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Capítulo 13 - Desenvolvimento do sistema imunológico - Embriologia Veterinária Poul Hyttel

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Capítulo 13
Desenvolvimento do sistema imune
Morten Vejlsted
O organismo adulto emprega múltiplas camadas de defesa contra materiais
exógenos. Essas formas de defesa são originadas das três camadas embrionárias
germinativas. As barreiras físicas, que compreendem as superfícies epiteliais
intactas externas ou internas (em geral a pele e o epitélio do trato gastrointestinal)
atuam como a primeira linha de defesa do organismo. Estas barreiras têm origem
ectodérmica e endodérmica, respectivamente. Por sua vez, as células que compõem a
segunda e a terceira linhas de defesa, o sistema imune inato (preexistente) e o
sistema imune específico (induzida/adquirida) tem origem do mesoderma. O
sistema imune inato pode atuar rapidamente, porém não tem nenhuma forma de
memória. Os principais componentes da imunidade inata são os granulócitos, que
são oriundos da linhagem celular mieloide das células-tronco hematopoiéticas. O
sistema imune adaptativo ou adquirido é composto de células da linhagem
linfoide, o qual, por sua vez, possui memória; células da linhagem linfocítica
formam descendentes com competência de células efetoras, bem como de memória. O
desenvolvimento da imunidade adquirida depende da colonização bacteriana
intestinal, portanto é um fenômeno que ocorre na vida pós-natal.Devido à alta taxa
de mutação dos potenciais patógenos microbianos, presentes no intestino e nas
superfícies externas do corpo, a imunidade adquirida, essencialmente, resume-se na
habilidade das células da linhagem linfocítica de sofrerem mutações somáticas de seus
receptores de superfície e acompanhar a contínua exposição do organismo a novos
desafios.
Durante a vida intrauterina, a placenta protege o feto contra a exposição de
patógenos exógenos (Cap. 9). Essa proteção resulta no nascimento de um animal
imunologicamente virgem – que possui os elementos celulares da imunidade
adaptativa, no entanto esperando pelo estímulo antigênico para o seu
desenvolvimento final. Para compensar essa deficiência, é crucial a ingestão de
colostro rico em anticorpos proveniente da mãe para a proteção do neonato
passivamente durante as primeiras semanas de vida pós-parto. Em seguida, o sistema
imune do neonato necessita maturar, ou seja, finalizar seu desenvolvimento para a
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sobrevivência do animal. Uma vez que este livro é sobre embriologia, o foco
principal deste capítulo será na formação intrauterina das células e órgãos do sistema
imune. Para descrições da maturação do sistema imune e desenvolvimento da
resposta imune durante a vida pós-natal, bem como um entendimento da
especificidade e memória imunológica, livros-texto como Imunologia Veterinária: Uma
Introdução de Tizard (2008) deverão ser consultados.
Linfócitos
Como é de costume, qualquer descrição sobre o desenvolvimento celular do sistema
imune inicia-se com uma discussão sobre a formação das células-tronco
hematopoiéticas no saco vitelino. No entanto, recentemente, foi demonstrado que o
potencial hematopoiético dessas populações de células-tronco do saco vitelino é
limitado comparado com o apresentado um pouco depois no desenvolvimento pela
região aorta-gônada-mesonefros (AGM) (Cap. 12). De tal modo, atualmente é
aceito que as células hematopoiéticas originadas da AGM colonizam primariamente o
fígado fetal, seguida pela colonização do timo e do baço (durante o período
hepatoesplênico), e finalmente a medula óssea (durante o período medular),
consequentemente dando origem a células das linhagens linfoide, eritroide e
mieloide. Da linhagem linfocítica que se originam as células Natural Killer (NK),
linfócitos B e T enquanto que a linhagem mieloide origina os granulócitos tais
como neutrófilos, eosinófilos e basófilos.
