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HISTÓRIA E FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS E DA MATEMÁTICA Guilherme Augusto Pianezzer E d u ca çã o H IS T Ó R IA E F IL O S O F IA D A S C IÊ N C IA S E D A M A T E M Á T IC A G ui lh er m e A ug us to P ia ne zz er Este livro foi criado com o objetivo de aprofundar seus conhecimentos acer- ca da construção do conhecimento científico-matemático, fornecendo aporte teórico para que você possa entender a Matemática como uma ciência em processo contínuo de criação e desenvolvimento, além de compreender como essa visão pode ser introduzida em sala de aula. As reflexões apresentadas neste livro compreendem o estudo da história da Matemática como elemento articulador do processo de ensino-aprendizagem da Matemática, assim como a análise da construção do conhecimento cientí- fico-matemático. São abordados os temas fundamentais e os grandes nomes de cada época e é feita uma discussão acerca da Matemática presente nas diversas culturas, inclusive na cultura afro-brasileira e indígena. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6303-1 9 788538 763031 CAPA_História e filosofia das ciências e da matemática.indd 1 23/06/2017 09:59:26 Guilherme Augusto Pianezzer IESDE BRASIL S/A Curitiba 2017 Hist ria e Filosofia das Ciências e da Matemática CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P643h Pianezzer, Guilherme Augusto História e filosofia das ciências e da matemática / Guilherme Augusto Pianezzer. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017. 160 p.: il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6303-1 1. Matemática. I. Título. 17-42449 CDD: 510 CDU: 51 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. © 2017 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Produção FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem Capa aqsandrew/Shutterstock.com Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao aluno | 5 1. Origens da matemática: A pré-história da matemática | 7 2. A matemática babilônica, egípcia e grega | 25 3. Grandes povos, grandes avanços | 45 4. Grandes revoluções na matemática | 61 5. Ramificações do século XX | 77 6. Etnomatemática e a matemática presente nas diversas culturas | 93 7. História da matemática em sala de aula | 109 8. Integrando à matemática a educação ambiental | 125 Gabarito | 143 Referências | 149 Carta ao aluno Este livro foi criado com o objetivo de aprofundar o entendi- mento acerca da construção do conhecimento científico-matemático, fornecendo aporte teórico para que você possa compreender a mate- mática como uma ciência em processo contínuo de criação e desen- volvimento, além de reconhecer como essa visão pode ser introduzida em sala de aula. As reflexões apresentadas nesta obra abrangem: o estudo da história da matemática como elemento articulador do processo de ensi- no-aprendizagem da área; a análise da construção do conhecimento científico-matemático; os temas fundamentais da matemática e os grandes nomes de cada época; a discussão sobre a matemática presente nas diversas culturas, inclusive nas culturas afro-brasileira e indígena; o estudo da matemática presente na natureza, além de atividades que possibilitam ao futuro professor a interação entre a teoria e a prática. – 6 – História e Filosofia das Ciências e da Matemática Os conteúdos estão estruturados em oito capítulos. O primeiros deles, “Origens da matemática: a pré-história da matemática”, discute conceitos acerca do desenvolvimento do senso numérico e geométrico, da evolução dos processos de contagem e da emergência da escrita. “A matemática babi- lônica, egípcia e grega” apresenta os primórdios da aritmética e da geome- tria, enquanto “Grandes povos, grandes avanços” analisa as principais con- tribuições de matemáticos gregos, árabes e europeus. “Grandes revoluções na matemática” reflete sobre as bases históricas da fundação da geometria analítica e do cálculo diferencial e integral, ao passo que “Ramificações do século XX” apresenta como a matemática se estruturou nas grandes áreas: matemática aplicada, matemática pura e educação matemática. Por sua vez, “Etnomatemática e a matemática presente nas diversas culturas” discute a importância do uso da história da matemática na escola e “História da matemática em sala de aula” reflete sobre a história da matemática como elemento curricular e instrumento para a interdisciplinaridade. Por fim, “Integrando à matemática a educação ambiental” discute os fundamentos teóricos para a abordagem da educação ambiental em sala de aula com o uso da modelagem matemática. Boa leitura! Origens da matemática: A pré-história da matemática A matemática só foi formalizada muitos anos depois dos pri- mórdios da ação humana sobre a Terra. Antes dessa formalização, o ser humano desenvolveu, lentamente, um senso numérico e uma percepção sobre o mundo que o cerca. A primeira parte deste capítulo tem como objetivo funda- mentar e discutir alguns dos resquícios do pensamento matemático dos períodos Paleolítico e Neolítico. Tais resquícios permitem com- preender como a matemática se originou graças a uma necessidade que os seres humanos possuíam. A segunda parte discute o que é e quais são as limitações do senso numérico, diferenciando-o do processo de contagem. Evidências dos sistemas de contagem assumidos por diversas socie- dades indicam que elas sofreram forte influência do senso numérico de cada época. A terceira parte do capítulo explica como aconteceu o processo de contagem e qual a necessidade que levou o homem a desenvolver o processo de escrita. 1 História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 8 – 1.1 Matemática paleolítica A Pré-História é definida como a era que antecede a invenção da escrita e é dividida em dois períodos: o período Paleolítico e o período Neolítico. Essa divisão se trata de uma proposta conceitual que deve ser contextualizada para cada povo, visto que algumas culturas persistiram em determinadas eras, em algumas partes do mundo, até o século XX. Um dado que exemplifica esse fenômeno é o fato de que quando os conquistadores europeus navegaram até o sul da África, Austrália e às Américas, durante os séculos XVI e XVII, a maior parte dos povos encontrados claramente ainda não haviam desenvol- vido a escrita e, portanto, poderiam ser considerados pré-históricos. O Paleolítico, também conhecido como “Idade da Pedra Lascada”, foi o primeiro período da era pré-histórica e aconteceu há aproximadamente 2,5 milhões de anos. Durante esse período, os povos eram nômades caçadores-co- letores, ou seja, migravam com o objetivo de conseguir seu alimento. Naquela época, o ser humano pouco alterava, ou ainda não alterava, o ambiente à sua volta, principalmente adaptando-se a ele. No século XX, alguns caçadores descobriram uma tribo chamada Tasadays, que vivia no interior das florestas, em uma das ilhas do arquipélago das Filipinas, de maneira nômade, caçando animais e colhendo frutas e castanhas, o que faz com que possa ser classificada como um povo do período Paleolítico. Já o fim do período Paleolítico e o início do Neolítico, também conhe- cido como “Idade da Pedra Polida”, é determinado pela fixação dos povos por meio do desenvolvimento da agricultura, ou seja, pela Revolução agrária. As duas características principais do modo de vida dos povos paleolíticos eram a capacidade de se adaptar ao ambiente selvagem e o fato de que cada integrante do grupo era capaz de sobreviver independentementedas outras pessoas presentes no grupo. Assim sendo, não existiam especialistas dentro do grupo, com funções bem definidas. As ferramentas criadas na Idade da Pedra Lascada eram construídas uti- lizando-se pedras pontudas, que eram esfregadas no chão até que a ponta ficasse suficientemente fina e fosse capaz de perfurar ou cortar algum animal para que pudessem servir de alimento, como demonstra a figura 1. Com essa – 9 – Origens da matemática: A pré-história da matemática mesma técnica, também se transformava materiais como ossos e madeira em armas para a caça. Figura 1 – Machado de mão em forma triangular. O modo de vida de um caçador-coletor exigia apenas um conhecimento mínimo de Matemática. O pensamento matemático nessas sociedades era subdesenvolvido, não por falta de capacidade intelectual, tempo ou, ainda, interesse em atividades intelectuais, mas sim por falta de utilidade diária da matemática (DENNY, 1981). A obrigação de contar somente surge quando é necessário conhecer um número grande de objetos que não sejam facilmente distinguíveis, conforme explica Almeida (2009): Os números nascem quando há necessidade de contar, enumerar coisas. Essa necessidade só surge quando precisamos apreender um número relativamente grande de coisas cuja identidade individual não seja evidente. Isso não é comum para um caçador-coletor, pois todos seus artefatos são de sua lavra, conhece-os um a um. Se ele dispõe de uma coleção de facas, conhece-as individualmente, pela sua forma, tamanho e uso especializado, não necessita de contá-las. Fabricou cada uma de suas pontas de lança, cada um de seus cestos, cada uma de suas flechas. Números pequenos são suficientes para as necessidades de tais sociedades, seja para contar o número de peixes da mesma espécie capturados, ou o número de pássaros da mesma espécie flechados, ou ainda o número de canoas de visitantes. Apenas em sociedades industrializadas há a necessidade de se contar milhares ou milhões de itens iguais. (ALMEIDA, 2009, p. 117, grifos nossos) Além da falta de necessidade de contar grandes quantidades, também eram raras as ocasiões em que era preciso determinar a quantidade de um História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 10 – conjunto de objetos ou, ainda, a ausência deles. Dessa forma, a necessidade da execução de operações aritméticas era rara. Alguns povos, como os Lakotas, da tribo Sioux, tinham calendários com imagens e registravam várias décadas da história. Esses calendários descre- viam um evento importante que caracterizava o ano por meio de apenas uma imagem, desenhada em uma superfície plana, como mostra a figura 2. Para determinar o fim de um ano e o início de outro, o desenho dessa imagem era feito quando nevasse pela primeira vez durante o inverno, por isso era cha- mado de contagem de inverno. Figura 2– Calendário de Sioux. Lakota winter counts. 