve ser encerrada quando forem atingidos quatro votos num determinado sentido: Art. 483 (...) § 1º A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) O dispositivo faz referência apenas aos incisos I e II (materialidade e autoria). No entanto, a doutrina entende que essa forma de votação também se aplica para os demais quesitos (interpretação extensiva), com o intuito de proteger o sigilo das votações. 2.3. Soberania dos vereditos Um tribunal formado por juízes togados não pode modificar o mérito da decisão dos jurados. Fundamento: a CF/88 outorga ao tribunal do júri a competência para julgar crimes dolosos contra a vida. A soberania dos veredictos existe para proteger os jurados quanto ao mérito da decisão por eles proferida. 2.3.1. Recorribilidade contra decisões do júri Cabe apelação contra sentença do Tribunal do Júri quando (art. 593, III): a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamentecontrária à prova dos autos. O recurso do júri é de fundamentação vinculada, devendo ser apontada a alínea na própria petição do recurso. Súmula 713 STF: “O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição” Ou seja, o tribunal não pode julgar com base em alínea não apontada na petição da Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 10 apelação. 2.3.2. Juízo a ser feito pelo TJ ou TRF Quando se fala em conhecimento (ou provimento) de recursos existem dois juízos: Juízo rescindente (revidente): desconstituição da decisão impugnada, cassando a decisão. Juízo rescisório (revisório): nova decisão em substituição à impugnada. No tribunal do júri, a soberania dos veredictos existe para proteger a decisão dos jurados especificamente quanto ao mérito, não sendo aplicada para decisão do juiz presidente. Portanto: Alínea “a”: juízo rescindente. Alínea “b”: juízos rescindente e rescisório (decisão proferida pelo juiz presidente). Alínea “c”: juízos rescindente e rescisório (decisão proferida pelo juiz presidente). Alínea “d”: juízo rescindente – novo julgamento pelo tribunal do júri (o recurso com base nessa alínea pode ser interposto apenas uma vez). Dispositivo legal: Art. 593: (...). § 1º: Se a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos [CPP, art. 593, III, “b”], o tribunal ad quem fará a devida retificação. § 2º: Interposta a apelação com fundamento no nº III, c, deste artigo, o tribunal ad quem, se Ihe der provimento, retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança. § 3º: Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação. 2.3.3. Quesitos dos jurados Um tribunal formado por juízes togados não pode modificar no mérito a decisão dos jurados. Os quesitos formulados tratam do mérito da decisão dos jurados. Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 11 I – a materialidade do fato; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) II – a autoria ou participação; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) III – se o acusado deve ser absolvido; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) São esses os quesitos que estarão protegidos pela soberania dos veredictos. Ex.: Erro quanto à qualificadora: novo julgamento pelo júri. Erro quanto à agravante: juízos rescindente e rescisório. Obs.: quem decide sobre agravante é o juiz presidente. Jurisprudência: STF: “(...) A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, não sendo absoluta, está sujeita a controle do juízo ad quem, nos termos do que prevê o artigo 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal. Resulta daí que o Tribunal de Justiça do Paraná não violou o disposto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição do Brasil ao anular a decisão do Júri sob o fundamento de ter contrariado as provas coligidas nos autos, Precedentes. O Tribunal local proferiu juízo de cassação, não de reforma, reservando ao Tribunal do Júri, juízo natural da causa, novo julgamento. (...) Ordem denegada”. (STF, 2ª Turma, HC 94.052/PR, Rel. Min. Eros Grau, j. 14/04/2009, DJe 152 13/08/2009). Questão: (Procurador da República – Março/2017). Se, em razão de recurso da defesa, o Tribunal de Apelação entender que não existiu a qualificadora reconhecida pelo Conselho de Sentença, deverá necessariamente submeter o acusado a novo julgamento, não podendo, em hipótese alguma, afastar essa qualificadora (CORRETO). 2.3.4. Revisão criminal contra decisão do júri Não há violação à soberania dos veredictos. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 12 Tanto a soberania dos veredictos como a revisão criminal são garantias que foram pensadas para proteger a liberdade de locomoção do indivíduo. Logo, seria um absurdo permitir que uma decisão do júri, contaminada por um grave erro judiciário, jamais pudesse ser revista em razão da soberania dos veredictos. Controvérsia sobre o juízo: 1ª C: juízo rescindente, desconstituindo a decisão impugnada com trânsito em julgado, necessitando de novo júri. 2ª C: juízos rescindente e rescisório, proferindo uma nova decisão em substituição àquela impugnada. RB entende que a segunda corrente seria a mais adequada, que adota uma visão pragmática, já que a revisão criminal geralmente é ajuizada muitos anos após o fato delituoso (pressupõe o trânsito em julgado), dificultando, por exemplo, ouvir testemunhas. Questão: (MPE/SP – 2017) Considerando o princípio da soberania dos veredictos e as particularidades dos procedimentos da competência do Tribunal do Júri, é correto afirmar que (A) a Superior Instância só poderá anular a decisão do Tribunal do Júri em razão de nulidade processual. (B) anulada a decisão pela Superior Instância, a decisão em um segundo julgamento é definitiva, não podendo ser conhecida nova apelação [apenas no caso da alínea “d”, porém pode ser interposta apelação com base em outra hipótese]. (C) a apelação só é cabível para a apreciação do montante da pena aplicada. (D) a Superior Instância, ao avaliar a decisão de mérito dos jurados, verificará apenas se a decisão encontra respaldo na prova dos autos. (E) é incabível revisão criminal das decisões do Tribunal do Júri. Gabarito: D. 2.4. Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida Trata-se de uma competência mínima, não podendo ser suprimida nem mesmo por emenda constitucional, mas pode ser ampliada por uma simples lei ordinária. Considerações: Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 13 O tribunal do júri é uma cláusula pétrea (CF, art. 5º). O tribunal do júri assegura o caráter democrático do Poder Judiciário, permitindo a participação do povo nos julgamentos desse Poder. A ampliação já ocorre. De acordo com o próprio CPP, o tribunal do júri tem força atrativa para o julgamento dos crimes conexos e continentes (art. 78, I), salvo se eleitorais ou militares. Infrações penais envolvendo mortes dolosas que não são julgadas pelo júri: Latrocínio (crime contra o patrimônio): Súmula 603 STF. Atos infracionais (ECA). Genocídio (crime contra a existência de grupo racial, étnico ou religioso). Ex.: pode ser praticado dando anticoncepcionais à uma tribo indígena. Contudo, se for praticado genocídio com a prática de mortes dolosas (homicídio), haverá força atrativa do crime de genocídio para ser julgado no Tribunal do Júri em razão dos homicídios. Militar da ativa contra militar da ativa (crime militar - CPM, art. 9º, II, “a”). Civil que mata dolosamente militar das forças armadas em serviço (STF - HC 91.003) (crime militar – CPM, art. 9º, III, “b”) (Justiça Militar da União). CPM, art. 9º, § 2º (Lei 13.491/17). Crime político do artigo 29 da Lei 7.170/83 (morte dolosa do Presidente, presidente do Senado, da Câmara e do Supremo com motivação política). Foro por prerrogativa de função previsto na CF S. 721 STF (SV. n. 45): “A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”. 3. Procedimento bifásico do tribunaldo júri Além de ser especial, o tribunal do júri é um procedimento bifásico (ou escalonado): 1ª fase: sumário da culpa (iudicium accusationis). 2ª fase: julgamento em plenário (iudicium causae). Na primeira fase verifica-se a admissibilidade da acusação de um crime doloso contra a vida, em uma espécie de filtragem, evitando-se que um possível inocente seja levado a julgamento pelo júri (e eventualmente condenado). Diferenças entre as duas fases: Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 14 Iudicium accusationis Iudicium causae Apenas o juiz sumariante Juiz presidente + 25 jurados (7 compõem o Conselho de Sentença) Início: oferecimento da denúncia (exceção: queixa-crime) Início: - Antes da Lei 11.689/08: libelo-acusatório - Depois da Lei 11.689/08: preparação para julgamento em plenário Término: impronúncia; desclassificação; absolvição sumária e pronúncia Término: sentença na sessão de julgamento Assemelha-se com procedimento comum ordinário Considerações: Início (queixa-crime): ação penal privada subsidiária da pública e crime conexo ou continente de ação privada (o MP deverá oferecer denúncia em relação ao crime doloso contra a vida ao passo que o ofendido terá a oportunidade de oferecer queixa-crime em relação ao crime de ação penal de iniciativa privada). O libelo-acusatório foi extinto pela reforma processual de 2008. Atualmente, o início da segunda fase ocorre com a preparação do processo para julgamento em plenário, que, por sua vez, terá início imediato quando houver a preclusão da pronúncia. Procedimento comum ordinário x procedimento do iudicium accusationis: Procedimento comum ordinário Procedimento do iudicium accusationis Oitiva da acusação após a resposta à acusação Não há previsão legal. Há previsão legal (art. 409) Absolvição sumária Início do processo. Final da primeira fase. Diligências Há previsão legal. Não há previsão legal. Alegações Orais (ou memoriais). Orais. Prazo (audiência) 60 dias (ou 30 dias, no sumário). 90 dias. Ausência dos memoriais da defesa Nulidade absoluta (violação à ampla defesa). Pode ser uma estratégia da defesa. 4. Impronúncia Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 15 fundamentadamente, impronunciará o acusado. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) A decisão de impronúncia deverá ser proferida pelo juiz sumariamente em duas hipóteses: Não convencido da materialidade do delito. Ausência de indícios suficientes de autoridade ou de participação. 4.1. Natureza jurídica da decisão de impronúncia e coisa julgada A redação antiga do CPP determinava que o juiz, ao impronunciar o acusado, deveria julgar a denúncia ou a queixa improcedente. No entanto, na impronúncia, o juiz se abstém de analisar o mérito, porque não está convencido da materialidade ou dos indícios de autoria. Atualmente, a decisão de impronúncia é classificada como uma decisão: Interlocutória: não há análise do mérito. Mista: põe fim a uma fase procedimental. Terminativa: extinção do processo. A decisão de impronúncia só faz coisa julgada formal, porquanto proferida com base na cláusula rebus sic standibus. Assim, caso haja alteração dos pressupostos fáticos ou jurídicos, a decisão de impronúncia poderá ser modificada. 4.1.1. Provas novas e oferecimento de outra peça acusatória Diante do surgimento de provas novas será possível o oferecimento de outra peça acusatória. Art. 414 (...) Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) De acordo com a doutrina, prova nova é aquela capaz de alterar o contexto probatório dentro do qual fora proferida a impronúncia. Espécies: Substancialmente nova: inédita, sendo a prova desconhecida quando da decisão de impronúncia. Formalmente nova (Nucci): nova versão. Ou seja, a prova já era conhecida e já tinha sido utilizada, mas ganhou uma nova versão. Ex.: testemunha muda versão do depoimento. Não há falar em reabertura do processo (em razão da coisa julgada formal), sendo Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 16 necessário oferecer uma nova peça acusatória, dando origem a um novo processo criminal. Não há violação ao princípio do ne bis in idem processual. De acordo com o princípio do ne bis in idem processual, ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação. Sucede que na impronúncia não há apreciação do mérito, portanto, a doutrina majoritária entende que não há violação ao princípio. - Impronúncia absolutória Antes da Lei n. 11.689/08 existia a impronúncia absolutória, que ocorria caso o juiz reconhecesse a atipicidade, a inexistência do crime ou a negativa de autoria ou de participação. A absolvição sumária no júri só era cabível para excludentes da ilicitude e da culpabilidade. Assim, apesar de receber a denominação de “impronúncia”, essa decisão era de mérito (coisa julgada formal e material). Depois da Lei 11.689/08 a impronúncia absolutória não mais subsiste, já que suas causas foram colocadas pelo legislador como hipóteses de absolvição sumária. 4.2. Infração conexa Ao proferir a decisão de impronúncia, o juiz deve se ater ao crime doloso contra a vida. Logo, a infração conexa deve aguardar o julgamento de eventual recurso contra a impronúncia: Provimento: o crime conexo também será levado a julgamento perante o tribunal do júri. Não provimento: significa que foi mantida a decisão de impronúncia, sendo o crime conexo encaminhado ao juiz singular competente. 4.3. Despronúncia A despronúncia ocorre quando alguém é pronunciado, mas essa decisão é alterada para uma impronúncia, em virtude da interposição de um recurso (RESE). Juízo competente para despronunciar o acusado: Juízo a quo: caso se retrate após a interposição do RESE; ou Juízo ad quem. Antes do ano de 2008, o recurso cabível contra a impronúncia também era o RESE. Se a impronúncia ocorresse em sede de juízo de retratação seria suficiente ao MP apresentar uma simples petição para que interpusesse o RESE (art. 589, parágrafo único). Art. 589 (...) Parágrafo único. Se o juiz reformar o despacho recorrido, a parte contrária, por simples petição, poderá recorrer da nova decisão, se couber recurso, não sendo mais lícito ao juiz modificá-la. Neste caso, independentemente de novos arrazoados, subirá o recurso nos Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 17 próprios autos ou em traslado. No entanto, isso não mais subsiste. Com a reforma processual de 2008, já não cabe mais o RESE contra a impronúncia, sendo a apelação o recurso adequado contra a impronúncia. Assim, caso o juiz se retrate no julgamento do RESE interposto contra a pronúncia, caberá à acusação interpor uma apelação, não podendo mais se valer da regra do parágrafo único do artigo 589. Recurso contra pronúncia: RESE Recurso contra impronúncia: APELAÇÃO 4.4. Recurso cabível contra a impronúncia Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá APELAÇÃO. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) Considerações sobre o artigo 416 do CPP: A impronúncia não é sentença. A vigência da Lei n. 11.689/08 ocorreu no dia 09/08/2008. Exemplo (TJ-MG): 08/08/08 (sexta-feira): decisão de impronúncia. 09/08/08 (sábado): entrada em vigor da Lei n. 11.689/08. 11/08/08 (segunda-feira): interposição do recurso (?). R.: Qual seria o recurso adequado a ser interposto? O RESE. A lei aplicável ao recurso é a norma vigente à época em que a decisão fora proferida. Como a decisão data de 8 de agosto de 2008, o acusadopassou a ter o direito adquirido às regras recursais então em vigor (RESE). 4.4.1 Interesse recursal MP e querelante. Assistente (art. 584, § 1º). Defensor e acusado. A decisão de impronúncia só faz coisa julgada formal. Portanto, o acusado pode ter interesse recursal, desde que ele tenha interesse em transformar a impronúncia em uma decisão de absolvição sumária. 5. Desclassificação A desclassificação ocorre quando o juiz sumariante entender, em dicordância com a acusação, que a imputação não versa sobre crime doloso contra a vida (homicídio, Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 18 induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto) e não for competente para seu julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja (art. 419). O juiz sumariante não fica vinculado à classificação formulada pela acusação. É possível a desclassificação para crime mais grave. Exemplo: se o juiz entender que não se trata de homicídio doloso, mas sim de latrocínio, deve proceder à desclassificação, remetendo os autos ao juiz singular, salvo se ele próprio for o competente. No entanto, se entender que o fato delituoso versa sobre crime de infanticídio, a decisão a ser proferida não é a de desclassificação, mas sim a de pronúncia. Afinal, referido delito também é da competência do júri. 5.1. Desclassificação x Desqualificação A desqualificação é a exclusão de qualificadoras por ocasião da pronúncia. Exemplo: Denúncia: CP, art. 121, § 2º, II. Pronúncia: CP, art. 121, caput. De acordo com a doutrina e os tribunais superiores, a desqualificação é uma medida excepcional. Fundamento: o juiz sumariante não pode usurpar a soberania dos jurados, portanto, a desqualificação somente pode ocorrer em caso de evidente excesso. 5.2. Nova classificação Por ocasião da desclassificação, o juiz sumariante deve se abster de fixar nova capitulação, evitando um pré-julgamento. Portanto, o juiz sumariante deve se restringir a análise de se tratar ou não de crime doloso contra vida. 5.3. Procedimento a ser observado pelo juiz singular competente Em comarcas compostas por várias varas criminais, o juiz sumariante, ao proferir a decisão de desclassificação, remeterá os autos ao novo juízo competente. Questão: a decisão de desclassificação é proferida após toda uma instrução. Quando os autos são encaminhados ao novo juízo competente, é necessária uma nova instrução? 1ª corrente: não, podendo o novo juízo proceder de imediato ao julgamento. 2ª corrente (RB e Gustavo Badaró): sim, procedendo-se à oitiva da acusação e da defesa, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa. O contraditório e a ampla defesa valem não apenas quanto aos fatos, mas também quanto à desclassificação. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 19 5.4. Infração conexa Deve aguardar o julgamento de eventual RESE interposto contra a desclassificação: Provimento: a pronúncia vai trazer consigo o crime conexo, já que o tribunal do júri exerce força atrativa em relação aos crimes conexos. Não provimento: a imputação desclassificada será encaminhada a outro juízo, juntamente com o crime conexo. Art. 81. [...] Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente. Obs.: o ideal é que a remessa dos autos ao juízo competente ocorra somente após o julgamento do recurso. Enquanto ele não ocorrer, essas decisões ainda não são definitivas, podendo ser modificadas. 5.5. Situação do acusado preso frente à desclassificação Art. 419. (...) Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à disposição deste ficará o acusado preso. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Havendo desclassificação, o acusado preso não necessariamente será colocado em liberdade. Logicamente, para que a prisão seja mantida, há necessidade de decisão fundamentada do novo juízo. Ao desclassificar, o juiz sumariante não tem mais competência para o feito, remetendo os autos para o competente. Portanto, se a competência é de outro juízo, o indivíduo preso precisa de uma nova decisão fundamentada quanto à sua prisão, proferida por esse novo juízo. 5.6. Recurso adequado O recurso adequado contra a desclassificação é o RESE Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: (...) II - que concluir pela incompetência do juízo; Interesse recursal para interpor o RESE contra a desclassificação: MP e querelante. Defensor e acusado (a desclassificação pode ser para um crime mais grave). Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 20 O assistente da acusação tem interesse recursal? 1ª corrente (legalista): não. O CPP indica que o assistente só pode recorrer contra a impronúncia, a extinção da punibilidade e a sentença absolutória. Ademais, o interesse patrimonial do assistente continuaria presente, já que o acusado continuará sendo julgado perante outro juízo. 2ª corrente (RB): sim. O assistente da acusação não tem apenas interesse patrimonial, mas também na justa aplicação da lei. Portanto, caso entenda tratar-se de crime doloso contra a vida, o assistente poderá recorrer. 5.7. Conflito de competência suscitado pelo juízo singular competente Questão: proferida a decisão de desclassificação pelo juiz sumariante, e confirmada pelo juízo ad quem, em razão da interposição de RESE, os autos serão remetidos a outro juízo. Esse novo juízo poderá suscitar um conflito de competência, entendendo tratar-se de crime doloso contra a vida? 1ª corrente (adotar em bancas tradicionais): não é cabível o conflito de competência, pois já teria sido operada a preclusão pro judicato, pois não houve recurso das partes ou a decisão foi confirmada pelo Tribunal, não cabendo ressuscitar a discussão sobre a matéria, sob pena de retrocesso do procedimento. 2ª corrente (RB): a existência ou não de crime doloso contra a vida segue o regime da competência absoluta (improrrogável), pois a competência do tribunal do júri é em razão da matéria (ratione materiae). Portanto, o tema não estaria sujeita à preclusão. Ademais, os conflitos de competência são julgados por uma Câmara especial do TJ, que é superior à Câmara que julgou o RESE que confirmou a desclassificação. Obs.: Se a desclassificação acarretar a remessa dos autos para outra Justiça, será cabível o conflito de competência. 6. Absolvição sumária A absolvição sumária está prevista tanto para o procedimento comum (art. 397) como também para o tribunal do júri (art. 415). Vide caderno: procedimento comum. 6.1. Causas de absolvição sumária Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 21 acusado, quando: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) I – provada a inexistência do fato; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) III – o fato não constituir infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) No âmbito do júri é cabível a absolvição sumária imprópria, quando a inimputabilidade for a única tese defensiva. Ou seja, o juiz absolve sumariamente, mas aplica medida de segurançaao inimputável (CP, art. 26, “caput”). Caso exista outra tese defensiva, primeiro é necessário verificar se ela não se subsume a nenhuma das demais hipóteses de absolvição sumária. Caso positivo, tratar-se-á de absolvição sumária própria, não sendo o réu submetido à medida de segurança. Caso contrário, ou seja, não estando o juiz convencido sobre a outra tese defensiva, o réu não poderá ser absolvido sumariamente com fundamento no parágrafo único do artigo 415. Nesse último caso, a solução seria a pronúncia, já que no júri ele poderá convencer os jurados quanto à outra tese defensiva (situação mais vantajosa). E, caso logre êxito, o réu será absolvido. De acordo com o STJ, se houver outra tese defensiva que seja sustentada de maneira genérica, seria cabível a aplicação do parágrafo único do artigo 415 (RHC n. 39.920). 6.2. Infração conexa Deve aguardar o julgamento de eventual apelação interposta contra a absolvição sumária (mesmo raciocínio já visto). 6.3. Coisa julgada A coisa julgada em torno da absolvição sumária é formal e material, tratando-se de sentença absolutória proferida ao final da primeira fase do procedimento escalonado. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 22 6.4. Recurso adequado Antes da Lei n. 11.689/08: RESE. Depois da Lei n. 11.689/08 (09/08/08): APELAÇÃO. Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) 6.4.1. Interesse recursal MP e querelante. Assistente da acusação. O acusado e o defensor? Sim, tendo em conta que em algumas situações o fundamento da sentença absolutória poderá ser mais ou menos benéfico ao acusado. Ou seja, dependendo do fundamento absolutório, a absolvição sumária poderá, ou não, fazer coisa julgada no cível. Exemplo: O reconhecimento da atipicidade não faz coisa julgada no âmbito cível. O reconhecimento categórico da inexistência do fato faz coisa julgada no âmbito cível. 