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60 Unidade III Unidade III 7 EXERCÍCIO E SISTEMA ENDÓCRINO O meio interno no qual todas as células do corpo funcionam precisa ser regulado exatamente com relação ao conteúdo, à temperatura e à concentração de íons hidrogênio. Essa tarefa é realmente difícil, exigindo muitos mecanismos homeostáticos, entretanto, existem dois principais sistemas de controle ao redor dos quais funcionam todos os mecanismos homeostáticos: (1) o sistema nervoso e (2) o sistema endócrino (sistema esse através do qual substâncias químicas, denominadas hormônios, controlam funções e respostas celulares específicas). Nesse momento, veremos o funcionamento do sistema hormonal (ou endócrino) com relação à manutenção da homeostase, tanto em condições de repouso quanto de exercício. 7.1 Características da ação hormonal O hormônio pode ser definido como uma substância química específica secretada para dentro dos fluidos corporais por uma glândula endócrina, exercendo um efeito específico sobre as atividades de outras glândulas, tecidos e órgãos. A célula, o tecido ou o órgão sobre o qual um hormônio exerce determinado efeito recebe a designação de célula‑alvo, tecido‑alvo ou órgão‑alvo, respectivamente. As glândulas endócrinas não possuem canais excretores e são formadas por células epiteliais nas quais os hormônios são fabricados ou armazenados. Já que o hormônio é secretado diretamente para dentro do sangue ou da linfa, as glândulas endócrinas são denominadas glândulas de secreção interna. Observação Somente as glândulas endócrinas secretam hormônios. As glândulas exócrinas, como as sudoríparas e as lacrimais, secretam substâncias que não atuam em células específicas, não podendo, por isso, serem consideradas hormônios (GUYTON; HALL, 1997). Como acabamos de mencionar, os hormônios produzem um efeito específico sobre as atividades de órgãos‑alvos. Esse efeito, que pode levar minutos ou horas para ocorrer, resulta principalmente do aumento ou da redução de um processo celular prévio (e não do desencadeamento de um novo processo). Por exemplo, os hormônios podem: (1) ativar os sistemas enzimáticos, (2) alterar a permeabilidade das membranas celulares, (3) causar contração ou relaxamento muscular, (4) causar síntese proteica ou (5) causar secreção celular. 7.2 Especificidade da ação hormonal Alguns hormônios exercem efeitos sobre todos os tecidos do corpo, porém a maioria desempenha um efeito apenas sobre um órgão‑alvo específico. Essa especificidade é conseguida graças à presença de um receptor hormonal específico localizado dentro da membrana celular do órgão‑alvo: o receptor, renato Highlight renato Highlight renato Highlight renato Highlight 61 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO sendo específico, pode reagir apenas com um hormônio. O funcionamento é análogo a um sistema formado por uma chave e uma fechadura: apenas uma chave específica (hormônio) destrancará a fechadura (receptor), abrindo caminho para a ação hormonal no interior da célula‑alvo. Os hormônios podem ser tão específicos a ponto de somente afetarem determinada parte de um órgão ou tecido. Por exemplo, o hormônio antidiurético (ADH) afeta as células dos túbulos coletores no rim, porém não aquelas da parte ascendente da alça de Henle. Admite‑se que os hormônios que causam um efeito em todos os tecidos do corpo funcionam também pelo mecanismo receptor. Entretanto, nesse caso, o receptor é mais genérico e esparso, de forma que todas as células o possuem. 7.3 Mecanismos da ação hormonal Do ponto de vista fisiológico, como um hormônio produz um efeito sobre uma célula? Existem muitos mecanismos fisiológicos diferentes de ação hormonal, contudo, o mecanismo mais comum de ação sobre a maioria dos hormônios é o mecanismo AMP cíclico. AMP é uma abreviatura para adenosina monofosfato, composto semelhante ao ATP. Por participar no mecanismo de ação de tantos hormônios, costuma ser denominado mensageiro para a mediação hormonal. O mecanismo do AMP cíclico é mostrado esquematicamente a seguir. Um hormônio, após alcançar a célula através do sangue, interage com seu receptor específico localizado dentro da membrana celular. Essa interação ativa parte de uma enzima denominada adenilciclase, que também se localiza dentro da membrana celular. Por sua vez, a adenilciclase ativada induz a formação de AMP cíclico a partir do ATP, que fica localizado dentro da célula, no citoplasma. Depois que o AMP cíclico é formado, uma ou mais das respostas fisiológicas já mencionadas podem ocorrer. a. Os hormônios não podem passar pela membrana celular c. O complexo hormônio‑repcetor ativa a enzima adenilciclase localizada no interior da célula d. A adenilciclase forma o AMP cíclico Membrana celular Núcleo e. O AMP cíclico ativa as enzimas que conduz as mudanças celulares e as respostas hormonais b. O hormônio se liga ao receptor hormonal específico localizado na membrana celular ATP cAMP Protein kinases (active) substrate (active) substrate (inactive) Cellular changes Protein kinases (inactive) Figura 5 – Representação esquemática do mecanismo de ação do AMP cíclico 62 Unidade III A resposta cessa quando o AMP cíclico é destruído. A resposta em particular que ocorre depende do tipo da própria célula. Por exemplo, as células tireoidianas estimuladas pelo AMP cíclico formam o hormônio tireoidiano, enquanto as células epiteliais dos túbulos renais são afetadas pelo AMP cíclico aumentando sua permeabilidade à água. Além disso, vários hormônios podem causar a mesma resposta numa determinada célula. As células adiposas, por exemplo, podem ser estimuladas através do mecanismo do AMP cíclico no sentido de se desintegrarem em triglicerídios pelos hormônios adrenalina, noradrenalina, hormônio adrenocorticotrópico e glucagon. Admite‑se que o AMP cíclico não é o único tipo de hormônio intracelular mediador. Outras substâncias desse tipo poderiam incluir: (1) prostaglandinas, uma série de compostos lipídicos presentes na maioria das células em todo o corpo, e (2) um composto denominado guanosina monofosfato cíclico, que é semelhante ao AMP cíclico. Além disso, o mecanismo mediador hormonal intracelular não constitui o único mecanismo pelo qual os hormônios podem desencadear um efeito celular. Por exemplo, a insulina produz um efeito direto sobre a permeabilidade das membranas celulares à glicose, enquanto as catecolaminas produzem um efeito direto sobre a permeabilidade da membrana a vários íons. 7.4 Controle da secreção hormonal Já que os hormônios exibem um efeito preciso sobre a função celular, sua secreção também deve ser controlada com exatidão. Como isso é conseguido? Novamente, existem vários sistemas de controle. Um deles é o sistema nervoso. Entretanto, o sistema predominante de controle hormonal é o mecanismo de retroalimentação negativa. Basicamente, nesse mecanismo a secreção do hormônio é bloqueada ou reduzida em virtude do resultado final da resposta causada pelo próprio hormônio. Por exemplo, um aumento na concentração sanguínea de glicose estimula o pâncreas a secretar o hormônio insulina. Essa produz um aumento na captação celular de glicose, que reduz a concentração da glicose sanguínea. A redução na glicose sanguínea “retroalimenta” (alerta) o pâncreas, exercendo um efeito “negativo” (redução) sobre a secreção de insulina (daí o termo “retroalimentação negativa”). Em outras palavras, o resultado final da ação da insulina (redução na glicose sanguínea) faz com que sua secreção seja bloqueada ou reduzida. Esse é um exemplo relativamente simples, porém alguns hormônios são controlados por uma versão mais complexa do mecanismo de retroalimentação negativa. A secreção de tiroxina pela glândula tireoide, por exemplo, é estimulada por outro hormônio denominado hormônio tireoide‑estimulante (ou TSH), proveniente da hipófise anterior. A retroalimentação negativa, nesse caso, é proporcionada pelo nível de tiroxina no sangue. Quando esse nível é alto, a secreção de TSH é reduzida;quando é baixo, a secreção de TSH aumenta. Em outros sistemas de retroalimentação, podem participar várias glândulas endócrinas e seus hormônios. Como já dissemos, o sistema nervoso também participa no controle da secreção hormonal. Por exemplo, a adrenalina e a noradrenalina da medula suprarrenal são secretadas em resposta direta ao estímulo produzido pelo sistema nervoso simpático. A liberação de hormônio antidiurético (ADH) pela hipófise posterior também é controlada pelo cérebro. Em verdade, o controle da secreção hormonal pelo sistema nervoso não é surpreendente. Esses dois sistemas devem, e realmente o fazem, trabalhar juntos para produzir a regulação precisa necessária para a manutenção da função homeostática. 