A diferenciação dos linfócitos começa durante o período hepatoesplênico. Mais
tarde, o sistema linfoide associado ao tubo digestivo desenvolve-se, em seguida
há a formação dos linfonodos, das tonsilas e do baço. Com o início do período
medular, a medula óssea torna-se um sítio onde ocorre tanto a hematopoiese quanto
a linfopoiese e a diferenciação linfocítica. A medula óssea, o timo e também sistema
linfoide associado ao tubo digestivo compreendem os tecidos linfoides primários,
nos quais ocorrem a diferenciação e maturação das células da linhagem linfoide. Dos
tecidos linfoides primários, linfócitos imunocompetentes migram para aos tecidos
linfoides secundários, local onde as respostas imunes a antígenos ocorrem no
animal recém-nascido. Os tecidos linfoides secundários compreendem os linfonodos,
baço, tecido linfoide associado à mucosa (MALT do inglês: mucosa-associated
lymphoid tissue) e tecido linfoide associado à pele (SALT do inglês: skin-
associated limphoid tissue).
Diferenciação das células da linhagem linfoide
319
As células da linhagem linfoide podem ser divididas em dois grupos, com base em
sua função e em sua especificidade da expressão de moléculas de superfície: um
composto por linfócitos grandes com citoplasma com granulações, e outro composto
por linfócitos pequenos e quase sem citoplasma. Os grandes linfócitos granulados
são, junto com os granulócitos, células efetoras do sistema imune inato, conhecidos
também por células Natural Killer ou células NK. Os pequenos linfócitos
compreendem diversas sublinhagens, as duas principais as linhagens de linfócitos T
e B. Os linfócitos T e B possuem funções diferentes na resposta imune, de acordo com
a expressão de seus diversos receptores de superfície celular (veja a seguir).
Funcionalmente, linfócitos T são conhecidos por mediar a resposta imune celular
às macromoléculas externas tanto diretamente (p. ex., por eliminação células
infectadas por vírus) quanto indiretamente, por meio da ativação de fagócitos
especializados, incluindo macrófagos teciduais. Os linfócitos B, em contraste, são
conhecidos por mediar a resposta imune humoral por meio da sua diferenciação em
células produtoras de anticorpos, os plasmócitos. Os anticorpos ligam-se a regiões
específicas das macromoléculas externas (antígenos) conhecidas como epítopos, os
quais podem ser partes de proteínas de superfície de membrana, polissacarídeos, ou
glicosaminoglicanas presentes em vírus e bactérias invasoras. A ligação de anticorpo
com o seu específico epítopo medeia a fagocitose de invasores e esse mecanismo é
conhecido por opsonização. Os anticorpos também podem ativar certas proteínas
séricas (conhecidas coletivamente como o sistema complemento) e desse modo
mediar a lise celular, ou podem ligar-se e neutralizar toxinas bacterianas ou virais.
Linfócito T
Como descrito, os linfócitos T diferenciam-se de uma linhagem de células-tronco
hematopoiéticas comum inicialmente formada na região AGM. Destas, uma pequena
população coloniza o Timo (portanto o nome de linfócitos T) durante o início do
desenvolvimento fetal. No timo, as células progenitoras do linfócito T proliferam-se,
maturam e formam células que são comprometidas para o reconhecimento de um
único epítopo em antígenos próprios ou não próprios. A base desta especificidade da
célula T a um único epítopo é fundamentada em seu receptor T (TCR do inglês: T-
cell receptor). Cada linfócito maduro expressa somente um tipo de TCR na sua
superfície celular (por volta de 105 desse receptor em particular por célula). O timo
abriga um vasto número de clones, ou seja, populações individuais de células T, e
todos os linfócitos T que se originam de um mesmo clone compartilham TCR com a
mesma especificidade.