270 x 196 cm. Pele de búfalo. Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsoniano, Washington D.C. Fonte: SMITHSONIAN INSTITUTE, 2017. Durante o período Paleolítico, o homem primitivo já distinguia “um” e “muitos”, e tal fato originou a diferenciação entre o singular e o plural nas línguas. O ser humano tem como capacidade inata a habilidade de lidar com quantidades, também conhecida como senso numérico, como veremos mais detalhadamente a seguir. – 11 – Origens da matemática: A pré-história da matemática 1.2 Senso numérico O senso numérico pode ser definido como a compreensão intuitiva de números, sua magnitude, seus relacionamentos e como eles são afetados por operações. O senso numérico permite reconhecer se alguma coisa mudou em um pequeno conjunto quando, sem o conhecimento direto da alteração, um objeto foi adicionado ou retirado. Deve-se tomar cuidado para não confun- dir senso numérico com a habilidade de contar, visto que contar envolve um processo mental bastante complexo. Para exemplificar o senso numérico, Dantzig (1970) narra em seu livro uma história, que resumimos a seguir. Um soberano desejava apanhar um corvo que havia feito um ninho em uma das torres de seu castelo. O corvo abandonava seu ninho sempre que alguém se aproximava da torre e não retor- nava até que essa pessoa fosse embora. O soberano tentou enganar o corvo: mandou 2 homens entrarem na torre; enquanto 1 deveria permanecer na torre, o outro deveria ir embora. O pássaro, no entanto, não foi enganado. Continuou afastado até que ambos os homens saíssem da torre. O soberano, no outro dia, mandou que os homens continuassem tentando pegar o corvo. No segundo dia, o soberano enviou 3 homens; 1 deveria esperar na torre enquanto os outros 2 deveriam se afastar. O corvo continuou afastado da torre, esperando até que todos fossem embora. No terceiro dia, o soberano mandou 4 homens para a torre. O corvo novamente não foi enganado. Apenas no quarto dia, quando foram enviados 5 homens, o corvo foi enganado, pois foi incapaz de distinguir entre 4 e 5. Apesar de o corvo não dispor de palavras para os números nem da habi- lidade de contar, tinha a habilidade de, apenas observando, distinguir entre a quantidade de homens que entravam e saíam da torre. Dessa forma, é possível concluir que o senso numérico é independente da língua e está presente em diversas espécies de animais. Entre as espécies em que isso foi observado, temos: homens, insetos, aves, primatas, ratos, golfinhos e até mesmo salamandras. Durante a Segunda Guerra Mundial, o professor Koehler (1956) rea- lizou uma série de experimentos, procurando estabelecer o senso numérico dos pássaros. Esses experimentos, que eram cientificamente controlados e sem a presença de humanos, foram filmados. Durante essa pesquisa o pro- fessor demonstrou que pássaros aprendem os números quando apresentados História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 12 – simultaneamente ou quando apresentados em sequência. Para Koehler (1956), eles aprendiam a pensar em números sem nome. Infelizmente, os filmes foram em sua maioria destruídos durante a guerra. Os pássaros de uma mesma espécie mostram uma mesma habilidade de compreender as quantidades, sejam eles apresentados de forma simultânea ou sucessiva, porém o senso numérico se difere entre as espécies. São raros os casos de espécies de animais que também possuem senso numérico, e é neces- sário destacar que nenhum animal domesticado o possui. No início do século XX, tornou-se famoso o caso de um cavalo conhecido como Hans Esperto. Além de contar, Hans conseguia resolver problemas aritmé- ticos simples. Batia a pata no chão o número de vezes que representava a resposta correta de um problema, inclusive quando seu treinador não estava presente. Figura 3 – Wilhelm von Osten e seu cavalo, Hans Esperto. Fonte: Karl Krall/Wikimedia Commons, 2017. Uma comissão, liderada por Carl Sumpf, estudou se Hans era realmente capaz de contar. Essa comissão demonstrou que o cavalo na realidade respon- dia à linguagem corporal de seu treinador e era capaz de detectar a tensão do público quando a resposta certa era dada. Da mesma forma que Hans, um cachorro que late certa quantidade de vezes para indicar um número foi ades- trado para latir até que seu dono dê certo sinal. Na maioria dos casos, esses – 13 – Origens da matemática: A pré-história da matemática animais não são capazes de acertar a resposta se seus treinadores estiverem longe deles. Em seres humanos, admite-se que o senso numérico está presente desde as épocas mais remotas, nas quais essa percepção dificilmente ia além do número 5, independentemente de suas origens. Com a evolução das socieda- des, tornou-se inevitável a necessidade de contar, já que as tribos precisavam saber quantos eram seus membros ou o tamanho de seu rebanho. Piaget e Inhelder (1975) fizeram uma distinção entre os números e os números perceptuais. Segundo os autores, os números perceptuais são números pequenos que podem ser distinguidos apenas utilizando o senso numérico, sem exigirem umaestruturação lógico-matemática. Os outros números, maiores que 4 ou 5, são chamados de elementares. Ao nascer, o cérebro de um bebê seria como uma página em branco, sem qualquer conhecimento conceitual e, assim, o conceito de número deveria ser construído por meio de interações com o ambiente. Portanto, as crian- ças nasceriam sem qualquer ideia sobre aritmética. Entretanto, no fim do século XX foi comprovado experimentalmente que essa percepção sobre os bebês está errada (ALMEIDA, 2009). Já nas primeiras experiências, em 1980, na Universidade da Pensilvânia, foi comprovado que bebês de seis meses de idade eram capazes de empregar certos aspectos do conceito de número. Mostrou-se, também por meio de experimentos, que bebês com idade entre 16 e 30 semanas são capazes de discriminar entre os números 2 e 3. Pouco tempo depois, na Universidade de Maryland, apresentou-se que mesmo recém-nascidos com apenas poucos dias de vida são capazes de discernir entre os números 2 e 3. Já em 1992, foi publicado na revista Nature (ALMEIDA, 2009) um estudo mostrando que bebês de 4 e 5 meses de idade sabem fazer operações simples. Apesar disso, nunca um grupo de bebês com menos de 1 ano de idade foi capaz de diferenciar 4, 5 ou mais objetos. Outra abordagem busca definir se crianças e outros primatas possuem um entendimento sobre a ordenação (ALMEIDA, 2009). Ou seja, se eles são capa- zes de definir que 1 < 2, 2 < 3, 3 < 4, e assim sucessivamente. É natural esse questionamento, já que com a aptidão de fazer operações aritméticas simples, eles também deveriam compreender como esses números estão organizados. História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 14 – Em 2002, foi realizado um experimento com bebês de 10 e 12 meses de idade (ALMEIDA, 2009). Os bebês eram colocados a um metro de distância de dois recipientes que continham números diferentes de guloseimas e, então, eram liberados para escolher um dos potes, da seguinte maneira: Figura 4 – Experimento: potes com doces Situação 1: Pote 1 – 1 doce Pote 2 – 2 doces Situação 2: Pote 1 – 2 doces Pote 2 – 3 doces Situação 3: Pote 1 – 3 doces Pote 2 – 4 doces – 15 – Origens da matemática: A pré-história da matemática Situação 4: Pote 1 – 4 doces Pote 2 – 6 doces Fonte: KsushaArt; mirrima/iStockphoto. Foi observado que os bebês escolhiam o recipiente com mais doces quando confrontados com as situações 1 e 2, mas não nas situações 3 e 4. Dessa maneira comprovou-se que crianças dessa faixa etária são capazes de estabelecer uma relação de ordem entre dois números ao procurarem pelo recipiente com mais elementos. Anteriormente, em 2000, experimento similar foi realizado com o macaco rhesus adulto. Foram utilizados recipientes com as quantidades das situações 1, 2 e 3, além de recipientes contendo: 4 e 5 unidades; 4 e 6 unida- des; 4 e 8 unidades; e 3 e 8 unidades. Os macacos demonstraram habilidades parecidas às das crianças pequenas, pois escolheram os potes com maiores quantidades nas primeiras quatro situações, mas não nas demais. Portanto, assim como os bebês humanos, os macacos rhesus também possuem uma habilidade inata de ordenação de pequenas quantidades. Por meio de experimentos, surgiu o questionamento sobre a diferença entre a matemática animal e a matemática humana, afinal, ambas são utili- zadas com o mesmo objetivo: sobreviver para transmitir seus genes às futu- ras gerações. D’Ambrosio (1993) responde a esse questionamento em seu livro: “A Matemática, como conhecimento em geral, é a resposta às pulsões de sobrevivência e de transcendência, que sintetizam a questão existencial da espécie humana” (D’AMBROSIO, 1993). História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 16 – Segundo D’Ambrosio (1993), a diferença primordial entre as matemáticas animal e humana reside no fato de que, assim que satisfeita a necessidade de sobrevivência, o ser humano busca explicações sobre o mundo ao seu redor. 