63 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO 7.5 Hormônios e suas glândulas Na figura a seguir temos a representação esquemática dos hormônios e de seus respectivos locais de produção (glândulas). Hipotálamo Pituitária ou Hipófise Tireoide e paratireoide Glândula do timo Glândulas adrenais Pâncreas Ovários Testículos Figura 6 – Representação esquemática dos hormônios e de suas glândulas 7.5.1 Glândula pituitária ou hipófise A glândula pituitária, também denominada hipófise, libera muitos hormônios. A hipófise é uma glândula extremamente pequena localizada na base do crânio e unida ao hipotálamo. Do ponto de vista fisiológico, possui dois lobos distintos, cada um deles secretando hormônios específicos. Glândula pituitária Figura 7 – Representação da glândula pituitária (ou hipófise) 64 Unidade III O lobo posterior, também denominado neuro‑hipófise (por causa de sua conexão direta com o hipotálamo), é responsável pela secreção do hormônio antidiurético (ADH), ou vasopressina, que funciona principalmente promovendo a reabsorção da água a partir dos túbulos coletores do rim. O outro hormônio secretado pela neuro‑hipófise é a ocitocina. Suas principais funções consistem em estimular a ejeção do leite e a contração do útero gravídico. O lobo anterior, também denominado adeno‑hipófise, secreta os seguintes hormônios: (a) hormônio do crescimento (GH), ou somatotropina (STH), que estimula o crescimento e o desenvolvimento; (b) hormônio tireoide‑estimulante (TSH), que estimula a produção e a liberação dos hormônios tireoidianos; (c) hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) ou corticotrópica, que estimula a produção e liberação dos hormônios glicocorticoides pelo córtex suprarrenal; (d) hormônio folículo‑estimulante (FSH), que promove o crescimento do folículo ovariano na mulher e a espermatogênese no homem; (e) hormônio luteinizante (LH), ou hormônio estimulante das células intersticiais (ICSH), que estimula a ovulação, a formação do corpo amarelo e a secreção hormonal na mulher, além de estimular a secreção das células intersticiais no homem; (f) prolactina, ou hormônio luteotrópico (LTH), que estimula a secreção láctea após a gravidez. Lobo anterior Lobo posterior Figura 8 – Representação da glândula pituitária ou hipófise Como pode ser visto, a hipófise é uma glândula endócrina muito importante e, por causa de seus muitos hormônios, costuma ser denominada glândula “mestre”. 7.5.2 Glândulas suprarrenais As glândulas suprarrenais, como seu nome indica, estão localizadas acima dos rins. Fisiologicamente, a glândula suprarrenal é constituída por duas glândulas endócrinas separadas, a medula suprarrenal, ou porção interna da glândula, e o córtex suprarrenal, ou porção externa. A medula suprarrenal é semelhante e está sob influência direta do sistema nervoso simpático. Seus hormônios são também semelhantes aos do sistema nervoso por secretarem adrenalina e noradrenalina (esses dois hormônios são denominados catecolaminas). As catecolaminas são o tipo de hormônio que exerce efeitos sobre todos os tecidos do corpo. Uma comparação dos efeitos fisiológicos da adrenalina e noradrenalina no corpo é apresentada tabela a seguir: 65 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Tabela 4 – Comparação entre adrenalina e noradrenalina em seres humanos Parâmetro Adrenalina Noradrenalina Coração Frequência cardíaca + ‑ Força de contração +++ 0,‑ Rendimento cardíaco +++ – – Efeitos vasculares Pressão arterial média + +++ Pressão sistólica ++ +++ Pressão diastólica +,o,‑ ++ Resistência periférica total ‑ ++ Efeitos metabólicos Hiperglicemia +++ 0,+ Produção de calor ++ 0,+ Ácido lático sanguíneo +++ 0,+ Mobilização de ácidos graxos livres +++ 0 Estimulação do sistema nervoso central +++ +++ O córtex suprarrenal secreta cerca de 40 hormônios que pertencem à classe dos compostos conhecidos como esteroides. Com base em suas principais ações, os esteroides são divididos nos grupos a seguir: • Os mineralocorticoides afetam principalmente o metabolismo eletrolítico. O mineralocorticoide mais importante é a aldosterona, que funciona aumentando a reabsorção do sódio nos túbulos distais do rim. Isso, por sua vez, produz a reabsorção de cloro e água. • Os glicocorticoides, embora recebam essa designação em virtude do efeito sobre o metabolismo da glicose, exercem também efeitos sobre o metabolismo proteico e lipídico. O glicocorticoide mais importante é o cortisol. Os glicocorticoides (principalmente o cortisol) promovem uma maior síntese de glicose (gliconeogênese) a partir dos aminoácidos, deprimem a lipogênese simpática e mobilizam a gordura nos tecidos adiposos. Os outros efeitos do cortisol consistem na manutenção da reatividade vascular (sem cortisol, os vasos sanguíneos são incapazes de responder às catecolaminas circulantes) e a inibição da reação inflamatória, que constitui a resposta normal dos tecidos a uma lesão. Em virtude dessa última ação, com frequência os glicocorticoides são administrados em doses farmacológicas maciças. • Os androgênios produzem o desenvolvimento das características sexuais secundárias. Os androgênios são também secretados pelos testículos. O androgênio masculino mais importante é a testosterona e, na mulher, o estrogênio. 66 Unidade III 7.5.2.1 Esteroides Surgiu grande interesse, particularmente entre os levantadores de pesos, lutadores e demais atletas envolvidos em provas de força, em relação aos efeitos dos esteroides androgênicos sobre o desempenho. Os esteroides androgênicos são derivados do hormônio sexual masculino testosterona, secretado pelos testículos. A testosterona induz as características físicas particulares do corpo masculino. Com um pico de produção principalmente entre os 11 e 13 anos de idade, a testosterona acelera o início da puberdade, sendo produzida continuamente durante todo o transcorrer da vida. A secreção de testosterona produz a descida dos testículos para dentro do escroto e o aumento dos testículos, do pênis e do escroto. Afeta as características masculinas secundárias, incluindo (1) distribuição pilosa, (2) voz, (3) crescimento e desenvolvimento dos ossos, (4) desenvolvimento da musculatura após a puberdade. Não é de admirar, pois, que algumas companhias farmacêuticas tenham lançado inúmeros desses esteroides androgênicos no mercado, na esperança de capitalizar a área do esporte. Como assinala Guyton e Hall (1997), com frequência a testosterona foi considerada como um “hormônio da juventude” devido ao seu efeito sobre a musculatura, sendo ocasionalmente utilizada para o tratamento de pessoas com músculos pouco desenvolvidos. Os nomes comerciais para alguns dos preparados sintéticos da testosterona incluem: Anavar, Clembuterol, Decadurabolin, Durateston, Hemogenin, Primobolan, Proviron e Winstrol. Essas drogas são estruturadas quimicamente com o intuito de acentuar os atributos anabólicos (acúmulo proteico) da testosterona ao mesmo tempo que minimizam