Em contraste aos anticorpos, o TCR somente reconhece epítopos associados às
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moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC do inglês: major
histocompatability complex). Estas são um tipo especial de moléculas de superfície, e
são sítios de apresentação de epítopos próprios e não próprios (externos) de um
animal. Existem duas classes de moléculas de MHC: moléculas MHC de classe I,
expressadas por todas as células nucleadas com exceção das células nervosas; e
moléculas MHC de classe II, expressadas em especial na superfície das células
apresentadoras de antígenos e doslinfócitos B. CD4 e CD8 são outros tipos de
moléculas de superfície, definidas e agrupadas pelo uso de anticorpos específicos [CD
é um acrônimo para do inglês: cluster of differentiation (grupo de
diferenciação)].Durante a maturação no timo, os clones de linfócitos T diferenciam-se
em linfócitos T auxiliares [ou do inglês: T helper (Th)] que expressam CD4 em sua
superfície, ou em linfócitos T citotóxicos (Tc), que por sua vez expressam CD8 em sua
superfície. Os linfócitos Th que expressam CD4 somente reconhecem epítopos
apresentados por uma molécula de MHC de classe II. Esses epítopos são
apresentados por células apresentadoras de antígenos ou por linfócitos B, os quais
possuem a característica de apresentar epítopos derivados de peptídeos exógenos de
partículas externas, geralmente oriundas de patógenos que tenham invadido o
organismo e que tenham sido submetidos à endocitose. Por sua vez, os linfócitos Tc
que expressam CD8, somente reconhecem epítopos apresentados por moléculas de
MHC de classe I; essas moléculas são caracteristicamente endógenas, derivadas de
peptídeos sintetizados dentro da célula. Por exemplo, células infectadas com vírus ou
células tumorais, nas quais a síntese de proteínas está alterada, podem ser
reconhecidas pelas células Tc pela apresentação desses epítopos de proteínas “não
próprias” ligados a moléculas de MHC de classe I.
Durante o processo de maturação dos linfócitos T no timo, em média de 98%
das células são eliminadas por meio do processo de morte celular programada ou
apoptose. Essa eliminação inclui dois ciclos de seleção, o primeiro garante a
sobrevivência somente de linfócitos T que reconhecem moléculas de MHC, e o
segundo ciclo assegura que todos os linfócitos que reconhecem epítopos próprios
sejam eliminados. Antes de sua maturação, os linfócitos T não expressam CD4 ou
CD8. Estes linfócitos imaturos estão principalmente localizados nas áreas tímicas
subcapsulares, onde são circundados por células reticulares ricas em moléculas de
MHC de classe I e de MHC de classe II. Durante a maturação, os linfócitos T
deslocam-se para regiões profundas do córtex, onde a expressão de CD4 e CD8 é
iniciada. Os linfócitos T resultantes “duplo positivos”, ou seja, aqueles que expressam
tanto CD4 quanto CD8, são então submetidos ao processo de seleção inicial ou
positiva durante a qual seus TCRs são testados contra moléculas de MHC na
superfície das células reticulares. Somente linfócitos T que reconhecem moléculas de
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MHC “próprias” sobrevivem a esse processo. A seleção positiva configura a base da
restrição ao MHC que resulta em linfócitos que aceitam somente moléculas de MHC
“próprias”. Os linfócitos T selecionados se direcionam para as regiões mais profundas
do timo, onde ao atingir a junção corticomedular os linfócitos T duplo positivos são
submetidos ao segundo processo de seleção ou seleção negativa para a reatividade
ao “próprio”. Esse processo resulta na eliminação de linfócitos T que expressam TCR
que reconhece epítopos de antígenos “próprios”. Deste modo, o “próprio” é aceito,
configurando a base da tolerância imunológica.
Um problema inerente a esses mecanismos é que durante a seleção positiva, os
linfócitos T que reconhecem moléculas de MHC “próprias” são preservados, enquanto
durante a seleção negativa os linfócitos T que reconhecem moléculas de MHC
“próprias” são eliminados. A razão para esse processo paradoxal, o qual levaria
fundamentalmente à não sobrevivência de todos os linfócitos T, ainda é um enigma.
Uma hipótese plausível é a de que a seleção positiva resulta em populações de
linfócitos T que possuem uma gama de receptores com afinidade que varia de baixa a
alta para moléculas de MHC “próprio”. E pela seleção negativa, linfócitos T que
possuem receptores com alta afinidade são eliminados enquanto aqueles com baixa
afinidade sobrevivem ao processo. Assim, a seleção negativa, em vez de usar um
critério “um ou outro”, ocorre de acordo com o critério de “mais ou menos”, ou seja,
varia de acordo com a intensidade de ligação entre o TCR e as moléculas de MHC
“próprio”.