6.4.2. Recurso de ofício Recurso de ofício refere-se à hipótese de reexame necessário (duplo grau obrigatório). Para muitos doutrinadores, o recurso de ofício sequer poderia ser tratado como recurso, já que a ele falta o pressuposto da voluntariedade. Uma das hipóteses de reexame necessário é a do inciso II do artigo 574 do CPP: Art. 574. Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz: I - da sentença que conceder habeas corpus; II - da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime [causa excludente da ilicitude] ou isente o réu de pena [causa excludente da culpabilidade], nos termos do art. 411 [era o que tratava da absolvição sumária: atualmente 415]. O inciso II desse artigo não continua válido. O atual artigo 415 não faz nenhuma referência ao recurso de ofício, como o fazia o antigo artigo 411 em sua redação original. Portanto, segundo a doutrina (LFG e RB), o inciso II do artigo 574 foi tacitamente revogado pela reforma de 2008. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 23 7. Pronúncia A pronúncia é o juízo de admissibilidade quanto à imputação de um crime doloso contra a vida. Em outras palavras, o juiz, ao pronunciar o acusado, está admitindo que ele seja levado a julgamento perante o tribunal do júri. O juízo de admissibilidade é relevante para que um possível inocente não seja levado para o júri. O indivíduo deve ser pronunciado pelo juiz quando este estiver convencido quanto à existência do delito e a presença de indícios de autoria ou de participação. Em regra, a decisão de pronúncia é proferida pelo juiz sumariamente após as alegações orais. No entanto, ela também pode ser proferida no julgamento de eventual recurso (ex.: juízo ad quem no julgamento de recursos interpostos contra impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária). Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) 7.1. Pressupostos Convencido quanto à materialidade do fato; e Presença de indícios de autoria ou de participação. 7.2. Regra probatória O juiz não pode proferir o non liquet, abstendo-se de decidir por não saber como fazê- lo, devendo nesse caso aplicar a regra probatória. Regra probatória a ser aplicada por ocasião da pronúncia: 1ª corrente (majoritária, bt): in dubio pro societate. Na dúvida o réu deve ser pronunciado. 2ª corrente: in dubio pro reo. A primeira corrente, apesar de majoritária, vem perdendo espaço para a segunda corrente. Um dos fundamentos é a própria redação do artigo 413: Quanto à materialidade, o legislador utilizou o termo “convencido”, indicando um juízo de certeza. Quanto à autoria, o legislador utilizou o termo “indícios”, que nesse contexto significa prova semiplena. Essa prova tem menor valor persuasivo, não autorizando um juízo de certeza, mas autoriza um juízo de probabilidade. Portanto, conforme a segunda corrente, a dúvida não autoriza a pronúncia, pois o CPP Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 24 exige certeza quanto à existência do delito e probabilidade de autoria. 7.3. Natureza jurídica A pronúncia é uma decisão: Interlocutória: não há apreciação do mérito. Mista: põe fim a uma fase procedimental. Não terminativa: não encerra o processo. Como a decisão de pronúncia não é sentença, mas decisão interlocutória, operar-se- á a preclusão de decisão de pronúncia. Não há se falar em trânsito em julgado. 7.4. Fundamentação A pronúncia deve ser fundamentada (CF, art. 93, IX e CPP, art. 413), sob pena de nulidade absoluta. A fundamentação deve ser feita sem excessos. Inclusive, o próprio CPP traz uma espécie de fundamentação vinculada da pronúncia: Art. 413 (...) § 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Qual é a consequência da “eloquência acusatória” (excesso de fundamentação por ocasião da pronúncia)? Pela reforma processual de 2008 é a de que a pronúncia não pode ser lida como argumento de autoridade com o intuito de convencer os jurados. Assim, poder-se-ia concluir que já não há mais porque se anular o processo em razão da eloquência acusatória, já que ela não teria o condão de prejudicar o animus judicandi dos jurados. No entanto, essa conclusão está equivocada. De fato, a pronúncia não pode ser lida como argumento de autoridade, mas ela continua a ser entregue aos jurados, imediatamente após prestarem o compromisso (p.u. art. 472), portanto, a eloquência acusatória continua tendo o condão de influenciar o animus judicandi, consubstanciando causa de nulidade, e não de mera irregularidade. A eloquência acusatória é causa de nulidade relativa (comprovação do prejuízo) ou nulidade absoluta (o prejuízo é presumido)? Há doutrinadores que entendem que a nulidade em questão seria relativa. No entanto, os jurados não fundamentam seu voto, portanto, impossível de comprovar o prejuízo, o ideal é concluir que a nulidade seria absoluta, em razão da prova diabólica. STJ (decisões antigas) que, ao invés de declarar esta nulidade absoluta, Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 25 determinou o envelopamento de pronúncias (REsp n. 982.033). No entanto, o próprio Código prescreve que os jurados recebem a cópia da pronúncia. Posteriormente, o próprio STJ deixou de determinar o envelopamento, passando a reconhecer a nulidadeabsoluta do excesso de eloquência (AgRg no REsp n. 1.442.002). Por fim, há julgados mais recentes do STJ que determinam a rasura de trechos ínfimos da pronúncia, impedindo a leitura por parte dos jurados. A eloquência acusatória na sentença condenatória não é causa de nulidade de absoluta (STJ – REsp n. 1.315.619). 7.5. Conteúdo da pronúncia Art. 413 (...) § 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Conteúdo da pronúncia: Tipo penal (e o tipo penal por extensão, caso seja o caso – exemplos: CP, arts. 14, II, 13, § 2º e 292). Qualificadoras. Causas de aumento de pena. Elementos que não devem constar da pronúncia: Causas de diminuição de pena. Atenuantes e agravantes. Concurso de crimes. 