1.3 A evolução dos processos de contagem e o surgimento da escrita O mais antigo instrumento matemático encontrado até hoje é a fíbula1 de um babuíno com 29 entalhes que era utilizada como um instrumento de medi- ção de ciclos lunares: o osso de Lebombo. Esse osso foi encontrado nos Montes Libombos, na Suazilândia, um pequeno país africano localizado ao norte da África do Sul, e é datado de aproximadamente 35.000 anos a.C (ALMEIDA, 2009). A aparência desse artefato lembra os bastões-calendário utilizados ainda hoje por alguns clãs de bosquímanos2 da Namíbia. Acredita-se que exista uma ligação entre o osso e a medição do ciclo menstrual das mulheres, já que o osso era utilizado para medir ciclos lunares. Em 1960, o belga Jean de Heinzelin de Braucort encontrou outro artefato do período Paleolítico que merece destaque: o osso de Ishango. Encontrado no local conhecido como Congo Belga, o osso de Ishango (Figura 5) foi des- coberto no lago Eduardo, que fica atualmente na fronteira da Uganda e da República Democrática do Congo, perto da região onde o rio Nilo nasce. Trata-se da fíbula de um babuíno, com um pedaço de quartzo afiado incrus- tado em uma das pontas. As inscrições dos ossos são claramente separadas em aglomerados de marcas que representam várias quantidades. No osso de Ishango existem três colunas bem definidas. A coluna central começa com 3 traços e depois tem entalhado outros 6 traços. O mesmo processo é repetido com o 4, que se duplica a 8 traços. Em seguida o processo é invertido, utilizando 10 traços como valor inicial, que, então é dividido pela metade, resultando assim em 5 traços. Esses números não parecem ser arbitrários, mas sim um indício de cálculos de multiplicação e divisão por 2. Nas colunas da esquerda e da direita, todos os números são ímpares. Na coluna da esquerda, foram riscados apenas números primos 1 Osso longo e fino que forma, com a tíbia, o esqueleto da perna. 2 Indivíduos pertencentes ao povo dos boxímanes, nativos do Sudoeste da África. – 17 – Origens da matemática: A pré-história da matemática compreendidos entre 10 e 20. Na coluna da direita são apresentados núme- ros adicionados e subtraídos (ALMEIDA, 2009). Figura 5 – Osso de Ishango. Esses artefatos ajudam a sustentar a teoria de que a maneira mais antiga de contar baseava-se em algum método de registro simples de comparação entre dois conjuntos. Para contar podia-se dobrar um dedo ou, ainda, uti- lizar os nós em uma corda, ou as ranhuras em um osso, para cada objeto pertencente ao conjunto. Posteriormente, foi desenvolvido um conjunto de sons vocais para a comunicação verbal do número de objetos de um grupo pequeno. Inicialmente eram utilizados sons diferentes para contar a mesma quantidade de objetos diferentes. Para Piaget (1975), uma criança domina os números em etapas indepen- dentes do aprendizado, começando com os números de 1 a 7. Em seguida, domina os números de 8 a 15 e, em uma etapa seguinte, domina do 16 até o 30, até que finalmente obtém controle sobre todo o sistema. Contar História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 18 – os objetos de um conjunto é uma habilidade cognitiva básica, a qual não compreende operações sobre os números. Compreender o relacionamento entre a lógica de adição, subtração, multiplicação e divisão é somente obtida, segundo Piaget, quando a criança atinge o nível operatório. É possível que por meio da manipulação física de objetos, como pedri- nhas, por exemplo, uma criança possa efetuar multiplicações antes do está- gio operatório, porém ela o faz mecanicamente e não compreende de forma integral o que está realmente fazendo. Assim como ocorre com as crianças, nas tribos primitivas toda atividade matemática está ligada a situações físicas. Estudos do fim do século XX demonstram que não existem sociedades que não tenham alguma familiaridade com o conceito de número, mesmo que esse conceito seja limitado e não se estenda além dos números 1, 1 e 2 ou 1, 2 e 3 (ALMEIDA, 2009). Apesar de parecer inconcebível que possamexistir seres humanos incapazes de contar para além do 2, existem algumas poucas línguas que não contém nenhuma palavra para descrever numerais puros. É o caso dos tacanas, grupo étnico que vivia na Bolívia antes da che- gada dos espanhóis e utilizam palavras emprestadas da língua espanhola ou do aymara e do peno para representar números. O mesmo acontece com os chiquitos, também na Bolívia, que não pos- suem qualquer numeral e que, para expressar o conceito de um, utilizam a pala- vra etama, que significa sozinho. Já os falantes da língua canela, no Brasil, não possuem termos numéricos específicos, limitando-se apenas a expressões gerais como só, um par, alguns e muitos. Nota-se que, mesmo nessas línguas, o senso de número é expressado de alguma maneira pela diferenciação entre um e muitos. Há evidências de que foram utilizados os números 2, 3 e 4 como bases primitivas. Os nativos de Queensland contam “um, dois, dois e um, dois e dois, muito” ou alguns pigmeus africanos que contam “a, ao, ua, oa-oa, oa-oa-a e oa-oa-ao” para 1, 2, 3, 4, 5 e 6 respectivamente. Entretanto, como as mãos humanas contém 10 dedos, frequentemente escolhe-se o número 10 como base. Considerem-se, por exemplo, as palavras-números atuais da língua inglesa, formadas tomando-se 10 como base. Há os nomes espe- ciais one (um), two (dois),...,ten (dez) para os números 1, 2, ..., 10. Quando se chega a 11 a palavra usada é eleven, que, segundo os – 19 – Origens da matemática: A pré-história da matemática filólogos, deriva de einlifon, cujo significado é “um acima de dez”. Analogamente, twelve (doze), provém de twelif (“dois acima de dez”). Depois se tem thirteen (“três e dez”) para 13, fourteen (“quatro e dez”) para 14, até nineteen (“nove e dez”) para 19. (EVES, 2004, p. 27) Outro sistema usado extensivamente foi o quinário, que utiliza como base o 5. Até hoje algumas tribos da América do Sul utilizam suas mãos para contar: “um, dois, três, quatro, mão, mão e um...” sucessivamente. O sistema sexagesimal (base 60) foi utilizado pelos povos babilônicos e ainda é utili- zado para medida de tempo e ângulos em minutos e segundos. A utilização de bases mistas é rara, como a que existe entre os Yukaghirs, na Sibéria. Os Yukaghirs contam da seguinte maneira: “um, dois, três, três e um, cinco, dois três, um mais, dois quartos, dez faltando um, dez”. É impor- tante destacar que apesar de ser uma sociedade que possui um sistema verbal extenso de números, somente isso não garante que possua o conceito opera- cional de número. Destaca-se que provavelmente as sociedades primitivas não precisavam do uso de frações. Para se distribuir 20 peixes entre 5 pessoas, 1/5 de 20, é possível obter o resultado colocando-se 5 montes com 4 peixes cada um. A professora Denise Schmandt-Desserat (ALMEIDA, 2009) acre- dita que a evolução dos processos de contagem aconteceu em três estágios: 1. contagem sem números; 2. contagem concreta; 3. contagem abstrata. A contagem sem números acontece quando se entende que existe uma corres- pondência um-a-um entre o grupo de objetos a ser contado e um conjunto de objetos contadores. Por exemplo, os Veddas, no Siri-Lanka, somente utilizam palavras gerais para lidar com números (um único, um par, um outro e muitos). Se essa tribo deseja contar cocos, reúnem seixos (pedras pequenas arredon- dadas). Para cada coco, empilham um seixo e, quando terminam, mostram a pilha de seixos: “aqueles muitos”. Se no futuro precisarem verificar a integri- dade da pilha de cocos, podem compará-la novamente com a pilha de seixos. Já outros povos, como os paiela, na Nova Guiné, utilizam um processo conhecido como contagem corporal. Nesse sistema é estabelecida uma corres- pondência um-a-um entre parte do corpo e os objetos a serem contados. Esse sistema de contagem, já apresentado anteriormente, era difundido entre os povos caçadores-coletores do Paleolítico e utiliza os dedos da mão, dos pés ou até mesmo outras partes do corpo. Esses povos sabem que se tocarem em uma História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 20 – determinada ordem em partes de seu corpo, essas partes podem corresponder a tantos objetos, homens ou animais quantos pontos existirem na sequência, numa ideia de associação própria do sistema de contagem. Outra possibili- dade é a utilização de artefatos parecidos com o osso de Lebombo ou o osso de Ishango. Entretanto, alguns povos contam de forma concreta. Esses povos empre- gam diferentes conjuntos de números para contar diferentes tipos de obje- tos. Os Gilyaks, na Rússia, possuem vinte e quatro conjuntos de números. Para a contagem de folhas, panos ou outros itens planos, empregam met para o número 2, enquanto para coisas compridas utilizam mex para o mesmo número. Para objetos redondos, mik equivale a 2. As sequências numéricas dificilmente são maiores que 20 e, portanto, não permitem a contagem de grandes quantidades. Por fim, a Schmandt-Beserat apresenta que a contagem abstrata é aquela em que a contagem é abstraída da natureza dos objetos contados. Isto é, cada número é abstrato e expresso por uma palavra, que, independentemente de qual objeto está sendo contado, permanece a mesma. A escrita nos povos egípcios surgiu aproximadamente em 3.000 a.C., e estes utilizavam numerais hieroglíficos que não nos fornecem pistas se houve um estágio de evolução concreta antes da invenção de sua escrita. Assim como em nosso sistema de numeração, utilizavam como base o número 10 (ver figura 6). Cada símbolo possuía um nome próprio, sendo 1 (bastão), 10 (calcanhar), 100 (corda enrolada), 1.000 (flor de lótus), 10.000 (dedo do faraó), 100.000 (peixe), 10.000.00 (homem). Figura 6 – Hieróglifos de numerais egípcios. Fonte: JOC, 2000. – 21 – Origens da matemática: A pré-história da matemática Como exemplo do sistema de numeração e representação numérica egíp- cia, vejamos como era representado os números 276 e 4.622. Para representar o número 276, por exemplo, 15 símbolos são utilizados: 2 cordas enroladas, 7 símbolos de calcanhares e 6 bastões, como mostra a figura 7. Figura 7 – Representação dos números 276 e 4.622. 