Somente linfócitos T que sobrevivem tanto à seleção positiva quanto à negativa
direcionam-se para a medula, ou como linfócitos T auxiliares (Th) CD4 positivo
restritos ao MHC de classe II; ou linfócitos T citotóxicos (Tc) CD8 positivo restritos ao
MHC de classe I. O resultado final é a seleção de TCRs (tanto para Th como Tc) que
especificamente reconhecem a combinação de moléculas de MHC “próprias” e
epítopos alterados ou externos. Os linfócitos, no entanto, são funcionalmente naïve1,
quando eles deixam o timo. Posteriormente, os linfócitos circulam pelo sangue,
tecidos linfáticos e linfa para realizar o que tem sido chamado de “vigilância
imunológica”. Somente mediante o reconhecimento de um epítopo alterado ou
externo apresentado por uma molécula de MHC de classe I ou II os linfócitos T serão
submetidos à diferenciação final, desempenharão o seu papel na resposta imune
celular e estabelecerão memória.
Linfócito B
Assim ocorre com os linfócitos T, é comumente aceito que os linfócitos B diferenciam-
se de uma célula-tronco hematopoiética comum. Em várias espécies, o
desenvolvimento e a maturação do linfócito B ocorrem na medula óssea.No entanto,
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pelo menos em ovinos, o local onde principalmente ocorre esses processos parece ser
em uma placa de Peyer ileal. Este órgão linfoide intestinal primário parece ser um
equivalente da Bursa de Fabricius (ou bolsa cloacal) em aves. Assim como no timo
(veja a seguir), esta bolsa involui em torno da puberdade e os linfócitos B passam a
residir na medula óssea, tecidos e órgãos linfoides secundários, incluindo outras
placas de Peyer encontradas no intestino do animal adulto.
Linfócitos B progenitores, assim como nos linfócitos T, inicialmente proliferam-se
e maturam para formar clones de células individualmente comprometidos em
reconhecer um único epítopo, sejam eles “próprios” ou “não próprios” através dos
receptores de células B (BCR do inglês: B-cell receptor). Os BCRs são
imunoglobulinas do tipo IgM que representam anticorpos ligados à membrana. Em
contraste ao TCR, os BCRs são capazes de reconhecer epítopos sem o envolvimento
de moléculas de MHC de classe I ou II, sendo esta última característica de células
apresentadoras de antígeno. Os linfócitos B são selecionados por meio de seleção
positiva e negativa eliminando linfócitos B que reconhecem epítopos “próprios”. Ao
final, linfócitos B naïve e maduros, como nos linfócitos T, deixam seus órgãos
linfáticos primários (tanto da placa de Peyer ileal em ovinos quanto da medula
óssea), circulam pelo sangue e linfa e colonizam os tecidos linfoides secundários.
Circulação e diferenciação final dos linfócitos
Os linfócitos T e B circulam por todo o organismo um ou duas vezes por dia,
passando a maioria do tempo em áreas especiais dos tecidos linfoides secundários
conhecidos como zonas dependentes de linfócito T e B. No indivíduo adulto, essas
zonas são onde geralmente ocorrem as respostas imunes a macromoléculas externas
porque contêm células apresentadoras de antígeno que expressam moléculas de MHC
de classe II. No útero, todavia, esse tipo de resposta imune não ocorre porque requer
elementos mediados tanto por linfócito T quanto por linfócito B, uma combinação
que não se materializa até o nascimento. Simplificando, uma reação imune depende
da ativação de células Th CD4-positivas, a qual depende da apresentação adequada
dos epítopos pelas moléculas de MHC de classe II presente nas células apresentadoras
de antígeno. Os tecidos linfáticos secundários possuem um microambiente
especializado onde os linfócitos naïve tornam-se ativados e, consequentemente,
tornam-se capazes de formar linfoblastos.
Os linfoblastos T finalmente diferenciam-se em linfócito T de memória e
células efetoras, enquanto que linfoblastos B diferenciam-se em linfócito B de
memória e plasmoblastos. Como indicado por seus nomes, esses linfócitos possuem
memória imunológica. Ao contrário dos linfócitos B naïve, os linfócitosB de memória
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expressam, em adição à IgM, BCRs dos tipos IgG, IgA e IgE específicos ao epítopo o
qual as células foram selecionadas. Plasmoblastos finalmente se diferenciam em
plasmócitos. Diferentemente dos linfoblastos progenitores que expressam BCRs
ligados à membrana na superfície, os plasmócitos irão produzir uma molécula
específica, um anticorpo, destinado à secreção. Inicialmente somente anticorpos do
tipo IgM serão secretados.Posteriormente outros tipos de anticorpos também serão
produzidos.