as propriedades androgênicas (que produzem características masculinas). Indubitavelmente, houve problemas na elaboração dos estudos científicos destinados a comprovar os efeitos dessas drogas sobre o desempenho e o desenvolvimento da musculatura, muitos deles completados com resultados equívocos. Desse modo, a ausência deuma informação objetiva e consistente acerca dos efeitos dos recursos ergogênicos é parcialmente atribuível a (1) consideráveis variações fisiológicas e psicológicas individuais entre as pessoas e (2) dificuldades na elaboração de um protocolo de pesquisa isento de erros. Parece que os esteroides podem aumentar a força e a massa muscular em alguns indivíduos, porém não em outros. Provavelmente o seu maior problema reside nos efeitos colaterais. Os profissionais da área da saúde estão muito preocupados com os efeitos dessas drogas sobre o fígado. As pessoas com história de doença hepática nunca deveriam participar de experiências com esteroides. Mulheres que tomam esteroides desenvolveram acne e exibiram sintomas positivos nos testes de função hepática. O Colégio Americano de Medicina do Esporte realizou um levantamento completo da literatura mundial e analisou atentamente as reivindicações feitas a favor e contra a eficiência dos esteroides anabólicos‑androgênicos no aprimoramento do desempenho físico humano. Na sua visão, a administração de esteroides anabólicos‑androgênicos em seres humanos sadios com menos de 50 anos de idade, em doses terapêuticas aprovadas pela medicina, por si só não costuma produzir uma melhora significativa na força, na resistência aeróbia, na massa corporal magra, nem no peso corporal. Não existe nenhuma 67 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO evidência científica conclusiva de que doses extremamente altas de esteroides anabólicos‑androgênicos facilitem ou dificultem o desempenho atlético. O uso prolongado de esteroides anabólicos‑androgênicos orais (derivados C17‑alquilados da testosterona) resultou em distúrbios hepáticos em algumas pessoas. Alguns desses distúrbios aparentemente são reversíveis com a cessação do uso da droga, porém outros não. A administração de esteroides anabólicos‑androgênicos em homens pode resultar numa redução do tamanho e da função testiculares e numa diminuição na produção e da função espermática. Embora esses efeitos pareçam ser reversíveis quando se utilizam pequenas doses de esteroides por curtos períodos de tempo, a reversibilidade dos efeitos das altas doses tomadas por longos períodos de tempo é obscura. Terão que se empregar esforços sérios e contínuos no sentido de educar atletas (masculinos e femininos), técnicos, professores de educação física, médicos, treinadores e o público em geral acerca dos efeitos inconstantes dos esteroides anabólicos‑androgênicos sobre o aprimoramento do desempenho físico humano e dos possíveis perigos de se tomar certas formas dessas substâncias, especialmente em altas doses, por períodos prolongados. 7.5.3 Pâncreas Os dois principais hormônios secretados pelo pâncreas são a insulina e o glucagon. Ambos são secretados pelas células das ilhotas de Langerhans, a insulina pelas células beta e o glucagon pelas células alfa. A insulina é hipoglicemiante, isto é, faz baixar os níveis sanguíneos de glicose, aumentando o ritmo do transporte da glicose através da membrana da maioria das células do corpo. Essencialmente, a insulina estimula o processo da difusão facilitada da glicose. Observação Cada célula é circundada por uma membrana, em cujo interior existe uma matriz. Essa matriz é formada por lipídios (gorduras), sendo, por isso, denominada matriz lipídica. Na difusão comum ou livre, (1) os compostos passam através dos poros da membrana externa, (2) se dissolvem na matriz, (3) se difundem para a membrana interna e (4), finalmente, passam através da parede da membrana e penetram na célula. No entanto, os açúcares, como a glicose, não se dissolvem na matriz lipídica. Consequentemente, terão que encontrar outros meios de se difundir até a parede interna da membrana. Esse processo é denominado difusão facilitada, pois a glicose recorre a uma substância carreadora que facilita seu transporte ou sua difusão para dentro da célula. Além de seus efeitos sobre a captação celular da glicose, a insulina aumenta a deposição de gorduras nos adipócitos (células gordurosas). A ausência de insulina resulta em diabetes mellitus. renato Highlight renato Highlight 68 Unidade III O glucagon exerce efeitos opostos aos da insulina. Portanto, a secreção de glucagon gera maiores níveis de glicose sanguínea. O glucagon exerce dois grandes efeitos sobre o metabolismo dos carboidratos ou da glicose: (1) glicogenólise, ou desintegração do glicogênio e (2) aumento da gliconeogênese, ou síntese da glicose a partir de moléculas que não são de carboidratos, como proteína ou gordura. 7.5.4 Glândula tireoide A glândula tireoide está localizada na parte superior da traqueia, logo abaixo da laringe (caixa vocal). Seus principais hormônios são a tiroxina e a tri‑iodotironina, responsáveis, respectivamente, por 90% e 10% do débito total da tireoide (apesar de também secretar um hormônio denominado calcitonina). Tanto a tiroxina quanto a tri‑iodotironina exigem pequenas quantidades de iodo (um miligrama por semana) para sua formação. Para prevenir a deficiência de iodo, o sal de cozinha comum é iodado. A liberação de tiroxina e tri‑iodotironina é controlada pelo hormônio tireoide‑estimulante (TSH) secretado pela adeno‑hipófise. A principal ação dos hormônios tireoidianos consiste num aumento generalizado da taxa metabólica. Algumas funções específicas associadas a esse aumento no metabolismo são: (1) maior síntese proteica, tornando os hormônios tireoidianos necessários para o crescimento e desenvolvimento normais na pessoa jovem; (2) maior quantidade de enzimas intracelulares; (3) aumento no número e no tamanho das mitocôndrias; (4) maior captação celular de glicose, aceleração da glicólise e da gliconeogênese; e (5) maior mobilização e oxidação dos ácidos graxos livres. A calcitonina acarreta uma redução no nível sanguíneo de cálcio. Esse hormônio funciona em combinação com o paratormônio, que será discutido a seguir. 7.5.5 Glândulas paratireoides As glândulas paratireoides são minúsculas glândulas encaixadas na superfície dorsal da tireoide, e o paratormônio (PTH) é o hormônio por elas secretado. Esse hormônio, juntamente com a calcitonina, regula o equilíbrio do cálcio no organismo. O paratormônio acarreta uma maior absorção de cálcio a partir do trato digestivo, fazendo com que menos cálcio seja perdido através de fezes e urina. Isso, juntamente com sua ação na remoção do cálcio a partir do osso, produz um aumento no nível sanguíneo de cálcio. A calcitonina age no sentido oposto do paratormônio, isto é, produz uma redução nos níveis sanguíneos de cálcio, prevenindo a remoção do cálcio a partir do osso. 7.5.6 Ovários e testículos Como glândulas endócrinas, os ovários (nas mulheres) e os testículos (nos homens) produzem os hormônios sexuais, androgênios no homem e estrogênio e progesterona na mulher. O androgênio mais importante é a testosterona. Convém relembrar que a produção e a liberação dos hormônios sexuais são controladas pelo hormônio luteinizante (LH) da adeno‑hipófise. Os androgênios promovem as características sexuais secundárias e são reconhecidos como promotores do anabolismo (síntese) proteico e como redutores do catabolismo (desintegração) proteico. renato Highlight 69 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO O estrogênio dos ovários exerce ações na mulher comparáveis àquelas dos androgênios no homem. É responsável pelo desenvolvimento e pela função do útero, das trompas e da vagina e promove as características sexuais secundárias na mulher. Além disso, admite‑se que o estrogênio fornece proteção contra a aterosclerose e, dessa forma, contra a doença cardíaca coronariana. A progesterona é secretada em grandes quantidades apenas após a ovulação. Promove o desenvolvimento adicional do útero e das glândulas mamárias. 