Buscar

Lucas Belloc Marins - versão final

Prévia do material em texto

www.abdpc.org.br 
 
A SISTEMÁTICA DA TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL E A 
GRADUAL INTRODUÇÃO DE PRINCÍPIOS DA COMMON LAW NO 
DIREITO BRASILEIRO 
 
 
 
 Lucas Belloc Marins 
Pós-graduado em Direito Processual Civil pela ABDPC - 
Academia Brasileira de Direito Processual Civil 
Advogado. 
 
RESUMO 
 
O presente estudo propõe uma análise acerca do funcionamento da teoria do 
precedente judicial utilizada nos países da common law, a fim de traçar um paralelo 
com a natureza de algumas mudanças havidas do Direito brasileiro nos últimos 
anos, que sugerem a flexibilização de alguns dos princípios do nosso sistema, 
sabidamente legalista, e uma aproximação com alguns dos princípios da common 
law. Para tanto, discorre-se inicialmente acerca do funcionamento deste sistema de 
precedente judicial, de seus conceitos e de suas aplicações. Em seguida, tecem-se 
considerações relativamente aos demais aspectos a serem considerados para a 
clara compreensão deste sistema e às premissas que o servem de base. Por fim, 
analisa-se mais detidamente a possível influência da teoria do precedente judicial 
utilizada nos países da common law nas reformas operadas no Direito brasileiro nos 
últimos anos, propondo-se uma reflexão acerca do modelo de justiça adotado no 
Brasil. 
 
 
Palavras-Chave: Precedente Judicial; Common Law; Princípios; Civil Law; Decisão 
Judicial; Justiça; Legislação. 
 
 
 
 
 
www.abdpc.org.br 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Como é sabido, o Direito brasileiro é norteado pelos princípios 
da civil law, um sistema caracterizado como legalista, isto é, que tem como fonte 
primária do Direito a legislação. Entretanto, ao longo dos últimos anos tem-se 
notado, com algum destaque, certa relativização desta rigidez de princípios, que, 
sob certo aspecto, tornava o magistrado, grosso modo, um mero aplicador da lei, ou, 
como definiu Montesquieu, la bouche de la loi (a boca da lei). Nesta senda que, ao 
longo dos últimos anos, tem sido possível se notar que as decisões emanadas do 
Poder Judiciário vêm sendo valoradas também como fonte criativa do direito, o que 
sugere, de fato, uma mudança de perspectiva, que nos conduz a uma aproximação 
com alguns dos princípios do sistema da common law. 
 
Vale dizer que esta mudança se fez notar não apenas na 
cultura dos operadores do sistema, que notadamente têm outorgado à jurisprudência 
maior importância na construção de teses jurídicas, por exemplo, mas podemos 
destacar também outros elementos concretos a abalizar esta percepção. A 
regulamentação do sistema de súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal é, 
sem dúvida, um destes elementos. Por outro lado, a adoção, pelo legislador 
brasileiro, dos chamados conceitos vagos nos textos de lei é outro importante 
indicativo neste sentido, na medida em que este mecanismo abre ao magistrado 
maiores possibilidades de criação, verdadeiramente, de uma solução para o caso 
concreto, a partir de uma premissa, e tão somente uma premissa, estabelecida pela 
legislação. 
 
Estas mudanças, que evidenciam a valorização da decisão 
judicial como fonte criativa do Direito, já vem sendo estudadas pela doutrina e foram 
definidas como uma verdadeira “commonlawlização” do Direito brasileiro. 
 
Destarte, a fim de bem contextualizar o tema, se buscará 
analisar inicialmente, no âmbito do presente estudo, a maneira pela qual se dá o 
funcionamento do sistema de precedente judicial utilizado nos países da common 
law, bem como as premissas e valores que dão sustentação a este modelo de 
 
www.abdpc.org.br 
 
justiça, para posteriormente se identificar, propriamente, de que maneira se dá a 
influência dos princípios da common law, em especial da teoria do precedente 
judicial, no Direito brasileiro. 
 