276 4.622 Fonte: JOC, 2000. Destaca-se que ambos os números 276 e 4.622 foram hieróglifos escul- pidos em pedra no templo de Karnak e, hoje, estão em exposição no museu do Louvre, em Paris. A base de toda a matemática se seguiu do processo de escrita, como será discutido nos próximos capítulos. Ampliando seus conhecimentos Recomendamos como leitura complementar a dissertação de mestrado de Cleomar Luiz da Costa, intitulada A história da matemática como recurso ao ensino-aprendizagem. O traba- lho é interessante, pois discorre sobre os conceitos e conhe- cimentos tratados neste capítulo e aprofunda-os ao tratá-los como objeto de ensino da Matemática em sala de aula. Transcrevemos um trecho a seguir. História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 22 – A história da matemática como recurso ao ensino-aprendizagem (COSTA, 2016, p. 16-18) A afirmação de que a Matemática é “uma ciência do número e grandeza” já não encontra mais adeptos desde as últimas déca- das do final do século passado, registra Boyer (2002, p. 1). A Matemática vai além desses aspectos e sofre mutações conforme as necessidades sociais dos indivíduos, de acordo com Rosa Neto (1988), pois se desenvolve e evolui. Saito e Dias (2013) ratificam essa ideia quando afirmam “que o conhecimento matemático afigurou-se de forma diferenciada em determinados momentos da história, atendendo a uma necessidade não só interna, como, também, a uma demanda extramatemática.” Essas assertivas se confirmam por meio da História da Matemática que atesta que o homem, no período Paleolítico inferior, vivia apenas de caça e utilizava paus e pedras para essa atividade. Àquela época, noções de mais, menos, menor, maior, perto, longe, comprido, curto, fino e grosso eram o bastante para sua sobrevivência. Devlin (2010) afirma que essa evolução social mudou o signifi-cado de Matemática no decorrer do tempo: até 500 a.C. era algo relacionado a números; entre 500 a.C e 300 d.C., se expandiu e os matemáticos gregos preocupavam-se mais com a geometria resultando na Matemática de números e formas. Nos dias atuais, a Matemática conta com cerca de 60 a 70 categorias distintas, além dos dois conteúdos adquiridos até 300 d.C., e “alguns assuntos como álgebra ou topologia, se – 23 – Origens da matemática: A pré-história da matemática dividiram em subáreas; outros, como a teoria da complexidade ou a teoria dos sistemas dinâmicos, são inteiramente novos” (DEVLIN, 2010, p. 25). Roque (2013 p. 6) afirma que “a História da Matemática pode perfeitamente tirar do esconderijo os problemas que constituem o campo de experiência do matemático, ou seja, o lado concreto do seu fazer, a fim de que possamos entender melhor o sentido de seus conceitos.” Ao utilizar a História da Matemática como recurso ao pro- cesso de ensino e aprendizagem o professor demonstra as “necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos”, estabelece “comparações entre os conceitos e processos matemáticos do passado e do presente” e “cria condições para que o aluno desenvolva atitudes e valores mais favoráveis diante desse conhecimento” (BRASIL, 1998, p. 42). Os benefícios desse recurso vão além do exposto, uma vez que “conceitos abordados em conexão com sua história cons- tituem veículos de informação cultural, sociológica e antropo- lógica de grande valor formativo. A História da Matemática é, nesse sentido, um instrumento de resgate da própria iden- tidade cultural” (BRASIL, 1998, p. 42). Além do mais, é quase impossível dissociar as raízes da Matemática com a própria história da humanidade, afirma D’Ambrosio (1999), reforçando, assim, o valor de ensinar a disciplina recorrendo a fundamentos históricos e suas interpretações. [...] História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 24 – Atividades 1. Quais eram as características da matemática no período Paleolítico? 2. Discuta sobre a capacidade de seres humanos e animais de possuir senso numérico. 3. Diferencie senso numérico de processo de contagem. 4. Descreva como ocorreram os primeiros processos de contagem. A matemática babilônica, egípcia e grega Após a fixação dos povos discutidos no capítulo anterior, por meio da revolução agrícola, grandes períodos de prosperidade e paz surgiram, permitindo não só o avanço econômico como também o cultural. Neste capítulo iremos discutir a matemática dos egípcios, dos mesopotâmicos e introduziremos o avanço trazido pelos gregos – o qual detalharemos no terceiro capítulo a partir da discussão dos trabalhos de Euclides, em seu livro Os elementos. Caracterizaremos, em um primeiro momento, o período do Antigo Egito e sua matemática, explicitando os artifícios utilizados por esse povo para realizar operações de multiplicação e divisão sem o uso de calculadoras, além de sua contribuição com outros campos da matemática. Em um segundo momento, iremos refletir sobre a matemática mesopotâmica, com a inclusão da base sexagesimal, utilizada até hoje para contagem do tempo. Discutiremos também o uso da notação posicional, ainda usada para representar núme- ros maiores que a base utilizada, e as contribuições no campo da 2 História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 26 – geometria. Finalizaremos apresentando o início do desenvolvimento do povo grego até o final do período Helênico, verificando nomes importantes dessa época, como Tales de Mileto, Pitágoras, Eudoxo, Platão e outros. 2.1 Matemática egípcia: primórdios da aritmética e da geometria Durante o período Paleolítico, o clima no Egito, assim como em todo o Saara, sofria diversas variações. Essa variação causou épocas de extrema seca e desertificação, ao contrário de outros períodos, em que havia um clima favo- rável e úmido. Nas fases úmidas, o Saara era dominado por uma savana rica tanto em fauna quanto em flora. Assim, a caça teria sido muito importante para esses povos, já que fornecia carne para o consumo (SALIMA, 1992). No fim do período Paleolítico, o clima árido do Norte da África se tornou mais seco e quente. Essa mudança forçou as populações da região a se concentrarem ao longo do vale do Nilo. Essa região bastante fértil deu a possibilidade de desenvolvimento de uma economia agrícola e sedentária, formando-se assim um complexo de civilizações chamadas de civilização do Vale do Nilo. Essas pequenas comunidades, em 5.500 a.C. já tinham um amplo domínio da agricultura, pecuária, cerâmica, assim como um comércio primitivo. Entre 3.800 e 3.200 a.C. existia um comércio intenso na região e importava-se do Oriente Médio, da região conhecida como Alto Egito, e do Deserto Oriental. Exportavam-se cereais, conchas e cerâmica para o Oriente e, para o Alto Egito, cobre, basalto e sílex. No fim desse período também se verificou o surgimento dos primeiros cemitérios. A escrita dos povos egípcios, os hieróglifos, surgiu por volta do ano 3000 a.C. (TRIGGER, 1983), finali- zando assim o período pré-histórico da região. A história do Antigo Egito se desenvolveu durante três grandes reinos mar- cados pela estabilidade política, com avanço econômico e florescimento artístico. Esses três grandes reinos são separados por períodos instáveis conhecidos como Períodos Intermediários. Com inundações previsíveis do rio Nilo e irrigação con- trolada do vale, eram produzidas colheitas abundantes e com excedentes. – 27 – A matemática babilônica, egípcia e grega Um pouco antes do fim do período pré-histórico, em 3150 a.C. ocorreu a unificação dessas civilizações do Alto e Baixo Egito, sob o comando do pri- meiro faraó. Os funcionários do Estado arrecadavam impostos, comandavam projetos de irrigação, recrutavam os camponeses para trabalhar em constru- ções, exploração mineral do vale e nas regiões do deserto. Os funcionários do Estado também estabeleceram um sistema de justiça que mantinha a ordem e a paz. Devido à importância da administração centralizadora e burocrática, surgiram os escribas e os oficiais letrados. O maior império Egípcio durou de 1.580 a.C. até 1.200 a.C., período em que os faraós foram responsáveis por campanhas militares que alargaram a influência desse povo. Entretanto, após esse período, o Egito foi conquistado por uma sucessão de potências estrangeiras e o governo dos faraós terminou oficialmente em 31 a.C., com o domínio do Império Romano. Segundo relatos históricos, a necessidade de estudar e aprofundar conhecimentos em geometria surgiu da necessidade dos egípcios medirem seus terrenos, que inundavam frequentemente com as cheias do Rio Nilo, apagando os limites entre suas propriedades. (COUCEIRO, 2016, p. 15) Foi durante esse período de paz e prosperidade que o Egito reinou, tanto economicamente como culturalmente, desenvolvendo uma matemática pró- pria. Exemplo disso é que existem aproximadamente 80 pirâmides em todo o Egito. No deserto em Gizé, próximo ao Cairo, existem três pirâmides. A maior delas ficou famosa por ser uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo: A Grande Pirâmide de Gizé (figura 1), que foi construída por volta de 2.600 a.C. envolvendo a resolução de problemas de engenharia e de matemática. A precisão que os egípcios possuíam era fantástica; a estrutura foi construída uti- lizando mais de dois milhões de blocos de pedra pesando individualmente 2,5 toneladas. Os tetos de certas câmaras foram construídos com blocos de granito medindo 27 pés de comprimento por 4 pés de largura e pesam 54 toneladas. A estrutura de toda a pirâmide cobre uma área de 526 acres. O erro relativo envolvendo os lados da base quadrada é menor que 1/27.000, o que mostra o grande avanço de engenharia, arquitetura e matemática do Período Antigo (EVES, 2004). História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 28 – Figura 1 – Grande Pirâmide de Gizé. Fonte: photoaliona/iStockphoto. Os egípcios utilizam numeraishieroglíficos que não nos fornecem pistas se houve um estágio de contagem concreta antes da invenção de sua escrita, como foi discutido no Capítulo 1. As informações sobre o conhecimento matemático dos egípcios antigos foram extraídas de documentos da época: o Papiro de Moscou e o Papiro de Ahmes. O Papiro de Moscou é datado aproximadamente de 850 a.C. e tem 5,5 metros de comprimento e 8 centímetros de largura. Ele contém 25 problemas matemáticos gravados em escrita hierática, uma espécie de escrita taquigráfica para uso contábil e matemático (EVES, 2004). O Papiro de Ahmes, também conhecido como Papiro de Rhind (Figura 2) por ter sido adquirido por Alexander Henry Rhind em 1858, é um documento de cerca de 1.650 a.C. em que um escriba de nome Ahmes descreve a solução de 85 problemas matemáticos. – 29 – A matemática babilônica, egípcia e grega Figura 2 – Papiro de Rhind. Entre os problemas matemáticos descritos, constam os de aritmética, frações, cálculo de áreas, volumes, regras de três simples, equações linea- res, trigonometria básica, geometria e outros. Além disso, esse papiro não foi escrito utilizando hieróglifos convencionais, mas a escrita hierática1. Infelizmente o papiro foi segmentado em três livros. Os Livros I e II estão no Museu Britânico, enquanto o Livro III se encontra no Museu do Brooklin, em Nova Iorque. O Livro I é composto por 40 problemas algébricos; o II, é composto por 20 problemas de geometria e medições; e o Livro III contém 1 A escrita hierática permitia aos escribas escrever rapidamente, simplificando os hieróglifos quando eram redigidos em papiros. História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 30 – 14 multiplicações, frações e progressões e é composto por vários fragmentos. No papiro de Ahmes é descrito o método de multiplicação e divisão utilizado pelos antigos egípcios por meio do uso de frações unitárias, assim como a solução para determinar a área de um círculo, o emprego da regra de falsa posição e a solução de muitos problemas práticos. Em ambos os papiros, embora a maioria dos problemas sejam de origem prática, existem alguns problemas de natureza teórica (EVES, 2004). O método de multiplicação dos egípcios, apresentado no Papiro de Rhind, assim como no Papiro de Moscou, não precisava de uma tabela de multiplicação. Apenas precisava que o escriba soubesse adicionar 1, além de multiplicar e dividir por 2. Consistia em decompor um dos multiplicadores, preferencialmente o menor, em uma soma de potências de 2 e uma tabela com duplicações do segundo multiplicando. De forma empírica os egíp- cios sabiam que uma potência de 2 estaria presente uma única vez em um número. Portanto, utilizavam o seguinte método para decompor o menor multiplicador: primeiro encontrava-se a maior potência de 2, presente em um número; em seguida subtraia-se essa potência do número a ser multiplicado. Do resultado dessa subtração, novamente encontrava-se a maior potência de 2 possível e, mais uma vez, subtraia-se a maior potência no resultado da sub- tração. Essas operações eram realizadas até que nada sobrasse. Destaca-se que os egípcios não conheciam o número zero (WELLS, 1987). Por exemplo, na multiplicação de 25 por 7, inicialmente decompõe-se o 25 em potências de 2. Para o caso do 25, obtemos a operação a seguir. A maior potência de 2, igual ou menor a 25, é 16. Tirando 16 de 25, sobra 9. Nesse caso, a maior potência de 2, igual ou menor a 9, é 8. Tirando 8 de 9, sobra 1. Nesse último caso, a maior potência de 2, igual ou menor a 1, é 1. Nada resta. Isso significa que 25 pode ser decomposto como uma soma de potências de 2: 16 + 8 + 1. Após a decomposição do menor multiplicador, construía-se uma tabela com duas colunas. Na primeira coluna são apresentadas as potências de dois, enquanto na segunda, os dobros do outro multiplicador. No caso de 25 por 7, obtemos a seguinte tabela. – 31 – A matemática babilônica, egípcia e grega Tabela 1 – Potências de 2 e dobros do multiplicador. 1 7 2 14 4 28 8 56 16 112 Fonte: Elaborada pelo autor. Para obter o resultado de 25 multiplicado por 7, somam-se os elementos da segunda coluna correspondente à decomposição do 25. Nesse caso 25 = 1 + 8 + 16 25 x 7 = 7 + 56 + 112 = 175 Para multiplicar 26 por 33, decompõe-se o número 26: 16 + 8 + 2. Na tabela a seguir, apresenta-se na primeira coluna as potências de 2 e na segunda coluna, os dobros do outro multiplicador. Tabela 2 – Potências de 2 e dobros do multiplicador. 1 33 2 66 4 132 8 264 16 528 Fonte: Elaborada pelo autor. Somam-se os elementos da segunda coluna correspondente à decompo- sição do 26. Nesse caso: 26 = 2 + 8 + 16 26 x 33 = 66 + 264 + 528 = 858 História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 32 – Outros problemas matemáticos aparecem no Papiro de Rhind, em espe- cial, o problema de número 79. Esse problema é de difícil interpretação, ao contrário dos outros. Nele está presente apenas o seguinte conjunto de dados: Tabela 3 – Problema de número 79. Casas 7 Gatos 49 Ratos 343 Espigas de trigo 2.401 Hecates de grãos 16.807 Fonte: Elaborada pelo autor. Inicialmente acredita-se que o escriba talvez estivesse introduzindo a ter- minologia simbólica de casas, gatos, ratos, espigas de milho, hecates de grãos para representar a primeira, segunda potência, e assim por diante. Afinal, é possível reconhecer os números como as cinco primeiras potências de 7 (EVES, 2004). Entretanto, o historiador Mortiz Cantor deu uma nova inter- pretação para esse problema em 1907. Cantor o viu como um precursor de um problema bastante popular na Idade Média, presente no livro Liber Abaci, de Leonardo Fibonacci. Nesse livro há a seguinte descrição: Há sete senhoras idosas na estrada de Roma. Cada senhora tem sete mulos; cada mulo transporta sete sacos; cada saco contém sete pães; com cada pão há setes facas; para cada faca há sete bainhas. Entre mulheres, mulos, sacos, pães, facas e bainhas, quantos estão na estrada de Roma? (EVES, 2004, p. 56) Outra versão mais familiar está presente em versos infantis ingleses: Quando ia a Santo Ivo, encontrei um homem com sete esposas. Cada esposa tinha sete sacos. Cada saco carregava sete gatos. Cada gato tinha sete gatinhos. Gatinhos, gatos, sacos e mulheres, quantos esta- vam indo para Santo Ivo? (EVES, 2004, p. 57) Segundo a interpretação dada por Cantor (EVES, 2004), o problema apresentado no Papiro de Rhind poderia ser formulado da seguinte forma: Uma relação de bens, consistia em sete casas; cada casa tinha sete gatos; cada gato comeu sete ratos; cada rato comeu sete espigas de – 33 – A matemática babilônica, egípcia e grega trigo; e cada espiga de trigo produzia sete hecates de grãos. Casas, gatos, ratos, espigas de trigo e hecates de grãos, quanto havia disso tudo? (EVES, 2004, p. 57) A solução encontrada por Ahmes sugere a compreensão de séries geo- métricas finitas. Os papiros também apresentaram como era feita a divisão no Antigo Egito. Para essa operação também é construída uma tabela com duas colunas. A primeira coluna contém potências de 2 até o valor do dividendo, enquanto a segunda coluna contém múltiplos do divisor, ou seja, são múltiplos do divi- sor, mas sempre o dobro. Somam-se os valores da segunda coluna em que os valores da primeira coluna estão presentes na decomposição do dividendo. As tabelas a seguir mostram melhor o funcionamento dessa operação. A soma dos valores da primeira coluna dará o resultado da divisão. No caso em que se divide 753 por 26, constrói-se a seguinte tabela: Tabela 4 – Potências de 2 e múltiplos do divisor. 1 26 2 52 4 104 8 208 16 416 32 832 Fonte: Elaborada pelo autor. Decompõe-se, então, o 753 com o uso da tabela: 753 = 416 + 337 Decompõe-se o 337, e em sequência, os outros restos: 753 = 416 + 208 + 129 753 = 416 + 208 + 104 + 25 História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 34 – Como 25 não é divisível por 26, observa-se a primeira coluna dos elemen- tos selecionados:16 + 8 +4 = 28. Portanto, a divisão de 753 por 26 é de 28 com resto de 25. 2.2 Matemática mesopotâmica: o povo babilônico Mesopotâmia é o nome dado para a região entre os rios Tigres e o Eufrates e hoje corresponde à maior parte do Iraque e do Kuwait, assim como a partes orientais da Síria e regiões na fronteira entre Turquia e Síria e Irã e Iraque. A sedentarização dos povos sumérios, acádios, os antigos babilônios, assírios, elamitas e os neobabilônicos na região da Baixa Mesopotâmia ocorreu por volta de 5000 a.C. A Mesopotâmia foi um dos primeiros locais em que acon- teceu a transição entre o Paleolítico e o Neolítico no mundo. O surgimento das primeiras cidades ocorreu em 3.000 a.C. e está asso- ciado ao desenvolvimento de um sistema hidráulico que possibilitava o armaze- namento de água para ser utilizada durante as épocas mais secas. As enchentes causadas pelos rios Tigre e Eufrates são muito mais irregulares e drásticas se forem comparadas com as do Nilo. A agricultura era baseada nesse sistema de irrigação e eram cultivados trigo, cevada, linho, gergelim, árvore frutíferas, raízes e legumes. Destaca-se que nessa região não houve uma unidade política e, dessa forma, entre os povos presentes sempre predominaram cidades-Estado. Cada cidade-Estado controlava seu próprio território e sua própria rede de irriga- ção. Como os vestígios arqueológicos são limitados, não é possível definir como era a organização interna política e social nas primeiras cidades-Estado. Entre os povos presentes na Mesopotâmia, os sumérios são conhecidos pelo desenvolvimento da escrita cuneiforme. Devido à falta de papiros e o difícil acesso a pedras de fácil entalhe, os sumérios utilizavam a argila como material para escrita. Eram feitas tábulas de argila úmida, que recebiam inscri- ções feitas com um estilete de cana em formato triangular que gravava traços verticais, horizontais e oblíquos. Ao inclinar o estilete, era possível pressionar a argila com o ângulo do vértice ou com um dos ângulos da base do triângulo. Assim, ao ajustar a posição do estilete em relação à tábua, o escritor podia usar – 35 – A matemática babilônica, egípcia e grega uma única ferramenta para fazer uma grande quantidade