8 RESPOSTAS HORMONAIS AO EXERCÍCIO E TREINAMENTO O exercício físico e o treinamento fazem com que os níveis sanguíneos dos hormônios previamente mencionados aumentem ou diminuam em comparação com os valores de repouso. Embora o significado fisiológicode muitas dessas alterações não seja conhecido atualmente, o fato de sempre responderem ao exercício físico por si só já é significativo. O que segue constitui uma sucinta revisão dos efeitos do exercício físico e do treinamento sobre as respostas hormonais. Saiba mais Para aprofundar seus conhecimentos sobre os efeitos do exercício físico e do treinamento sobre as respostas hormonais, leia a obra indicada a seguir: MÉTIVIER, G. The effects of long lasting physical exercise and training on hormonal regulation. In: HOWALD, H.; POORTMANS, J. R. (Ed.). Metabolic adaptation to prolonged physical exercise. Basel: Birkhäuser, 1975. 8.1 Hormônio do crescimento (GH) O hormônio do crescimento humano (também conhecido como GH, de growth hormone, ou somatotropina), leva o nome de “humano” por ser um dos únicos que tem a estrutura molecular diferente daqueles sintetizados por outros animais. Sua liberação é controlada por um hormônio hipotalâmico, o GHRH (growth hormone release hormone). De acordo com alguns autores, como Berne e Levy (1996), Guyton e Hall (1997), Schottelius e Schottelius (1978), suas funções são: (1) aumento de captação de aminoácidos e da síntese proteica pelas células, além da redução da quebra das proteínas; (2) acentuação da utilização de lipídios e diminuição da utilização de glicose para a obtenção de energia; (3) estimulação da reprodução celular (crescimento tecidual); (4) estimulação do crescimento da cartilagem e do osso. O GH estimula o fígado a secretar pequenas proteínas chamadas de somatomedinas ou fatores de crescimento semelhantes à insulina (também IGF‑I e IGF‑II, de insulin‑like growth factor). As somatomedinas e o GH atuam em conjunto, acentuando seus efeitos. 70 Unidade III Durante o sono, a secreção de GH também é aumentada, porém o nível de treinamento não tem relação com a intensidade desse aumento (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1998). É importante ressaltar que esse hormônio só pode cumprir a sua função adequadamente quando acompanhado de uma dieta rica em proteínas (BERNE; LEVY, 1996). Foi mostrado em estudos que o exercício provoca uma liberação ainda maior de GH se for efetuado num ambiente quente (BRENNER et al., 1998). Em crianças, uma hipersecreção de GH pode provocar gigantismo, enquanto a hipossecreção pode causar nanismo. Uma criança ativa, portanto, tem mais tendência a atingir uma altura maior do que outra sedentária, desde que essa vida ativa seja acompanhada de uma dieta adequada. É, inclusive, aconselhável que crianças que apresentem nanismo sejam estimuladas a dormir e se exercitar (MCDERMOTT, 1997). O GH é utilizado frequentemente como agente ergogênico exógeno, principalmente entre atletas de modalidades que requerem mais força, como lutadores e velocistas. Problemas referentes à sua utilização como tal incluem a acromegalia, que acontece em adultos com hipersecreção (ou administração exagerada do exógeno) e é caracterizada por um crescimento excessivo dos ossos em espessura (já que na idade adulta as epífises já se fundiram com as diáfises ósseas e os ossos não podem mais crescer em comprimento). Também é atribuída ao uso exagerado do GH a causa de casos de morte súbita por parada cardíaca em atletas (BERNE; LEVY, 1996; GUYTON; HALL, 1997), podendo ainda ter um efeito diabetogênico por estimular as células B das ilhotas de Langerhans a secretar insulina extra (GUYTON; HALL, 1997). Contrastando com as informações supracitadas, estudos mostraram que o hormônio do crescimento não aumenta imediatamente durante o exercício, mas, sim, paulatinamente com o passar do tempo. Esse achado refuta a ideia de que uma maior liberação do hormônio de crescimento durante o exercício desempenhe um papel significativo na mobilização e no metabolismo dos ácidos graxos livres. A resposta do hormônio do crescimento ao exercício parece estar relacionada com o nível de aptidão do indivíduo. Isso é demonstrado de duas maneiras: (1) existe um menor aumento no hormônio do crescimento durante um exercício da mesma intensidade no indivíduo treinado do que no destreinado e (2) a redução no hormônio do crescimento após um exercício exaustivo é mais rápida na pessoa treinada do que na destreinada. Embora o significado dessas diferenças entre indivíduos treinados e destreinados não seja conhecido com exatidão, foi sugerido que um treinamento físico constante estabelece uma diferença nos processos de controle do hormônio do crescimento. 8.1.1 Mecanismos de ação do GH O GH tem ação anabólica, ao estimular o crescimento tecidual, e metabólica, alterando o fluxo, a oxidação e o metabolismo de praticamente todos os nutrientes na circulação. Porém, os mecanismos envolvidos com essas ações são bastante complexos, podendo ser divididos em: ações diretas, que são mediadas pela cascata de sinalizações intracelulares, desencadeadas pela ligação do GH ao seu receptor na membrana plasmática; e ações indiretas, mediadas principalmente pela regulação da síntese dos fatores de crescimento semelhantes à insulina (insulin‑like growth factors, IGF) e de suas proteínas transportadoras plasmáticas (insulin‑like growth factor binding proteins, IGFBP). renato Comment on Text doença crônica provocada por uma disfunção da glândula pituitária e que se caracteriza pelo crescimento anormal das extremidades do corpo (mãos, pés, rosto); moléstia de Marie. 71 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Em relação ao metabolismo lipolítico e glicolítico, as ações diretas do GH são antagonistas aos efeitos provocados pela insulina (GHANAAT; TAYEK, 2005). São justamente esses efeitos que caracterizam o GH como um hormônio diabetogênico, ou seja, que aumenta a concentração de glicose circulante e, consequentemente, estimula a liberação de mais insulina para manter a glicemia adequada. Nesse sentido, o GH promove diminuição da oxidação da glicose e de sua captação em vários tecidos, aumentando a lipólise e a oxidação de ácidos graxos no tecido adiposo e na musculatura esquelética e cardíaca, consistindo num estímulo para a produção hepática de glicose, principalmente pela ativação da glicogenólise. A ação diabetogênica do GH é apontada como uma das maiores limitações ao uso crônico de altas doses de GH, pois pode provocar hiperglicemia, fator de risco para diversas complicações cardiovasculares (ADAMS, 2000; BORST, 2004). Em indivíduos idosos, foi verificado que a infusão de GH durante uma semana promoveu aumento três vezes maior da secreção de insulina durante um teste de tolerância à glicose (MARCUS et al., 1990; BORST, 2004). Contudo, agudamente, o GH também pode ter efeitos semelhantes aos da insulina (PELL; BATES, 1990; RIBEIRO; TIRAPEGUI, 1995). É sabido que a liberação de GH secretado pela adeno‑hipófise aumenta no sangue durante o exercício, sendo esse aumento tanto mais pronunciado quanto maior for a intensidade do exercício. O processo se dá da seguinte forma: o exercício estimula a produção de opiáceos endógenos, que inibem a produção de somatostatina pelo fígado, um hormônio que reduz a liberação de GH (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1998). Por exemplo, numa sessão de treinamento de um corredor velocista (predominantemente anaeróbia), os níveis de GH normalmente atingem valores mais altos que numa sessão de um fundista (predominantemente