 
1. DA SISTEMÁTICA DE PRECEDENTE JUDICIAL UTILIZADA NOS PAÍSES DA 
COMMON LAW 
 
Para bem se tratar do tema relacionado ao sistema de 
precedente judicial, há que se fazer, inicialmente, uma breve consideração. É que, 
na realidade, o precedente judicial, por si só, está presente em todos os sistemas 
jurídicos reconhecidos, de modo que a questão de fundo a ser analisada, que se 
constitui na grande distinção do sistema de precedente judicial utilizado nos países 
da common law, é a importância atribuída ao precedente judicial, as hipóteses em 
que lhe é atribuído caráter vinculativo e as hipóteses em que o caso julgado constitui 
meramente um elemento de persuasão, que atue tão somente de maneira subjetiva 
no convencimento do magistrado. 
 
Deste modo, tendo em vista que o objetivo deste estudo é 
justamente suscitar uma reflexão acerca de uma possível influência dos princípios 
da common law, em especial do sistema de precedente judicial, no Direito brasileiro, 
é importante que enfrentemos, preliminarmente, algumas definições e conceituações 
deste sistema, para o bem de, posteriormente, identificarem-se suas aplicações no 
cenário jurídico nacional. 
 
Pois, nas precisas palavras dos juristas DIDIER JUNIOR, 
BRAGA e OLIVEIRA, “Precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso 
concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior 
de casos análogos.” 1 Nesta mesma linha, TUCCI afirma que “O precedente então 
nasce como uma regra de um caso e, em seguida, terá ou não o destino de tornar-
se a regra de uma série de casos análogos.” 2 
 
1 Fredie Didier Junior; Paula Sarno Braga; Rafael Oliveira. Curso de Direito Processual Civil. 2009, v. 
2. p. 381. 
2 José Rogério Cruz e Tucci. Precedente judicial como fonte do direito. 2004, p. 11-12. 
 
www.abdpc.org.br 
 
Desta maneira, a par dos conceitos doutrinários colacionados, 
é preciso que se pontue com clareza que, em se tratando do sistema da common 
law, o componente fundamental do precedente judicial é a sua eficácia vinculante, 
especialmente daqueles emanados de Corte Superior. Está-se diante da chamada 
teoria do stare decisis, bem definida nas perspicazes palavras de PORTO: 
 
A proposta é, pois, de que nos países onde se segue a tradição 
anglo-saxônica da common law, a decisão jurisdicional assuma 
a função não apenas de dirimir determinada controvérsia posta 
à apreciação do juízo, mas, além disto, também desempenhe a 
tarefa de estabelecer um precedente com força vinculante, de 
modo a assegurar que no futuro, em caso análogo, venha a ser 
decidido da mesma forma. 3 
 
Ainda sobre a teoria do stare decisis, TUCCI 4 afirma que a sua 
premissa básica é a imposição ao magistrado do caso posterior de que adote, no 
julgamento do caso sub judice, a mesma solução encontrada anteriormente para 
casos análogos. 
 
Sem dúvida, esta questão da força vinculante do precedente é 
o elemento que diferencia com mais clareza o papel da jurisprudência no sistema da 
common law, em comparação ao sistema da civil law. Enquanto neste último a 
solução do caso posto a julgamento passa pela aplicação da disposição legal 
incidente ao caso concreto, no sistema da common law a solução do caso em 
julgamento deverá ser encontrada, salvo exceções, no precedente judicial que julgou 
caso análogo em momento anterior. 
 
Exatamente neste sentido é a lição de PORTO, que, mais uma 
vez, porque absolutamente oportuna, traz-se à baila: 
 
Assim, nos países em que vige o sistema da common law, 
acima da legislação e acima de qualquer outra fonte do direito 
está o caso julgado pelas cortes e que, portanto, criam 
precedentes e, por decorrência, verdadeiramente, fazem 
nascer o direito com base na experiência. Nesse sentido, as 
decisões jurisdicionais, em tais países, como se vê, 
 
3 Sérgio Gilberto Porto. Sobre a Common Law, Civil Law e o precedente judicial. Disponível em 
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Porto-formatado.pdf>. 10/maio/2010. 
4
 José Rogério Cruz e Tucci. Op. Cit. p. 12. 
 
www.abdpc.org.brdesempenham um papel que transcende o caso posto ao crivo 
judicial.5 
 
Vale destacar, entretanto, que a questão da aplicação de 
determinado precedente a um caso posto a julgamento, no âmbito da teoria do stare 
decisis, deve ser precedida de uma cuidadosa análise acerca da similitude entre os 
casos, o chamado distinguishing. 
 