7.6. Infrações conexas Exemplo: denúncia de homicídio e furto. Caos o juiz sumariante decida pela pronúncia quanto ao homicídio, o furto também será levado a júri (força atrativa). 7.7. Constatação do envolvimento de outras pessoas Ao proferir a decisão de pronúncia (ou impronúncia) o juiz poderá constatar o envolvimento de outras pessoas, que não estavam incluídas na peça acusatória. Nessa hipótese, aplica-se o artigo 417: Art. 417. Se houver indícios de autoria ou de participação de outras 2 Concurso de agentes Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 26 pessoas não incluídas na acusação, o juiz, ao pronunciar ou impronunciar o acusado, determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, por 15 (quinze) dias, aplicável, no que couber, o art. 80 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) O órgão ministerial poderá aditar a peça acusatória originária (aditamento provocado) ou oferecer nova denúncia, com base no art. 80 (conexão / continência): Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não Ihes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação. Ao oferecer o aditamento, os novos acusados passarão a integrar o processo originário. No entanto, há situações em que é mais vantajoso oferecer uma nova denúncia, instaurando-se um novo processo. Exemplo: quatro acusados por homicídio, todos presos. Ao pronunciar, o juiz constata que uma determinada pessoa teria fornecido as armas para a execução do homicídio (partícipe). Nessa hipótese, caso o MP opte pelo aditamento, haverá um retrocesso na marcha procedimental, repetindo-se a instrução. Consequentemente, isso poderia acarretar um excesso de prazo na formação da culpa, dando ensejo à soltura dos quatro acusados presos. Portanto, o melhor caminho seria o oferecimento de uma nova denúncia contra o partícipe. 7.8. Efeitos da pronúncia 7.8.1. Submissão do acusado a julgamento perante o tribunal do júri A pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de um crime doloso contra a vida. Ao operar-se a preclusão dessa decisão, o indivíduo será levado a julgamento perante o tribunal do júri. 7.8.2. Limitação da acusação em plenário (correlação entre pronúncia e quesitação) A pronúncia delimita o que vai ser abordado pela acusação no plenário do júri. Exemplo: pronúncia (CP, art. 121, § 1º, I), operando-se a preclusão, portanto, quando o indivíduo for levado ao plenário do júri, a acusação também deverá ser pelo CP, art. 121, § 1º, I. Nucci denomina o fenômeno de “princípio da correlação entre pronúncia e quesitação”, Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 27 isto é, caso conste da pronúncia, obrigatoriamente será quesitado aos jurados. No entanto, a quesitação tem outras fontes como, além da decisão de pronúncia, o interrogatório do acusado e as alegações das partes. Art. 482 (...) Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) 7.8.3. Preclusão das nulidades relativas não arguidas até a pronúncia A nulidade relativa deve ser arguida no momento oportuno, sob pena de preclusão. Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...] III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: [...] a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; Assim, quando a nulidade for posterior à pronúncia, o recurso cabível será a apelação. Interpretado a contrario sensu o dispositivo, caso a nulidade relativa seja anterior à pronúncia, deverá ser arguida até o exato momento da pronúncia, sob pena de preclusão. 7.8.4. Interrupção da prescrição A pronúncia é uma das causas que interrompem (volta a fluir do início) a prescrição (CP, art. 117, II). Súmula 191 do STJ: “A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o tribunal do júri venha a desclassificar o crime”. 7.8.5. Preclusão da decisão de pronúncia e sua imodificabilidade Em regra, um dos efeitos da preclusão da decisão de pronúncia é a imodificabilidade. Excepcionalmente, ela poderá ser modificada em razão de circunstância superveniente, que altere a classificação do delito. Art. 421. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) § 1º Ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público. (Incluído pela Lei nº Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 28 11.689, de 2008) Exemplo: preclusão da decisão de pronúncia por homicídio tentado (CP, art. 121, “caput” c.c. art. 14, II) e posterior morte da vítima. O óbito é posterior à preclusão da pronúncia, sendo ele capaz de alterar a classificação do delito, pois até então havia um homicídio tentado. Por conseguinte, os autos serão remetidos ao MP, que procederá ao aditamento (provocado), observando-se o procedimento da mutatio libelli (art. 384). Caso a morte ocorra no dia do julgamento, ainda é possível solucionar o problema, requerendo ao juiz a dissolução do conselho. No entanto, caso o indivíduo já tenha sido julgado, inclusive com o trânsito em julgado, não há nada a ser feito (proibição do ne bis idem processual). 7.9. Decretação da prisão preventiva ou imposição de medidas cautelares diversas da prisão Antes de 2008, a prisão era uma consequência automática da pronúncia, desde que o acusado fosse reincidente ou tivesse maus antecedentes. Muitos doutrinadores a consideravam como uma espécie autônoma de prisão cautelar, denominada de prisão decorrente de pronúncia. Assim, o CPP trabalhava com uma presunção de fuga do reincidente ou do acusado com maus antecedentes. Essa prisão era muito criticada pela doutrina, pois nenhuma prisão cautelar poderia ser imposta como efeito automático de uma decisão, sob pena de violação à regra de tratamento que deriva do princípio da presunção de inocência. Com o advento da Lei n. 11.689/08, a prisão decorrente de pronúncia passou a ser a preventiva, sem prejuízo das cautelares diversas da prisão, não sendo mais um efeito automático da pronúncia. A fundamentação quanto à prisão preventiva ou às cautelares diversas da prisão será necessária tanto na hipótese de manutençãocomo na de decretação. Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) [...] § 3º O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 29 Situações: Acusado preso durante a primeira fase: por ocasião da pronúncia, em regra, deverá permanecer preso, salvo se desaparecer a hipótese que justificava sua preventiva. Acusado solto durante a primeira fase: por ocasião da pronúncia, em regra, deverá permanecer solto, salvo se surgir alguma hipótese que justifique a preventiva. Deliberando pela manutenção da prisão, imprescindível a fundamentação. Ademais, os motivos que justificam a manutenção da prisão podem ser os mesmos motivos que justificaram sua prisão pretérita. É o mesmo raciocínio para as medidas cautelares diversas da prisão. 7.10. Intimação do acusado acerca da pronúncia Em regra, a intimação do acusado é pessoal, expedindo-se um mandado a ser cumprido por oficial de justiça. Exceção: acusado não seja encontrado: Antes do ano de 2008 somente era cabível a intimação por edital caso o crime fosse afiançável: CPP, art. 413 (antiga redação): O processo não prosseguirá até que o réu seja intimado da sentença de pronúncia. Parágrafo único. Se houver mais de um réu, somente em relação ao que for intimado prosseguirá o feito. CPP, art. 414 (antiga redação): A intimação da sentença de pronúncia, se o crime for inafiançável, será sempre feita ao réu pessoalmente. CPP, art. 451 (antiga redação): Não comparecendo o réu ou o acusador particular, com justa causa, o julgamento será adiado para a seguinte sessão periódica, se não puder realizar-se na que estiver em curso. § 1º: Se se tratar de crime afiançável, e o não-comparecimento do réu ocorrer sem motivo legítimo, far-se-á o julgamento à sua revelia. Como não era cabível a intimação por edital para o crime inafiançável ocorria o que a doutrina denominou de crise de instância, que consiste em hipóteses em que a marcha procedimental fica paralisada. No entanto, a prescrição continuaria fluindo normalmente. Essa situação ocorria porque o Código de Processo Penal não permitia o julgamento à revelia do acusado quando o crime fosse inafiançável. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 30 Depois do ano de 2008 o Código passou a admitir a intimação por edital, independente da natureza do delito (afiançável ou inafiancável): Art. 420. A intimação da decisão de pronúncia será feita: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) I – pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) II – ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público, na forma do disposto no § 1o do art. 370 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Parágrafo único. Será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) Interpretando-o “a contrario sensu”, caso o acusado esteja preso, ainda que em outra unidade da Federação, deverá ele ser intimado pessoalmente, já que ele está à disposição do Estado. A lei não menciona o prazo de dilação. A doutrina aplica analogicamente o prazo de 15 dias do art. 361. 7.10.1. Direito intertemporal De acordo com a doutrina (Gustavo Badaró) e a jurisprudência, o parágrafo único do artigo 420 terá aplicação imediata aos processos que estavam paralisados, salvo em relação aos crimes cometidos antes da Lei n. 9.271/96, que alterou a redação do art. 366. Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996) Caso o crime tenha sido cometido antes da Lei n. 9.271/96, a ele não foi aplicável o artigo 366. STJ: “(...) A lei nova aplica-se imediatamente na instrução criminal em curso, em decorrência do princípio estampado no brocardo jurídico tempus regit actum, respeitando-se, contudo, a eficácia jurídica dos atos processuais já constituídos. A nova redação conferida aos arts. 420, parágrafo único, e 457, ambos do CPP não pode ser aplicada aos processos submetidos ao rito escalonado do Júri, em que houve a citação por edital e o réu não compareceu em juízo ou constituiu Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 31 advogado para defendê-lo, os fatos apurados ocorreram antes da Lei n.º 9.271/96 e ocorreu a paralisação do feito, decorrente da regra anterior inscrita no art. 414 do CPP. Os princípios constitucionais do devido processo legal - em seus consectários do contraditório e da ampla defesa - impossibilitam que um acusado seja condenado pelo Conselho de Sentença sem nunca ter tomado conhecimento da acusação. Hipótese dos autos em que a conduta delituosa imputada ao paciente ocorreu em 06.01.1992. Não tendo ele sido citado pessoalmente da acusação, por consequência também não poderia ser intimado da pronúncia por edital. Ordem concedida”. (STJ, 5ª Turma, HC 172.382/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 15/06/2011). 8. Desaforamento É uma causa de mudança da competência territorial. Conceito: Consiste no deslocamento da competência territorial de uma comarca para outra, a fim de que nesta seja realizado o julgamento pelo Tribunal do Júri. Aplica-se exclusivamente ao julgamento em plenário do júri, portanto, não se aplica à primeira fase. No caso do sumário da culpa (1ª fase do júri), havendo dúvidas quanto à (im)parcialidade do magistrado, a parte prejudicada deve se valer das exceções de suspeição, impedimento ou incompatibilidade. De acordo com o CPP, o desaforamento existe apenas no âmbito do júri, especificamente quanto ao plenário. Já o CPPM, autoriza o desaforamento em qualquer delito ou procedimento. - Previsão legal: Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) § 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) § 2º Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 32 determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) § 3º Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) 8.1. Competência para julgamento do pedido de desaforamento O desaforamento não é uma medida correcional, não sendo da competência da corregedoria ou do CNJ, mas medida de natureza jurisdicional, a semelhança da decisão de um recurso. O pedido será apreciado por uma Câmara ou Turma do Tribunal (TJ ou TRF). 