aeróbia). Especula‑se que isso ocorra porque as adaptações necessárias ao primeiro caso envolvam mais síntese tecidual (por exemplo, formação de massa muscular) do que as necessárias para o segundo caso. É comprovado, também, que indivíduos destreinados apresentam uma liberação maior de somatotropina do que indivíduos treinados, e que esse aumento na liberação acontece antes mesmo do início da sessão de treinamento (para os treinados, o aumento só começa a ocorrer de cinco a dez minutos depois do início), e é provável que seja pelo mesmo motivo, ou seja, os indivíduos já treinados necessitam de uma menor síntese tecidual do que os destreinados, em termos de massa muscular, principalmente. Em idosos, não sesabe o motivo, mas mesmo quando treinados, os níveis diminuem com a idade, durante o exercício. Diversos efeitos promovidos pelo exercício físico são influenciados pelo GH, incluindo a redução no catabolismo proteico e a oxidação de glicose, concomitantemente ao aumento da mobilização dos ácidos graxos livres (AGL) do tecido adiposo, para gerar energia. Esses fatores sugerem o GH como importante hormônio liberado em diversas situações de estresse. No entanto, estudos demonstram que o GH também tem efeitos considerados como “anabólicos”, dentre os quais a promoção do balanço proteico positivo e o aumento na quantidade de massa muscular e na liberação de IGF‑1 (ADAMS, 2000), o qual está envolvido na estimulação do processo hipertrófico muscular. O quadro a seguir apresenta alguns dos principais efeitos do GH no metabolismo proteico e desempenho. 72 Unidade III Quadro 1 – Alguns efeitos do GH no metabolismo proteico e desempenho Efeitos Amostra Aumento na síntese proteica ou redução na sua degradação. Indivíduos saudáveis. Resultados controversos em atletas. Aumento na liberação de IGF‑1. Indivíduos deficientes de GH ou idosos (> 60 anos) e em indivíduos saudáveis atletas. Aumento na quantidade de massa muscular. Indivíduos deficientes de GH ou idosos (> 60 anos). Resultados controversos em indivíduos saudáveis. Aumento na força. Indivíduos deficientes de GH ou idosos (> 60 anos). Resultados controversos em indivíduos saudáveis. Aumento no VO2máx. Indivíduos deficientes de GH ou idosos (> 60 anos). Aumento no peso corporal. Indivíduos deficientes de GH ou idosos (> 60 anos). Indivíduos saudáveis, sedentários e atletas. Os efeitos do GH no metabolismo proteico dependem da interação entre o GH, os IGFs e os substratos, em especial, as proteínas (RENNIE, 2003). Em situações de ausência ou redução acentuada da síntese do GH, verifica‑se uma diminuição na quantidade de massa muscular, força e resistência muscular (RENNIE, 2003). A diminuição da secreção do GH é associada com o envelhecimento, só não se sabe se como causa ou como consequência (DEUSCHLE et al., 1998). Normalmente, em indivíduos deficientes de GH ou idosos (mais de 60 anos), a reposição do hormônio resulta em aumento na força, na massa muscular e no volume máximo de oxigênio (VO2máx.) e submáximo. Pesquisas preliminares demonstram que, quando indivíduos saudáveis foram submetidos à infusão aguda com GH, em quantidade similar à liberação fisiológica, observou‑se um aumento na capacidade de síntese proteica concomitantemente a uma redução na degradação/liberação de aminoácidos pelo tecido muscular, fato que pode ser considerado um efeito “anabólico”. Uma vez que nesses estudos não foram constatadas alterações na concentração sistêmica de alguns hormônios, incluindo a insulina e o IGF‑1, foi postulado que o GH pode regular de forma direta o turnover proteico de células, principalmente musculares. Nesse sentido, o GH poderia servir como sinal anabólico para o aumento na quantidade de massa muscular e para regular as adaptações que ocorrem com a realização de exercícios físicos. Se o GH possui efeitos “anabólicos” diretos sobre o metabolismo proteico muscular, seria esperado que sua utilização exógena associada a um programa de treinamento físico pudesse promover ganhos adicionais na massa muscular. Entretanto, estudos sobre os efeitos “anabólicos” do GH no metabolismo proteico, na força muscular ou no desempenho e na massa muscular de indivíduos saudáveis são controversos. Alguns autores sugerem que o aumento na massa muscular em atletas de diferentes esportes, incluindo o halterofilismo e o fisiculturismo, se deve não apenas à utilização 73 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO crônica de GH, mas também à administração conjunta de outros hormônios ou agentes anabólicos (JENKINS, 1999; RENNIE, 2003). Em um estudo foi avaliado o efeito da administração de GH (40 ng/kg/dia ou 0,1 UI/kg/dia) em indivíduos saudáveis submetidos a um período de 12 semanas com exercícios físicos resistidos, realizados 5 vezes por semana em intensidade entre 75% e 90% da força máxima, sendo realizadas de quatro a oito repetições. Os resultados mostraram um aumento na massa livre de gordura e na quantidade de água corporal em ambos os grupos. No entanto, o grupo tratado com GH apresentou maiores valores e, adicionalmente, sua taxa de síntese proteica foi maior que a degradação. Todavia, não foi constatada modificação na força, na circunferência de diversos membros avaliados e na taxa de síntese proteica do músculo quadríceps. Outros estudos que se propuseram a verificar os efeitos do GH em quantidades (0,1 UI/kg/dia a 0,2 UI/kg/dia) e períodos variados (duas a quatro semanas) em atletas ou indivíduos fisicamente ativos não observaram benefícios da administração do hormônio sobre o metabolismo proteico. As diferenças nos resultados de pesquisa sugerem que os fenômenos demonstrados em indivíduos deficientes de GH ou em idosos não necessariamente se equiparam aos efeitos em indivíduos saudáveis (RENNIE, 2003). Além disso, a alteração no peso corporal encontrada em diversos trabalhos pode ser consequência do efeito antidiurético promovido pelo GH, no qual ocorre aumento na retenção de sódio e, por conseguinte, de água. Esse mecanismo é regulado pelo sistema renina‑angiotensina, fato que aumenta o volume de água extracelular, mas não a massa muscular (DE PALO et al., 2001). Ainda que outros estudos demonstrem um turnover proteico aumentado ou maior massa livre de gordura decorrente da administração do GH, esses efeitos, considerados por muitos pesquisadores como “anabólicos”, não necessariamente são traduzidos em aumento na quantidade de proteínas contráteis (RENNIE, 2003). Assim, o papel direto do GH na regulação do metabolismo proteico, bem como sobre o desempenho de indivíduos saudáveis, ainda é bastante controverso. Pesquisas mais recentes indicam que indiretamente o GH pode ter papel bem mais relevante, principalmente envolvendo a liberação de IGF‑1 e sua interação com células satélites, mas até o presente momento são poucas as evidências de que a administração exógena de GH é de fato capaz de promover ganhos de massa e força musculares. Lembrete O GH tem ação anabólica, ao estimular o crescimento tecidual, e metabólica, alterando o fluxo, a oxidação e o metabolismo de praticamente todos os nutrientes na circulação. Suas principais funções no metabolismo proteico e desempenho são: (1) aumento na síntese proteica ou redução na sua degradação; (2) aumento na liberação de IGF‑1; (3) aumento na quantidade de massa muscular; (4) aumento na força; (5) aumento no VO2máx. e (6) aumento no peso corporal. 