Aliás, para que se possa retratar com clareza a maneira pela 
qual se procede a este exame, é importante que se trabalhe sobre o conceito da 
composição do precedente judicial, que, de acordo com as lições de TUCCI, é 
dividido em duas partes distintas, quais sejam: “a) as circunstâncias de fato que 
embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação 
(ratio decidendi) do provimento decisório.” 6 
 
Como se verá, de suma importância que se faça essa 
distinção, na medida em que, como nos ensina o ilustre jurista SOUZA,7 não 
obstante se proclame que a teoria do precedente judicial adotada na common law 
importe na força vinculativa de decisão anteriormente prolatada, na realidade o que 
vincula os juízes dos processos posteriores é a ratio decidendi desta decisão. 
 
O indigitado autor traz à baila, ainda, trecho de decisão 
proferida pela Court of Appeal da Inglaterra, em 1988, no caso de Ashville 
Investments Ltd x Elmer Contractors Ltd, onde o julgador assevera a questão da 
vinculação da ratio decidendi, cuja transcrição permite-se, porque absolutamente 
oportuna: 
 
Em minha opinião, a doutrina do precedente apenas envolve 
isso: quando um caso foi decidido numa corte, é somente o 
princípio legal ou os princípios legais com base nos quais 
aquela corte decidiu que vinculam as cortes concorrentes ou de 
jurisdição inferior e requer dessas cortes que os sigam e 
adotem quando são relevantes para a decisão de casos 
posteriores perante tais cortes. A ratio decidendi de um caso 
 
5 Sérgio Gilberto Porto. Op. Cit. p. 7. Disponível em 
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Porto-formatado.pdf>. 10/maio/2010. 
6 José Rogério Cruz e Tucci. Op. Cit. p. 12. 
7 Marcelo Alves Dias de Souza. Do precedente judicial à sumula vinculante. 2007, p. 125. 
 
www.abdpc.org.br 
 
prévio, o motivo pelo qual ele foi decidido como foi, é, na minha 
opinião, somente para ser entendido neste sentido um tanto 
limitado. 8 - 9 
 
Em relação ao conceito, propriamente dito, da ratio decidendi, 
pode-se citar a definição dos juristas DIDIER JUNIOR, BRAGA e OLIVEIRA para 
quem a ratio decidendi consiste no “(...) conjunto de fundamentos jurídicos que 
sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a 
decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo 
julgador no caso concreto.” 10 
 
Demais disso, é importante enfatizar que a ratio decidendi de 
uma decisão “(...) não é pontuada ou individuada pelo órgão julgador que profere a 
decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior, ao examinarem-na como 
precedente, extrair a ‘norma legal’ (abstraindo-a do caso) que poderá ou não incidir 
na situação concreta.” 11 
 
Os demais elementos componentes da decisão que deu origem 
ao precedente, tais quais os que não possuem influência direta no provimento 
decisório, que são apenas argumentos de passagem, ou, conforme definição de 
TUCCI, antes citada, que retratam apenas as circunstâncias de fato que embasam a 
controvérsia, constituem o chamado obter dictum e não vinculam os casos 
posteriores. 
 
Feita esta breve conceituação, volta-se à questão da 
identificação da similitude entre os casos paradigma e paragonado, situação que 
deve ser enfrentada pelo magistrado para o fim de eleger o precedente que 
eventualmente solucione a controvérsia que lhe foi posta a julgamento. 
 
 
8 Texto original: “In my opinion the doctrine of precedent only involves this: that when a case has been 
decided in a court it is only the legal principle or principles on which that court has so decided that bind 
courts of concurrent or lower jurisdictions and require them to follow and adopt them when they are 
relevant to the decision in later cases before those courts. The ratio decidendi of a prior case, the 
reason why it was decided as it was, is in my view only to be understood in this somewhat limited 
sense.” 
9
 Marcelo Alves Dias de Souza.op. cit. p. 125. 
10 Fredie Didier Junior; Paula Sarno Braga; Rafael Oliveira.. Op. Cit. p. 381. 
11 José Rogério Cruz e Tucci. Op. Cit. p. 175. 
 