Órgãos linfoides e tecidos
Os órgãos e tecidos linfoides podem ser classificados de acordo com suas funções na
geração, na regulação da produção de linfócitos, e no suprimento de ambientes para
captura de antígenos externos. Os órgãos linfoides primários regulam o
desenvolvimento inicial e a maturação de linfócitos, incluindo os processos de seleção
positiva e negativa. Os linfócitos T desenvolvem-se e maturam no timo. Enquanto
que os linfócitos B podem maturar em uma gama de órgãos de acordo com a espécie:
em aves, na Bursa de Fabricius (bolsa cloacal) associada à cloaca; na medula
óssea, na maioria dos mamíferos; e nos tecidos linfoides intestinais conhecidos como
placas de Peyer ileal em ovelhas. É de extrema importância salientar que não há
apresentação de antígenos externos nos órgãos linfoides primários e, portanto, não
há respostas imunes relacionadas à imunidade adquirida.
Timo
O timo é um órgão linfoide primário onde linfócitos T maturam. Em ruminantes, o
timo forma-se por volta do dia 40 da gestação, em carnívoros por volta do dia 30, em
cavalos por volta do dia 60. É localizado nas regiões do pescoço e da entrada
torácica, dependendo da espécie. Com base na proporção do timo com a massa
corpórea, esse órgão apresenta tamanho maior no animal recém-nascido no qual o
conjunto completo de linfócitos T naïve já foi produzido. Em torno da puberdade, o
timo involui e seu parênquima é gradualmente preenchido por tecido adiposo, no
entanto o timo parece manter sua funcionalidade mesmo no animal adulto.
Após a sua completa formação, o timo apresenta-se como um órgão composto de
lóbulos pareados contendo células epiteliais levemente comprimidas envoltas por
uma cápsula de tecido conjuntivo. Uma membrana basal anormalmente espessa
subjacente à camada de células epiteliais rodeadas por vasos sanguíneos no timo
forma a barreira hematotímica, que protege as células T maduras da exposição a
antígenos externos. Nenhum vaso linfático emerge do timo.
324
O retículo tímico desenvolve-se da porção endodérmica ventral da terceira
bolsa faríngea, intimamente ligado ao desenvolvimento das glândulas paratireoides
das porções dorsais dessas bolsas (Fig. 14-11). Em contraste, a cápsula tímica e o
tecido conjuntivo que gera os septos originam-se do mesênquima derivado da crista
neural do terceiro arco branquial circundado pelo primórdio tímico (Cap. 14). O fato
que um epitélio forma o retículo de um órgão linfoide é exclusivo para o timo e as
tonsilas palatinas; em outros órgãos linfoides, primários e secundários, e todo seu
conjunto provavelmente tem origem puramente mesenquimal, derivado da crista
neural ou do mesoderma.
A porção ventral da terceira bolsa faríngea é primariamente oca, ao longo do
desenvolvimento a bolsa faríngea separa-se de suas ligações com a cavidade
faríngea, formando um corpo sólido composto por células endodérmicas que se
expande à medida que migram ventral e caudalmente (Fig. 14-11). À medida que o
coração migra para o interior da cavidade torácica (Cap. 12) partes do timo são
arrastadas caudalmente para a porção cranial do mediastino. Então, o timo
apresenta-se após a sua formação como uma estrutura em forma de “Y”, fusionada
em sua extremidade caudal e com a extremidade cranial ainda associada à faringe.No
recém-nascido, este tipo de estrutura está mais definido em ruminantes, no qual há
uma porção torácica não pareada e porções cervicais direta e esquerda podem ser
identificadas. Ambas as porções torácica e cervical também estão presentes em
suínos, no entanto a um menor grau, e em equinos e carnívoros somente há o
desenvolvimento da porção torácica.
Finalmente, o estroma reticular derivado do endoderma do timo é infiltrado por
parênquima composto por precursores de linfócitos T originados de células-
tronco hematopoiéticas (veja antes) e outras células de origem mesodérmica. Os
progenitores de linfócitos T são inicialmente negativos para ambas as moléculas CD4
e CD8, colonizam o córtex, especialmente as áreas subcapsulares onde células
reticulares epiteliais são ricas em moléculas de MHC de classe I e de classe II. Essas
células epiteliais também são conhecidas como células “nurse”, uma vez que estas
regulam a proliferação inicial e a maturação dos linfócitos T. Elas exercem sua função
por meio da secreção de substâncias que coletivamente são conhecidas por
“hormônios tímicos”, alguns dos quais dependem de zinco para exercer sua função. A
progressão da maturação do linfócito T e sua migração para as porções mais
profundas do timo, para a circulação sanguínea e para os órgãos linfáticos
secundários foram descritos antes.