8.2. Princípio do juiz natural De acordo com a doutrina, não há falar em violação.Fundamentos: As causas de mudança de competência já estão preestabelecidas (segurança jurídica). O acusado continuará sendo julgado pelo tribunal do júri (não há a criação de um juízo de exceção). 8.3. Desaforamento x incidente de deslocamento de competência (IDC) Desaforamento Incidente de deslocamento de competência Mudança de competência territorial. Mudança de competência de justiça. TJ ou TRF STJ Pressupostos a serem estudados Pressupostos diversos (crime cometido com grave violação aos direitos humanos e risco de descumprimento de tratados internacionais sobre direitos humanos firmados pelo Brasil evidenciado pela desídia do Estado-membro em proceder à persecução penal). 8.4. Desaforamento no processo penal militar No processo penal militar, o desaforamento poderá ser determinado independentemente do delito ou do procedimento em questão Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 33 8.5. Legitimados para o requerimento (art. 427) MP e Querelante. Assistente de Acusação (introduzido em 2008). Acusado. Juiz-Presidente do Tribunal do Júri: quando não fizer o pedido, deve ser ouvido pelo Tribunal. Considerações: Uma das causas do desaforamento é o excesso de serviço, consistente no decurso do prazo de seis meses da preclusão da pronúncia (art. 428, caput). Essa é a única hipótese que não pode ser objeto de representação pelo Juiz-Presidente. Como o desaforamento é uma medida jurisdicional, é obrigatória a oitiva da parte contrária. Súmula 712 STF: “É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa”. 8.6. Momento para o desaforamento Em regra, o desaforamento somente pode ser cogitado após a preclusão da decisão de pronúncia (certeza de julgamento pelo plenário do júri) e até o julgamento. Excepcionalmente, o desaforamento poderá ser determinado após o julgamento já ter sido realizado, desde que preenchidas duas condições: i) julgamento anulado; e ii) fato ocorrido durante ou após o julgamento anulado. Art. 427 (...) § 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado. 8.7. Hipóteses que autorizam o desaforamento Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 34 Hipóteses: Interesse da ordem pública. Dúvida sobre a imparcialidade do júri. Segurança pessoal do acusado. Excesso de serviço (art. 428, caput). Em relação ao interesse da ordem pública, a ideia é a de que o julgamento, em tese, deva ser realizado com tranquilidade e paz, que não podem ser comprometidas, principalmente em casos de convulsão social ou risco à incolumidade dos jurados. Jurisprudência: STJ (HC n. 85.707): “É certo que o desaforamento é medida excepcional; todavia, na hipótese, restou comprovado nos autos o temor da realização do julgamento dos pacientes na Comarca de Tucano/BA, pois seriam integrantes de quadrilha responsável por inúmeros assassinatos e outros crimes na região, e um ônibus cheio de pistoleiros, chegou à cidade para assistir o julgamento, ameaçando invadir a Sessão plenária e resgatar os réus em caso de condenação, com ameaça a segurança de todos os presentes.” Em relação ao excesso de serviço: Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) § 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) § 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) O § 2º do art. 428 é denominado, por alguns, de “aceleração de julgamento“. O acusado não é o único legitimado para requerer a aceleração de julgamento, pois a todos pertence o direito à razoável duração do processo. Portanto, também seriam legitimados o MP, o querelante e o assistente da acusação. Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 35 8.8. Crimes conexos e coautores Também serão atingidos pelo desaforamento. 8.9. Comarca (ou subseção judiciária) para a qual o processo será desaforado O processo será desaforado para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas (art. 427, caput). Desaforamento para outro Estado da Federação: não é cabível na Justiça Estadual. No entanto, é cabível na justiça Federal, desde que dentro da competência do TRF. 8.10. Efeito suspensivo Competência monocrática do relator: Art. 427 (...) § 2º Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) 8.11. Recursos Não há previsão legal de recurso adequado. No entanto, caso visualizado o risco à liberdade de locomoção, é possível a impetração de habeas corpus. Ademais, caso preenchidos seus pressupostos constitucionais, também é possível a interposição dos recursos extraordinários (especial e extraordinário). A decisão que denega o desaforamento é baseada na cláusula rebus sic Processo Penal – Renato Brasileiro Tribunal do Júri – Caderno 14 36 standibus. Portanto, havendo mudança dos pressupostos um novo pedido poderá ser formulado. CPPM, art. 110: “O pedido de desaforamento, embora denegado, poderá ser renovado se o justificar motivo superveniente”. 8.12. Reaforamento O reaforamento consiste no retorno do processo desaforado para a comarca de origem, quando desaparecerem os motivos que deram ensejo a esse deslocamento. Apesar de não ser cabível o reaforamento, nada impede novo desaforamento, desde que presentes os pressupostos. 9. Preparação do processo para julgamento em plenário Marca o início da segunda fase. Antes do ano de 2008, a segunda fase do júri tinha início por meio do libelo acusatório (que seria utilizada como espelho dos quesitos). Após o ano 2008, a segunda fase inicia-se com a preparação do processo para julgamento em plenário, operada a preclusão da pronúncia. Previsões legais: Art. 421. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) Seção III Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) A preparação se inicia com a intimação das partes, com
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