www.abdpc.org.br 
 
Como já se disse anteriormente, esta análise se constitui em 
etapa de extrema importância na metodologia do stare decisis. Trata-se, ademais, 
de atividade complexa, ao contrário do que possa parecer. Neste sentido, traz-se à 
baila mais uma vez as lições de TUCCI: 
 
A complexa atividade lógica de interpretação do precedente 
judicial vale-se, outrossim, do método de confronto, 
denominado distinguishing, pelo qual o juiz verifica se o caso 
em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao 
paradigma. 12 
 
Nesta mesma linha é a lição de PORTO, que destaca a intensa 
atividade exercida pelo magistrado até que se conclua, ao cabo, pela aplicação, ou 
não, de determinado precedente: 
 
Como se vê, pois, há uma intensa atividade de joeiramento 
desenvolvida pelo magistrado da common law americana, aos 
efeitos de assegurar que efetivamente existe identidade de 
casos e, por decorrência, salvo erro na origem, o posterior é 
merecedor de tratamento idêntico ao anterior. Assim, pode-se 
afirmar que dentre os requisitos para reconhecimento do 
precedente aparece com intensidade superlativa a atividade de 
identificação de demandas, pela via da análise do suporte 
fático e do direito. 13 
 
É preciso que se esclareça, também, de modo a não pairarem 
inseguranças, que a aplicação do precedente somente estará avalizada, por assim 
dizer, pelo sistema, a partir do momento em que se constatar a identidade entre o 
objeto das demandas. Neste sentido, traz-se, mais uma vez, as lições de PORTO: 
 
O que importa, adotando-se linguagem própria do sistema 
romano-germânico, especialmente na senda brasileira de tal 
família jurídica, é a identidade de suporte fático e pretensão. 
Havendo, pois, identidade de causas, há vínculo a ser seguido 
e respeitado, como garantia de isonomia de tratamento 
jurisdicional. 14 
 
 
12 José Rogério Cruz e Tucci. Op. Cit. p. 174. 
13 Sérgio Gilberto Porto. Op. Cit. p. 16. Disponível em 
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Porto-formatado.pdf>. 10/maio/2010. 
14 Idem. Ibidem. p. 10. 
 
www.abdpc.org.br 
 
Reforçando a necessidade de que se caracterize uma clara 
identidade entre as demandas para que haja a aplicação do precedente, SOUZA 
considera: 
 
Em linhas gerais, se os fatos fundamentais de um precedente, 
analisados no apropriado nível de generalidade, não coincidem 
com os fatos fundamentais do caso posterior em julgamento, 
os casos devem ser considerados, pelo tribunal ou juiz do caso 
posterior, como distintos. Consequentemente, o precedente 
não será seguido. 15 
 
 
Por fim, é importante destacar que o fato de haver um 
precedente condicionando, a princípio, o julgamento de um caso posto à apreciação 
do Judiciário, não significa que o juiz se transforme em um mero instrumento de 
justiça, isto é, a quem simplesmente incumbiria dizer aplicável determinado 
precedente, encerrando o caso, se assim fosse, de forma singela. Neste sentido a 
doutrina de DIDIER JUNIOR, BRAGA e OLIVEIRA: 
 
Percebe-se, com isso, certa maleabilidade na aplicação dos 
precedentes judiciais, cuja ratio decidendi (tese jurídica) 
poderá, ou não, ser aplicada a um caso posterior, a depender 
de traços peculiares que o aproximem ou afastem dos casos 
anteriores. Isso é um dado muito relevante, sobretudo para 
desmistificar a idéia segundo a qual, diante deum determinado 
precedente, o juiz se torna um autômato, sem qualquer outra 
opção senão a de aplicar ao caso concreto a solução dada por 
um outro órgão jurisdicional. Não é bem assim. Assim como o 
juiz precisa interpretar a lei para verificar se os fatos concretos 
se conformam à sua hipótese normativa, cumpre-lhe também 
interpretar o precedente para verificar a adequação da situação 
concreta à sua ratio decidendi. 16 
 
Retratada, assim, mesmo que de maneira breve, a maneira 
pela qual se dá o funcionamento da teoria do precedente judicial (stare decisis) no 
sistema da common law, passa-se a seguir a analisar os valores e as premissas 
deste sistema, que deram origem a um modelo de justiça que acabou consagrado 
em grandes nações, para, posteriormente, analisar-se de que forma estas idéias 
vêm sendo introduzidas no Direito brasileiro. 
 
