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RESENHA FERREIRA, Ana Clara Barbosa CARR, Edward Hallet. Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Tradução: Luiz Alberto Figueiredo Machado. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. p. 1-123. Edward Hallet Carr nasceu no ano de 1892 na cidade de Londres, tendo se formado pela Universidade de Cambridge. Durante a Primeira Guerra Mundial, Carr iniciou sua carreira na diplomacia, mas a deixou em 1936 para voltar à academia, onde pôde publicar sua mais famosa obra “Vinte Anos de Crise:1919-1939” (p. xvi). A escrita dessa obra se dá no contexto entre as duas Guerras Mundiais, cenário esse que nomeia o livro de Carr. Ao longo do primeiro capítulo, observa-se como principal questão se existe a necessidade da criação de uma nova área que tivesse como objeto de estudo a política internacional. É possível perceber que o autor se posiciona a favor da criação desse novo campo e, para defender seu ponto de vista, alega que há tempos o interesse pelo internacional teria se restringido àqueles profissionais que tinham envolvimento direto com a área, como soldados e diplomatas (p. 3). Desse modo, seria necessário o desenvolvimento de estudos acerca das relações de poder estabelecidas entre os Estados e as consequências dessas relações. Assim, essa nova ciência surge com o objetivo de lidar com os problemas enfrentados pela sociedade internacional, que emergiram como preocupação em virtude da Primeira Guerra Mundial (p. 4-5). Para o autor, esse campo de estudos se encontra em um estágio inicial, caracterizado pela idealização do alcance do objetivo, de maneira que a análise dos fatos se encontre em segundo plano. É com essa consideração que Carr introduz uma das duas correntes de pensamento apresentadas ao longo da obra, a corrente utópica. Essa caracteriza a etapa nascente da ciência, onde são idealizados grandes projetos para a consecução daquilo que se visa. E é exatamente com o objetivo de pôr fim à idealização que o autor apresenta a corrente realista, tipicamente pragmática. Ainda que a apresentação dessas diferentes concepções se dê no primeiro capítulo do livro, é nos demais que suas características são exploradas e suas fraquezas analisadas (p. 8-13). O terceiro capítulo se ocupa da discussão do surgimento, desenvolvimento e aplicação das ideias idealistas no contexto internacional. O autor então explica que, na busca de um padrão ético absoluto, os utópicos usaram de uma “lei da natureza” cuja fonte era a racionalidade de cada indivíduo (p. 33). Ainda assim, é só no século dezenove que um pensador inglês chamado Jeremy Bentham dá ao inicial pensamento idealista a sua forma característica. Analisando o pressuposto de que os homens tendem a rejeitar a dor e buscar o prazer, Bentham define o bem como “a maior felicidade para o maior número” e faz desse o conteúdo da lei natural (p. 34). A partir daí, é possível caracterizar essa escola do pensamento político fundamentalmente por seu caráter racionalista e utilitarista, além de defender a infalibilidade da opinião popular em tomar as decisões corretas (p. 35). Carr sinaliza que, ainda que esse pensamento tenha sofrido uma perda de adeptos no final do século dezenove, com o início da Primeira Grande Guerra, os indivíduos voltaram à busca do idealismo. Esse processo foi fortemente influenciado pelo então presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, que transporta o racionalismo dessa teoria para o espaço internacional, o que o autor britânico nomeia como Benthamismo Transplantado. Isso é entendido como a utilização da teoria utilitarista de Bentham para a análise de outros aspectos, nesse caso, o internacional (p. 38-39) Esse transplante das ideias do pensador inglês é também observado em obras como “A Grande Ilusão” de Norman Angell, onde o autor defende com argumentos utópicos a inviabilidade econômica da guerra (p. 37). O autor, entretanto, apresenta as limitações dessa corrente de pensamento na prática das relações internacionais, utilizando o exemplo da opinião pública. Personalidades políticas da época, como o presidente americano Woodrow Wilson, defenderam que a opinião pública seria a voz da razão e que não ouvir a ela implicaria em mais conflitos (p. 46). Contudo, Carr afirma que a opinião pública se transformou “numa multidão desordenada emitindo ruídos incoerentes e nocivos” (p.52), de maneira a demonstrar ineficácia nos assuntos internacionais. O capítulo quarto, se ocupa da apresentação do impacto da ideia utópica-liberal de harmonia de interesses no cenário das relações entre os países. Carr apresenta essa ideia como a explicação para a subordinação dos indivíduos às regras, de modo que cada um obedeça às normas pois há coincidência entre os interesses próprios de cada um e os interesses da comunidade. Sendo assim, ao buscar alcançar seus objetivos, o indivíduo contribuiria para alcançar a maior felicidade para o maior número (p. 59). Essa ideia é chamada de harmonia de interesses e foi largamente difundida pela escola econômica do laissez-faire, o liberalismo de Adam Smith, que defendia a não intervenção estatal. Porém, o autor argumenta que esses ideais somente beneficiariam países economicamente fortes, de modo que os de economia frágil se fortaleceriam por meio de intervenções protecionistas do Estado. Desse modo, é inevitável que haja um choque entre os interesses de cada país, provando a inaplicabilidade da harmonia de interesses no âmbito internacional (p. 80). O quinto capítulo se ocupa da caracterização do pensamento realista e qual a crítica que esse faz ao idealismo. A partir da análise de trechos do livro “O Príncipe” de Maquiavel, são levantadas três das características do realismo: a história vista como uma sequência de causa e efeito passível de análise pelo esforço intelectual, a teoria como produto da prática e a ética como instrumento da política (p. 85-87). Carr aponta como grande contribuição realista a revelação do “caráter relativo e pragmático do próprio pensamento” (p. 90), possibilitando a comprovação de que os padrões éticos idealistas são “historicamente condicionados, sendo tanto frutos dos interesses e circunstâncias, como armas forjadas para a defesa de interesses” (p. 91). Ao longo do sexto e último capítulo tratado aqui, o escritor britânico se ocupa da exposição das limitações do pensamento realista. Argumenta que o mesmo, ainda que apresente papel de extrema significância no combate à análise simplesmente utópica da política internacional, apresenta sérias limitações que o impedem de dirigir a análise das relações internacionais por si só. Isso ocorre pois o realismo “deixa de oferecer qualquer campo para a ação voltada para objetivos e significados” (p. 121). Isto posto, conclui-se que na defesa da formação de uma área própria que se tornariam as Relações Internacionais, o autor acredita que devam conter elementos tanto utópicos como da realidade numa análise desse novo campo que nasce. O foco no objetivo tipicamente idealista e a análise do objeto realista, para ele, devem se complementar (p. 122-123) e, ainda que reflita sobre o que seriam teorias consolidadas da área de Relações Internacionais, Edward H. Carr não propõe nenhuma teoria ou um método de como se deve dar a análise.
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