Medula óssea/placas de Peyer ileal
Nos ruminantes e suínos recém-nascidos, o tecido linfoide está presente na porção
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aboral do intestino. Antes do nascimento, contudo, pelo menos em ovinos, há uma
placa de Peyer ileal que é considerada um órgão linfoide primário para a
maturação de linfócitos B – o que equivale funcionalmente à Bursa de Fabricius em
pássaros. Ainda não está claro se isso também é verdade para ruminantes e suínos.
Em ovelhas, a proporção do tamanho das placas de Peyer ileal com a massa corpórea
é maior em torno do nascimento. As estruturas linfoides, encontradas após o
nascimento no intestino delgado de ruminantes e suínos, são consideradas órgãos
linfoides secundários (parte do GALT; veja a seguir) que contêm ambos linfócitos T e
B e persistem por toda a vida.
Por enquanto, em animais domésticos com exceção da ovelha, a medula óssea é
considerada um tecido linfoide primário, mais precisamente na região externa é onde
acredita-se que ocorram as seleções positiva e negativa para linfócitos B. Em todas as
espécies de animais domésticos, a medula óssea funciona tardiamente com um tecido
linfoide secundário.
Vascularização linfática, linfonodos e outros tecidos linfoides secundários
Os vasos sanguíneos têm origem das células endoteliais precursoras derivadas do
mesoderma (angioblastos) que se proliferam e organizam-se em canais vasculares
primitivos (vasculogênese; Cap. 12). Os vasos crescem, remodelam-se e formam as
cadeias primitivas por brotamento e divisão endotelial (angiogênese). A
vascularização linfática desenvolve-se de forma paralela à vascularização sanguínea
porém mais lentamente.
Ao passo que a vascularização sanguínea forma um sistema contínuo, com
artérias e veias interligando-se por meio de capilares, o sistema linfático é um
sistema aberto, que flui em um único sentido, consistindo em capilares teciduais,
vasos e ductos de coleção, que finalmente drenam para a circulação venosa por meio
da veia jugular ou da veia cava cranial. Acredita-se que as células endoteliais
linfáticas embrionárias surgem das veias, brotam e formam os sacos linfáticos
primários. Dos sacos linfáticos primários, brotamentos adicionais de células
gradualmente estendem para cadeias capilares que circundam os tecidos e os órgãos.
O sistema linfático aparece primeiro como seis sacos linfáticos primários formando
a cadeia anteroposterior (Fig. 13-1): os sacos linfáticos jugulares pareados na
região cervical; um saco linfático retroperitoneal na região da parede dorsal do
corpo na raiz do mesentério na cavidade abdominal; a cisterna do quilo na mesma
região, porém mais tardia e dorsalmente no nível da aorta dorsal; e os sacos
linfáticos posteriores pareados que aparecem quase ao mesmo tempo que a cisterna
do quilo. Os vasos linfáticos conectam-se com esses sacos linfáticos. Os dois vasos
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linfáticos principais conectam a cisterna do quilocom os sacos linfáticos jugulares e
uma anastomose é formada entre esses dois vasos. O ducto torácico desenvolve-se
dessas estruturas com o vaso do lado direito formando a porção caudal e o vaso do
lado esquerdo formando a porção cranial do ducto torácico.
Fig. 13-1 Desenvolvimento dos vasos linfáticos em um embrião humano com 9 semanas do
desenvolvimento (A, B) no feto em um estágio mais avançado (C). 1: Veia femoral; 2: Veia
jugular interna; 3: Saco linfático jugular; 4: Ducto torácico; 5: Veia cava caudal; 6: Cisterna do
quilo; 7: Saco linfático retroperitoneal; 8: Saco linfático posterior; 9: Veia cava cranial; 10:
Anastomose; 11: Ducto linfático direito; 12: Ducto torácico final; 13: Linfonodo. Linhas
pontilhadas em “D” indicam estruturas que involuíram.