 
15 Marcelo Alves Dias de Souza. Op. cit. p. 142. 
16 Fredie Didier Junior; Paula Sarno Braga; Rafael Oliveira. Op. Cit. p. 394. 
 
www.abdpc.org.br 
 
2. DOS DEMAIS ASPECTOS A SEREM CONSIDERADOS PARA A 
COMPREENSÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTE JUDICIAL UTILIZADO NOS 
PAÍSES DA COMMON LAW 
 
A bem de se alcançar uma razoável compreensão acerca da 
maneira pela qual se dá o funcionamento do sistema da common law, especialmente 
em relação à questão do precedente judicial com força vinculativa, já explorada no 
item anterior, é importante que se aborde também as premissas que estão por trás 
desta engrenagem, os valores sociais, enfim, todos os aspectos que deram origem e 
que dão sustentação a este modelo de justiça. 
 
Aliás, o enfoque que se buscará adotar nesta breve análise 
será justamente o de examinar o modelo de justiça, por assim dizer, adotado nos 
países da common law, para, depois, como já dito, traçar-se um paralelo com a 
justiça brasileira, propondo uma espécie de reflexão. 
 
Partindo deste pressuposto, é importante destacar, desde já, 
que não parece adequado atribuir, pura e simplesmente, o bom funcionamento da 
justiça e o prestígio do sistema da common law nos países que o adotaram ao alto 
grau de desenvolvimento socioeconômico que os mesmos possuem. Na realidade, a 
questão aparenta ser um pouco mais complexa, em que pese não se possa negar 
que eventualmente haja relação entre o bom funcionamento do Poder Judiciário 
para com o alto índice de desenvolvimento social verificado nestes países. 
 
No entanto, também é certo que há fortíssimos elementos 
culturais vinculados à formatação do modelo de justiça adotado por estas nações, 
valores que são cultivados desde os primórdios e que foram moldando o perfil da 
população, que, por sua vez, assume a condição de jurisdicionado na sua relação 
com o Poder Judiciário. Enfim, o que se nota, na realidade, é a existência de uma 
relação indissociável entre tais elementos. 
 
Avançando um pouco na questão, e falando agora 
especificamente sobre as condições em que foi concebida a idéia da teoria do 
precedente judicial no sistema da common law e sobre as razões pelas quais este 
 
www.abdpc.org.br 
 
sistema acabou consagrado nos países em que foi adotado, traz-se à baila, mais 
uma vez, as brilhantes considerações de PORTO sobre esta temática: 
 
A doutrina norte-americana, de sua parte, elenca uma série de 
explicações para a utilização da idéia de precedente vinculante. 
Convém, pois, ressaltar os argumentos apresentados. (a) 
Primeiro, em decidindo as demandas, os juízos devem dirimir 
questões de direito. Na mesma jurisdição, o direito deve dar a 
mesma resposta para as mesmas questões legais. Para 
desenvolver o direito uniformemente e através do sistema 
judicial, as Cortes devem respeitar as resoluções 
hierarquicamente superiores. Trata-se, pois, do prestígio ao 
valor ‘segurança jurídica’. (b) Em segundo lugar, justiça 
imparcial e previsível significa que casos semelhantes serão 
decididos da mesma forma, independentemente das partes 
envolvidas, numa homenagem ao princípio da isonomia. (c) Em 
terceiro lugar, se na prática fosse de outra forma, isto é, não 
fossem as decisões judiciais previsíveis, o planejamento nas 
demandas iniciais seria de difícil concepção. (d) Em quarto 
lugar, stare decisis representa opiniões razoáveis, consistentes 
e impessoais, a qual incrementa a credibilidade do poder 
judicante junto a sociedade. (e) Em quinto lugar, além de servir 
para unificar o direito, serve para estreitar a imparcialidade e 
previsibilidade da justiça, facilitando o planejamento dos 
particulares, em face do padrão pré-fixado de comportamento 
judicial. Em resumo, a existência da doutrina da stare decisis 
acredita implementar - modo claro - qualidade e segurança na 
prestação do serviço justiça e, por decorrência, melhorar o 
convívio social. 17 
 
Dentre as assertivas lançadas pelo ilustre jurista gaúcho, todas 
extremamente oportunas, cabe destacar a menção ao valor segurança jurídica, 
relacionada à questão da vinculação vertical de um precedente emanado de uma 
corte superior, que deve ser obedecido pelos juízos hierarquicamente inferiores. 
 