74 Unidade III 8.1.2 Metabolismo lipídico Embora as catecolaminas e a insulina sejam os principais reguladores hormonais do metabolismo lipídico, estudos demonstram que o GH promove um aumento na concentração sérica de glicerol e AGL, sugerindo aumento da lipólise no tecido adiposo. Por outro lado, a redução da concentração de GH (ou sua ausência total) favorece o acúmulo de gordura pelo tecido adiposo, fato que é observado em indivíduos com deficiência na produção de GH. Alguns estudos mostram que, nos casos dessa deficiência, a reposição do GH pode favorecer a lipólise, reduzindo especialmente a quantidade de gordura abdominal, bem como o volume dos adipócitos, entretanto, mais estudos são necessários. Em estudos com indivíduos saudáveis também puderam ser observados efeitos indicativos de lipólise com a administração do GH. Pesquisadores verificaram que a utilização do GH promoveu aumento na lipólise do tecido adiposo subcutâneo das regiões abdominal e glútea. Também observou‑se que a mobilização de AGL, glicerol e lactato em indivíduos saudáveis submetidos a exercícios físicos aeróbios foi potencializada com a administração aguda de 7,5 UI de GH. Por outro lado, um estudo observou que a elevação na disponibilidade de AGL, promovida pelo GH, não aumentou a taxa de oxidação de gorduraspara a geração de energia. Esses fatos estão de acordo com outros trabalhos realizados in vitro em adipócitos de humanos saudáveis, em que o GH apenas aumentou a mobilização da gordura armazenada (MARCUS et al., 1990). No entanto, o GH também pode ter outros efeitos, como o aumento na sensibilidade às catecolaminas, produzidas em elevada quantidade durante sessões de exercícios físicos. Além disso, o GH pode antagonizar o efeito antilipolítico da insulina, aumentando a taxa de oxidação de AGL. Esses efeitos, por si só, poderiam alterar a capacidade de oxidação de gorduras pelos tecidos, contribuindo para a redução da quantidade de gordura corporal. Evidências também indicam que o GH pode aumentar o gasto energético (GE) de repouso entre 10% e 25%, fato que também pode contribuir para a redução da quantidade de gordura corporal de indivíduos saudáveis. Pesquisadores verificaram que a administração de GH em doses suprafisiológicas (12 UI/dia) em mulheres saudáveis durante duas semanas promoveu um aumento de, aproximadamente, 15% no GE de repouso e na taxa de oxidação de gorduras. Corroborando esses resultados, verificou‑se que, em indivíduos saudáveis e treinados, o tratamento com GH em quantidades suprafisiológicas (6 UI/dia) durante duas semanas aumentou o GE e a oxidação de AGL. Alguns estudos aventaram a possibilidade de que o aumento no GE observado pode ser o resultado da maior quantidade de tecidos metabolicamente ativos; contudo, os trabalhos que estabeleceram essa relação não mensuraram de fato massa muscular, mas massa livre de gordura, o que poderia trazer interpretações equivocadas por conta do possível efeito antidiurético do GH. Adicionalmente, também têm sido propostas, como fatores contribuintes para o aumento do GE, pequenas alterações promovidas pelo GH na concentração de hormônios da tireoide e na estimulação mitocondrial de proteínas desacopladoras (UCP), fatos que favorecem a oxidação de AGL. De forma geral, evidências indicam que o GH tem importante efeito no processo de redução da quantidade de gordura corporal, principalmente por meio da estimulação na mobilização de AGL do tecido adiposo, no GE e na sensibilidade às catecolaminas. 75 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO 8.1.3 Efeitos do exercício físico sobre o GH 8.1.3.1 Exercício aeróbio A maior parte dos estudos envolvendo atividades físicas aeróbias demonstra que a intensidade e a duração do exercício são os principais fatores que alteram o perfil de liberação do GH (WIDEMAN et al., 2002). Além disso, variáveis como o nível de treinamento, a composição corporal, o gênero (WIDEMAN, 1999) e a idade dos indivíduos estudados também podem modular a liberação desse hormônio (JENKINS, 1999; RENNIE, 2003). O quadro a seguir apresenta as principais variáveis que podem influenciar a liberação do GH em exercícios aeróbios. Quadro 2 – Variáveis que podem influenciar a liberação aguda do GH em exercícios aeróbios Variável Efeitos Estado de treinamento Na maior parte dos casos, indivíduos treinados ou atletas apresentam menor liberação do GH que indivíduos não treinados. Gênero Mulheres apresentam maior amplitude e frequência na liberação do GH que homens, e essa resposta se manifesta mais rapidamente. Idade Indivíduos mais velhos (mais de 40 anos) apresentam menor liberação do GH que indivíduos jovens (por volta de 20 anos). Intensidade A liberação aumenta de acordo com a intensidade. Duração Sessões com duração igual ou superior a 30 minutos aumentam a liberação do GH. Exercício intermitente Três sessões de exercícios aeróbios em um mesmo dia aumentaram a concentração de repouso do GH. Período do dia Nenhum efeito significativo na liberação do GH. Em geral, pode ser observada uma elevação na concentração do GH na circulação sanguínea nos primeiros 10 ou 15 minutos de exercício físico, realizado na intensidade de aproximadamente 30% do VO2máx. (SUTTON; LAZARUS, 1976; FELSING; BRASEL; COOPER, 1992; WIDEMAN et al., 2002; COPELAND; CONSITT; TREMBLAY, 2002). Entre 40 e 60 minutos de atividade, a concentração basal ou de repouso do GH, que é de 1 ng/L a 2 ng/L, pode aumentar em diversas vezes, a amplitude desse aumento dependendo da intensidade em que o exercício físico for realizado (FELSING; BRASEL; COOPER, 1992). Embora em alguns estudos a concentração do GH tenha variado entre 5 ng/L e 25 ng/L na intensidade leve a moderada (de 25% a 75% VO2máx.), outros trabalhos com protocolos mais intensos (superiores a 90% do VO2máx.) demonstraram ser capazes de elevar a concentração para aproximadamente 50 ng/L (WIDEMAN et al., 2002). Em geral, ao fim da atividade, a concentração sistêmica do GH declina gradativamente até chegar ao valor pré‑exercício, com essa redução ocorrendo, na maioria das vezes, em aproximadamente 60 minutos (WIDEMAN et al., 2002). Uma vez que o exercício físico aeróbio realizado cronicamente pode promover adaptações no organismo que são capazes de influenciar a liberação aguda do GH, o nível de treinamento passa a ser uma variável bastante relevante na avaliação do perfil de liberação do GH. A maioria dos trabalhos indica que indivíduos não treinados submetidos a uma sessão de exercício aeróbio apresentam uma maior amplitude na liberação do GH que indivíduos treinados ou atletas (DEUSCHLE et al., 1998). 76 Unidade III Além disso, nesses últimos sujeitos a resposta do GH parece ser atenuada (JENKINS, 1999). Uma das hipóteses para justificar esse fenômeno está diretamente relacionada com a concentração de lactato liberada no exercício e, consequentemente, com a intensidade com que esse é realizado (VANHELDER; GOODE; RADOMSKI, 1984; DE PALO et al., 2001). Exemplo disso é que, para um indivíduo não treinado, a realização de uma sessão de exercícios físicos representa um estresse fisiológico não habitual, o que geralmente leva a rupturas de membranas celulares, com liberação de enzimas citosólicas e elevada síntese de lactato. Esses e ainda outros fatores desencadeiam uma rede de regulações hormonais, aumentando a secreção do GH, com o objetivo de restaurar a homeostasia corporal e preparar o organismo para o novo estresse. Conforme as sessões de exercício se tornam crônicas, o organismo aumenta sua capacidade adaptativa e, para uma mesma intensidade relativa, não é necessária a liberação do GH. Nessa linha de pesquisa, a prescrição de atividades físicas próximas do (ou até o) limiar anaeróbio pode ser muito eficiente para promover uma maior liberação do GH. Contudo, é importante citar que exercícios muito intensos podem deixar de ter características aeróbias, levando o indivíduo à exaustão em um curto espaço de tempo. O gênero da amostra também é uma variável importante na avaliação do perfil de liberação do GH. No estado de repouso e durante o sono, mulheres apresentam maiores concentrações do GH que homens de mesma idade (CONSITT; COPELAND; TREMBLAY, 2002). Essa diferença parece estar principalmente relacionada aos efeitos do hormônio estradiol, o qual se acredita ser