de signos. Dessa maneira eram produzidas duas formas parecidas com cunhas, chamadas de cuneiformes. As tábulas então eram cozidas em um forno até que endureces- sem e, assim, os registros tornavam-se permanentes. A datação dessas tábuas cuneiformes e dos hieróglifos egípcios é bastante próxima e, portanto, impede a determinação de qual deles foi o primeiro sistema de escrita. As principais ciências estudadas pelos povos da Mesopotâmia foram a astronomia, a medicina e a matemática – sendo a astronomia principal deles. As torres dos templos eram utilizadas como observatórios astronômicos, e o conhecimento dos sacerdotes nesse campo era notável. Foram capazes de dividir o ano em 12 meses, os meses, em semanas de sete dias, cada dia em 24 horas, as horas em 60 minutos, e os minutos, em 60 segundos. Os médicos da Mesopotâmia utilizavam medicamentos à base de plantas e realizavam tratamentos cirúrgicos. Ao contrário de grande parte da medi- cina dessa época, a medicina mesopotâmica não era confundida com magia e já se acreditava que todos os males tinham origem científica. Entretanto, um médico comumente trabalhava junto de um exorcista, com o objetivo de expulsar os demônios, e recorria aos adivinhos para diagnosticar os males. Assim como o nosso sistema de numeração, os babilônicos utilizavam um sistema de numeração posicional. Entretanto, eles não tinham uma forma de representar o vazio, conhecido hoje como zero. Como indica Eves, Nosso próprio sistema de numeração é um exemplo de um sistema de numeração posicional. Para esse sistema, depois de se escolher uma base b, adotam-se símbolos para 0,1,2,..., b –1. Assim, há no sistema b símbolos básicos, no caso de nosso sistema frequentemente cha- mamos de dígitos. Qualquer número N pode ser escrito de maneira única na forma N = anb n + an–1b n–1 + ... + a2b 2 + a1b + a0 Na qual 0 ≤ ai< b, i = 0,1,..., n. Por isso então representamos o número N na base b pela sequência de símbolos. N = anan – 1...a2a1a0 Assim, um símbolo básico em qualquer numeral dado representa um múltiplo de alguma potência da base, potência essa que depende da posição ocupada pelo símbolo básico. (EVES, 2004, p. 59) História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 36 – No caso de nosso sistema de numeração atual de base 10, adotam-se sím- bolos para 0, 1, 2, ..., 9. Como tratamos anteriormente, em algum momento entre 3.000 e 2.000 a.C. os babilônios desenvolveram um sistema sexagesi- mal, com base 60, mas sem o zero. Por isso ele é considerado misto, já que apesar de os números maiores que 60 serem escritos utilizando-se o princípio posicional sem um modo claro de representar o vazio, às vezes deixava-se um espaço vazio que tornava o número ambíguo, já que números diferentes poderiam ser representados da mesma maneira. Muito processos aritméticos eram efetuados com a ajuda de tábuas. De cerca de 400 tábuas matemáticas encontradas, aproximadamente metade envolviam tábuas de multiplicação, de inversos multiplicativos, quadrados e cubos e até mesmo tábuas exponenciais. Estas últimas provavelmente eram utilizadas para problemas de juros compostos. Já as tábuas de inversos deve- riam ser utilizadas com o objetivo de reduzir problemas de divisão em pro- blemas de multiplicação. Já a geometria babilônica era intimamente ligada à mensuração. Existem diversos exemplos que nos levam à conclusão de que os babilônios estavam fami- liarizados com as regras gerais da área do retângulo, do triângulo-retângulo, do triângulo isósceles, do trapézio retângulo. Existem outros exemplos que mostram que estavam também familiarizados com o cálculo do volume de paralelepípedos reto-retângulo e do volume de um prisma reto de base trapezoidal. Nesse período era considerado que o valor de π era igual a 3. Portanto, os cálculos da área e circunferência de um círculo e os cálculos de volume de um cilindro ou de um cone estavam incorretos. Uma tábula recentemente traduzida mostra que eles já conheciam o teorema de Pitágoras e que os lados de dois triângulos retângulos semelhantes são proporcionais (EVES, 2004). Em torno de 2000 a.C. a aritmética babilônica já estava bem desenvol- vida e já se resolviam equações quadráticas, tanto por substituição em uma fórmula geral como pelo método de completar quadrados. Também se discu- tiam algumas cúbicas e biquadradas (EVES, 2004). – 37 – A matemática babilônica, egípcia e grega 2.3 Grécia: período Helênico O início do período Neolítico, com o assentamento dos povos paleo- líticos pela revolução agrícola, ocorreu na região da Grécia Antiga por volta de 2.000 a.C. Portanto, na Grécia Antiga a transição das tribos de caçadores-coletores ocorreu ao mesmo tempo em que se fundou o impé- rio mesopotâmico. Em apenas 300 anos, na ilha de Creta, prosperava uma civilização que dominava a escrita e a leitura, a civilização minoica, enquanto o continente também era habitado por um povo guerreiro, também alfabetizado, porém menos desenvolvido, os micênicos. Ambas civilizações foram destruídas por invasores, os dórios, vindos da Ásia entre 1.200 e 1.150 a.C. Os dórios se insta- laram nessas terras que conquistaram e acabaram adotando parte da cultura dos habitantes anteriores. Com o desaparecimento das civilizações minoica e micê- nica, a escrita também desapareceu na região, sendo somente reintroduzida por volta de 800 a.C., por mercadores fenícios do Oriente Médio. Durante a Grécia Antiga, os antigos gregos nunca se chamaram de gre- gos, nem a sua civilização de Grécia. As palavras gregos e Grécia são latinas e foram a denominação dada pelos romanos a esse povo. Os antigos gregos se autodenominavam helenos e seu país chamavam de Hélade. O seguinte período na história da Grécia Antiga foi o chamado períodoArcaico ou período Helênico, que ocorreu entre 776 a.C. e 332 a.C. e tem seu início marcado com a data dos primeiros Jogos Olímpicos e seu fim com a morte de Alexandre, o Grande. Em Mileto, por volta de 623 a.C. a 546 a.C., viveu um dos setes sábios da Grécia Antiga: Tales de Mileto. Tales começou sua vida como mercador e tornou-se rico o bastante para dedicar o fim de sua vida ao estudo e a algumas viagens. No decorrer de sua vida, viveu um tempo no Egito, e isso o permitiu calcular a altura de uma pirâmide por meio da sombra desta2. Quando voltou a Mileto, ganhou reputação por ser um conselheiro, estadista, engenheiro, 2 Esse cálculo é feito pelo Teorema de Tales, nome dado ao teorema em sua homenagem. História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 38 – mercador, filósofo, matemático e astrônomo. Entre as demonstrações mate- máticas atribuídas a Tales de Mileto, temos: 2 Os ângulos da base dos triângulos isósceles são iguais. 2 Se dois triângulos têm dois ângulos e um lado respectivamente iguais, então são iguais. 2 Todo diâmetro divide um círculo em partes iguais. 2 Ao unir qualquer ponto C de uma circunferência aos extremos de um diâmetro AB obtém-se um triângulo retângulo C. 2 Um ângulo inscrito num semicírculo é reto. O matemático e filósofo Pitágoras de Samos viveu entre 570 a.C. e 495 a.C. A maioria das informações foram escritas muito tempo depois de sua morte, portanto existem poucos dados confiáveis sobre ele. Sabe-se que ele nasceu na ilha de Samos, viajou pelo Egito, Grécia e, possivelmente, para a Índia. A palavra matemática, em grego mathematike, surgiu com Pitágoras, que foi o primeiro a descrevê-la como um sistema de pensa- mento centralizado em provas dedutivas. Na cidade de Crotona, fundou uma escola mística. Na escola pitagórica eram estudadas as propriedades dos números, já que, segundo os pitagóricos, o cosmo é regido por relações matemáticas. Por meio desse estudo, os pitagóricos descobriram propriedades interessantes sobre os números, como os números perfeitos, números deficientes, números abundantes, números figurados e o teorema de Pitágoras. Os números perfeitos são números em que a soma das divisões, com exceção dele mesmo, é o próprio número. Já um número é deficiente se a soma de seus divisores excede o próprio número, enquanto um número abundante tem o somatório de seus divisores menor que ele. No livro Os elementos, Euclides provou que se 2n –1 é um número primo, então 2n –1 (2n –1) é um número perfeito. No século XVIII, Euler provou que todo número perfeito par tem esse formato. Entretanto, a existência ou não de números perfeitos ímpares é ainda uma questão aberta. – 39 – A matemática babilônica, egípcia e grega Os números figurados são números que podem ser representados por um conjunto de pontos equidistantes e formam uma figura geométrica. Quando a figura formada é um polígono regular, temos um número poligonal, como mostra a figura 3. Todo número perfeito é também um número triangular, assim como um número hexagonal. Figura 3 – Exemplo de figuras geométricas formadas por números figurados. Fonte: EVES, 2004. Já vimos que o teorema de Pitágoras já era conhecido pelos babilônios contemporâneos de Hamurabi, entretanto sua demonstração é atribuída a Pitágoras. Muitas conjecturas são feitas em relação a como Pitágoras fez essa demonstração, mas aparentemente foi por meio de uma demonstração por decomposição, como a que segue ilustrada na figura 4. Figura 4 – Decomposição para a demonstração do Teorema de Pitágoras. Fonte: EVES, 2004. História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 40 – Essa demonstração é explicada por Eves (2004, p. 60): Denotemos por a, b, c os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo e consideramos os dois quadrados da Figura [..], cada um de lados iguais a + b. O primeiro quadrado está decomposto em seis partes – a saber, os dois quadrados sobre os catetos e quatro triângulos retângulos congruentes ao triângulo dados. O segundo quadrado está decomposto em cinco partes - a saber, o quadrado sobre a hipote- nusa e quatro triângulos retângulos congruentes ao triângulo dado. Subtraindo-se