Modificado de Carlson (2004).
Os linfonodos são órgãos linfoides secundários, inseridos no curso dos vasos
linfáticos e servindo como filtros locais no fluxo linfático enquanto este segue seu
caminho em direção à circulação sanguínea. Os nodos tendem a surgir em grupos,
centros linfáticos, em importantes pontos estratégicos. Por exemplo, o centro
linfático retrofaríngeo medial recebe toda a linfa que é drenada da cabeça, o centro
linfático cervical recebe a linfa drenada do pescoço, e o centro linfático auxiliar
recebe a linfa oriunda do membro torácico e das glândulas mamárias craniais. No
entanto, pouco se sabe sobre o desenvolvimento dos linfonodos. Acredita-se que o
estroma dos linfonodos tenha origem mesenquimal, e o parênquima origine-se dos
linfócitos, macrófagos e células dendríticas que o colonizam.
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Os órgãos linfáticos secundários também se desenvolvem em conjunto com as
superfícies interna e externas do corpo para a formação do tecido linfoide
associado à mucosa (MALT do inglês: mucosa-associated lymphoid tissue), que é
composto pelo tecido linfoide associado ao intestino (GALT do inglês: gut-associated
lymphoid tissue), e o tecido linfoide associado à pele (SALT do inglês: skin-
associated lymphoid tissue). Um dos componentes do MALT são as tonsilas
palatinas, o retículo que se desenvolve do endoderma dentro do segundo saco
faríngeo (Cap. 14).
Baço
O baço é um órgão linfático secundário localizado na região dorsolateral do
abdome, intimamente ligado ao ventrículo pelo ligamento gastrolienal, uma parte do
mesogástrico dorsal (Cap. 14). Assim como os linfonodos, o baço funciona como um
filtro que contém células apresentadoras de antígenos especializadas para a captação
dos antígenos que chegam ao baço. Ao contrário dos linfonodos, o baço está inserido
na circulação sanguínea e portanto filtra os antígenos carreados pelo sangue. Os
primórdios do baço, assim como dos linfonodos, surgem do mesênquima local
derivado do mesoderma. No segundo trimestre da gestação, é formado o complexo
vascular da polpa vermelha. Assim como descrito no Capítulo 12, o baço se interpõe
com e supera o fígado fetal como o principal órgão de hematopoiese. A polpa
branca forma-se após a infiltração de linfócitos, macrófagos e células dendríticas no
órgão.
Resumo
O parênquima do sistema imune tem origem mesodérmica, de células-tronco
hematopoiéticas que aparecem na região da aorta-gônada-mesonefros (AGM). O
estroma pode ter origem ectodérmica, mesenquimal ou endodérmica (no timo e
tonsilas palatinas). O timo, a placa de Peyer ileal e a medula óssea são órgãos
linfoides primários onde os linfócitos sofrem maturação sem a estimulação
antigênica. Os linfócitos T sofrem maturação no timo onde eles passam pelos
processos de seleção positiva e negativa e adquirem competência de reagir contra
epítopos externos (ou epítopos “próprios” alterados) apresentados via moléculas de
MHC, mas, por sua vez, de tolerar a presença de epítopos “próprios” durante a vida
pós-natal. No feto, os linfócitos são impedidos de responder a antígenos pela
placenta. Consequentemente, o recém-nascido depende da suplementação do
colostro, leite rico em anticorpos que o neonato ingere logo após o nascimento. Os
linfócitos T são responsáveis pela resposta imune celular. Os linfócitos B maturam
328
ou na placa de Peyer ileal ou na medula óssea, e são responsáveis pela resposta
imune humoral. Os tecidos linfoides secundários, os quais incluem a medula
óssea, linfonodos, baço, tecido linfoide associado à mucosa (MALT), tecido
linfoide associado ao intestino (GALT), e o tecido linfoide associado à pele
(SALT), são locais em que ocorre a apresentação de antígenos e onde as respostas
imunes são iniciadas no animal após o nascimento. No feto, uma resposta imune não
é elicitada.
Leituras adicionais
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1 Nota da Tradução: Linfócito T ou B maduro que nunca encontrou com seu antígeno específico e nunca desenvolveu uma resposta
imune.
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