Por conseguinte, o indigitado autor aborda o princípio que reza 
a necessidade de se outorgarem provimentos jurisdicionais semelhantes a casos 
que tenham identidade de objeto, independente das partes que componham a 
relação processual, em clara alusão ao princípio da isonomia e consagrando o 
conceito de “justiça imparcial e previsível”. Por fim, e talvez a mais importante e 
palpitante questão, o autor aborda a suposta influência do comportamento do Poder 
Judiciário no agir da população. De acordo com o que se pode depreender das 
 
17 Sérgio Gilberto Porto. Op. Cit. p. 9. Disponível em 
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Porto-formatado.pdf>. 10/maio/2010. 
 
www.abdpc.org.br 
 
palavras do nobre jurista, a estabilidade ou a previsibilidade das decisões judiciais 
sem dúvida interferem no convívio social, na medida em que, em certos aspectos, 
condicionam o comportamento dos particulares. 
 
Um exemplo clássico, fazendo um breve parêntese e já 
traçando um paralelo com a justiça brasileira, está na questão do ato ilícito, seja um 
ilícito civil ou criminal. Neste particular, a questão da resposta do Poder Judiciário, a 
toda evidência, possui fundamental relevância no comportamento do particular, na 
medida em que pode sugerir, ou não, que se evite o cometimento do ilícito. Mesmo 
parecendo uma análise simplista, há lógica em se pensar que o agir de um 
transgressor se dará de forma muito mais reticente se sabedor, de antemão, do 
posicionamento da justiça em relação a esta conduta. 
 
De qualquer maneira, saindo deste exemplo específico, a 
questão da estabilidade das decisões judiciais parece, de fato, contribuir de forma 
relevante à pacificação dos conflitos no convívio social, outorgando, também, maior 
prestígio e credibilidade ao Poder Judiciário perante a população. Isto, sem dúvida, 
se reflete em um maior grau de obediência das decisões judiciais e acaba por 
cultivar de maneira permanente a crença na soberania da Justiça. 
 
 
3. DA INFLUÊNCIA DE ALGUNS DOS PRINCÍPIOS DA COMMON LAW NAS 
MUDANÇAS HAVIDAS NO DIREITO BRASILEIRO 
 
Superada esta breve análise da sistemática de funcionamento 
do sistema de precedente judicial, bem como das premissas que dão suporte a este 
modelo de justiça adotado pelos países da common law, torna-se inevitável a 
reflexão acerca da figura do Poder Judiciário brasileiro atualmente e o que ela 
representa para os jurisdicionados. 
 
Desnecessários maiores esforços para que se perceba uma 
clara distinção entre o modelo de justiça cultivado nos países da common law, 
altamente prestigiado pela população, em comparação ao modelo utilizado pelo 
Brasil, que apresenta um sem número de problemas e insatisfações, seja por parte 
 
www.abdpc.org.br 
 
de seus operadoresou, e especialmente, por parte dos jurisdicionados. Não 
bastassem os inúmeros problemas que o país enfrenta nas searas socioeconômica 
e política, por exemplo, é inegável que a instabilidade do comportamento do Poder 
Judiciário é um dos elementos que vem a tumultuar o convívio social. Não se fala 
aqui apenas da questão da impunidade, que se tornou verdadeiro clichê, mas 
também da insegurança do jurisdicionado, que tem de conviver, por exemplo, com a 
incerteza do provimento jurisdicional, que ora dispõe em um sentido, ora em outro, 
diametralmente oposto. Além disso, são inúmeros os demais fatores que têm 
contribuído para um progressivo desmerecimento da figura da Justiça no Brasil. 
 
Contudo, é preciso que se destaque que este diagnóstico 
parece já ter sido feito, e há algum tempo, o que se pode notar a partir de algumas 
reformas que vêm sendo operadas nos últimos anos. Este movimento reformista, por 
assim dizer, tem se caracterizado pela observância, em seu agir, de alguns 
princípios básicos. 
 