iguais de iguais, se conclui que o quadrado sobre a hipotenusa é igual à soma dos quadrados sobre os catetos. Para provar que a parte central da segunda decomposição é efetiva- mente um quadrado de lado c, precisamos usar o fato de que a soma dos ângulos de um triângulo retângulo é igual a dois ângulos retos. O problema de encontrar quais números inteiros possam representar os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo é bastante próximo ao Teorema de Pitágoras. Esse terno de números recebe a designação de terno pitagórico. Os números inteiros são abstrações naturais ao processo de contagem de objetos. Entretanto, não é raro necessitar de frações para representar medidas como comprimento, largura, peso e tempo. Define-se um número racional como uma divisão de dois números inteiros p e q, em que q ≠ 0. Essa defini- ção é suficiente para propósitos práticos que envolvem medições, já que con- tém todas as frações e números inteiros. Até aquela época portanto, não havia conhecimento sobre os números irracionais. Os gregos não tinham um sím- bolo para mostrar a raiz quadrada de 2 e simplesmente afirmavam: o número que multiplicado por si mesmo é dois. Afinal não tinham conhecimento sobre a existência de números racionais. Um dos seguidores de Pitágoras, Hipaso de Metaponto, foi responsável por provar a existência de números irracionais. A ideia de números irracionais era extremamente perturbadora para a época, já que ela não só parecia alterar a suposição básica da escola pitagórica de que tudo era dependente de números inteiros, como também ofendia a definição pitagórica de proporção, a qual previa que tudo poderia ser medido utilizando-se duas grandezas quaisquer similares. Apenas por volta de 370 a.C. Eudoxo apresenta uma nova definição de proporção, que aparece no livro Elementos de Euclides. – 41 – A matemática babilônica, egípcia e grega Era tão inconcebível a descoberta de números irracionais que, por algum tempo, os pitagóricos tentaram manter essa descoberta em segredo. A lenda conta que o Hipaso, um filósofo pré-socrático membro da escola pitagórica, foi lançado ao mar por ter revelado esse segredo a estranhos. Ou, ainda, que Hipaso foi banido da comunidade pitagórica e foi erguido um túmulo como se ele estivesse morto. Durante algum tempo, a raiz de 2 era o único número irracional conhecido. Algum tempo depois, segundo Platão, as raízes de 3, 5, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17 foram mostradas como irracionais também por Teodoro de Cirene. A resolução desses problemas matemáticos abriu portas para a continua- ção do desenvolvimento da matemática, como veremos nos próximos capítulos. Ampliando seus conhecimentos Recomendamos como leitura complementar o texto sobre Aristóteles, disponível no material Introdução à história da matemática, de Rogério Santos Mol. A leitura é interessante porque amplia o conhecimento sobre esse grande pensador, que contribuiu, além de outras áreas, para a construção do pensamento matemático. Transcrevemos o trecho a seguir. Introdução à história da matemática (MOL, 2013, p. 40-41) [...] Aristóteles Aristóteles (384-322 a.C.) foi o discípulo mais famoso de Platão, tendo estudado e trabalhado em sua Academia. Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e teria sido professor de outro futuro rei, que viria a ter um papel essencial na ciência do mundo clássico, Ptolemeu Sóter. História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 42 – Aristóteles discordava de seu mestre em relação à natureza da matemática e de seus objetos. Para Aristóteles, as formas geométricas e numéricas não existem como entidades inde- pendentes do mundo real. Os objetos matemáticos existem como abstração dos objetos reais, mas sua existência depende da existência do próprio objeto. Aristóteles tem umavisão empirista que contrasta com a visão racionalista de Platão, na qual os entes matemáticos têm vida independente no “mundo das ideias”. Para Aristóteles, o que a matemática faz é abstrair certos aspectos dos objetos físicos e estudar essas abstrações. Por exemplo, ao representar uma bola do mundo real por uma esfera matemática perfeita, um objeto matemático abstrato, considera-se apenas a propriedade – satisfeita de forma imper- feita – de que os pontos da bola são equidistantes de seu centro. A visão aristotélica da matemática tem o mérito de favorecer sua aplicabilidade, pois a matemática é, em essência, uma maneira de descrever o mundo sensível. Segundo Aristóteles, é fundamental para o conhecimento produzir um discurso capaz de explicá-lo de acordo com cer- tas regras. Essas regras foram estabelecidas através da lógica formal, criada e sistematizada por esse filósofo. Aristóteles entendia uma ciência dedutiva como um edifício estruturado por verdades encadeadas através de relações lógicas, fundado sobre alguns pressupostos fundamentais não demonstrados. Na Grécia Clássica, esse modelo teria a sua melhor materiali- zação nos Elementos de Euclides, onde um corpo significativo de resultados sobre geometria e aritmética é produzido tendo como ponto de partida um conjunto pequeno de axiomas e postulados básicos. O modelo aristotélico de lógica foi dominante no Ocidente até o século XIX, quando ele foi incorporado à moderna lógica formal. Aristóteles analisou a noção do infinito e o classificou em duas formas: o infinito atual e o infinito potencial. O primeiro seria uma quantidade infinita acabada, enquanto o segundo, uma – 43 – A matemática babilônica, egípcia e grega quantidade finita que poderia aumentar indefinidamente. Para Aristóteles, bastaria aos matemáticos o infinito potencial. E essa noção que viria a ser usada na construção do conceito de limite na teoria do cálculo, muito embora a matemática moderna tenha incorporado, em diversas situações, o infinito atual. Aristóteles analisou e esclareceu noções matemáticas funda- mentais, como as de axioma, definição, hipótese e demons- tração. Criticou as demonstrações por redução ao absurdo, já presentes no método de exaustão de Eudoxo. Segundo Aristóteles, essas demonstrações eram não explicativas: sabia- -se que um fato era verdade apenas por ser verdade. Sua posição viria a criar, ao longo da história da matemática, certas predileções na busca por demonstrações diretas. Aristóteles, assim como Platão, não produziu resultados nem teorias matemáticas. No entanto, suas contribuições no campo da filosofia influenciaram de forma marcante a maneira como a matemática seria construída nos séculos vindouros. [...] Atividades 1. Discuta as características da notação posicional e as relações entre a base decimal e a base sexagesimal. 2. Durante o período grego helênico, diversos matemáticos contribuí- ram de alguma forma com o avanço da matemática. Discuta as prin- cipais contribuições desses matemáticos. 3. Discuta as características da matemática egípcia e quais os elementos que motivaram seu desenvolvimento. Grandes povos, grandes avanços Neste capítulo apresentaremos o grande desenvolvimento da matemática grega que surgiu após a vida e a obra do matemá- tico Euclides. Este famoso matemático lançou um dos livros mais influentes de todos os tempos, chamado Os elementos, em que apre- senta um compilado dos principais resultados conhecidos até a época sobre a geometria. Primeiramente apresentaremos os principais avanços matemáticos discutidos por Euclides e indicaremos como esses avanços impactaram na matemática posterior. Veremos, tam- bém, outros matemáticos importantes do período Helenista grego, como Arquimedes, Eratóstenes, Apôlonio, Hiparco, Ptolomeu, Diofanto e outros. No segundo momento trataremos das matemá- ticas chinesa, hindu e árabe e discutiremos os avanços determinados por essas sociedades. Na terceira parte, mostraremos como todo esse conhecimento matemático voltou a florescer após a Idade Média. 3 História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 46 – 3.1 Grécia: período helenista Poucos nomes foram tão importantes no desenvolvimento da matemá- tica como o do famoso matemático Euclides, escritor do livro Os elementos, que viveu durante o período Helenista, na Grécia. Euclides fundou a fan- tástica escola de matemática de Alexandria, da qual também foi professor e teve um papel fundamental em consolidar e formalizar boa parte do conheci- mento matemático existente até aquela época. Figura 1 – Frontispício da primeira edição de Sir Henry Billingsley, em língua inglesa, dos Elementos de Euclides, de 1570. Euclides escreveu várias obras ao longo de sua vida, mas Os elementos é considerado o livro que historicamente exerceu mais influência no pensa- mento científico e, com exceção da Bíblia, foi a obra mais usada e estudada de todas as eras (EVES, 2004). – 47 – Grandes povos, grandes avanços A principal contribuição de Euclides foi formalizar e escrever na forma axiomática os principais conhecimentos matemáticos da sua época. Os axio- mas, verdades inquestionáveis aceitas sem demonstração e que estruturam sua forma de argumentação na matemática, foram escolhidos de forma que as demonstrações que surgem na sequência podem descrever a maior parte dos resultados já conhecidos. A obra está dividida em 13 livros (capítulos), os quais serão discutidos a seguir e permitirão o entendimento do nível de compreensão da matemática dos povos gregos. O primeiro livro traz definições, postulados e axiomas famosos que per- mitiram ao autor construir a base axiomática da matemática. As primeiras demonstrações versam sobre propriedades de triângulos e teoremas de con- gruência e sobre a teoria das retas paralelas, além de provar que a soma de três ângulos internos de um triângulo é igual a 180º. Também há demonstrações sobre paralelogramos, triângulos e quadrados e a área de cada um deles. Nesse mesmo capítulo há a demonstração do Teorema de Pitágoras, atribuída ori- ginalmente ao próprio Euclides, o que evidencia o papel que o autor teve em formalizar o conhecimento prévio matemático existente até aquela época (EVES, 2004). O segundo livro demonstra e formaliza resultados sobre a álgebra geo- métrica da escola pitagórica. Já era conhecido, desde aquela época, resultados famosos como os produtos notáveis que seguem: (a + b)² = a² + 2ab + b² (a + b) (a – b) = a² – b² A diferença crucial entre a matemática daquele período e a matemática atual é a falta de símbolos práticos para representar os resultados, como o produto notável. Todos os resultados e as demonstrações eram realizados de forma textual, com pouco ou quase nenhum símbolo para representar variá- veis. Isso fazia com que o resultado fosse expresso, por exemplo, desta forma: Livro II: Proposição 6: Caso uma linha reta seja cortada em duas, e seja adicionada a ela alguma reta sobre uma reta, o retângulo con- tido pela reta toda junto com a adicionada e pela adicionada, com o História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 48 – quadrado sobre a metade, é igual ao quadrado sobre a composta tanto da metade quando da adicionada. (EUCLIDES, 2009) O uso de símbolos faz parte do conjunto de saberes associados à matemática moderna e permitiu ampliar as formas de representação de cada conhecimento. O terceiro livro de Euclides apresenta teoremas familiares sobre círculos, cordas, secantes, tangentes e medidas de ângulos associados que são utilizados até hoje e podem ser encontrados nos livros de Geometria Básica dos Ensinos Fundamental e Médio. O quarto livro traz resultados importantes sobre desenho geométrico discutindo a construção, com régua e compasso, de polígonos regulares de três, quatro, cinco, seis e quinze lados, bem como a inscrição e a circunferên- cia desses polígonos em círculos dados (EVES, 2004). É interessante notar que toda demonstração realizada na épocaera feita pelo uso de régua e com- passo, evidenciando o forte vínculo entre a aritmética e a geometria. O quinto livro mostra a formalização e a consolidação dos conhecimen- tos propostos por Eudoxo em sua teoria das proporções. Eudoxo apresentou a resolução de um dos maiores problemas que os gregos buscavam entender na época. Os pitagóricos acreditavam que todas as grandezas podiam ser associa- das a um número inteiro ou a uma razão entre dois números inteiros, ou seja, a um número racional (BONGIOVANNI, 2005). Entretanto, a descoberta de grandezas incomensuráveis, como a diagonal de um quadrado de lado 1, cujo resultado é 2 , o qual se trata de um número irracional, abalou essa crença e trouxe dificuldades de novas compreensões. Eudoxo ignorou essa dificuldade e permitiu que a descrição de medidas incomensuráveis adequa- damente descrevesse a realidade. A definição se encontra no quinto livro dos Elementos de Euclides, como segue: Diz-se que quatro grandezas estão na mesma razão, a primeira para a segunda e a terceira para a quarta se, quando equimúltiplos quaisquer são tomados da primeira e da terceira e equimúltiplos quaisquer da segunda e da quarta, os primeiros equimúltiplos são ambos maiores que, ou ambos iguais a, ou ambos menos que, os últimos equimúl- tiplos considerados em ordem correspondente. (EUCLIDES, 2009) Essa foi a fundamentação que permitiu que Dedekind e Weierstrass defi- nissem os números reais e formalizassem resultados importantes da análise matemática (EVES, 2004). – 49 – Grandes povos, grandes avanços O sexto livro dá continuidade à aplicação das proporções eudoxianas agora à geometria plana. A maior parte dos teoremas, a semelhança de triângu- los, as médias proporcionais, as equações quadráticas, entre outras, eram todas conhecidas pelos Pitagóricos antigos. Entretanto, a maioria dessas demonstra- ções possuíam falhas conceituais, que foram redefinidas por Euclides. O livro VII apresenta o algoritmo euclidiano para encontrar o máximo divisor comum de dois ou mais números inteiros, o qual é utilizado ainda hoje com algumas poucas adaptações. Por sua vez, o livro VIII apresenta resultados sobre proporções contínuas que se caracterizam hoje como progressões aritmé- ticas e geométricas. O livro IX também discute resultados importantes sobre as progressões geométricas, em especial a dedução geométrica da fórmula da soma dos primeiros n termos de uma progressão geométrica (EVES, 2004). Já o livro X apresenta resultados relativos aos números irracionais. Como indica Eves, Para muitos especialistas, este livro é, talvez, o mais notável dos Elementos. Atribui-se grande parte de seu conteúdo a Teeteto, mas sua inteireza, classificação elaborada e acabamento são creditas a Euclides. Custa a crer que se provaram esses resultados por raciocí- nios abstratos sem o apoio de uma notação algébrica conveniente. (EVES, 2004, p. 175) Nessa seção, Euclides discute o método da exaustão, que é o precursor do cálculo diferencial e integral ao resolver o problema de calcular a área de diversas formas geométricas a partir da divisão em diversas partes menores, fundamentação teórica que está inserida no conceito da integral definida. Os últimos livros tratam de geometria espacial, em especial aqueles temas que também são tratados nos livros fundamentais de matemática. A importância dos Elementos reside, portanto, na capacidade que o autor teve em formalizar e apresentar novas demonstrações sobre o conhecimento matemático que possuía. Depois de Euclides, outros nomes relevantes surgi- ram para trazer avanços nas áreas de matemática, física, engenharia e outros campos da ciência, como: Arquimedes, Eratóstenes, Apôlonio, Hiparco, Ptolomeu e Diofanto, que serão discutidos na sequência. Arquimedes, de Siracusa, foi um proeminente matemático que escre- veu alguns livros famosos, como A medida de um círculo, A quadratura da História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 50 – parábola, Sobre as espirais, Sobre a esfera e o cilindro, Sobre os cones e os esferoi- des, entre outros. Suas principais contribuições foram nas áreas de geometria plana e espacial, aritmética, física de corpos flutuantes e hidrostática. Além disso, também trouxe contribuições no Método da Exaustão, fato que o fará reaparecer na eterna discussão sobre a origem do cálculo, que aprofundare- mos no próximo capítulo. Eratóstenes, de Cirene, teve trabalhos importantes na matemática, na astronomia, na geografia, na história, na filosofia e na poesia. Seu principal resultado foi a medida da circunferência da Terra, além de um dispositivo que permitia encontrar todos os números primos menores que um número dado n. Apolônio, junto de Euclides e Arquimedes, foi um dos três gigantes matemáticos do século III a.C. Suas principais contribuições se deram no campo da astronomia. No campo da matemática, Apolônio foi responsável por classificar as cônicas, dando os nomes famosos que são conhecidos até hoje: elipses, parábolas e hipérboles, e obter as principais relações entre elas, que são determinadas pelas equações discutidas nas disciplinas de Geometria Analítica e Álgebra Linear modernas. Apolônio classificou as cônicas de acordo com suas principais propriedades. Hiparco e Ptolomeu também foram proeminentes astrônomos da Antiguidade. Vale ressaltar que os principais avanços matemáticos de todos os tempos aconteceram em consonância com a evolução e a necessidade de diversos outros conhecimentos, como a física, a astronomia, as ciências bioló- gicas, as engenharias e tantas outras. Por fim, Diofanto, de Alexandria, foi o responsável pelo desenvolvimento da álgebra, que influenciou os europeus que desenvolveram a teoria dos núme- ros (EVES, 2004). A abordagem analítica que o autor faz no seu livro Aritmética mostra a capacidade que o povo grego possuía, à sua forma, de resolver os pro- blemas matemáticos. Diofanto, um dos últimos matemáticos gregos, iniciou a inserção de símbolos para descrever resultados matemáticos. A Grécia teve um tempo de florescimento e desenvolvimento cultural e intelectual cujos resultados podem ser vistos até hoje, nos mais diversos aspectos da sociedade. – 51 – Grandes povos, grandes avanços 3.2 A matemática chinesa, hindu e árabe É interessante notar que o desenvolvimento da matemática não aconteceu de forma linear, mas possuiu várias vertentes, que continham apenas alguns pontos em comum. Ao mesmo tempo em que a matemática egípcia e grega se desenvolveram, desenvolvia-se também a matemática chinesa, hindu e árabe. A fonte que permite que tenhamos uma noção do nível de desenvolvi- mento intelectual da matemática chinesa é um livro intitulado K’ui-ch’ang Suan-shu, traduzido como Nove capítulos sobre a arte da matemática, o qual compila os principais resultados da matemática chinesa antiga, assim como o faz os Elementos de Euclides. No caso chinês, o livro apresenta os principais conhecimentos da época, os quais envolvem áreas de triângulos, porcentagem e proporções, regra de três, cálculo de raízes quadradas e cúbicas, volumes, problemas de movimento, sistema de equações lineares e matriciais e triângu- los retângulos pitagóricos, além de outros. Figura 2 – Página de K’ui-ch’ang Suan-shu (Nove capítulos sobre a arte da matemática). História e Filosofia das Ciências e da Matemática – 52 – Entre as principais contribuições da matemática chinesa, as quais se tor- naram inovadoras, estão aquelas apontadas por Eves: Notemos que a China foi a primeira a (1) criar um sistema de nume- ração posicional, (2) reconhecer os números negativos, (3) obter valores precisos de π, (4) chegar ao método de Horner para solu- ções numéricas de equações algébricas, (5) apresentar o triângulo aritmético de Pascal, (6) se inteirar do método binomial, (7) empre- gar métodos matriciais para resolver sistemas de equações lineares, (8) resolver sistemas de congruências pelo método hoje consubstanciado no Teorema Chinês dos Restos,
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