Notadamente se está a buscar, em longo prazo, por meio 
destas reformas, justamente a estabilização das decisões judiciais, a partir da 
valorização da jurisprudência como fonte criativa do Direito e da proposta de 
vinculação de precedentes do Supremo Tribunal Federal aos juízos de hierarquia 
inferior e, inclusive, à administração pública, quando retratadas questões de Direito 
Público. 
 
Especificamente em relação ao tema da valorização da decisão 
judicial como fonte criativa do Direito, convém destacar que isto se faz notar 
especialmente por uma tendência que vem sendo seguida pelo legislador brasileiro 
nos últimos anos, qual a seja a de adotar os chamados conceitos vagos ou abertos 
nos textos normativos. 
 
Ao adotar esta sistemática, o legislador acaba atribuindo ao 
magistrado a tarefa de criar uma solução para o caso concreto posto a julgamento, 
na medida em que a letra da lei não lhe preestabelece um caminho rígido a ser 
 
www.abdpc.org.br 
 
seguido, isto é, não lhe condiciona a simplesmente aplicar uma solução prefixada 
em lei. 18 
 
De outro lado, mais especificamente em relação à questão da 
força vinculativa dos precedentes judiciais, SOUZA assevera que “(...) nos últimos 
anos, em razão da crise pela qual passa o Judiciário brasileiro (e essa crise tem 
atingido certas verdades preestabelecidas), o tema do precedente judicial entrou na 
“pauta do dia”, mesmo sem muita profundidade acadêmica.” 19 
 
Mas, enfim, o certo é que a natureza destas reformas sugerem, 
de fato, uma aproximação do Direito brasileiro com alguns dos tradicionais princípios 
da common law. Daí porque o ilustre jurista PORTO tem convencionado chamar este 
movimento reformista de a “commonlawlização” do Direito brasileiro: 
 
Da common law para civil law, há, digamos assim, uma 
crescente simpatia por algo que pode ser definido como uma 
verdadeira "commonlawlização" no comportamento dos 
operadores nacionais, modo especial, em face das já 
destacadas facilidades de comunicação e pesquisa postas, na 
atualidade, a disposição da comunidade jurídica. Realmente, a 
chamada "commonlawlização" do direito nacional é o que se 
pode perceber, com facilidade, a partir da constatação da 
importância que a jurisprudência, ou seja, as decisões 
jurisdicionais vêm adquirindo no sistema pátrio, particularmente 
através do crescente prestigiamento da corrente de 
pensamento que destaca a função criadora do juiz. 
(...) 
parece inegável a identificação de um movimento claro de 
reconhecimento da necessidade de atribuir-se, nesta quadra da 
história, ao menos a certas decisões judiciais, um prestígio 
superlativo e, nesta medida, passa a existir clara identificação 
com o propósito da doutrina do stare decisis, cujo seu assento 
principal está - exatamente - no necessário prestigiamento das 
decisões judiciais. Isto decorre de vários fatores e dentre 
esses, máxima vênia, inclui-se a facilidade de acessos a outras 
culturas, via globalização, ou seja, a facilidade de comunicação 
facilitou o diálogo entre famílias jurídicas distintas e, por 
decorrência, intensificou aquilo que denominamos 
 
18 Fredie Didier Junior; Paula Sarno Braga; Rafael Oliveira. Op. cit. p. 386. Reiteram os autores que 
“A atividade criativa se mostra presente também nos casos em que o magistrado se depara com 
conceitos vagos (conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais), atualmente tão comuns nos 
textos legais.”. 
19 Marcelo Alves Dias de Souza. Op. cit. p. 281. 
 
www.abdpc.org.br 
 
commonlawlização do direito nacional, pois conseqüência das 
experiências colhidas junto a common law. 20 
 
E prossegue o eminente jurista: 
 
Quer, pois, o projeto, fazer com que as decisões sumuladas, 
vale dizer, questões de direito que tenham sido julgadas 
diversas vezes da mesma forma, sejam obedecidas pelas 
jurisdições inferiores, vinculando os magistrados aos 
precedentes jurisprudenciais superiores. Este movimento 
representa, ainda que de maneira criticável, uma verdadeira 
pitada de commonlawlização no direito nacional, pois institui 
algo similar ao propósito do stare decisis. 21 
 
Destarte, ao que parece estas soluções que aos poucos vêm 
sendo implantadas no sistema brasileiro são, de fato, adequadas à resolução de 
alguns dos problemas que vêm sendo enfrentados ao longo dos últimos anos. Há 
que se alertar, no entanto, que não se deve mirar como modelo ideal de justiça a ser 
adotado rigorosamente aquele utilizado pelos países da common law, simplesmente 
em razão da boa aceitação do mesmo nestes países. 
 
Acredita-se que deva haver prudência nesta chamada 
interação entre os sistemas, respeitando-se as peculiaridades de cada país, a bem 
de evitar que acabem descartados, junto com os mecanismos tidos como 
defeituosos alguns aspectos positivos que certamente se podem destacar em nosso 
atual sistema. 22 
 
 
CONCLUSÃO 
 
Parece ter restado evidenciado, a partir das considerações 
tecidas no bojo do presente estudo, que se está, de fato, diante de um movimento 
reformista no direito processual brasileiro, que tem como diretriz a interação entre o 
 
20 Sérgio Gilberto Porto. Op. Cit. p. 21. Disponível em 
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Porto-formatado.pdf>. 10/maio/2010. 
21Idem. ibidem. 
22 Marcelo Alves Dias de Souza. Op. Cit. p. 283. Destaca o autor “(...) propõe-se, no que é chamada 
de interseção de sistemas, a adoção de uma teoria do precedente que seja compatível com nossas 
tradições e, sobretudo, com nossa realidade.” 
 
 
www.abdpc.org.br 
 
sistema desde sempre utilizado no país, da civil law, para com importantes institutos 
do sistema da common law, em especial a teoria do precedente judicial. 
 
Por trás deste movimento reformista, que tem como fonte 
inspiradora, por assim dizer, alguns dos mecanismos utilizados no sistema da 
common law, é possível perceber de forma clara um anseio pela busca de soluções 
mais efetivas às dificuldades enfrentadas pelo Judiciário brasileiro, soluções 
pautadas por análises mais detidas e profundas, que visam a atingir o âmago do 
problema, em detrimento de soluções paliativas e imediatistas. Isto é, busca-se, 
mais que nada, uma mudança de ideologia, uma reforma ampla, e não apenas de 
procedimentos. 
 
Talvez, se tenha chegado a conclusão de que simples reformas 
procedimentais, tais como as que visam à aceleração da marcha processual ou à 
diminuição de recursos, jamais resolverão, por exemplo, o grave problema de 
acúmulo de demandas e todas as consequências danosas dele decorrentes. 
 
Na realidade, o diagnóstico acerca dos problemas enfrentados 
pelo Poder Judiciário brasileiro parece apontar para a necessidade de mudança, 
especialmente, do comportamento do jurisdicionado perante a Justiça, isto é, uma 
mudança ideológica, cultural, de valores. Entretanto,curiosamente, ao que tudo 
indica, para se alcançar este objetivo há que se intentar, primeiramente, uma 
mudança na forma de atuação do próprio Judiciário, que tenda, de certa forma, a 
condicionar a postura do jurisdicionado perante a Justiça, ou que ao menos sugira 
um padrão de comportamento diverso do que hoje se observa. 
 
Por isso, aliás que, muito provavelmente, se tenha buscado no 
sistema da common law a inspiração para uma mudança de paradigma do Judiciário 
brasileiro, haja vista que nos países que adotam este sistema se constata que a 
forma de atuação do Poder Judiciário se constitui em uma das formas de pacificação 
do convívio social, isto é, é a atuação do Judiciário revertendo em seu próprio 
benefício. Sem dúvida, um ideal a ser perseguido. 
 
 
 
www.abdpc.org.br 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito 
Processual Civil. 4. ed., v. 2. Salvador: Ed. JusPodvim, 2009. 
 
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à sumula vinculante. Curitiba: 
Ed. Juruá, 2007. 
 
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: 
RT, 2004. 
 
 
FONTES ON LINE 
 
PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a Common Law, Civil Law e o precedente judicial. 
Disponível em <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Porto-
formatado.pdf>. 10/maio/2010.

Continue navegando