um potente estimulante da liberação do GH. Além disso, independentemente do estado de treinamento, mulheres no início de uma atividade podem apresentar liberação mais rápida de GH que homens, ao passo que, no término da sessão, a depuração de GH pode ser reduzida em comparação aos resultados obtidos com o sexo masculino (BUNT et al., 1986). Diversos trabalhos vêm estabelecendo escalas de referência diferentes para cada gênero com relação às concentrações de GH, IGF‑1 e outros marcadores de colágeno e crescimento ósseo. Ainda em mulheres, verificou‑se que exercícios com intensidades próximas ao limiar anaeróbio podem aumentar a liberação em repouso de GH durante o sono por um período de até 24 horas, o que ainda não foi demonstrado em homens. Recentemente, estudos apontaram que a amplitude e a frequência da secreção do GH em mulheres jovens submetidas ao exercício aeróbio em diversas intensidades são maiores que a de homens em qualquer idade e a de mulheres pós‑menopausa. De acordocom alguns pesquisadores, tanto homens jovens (por volta de 21 anos) como mais velhos (com idade superior a 42 anos), quando submetidos a um protocolo de exercícios aeróbios, apresentam elevações agudas no GH plasmático. Contudo, a disparidade nos valores demonstra que, em indivíduos mais velhos, a liberação do GH é fortemente atenuada. Foi postulado que a liberação reduzida do GH em homens e mulheres idosos pode estar relacionada a sua baixa capacidade de realizar atividades mais intensas. Com isso, a produção de lactato pelos tecidos é menor, fato que não promove estímulos na secreção do GH. Apesar disso, cabe salientar que a prática de atividades físicas por indivíduos com idades mais avançadas pode ter inúmeros benefícios à saúde, ainda que pareça ter pouco efeito direto sobre a liberação do GH. 77 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Lembrete A liberação aguda de GH nos exercícios aeróbicos pode ser influenciada por fatores como gênero, idade, estado de treinamento, intensidade, duração, período do dia e pelo exercício intermitente em si. 8.1.3.2 Exercício resistido Pesquisas com protocolos de diferentes níveis de intensidade têm sido utilizadas para verificar os efeitos do exercício físico resistido na liberação do GH. Na maioria desses estudos, coletas de sangue para a determinação da concentração do GH ocorrem antes e após as atividades, ao passo que apenas alguns trabalhos apresentam resultados durante a realização dos exercícios. Além disso, a cinética de liberação do GH induzida pelo exercício físico resistido é com frequência avaliada por períodos não mais longos que 12 ou 24 horas após a atividade. Semelhantemente aos exercícios aeróbios, a concentração do GH, tanto em homens como em mulheres jovens, pode variar entre 5 ng/L e 25 ng/L, dependendo do protocolo empregado; contudo, na maioria dos casos, a concentração de pico do GH nos exercícios resistidos ocorre imediatamente após o término da sessão (HAKKINEN et al., 2000). Gradualmente, essa concentração de pico pós‑exercício vai diminuindo até retornar aos valores de pré‑exercício. Esse processo normalmente dura entre 60 e 90 minutos após o fim da atividade física. O quadro a seguir apresenta as principais variáveis que podem influenciar a liberação do GH em exercícios resistidos. Quadro 3 – Variáveis que podem influenciar a liberação do GH em exercícios resistidos Variável Efeitos Estado de treinamento Indivíduos não treinados em geral apresentam maior concentração do GH que indivíduos treinados ou atletas diante de um mesmo esforço. Gênero Homens apresentam maior amplitude e frequência na liberação do GH que mulheres. Idade Indivíduos mais velhos (mais ou menos 70 anos ou menos) ou de meia‑idade (mais ou menos 40 anos) apresentam menor liberação do GH que indivíduos jovens (mais ou menos 20 anos) Intensidade Maior liberação do GH em intensidades moderadas (mais ou menos 60% de 1 RM) se comparada a sessões de baixa intensidade (inferior a 40%) ou elevada intensidade (superior a 80%) Volume de trabalho Sessões de maior volume (entre 8 e 15 repetições por série) resultam em maior liberação do GH. Período de intervalo Intervalos mais curtos (por volta de um minuto) entre as séries parecem aumentar a liberação do GH comparado a protocolos com intervalos mais longos (cerca de três minutos). Concentração de ácido lático Resultados controversos, contudo, maior concentração de ácido lático pode estimular a liberação do GH. renato Comment on Text é o treinamento contra resistência, geralmente realizado com a utilização de pesos, e tem como benefícios: o desenvolvimento de potência, força e resistência muscular, diminuição de gordura corporal, e aumento de massa magra e deste modo favorece uma melhor aptidão física e qualidade de vida 78 Unidade III Tem sido proposto que o aumento na quantidade de estresse mecânico, produzido pelo elevado número de repetições, a maior síntese e liberação de ácido lático e o processo de hipóxia durante exercícios resistidos podem estimular a liberação de GH (VANHELDER; GOODE; RADOMSKI, 1984). Também, o aumento da acidose intramuscular pode estimular a atividade dos nervos simpáticos por meio de reflexo quimiorreceptivo mediado por quimiorreceptores intramusculares, aumentando a resposta do GH (GORDON et al., 1994; HOFFMAN et al., 2003). Em geral, protocolos de exercícios resistidos com maior volume (10 a 12 repetições) e cargas moderadas (inferiores a 60%) parecem otimizar a secreção do GH em mulheres. Já protocolos em que são realizadas poucas repetições (cinco ou menos), com intervalos de descanso mais longos (cerca de três minutos), não resultam em aumento significativo na liberação do GH (WIDEMAN et al., 2002). Em relação aos efeitos do treinamento resistido sobre a liberação do GH, estudos demonstram uma resposta atenuada na secreção do GH, seja imediatamente após atividades físicas ou mesmo sobre a concentração em estado de repouso. Esse perfil de liberação é muito similar ao observado nos treinamentos com exercícios aeróbios, entretanto, a resposta do GH pode ser diferente quando indivíduos sedentários são submetidos a treinamento resistido. Pesquisadores observaram que, após 21 semanas de treinamentos com exercícios resistidos, indivíduos não treinados apresentaram aumento discreto na concentração do GH imediatamente, por volta de 15 a 30 minutos após o exercício. Em atletas de força, submetidos ao mesmo período de treinamento, a concentração do GH foi significativamente atenuada 30 minutos após a atividade. Em mulheres sedentárias também pode ser observado aumento nas concentrações de GH em resposta ao treinamento resistido (MARX et al., 2001). O treinamento resistido também tem se tornado uma importante opção no processo de envelhecimento, com o intuito de atenuar ou mesmo reverter a redução da força e da massa muscular, bem como a síntese de diversos hormônios, tais como o GH. De acordo com estudo realizado por Copeland, Consitt e Tremblay (2002), exercícios resistidos realizados por mulheres com idades de 19 a 69 anos foram eficazes em aumentar a liberação de GH após a atividade, principalmente comparando‑se a um protocolo de exercícios aeróbios. Apesar disso, a resposta do GH induzida por exercícios resistidos é menor em homens e mulheres idosos (CRAIG; BROWN; EVERHART, 1989; COPELAND; CONSITT; TREMBLAY, 2002). Quando exercícios resistidos são realizados cronicamente, verificou‑se que, após um período de 24 semanas de treinamento, nenhuma alteração na concentração de GH é observada (HAKKINEN et al., 2000). Assim como nos exercícios aeróbios, as hipóteses a respeito dos efeitos do exercício resistido na liberação do GH em indivíduos com idades acima de 40 anos podem estar relacionadas à intensidade, à carga de trabalho e, consequentemente, à concentração de lactato liberado durante a atividade (HAKKINEN et al., 2000; WIDEMAN et al., 2002). O gráfico a seguir mostra o comportamento dos hormônios relacionados ao metabolismo dos ácidos graxos livres durante a prática do exercício físico. renato Comment on Text A hipóxia ocorre quando há carência de oxigênio nos tecidos orgânicos, sendo causada por diferentes fatores. ... Existe um processo denominado lesão por reperfusão, quando a oferta de oxigênio é restabelecida subitamente após a ocorrência de uma lesão celular devido á hipóxia 79 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO 400 300 200 100 0 ‑100 0 20 40 60 80 100 120 140 Hormônio do crescimento Adrenalina Noradrenalina Po rc en ta ge m d e al te ra çã o du ra nt e o ex er cí ci o Tempo (min) Ácidos graxos livres Figura 9 – Comportamento dos hormônios relacionados ao metabolismo dos ácidos graxos livres durante o exercício físico Saiba mais Para mais explicações sobre o hormônio do crescimento e o treinamento físico, consulte o artigo indicado a seguir. CRUZAT, V. F. et al. Hormônio do crescimento e exercício físico: considerações atuais. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, São Paulo, v. 44,n. 4, p. 549‑562, 2008. 8.2 Hormônios tireoidianos e paratireoidianos Basicamente, a função do hormônio tireóideo consiste em regular o metabolismo corporal. Ele atua em todos os tecidos do corpo e pode chegar a aumentar a taxa metabólica basal em até 100%. Esse hormônio também aumenta a síntese proteica e, com isso, a síntese de enzimas, aumentando o tamanho e o número de mitocôndrias na maioria das células, além da atividade contrátil do coração, promovendo a absorção rápida de glicose pelas células e incrementando a glicólise, a gliconeogênese e a mobilização de lipídios, aumentando também a disponibilidade de ácidos graxos livres para oxidação como forma de obtenção de energia. O hormônio tireóideo tem papel importante na maturação, estimulando a ossificação endocondral, o crescimento linear do osso e a maturação dos centros ósseos epifisários. Além disso, o T3, especificamente, pode acelerar o crescimento facilitando a síntese e a secreção do GH. 80 Unidade III Em exercício, a liberação de TSH, que estimula a liberação de hormônio tireóideo, aumenta. No entanto, esse aumento na liberação de hormônio tireóideo não acontece imediatamente depois do aumento da liberação de TSH, pois ocorre um atraso. Além disso, durante sessões de exercício submáximas prolongadas, os níveis de T4 permanecem relativamente constantes em aproximadamente 35% a mais do que os níveis de repouso, depois de um pico inicial no começo do exercício, e os níveis de T3 tendem a aumentar (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1998). O hormônio paratormônio (PTH), como mencionamos resumidamente, regula a concentração plasmática de cálcio e de fosfato. Sua liberação é desencadeada por uma baixa nos níveis plasmáticos de cálcio. Seus efeitos são exercidos em três órgãos‑alvo: os ossos, os rins e o intestino. Nos ossos, o PTH estimula a atividade dos osteoclastos, causando reabsorção óssea, o que leva à liberação de cálcio e fosfato para o sangue. Nos rins, o PTH aumenta a reabsorção de cálcio e diminui a de fosfato, o que promove a excreção urinária deste último. Já no trato gastrointestinal, ele aumenta a absorção de cálcio indiretamente, estimulando uma enzima que é necessária nesse processo. A longo prazo, o exercício causa a formação óssea. Isso resulta primariamente da absorção intestinal aumentada de cálcio junto com uma diminuição de sua excreção pela urina e níveis aumentados de PTH. Ao contrário, a imobilização ou repouso completo na cama promove a diminuição óssea, já que seus níveis diminuem nesses casos. Esse é todo o conhecimento que se tem, mesmo que obtido indiretamente, a respeito da relação do exercício com o PTH, ou seja: a longo prazo, sua produção é aumentada, como forma de adaptação do corpo ao exercício. Nesse caso, essa adaptação seria em relação ao fortalecimento ósseo (WILMORE; COSTILL, 2001). 8.3 Hormônio antidiurético (ADH) e aldosterona Convém relembrar que o hormônio antidiurético (ADH) é um hormônio liberado pela neuro‑hipófise e que a aldosterona é um mineralocorticoide liberado pelo córtex suprarrenal. Esses hormônios participam na regulação e no controle dos eletrólitos, no metabolismo da água (regularizando a tonicidade dos líquidos corporais) e no volume dos fluidos. Durante o exercício, pode‑se perder uma quantidade considerável de água e sódio, particularmente durante o exercício prolongado e em altas temperaturas. Desse modo, é de se esperar que o efeito do exercício sobre os níveis de ADH seja intenso, no sentido de aumentá‑los drasticamente. O mecanismo de atuação desse hormônio seria, basicamente, o seguinte: (a) a atividade muscular provoca a transpiração; (b) a perda de suor causa perda de plasma sanguíneo, resultando em hemoconcentração e osmolalidade aumentada; (c) a alta osmolalidade estimula o hipotálamo; (d) o hipotálamo estimula a neuro‑hipófise a secretar ADH; (e) o ADH atua nos rins, aumentando a permeabilidade à água dos túbulos coletores do rim, levando a uma reabsorção aumentada de água; (f) o volume plasmático aumenta, e a osmolalidade sanguínea diminui. Observe na ilustração a seguir o mecanismo de ação do hormônio antidiurético (ADH) para a manutenção do volume líquido (plasma) durante a realização de exercício físico. renato Highlight 81 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO 3. Osmolalidade sanguínea aumentada, estimula o hipotálamo 2. Suor causa diminuição do plasma sanguíneo resultando em hemoconcetração e aumento da osmolalidade sanguínea 4. O hipotálamo estimula a glândula neuro‑hipófise 1. Atividade muscular promove o suor H2O H2O H2O 5. A glândula neuro‑hipófise secreta o ADH 6. ADH age nos rins, aumentando a permeabilidade de água nos túbulos coletores do rim, conduzindo ao aumento da reabsorção de água 7. Aumento do volume plasmático, diminuição da osmolalidade sanguínea depois do exercício e ingestão de água Figura 10 – Mecanismo da ação do hormônio antidiurético (ADH) para a manutenção do volume líquido (plasma) durante a realização do exercício físico Com o aumento do hormônio aldosterona em grandes quantidades durante o exercício, ocorrerá o aumento na reabsorção de sódio a partir dos túbulos distais dos rins. Por sua vez, isso produz a reabsorção passiva de água. Assim, tanto a água quanto o sódio são conservados com menor excreção de ambos pela urina. Esse hormônio contribui também para o equilíbrio homeostático, regulando as concentrações de potássio sérico e o pH, bem como os níveis de K+ e H+ (importantíssimos para a atividade neuromuscular). Conforme mostra o gráfico a seguir, durante o exercício, os níveis plasmáticos de aldosterona aumentam progressivamente, chegando a ser seis vezes maiores que os níveis de repouso. 10 Tempo (min) Po rc en ta ge m d e al te ra çã o no v ol um e pl as m át ic o Aldosterona Volume plasmático Al do st er on a (n g/ m L) 8 0 6 ‑10 4 ‑20 2 1401006020 12080400‑20 Figura 11 – Níveis plasmáticos de aldosterona durante a realização do exercício físico 82 Unidade III A secreção de aldosterona é provocada pela angiotensina, um hormônio renal que trabalha conjuntamente com a renina, também produzida pelos rins e que estimula a produção de angiotensina. O mecanismo renina‑angiotensina é estimulado durante o exercício, de maneira que ele entre em ação também como forma de manter os níveis de líquidos corporais e de aumentar a pressão arterial. A ilustração a seguir mostra o mecanismo renina‑angiotensina durante a prática do exercício físico para a manutenção do volume líquido (plasma). 3. Fluxo sanguíneo renal reduzido estimula a secreção de renina pelos rins. Renina conduz para a formação de angiotensina I, a qual é convertida em angiotensina II 4. Angiotensina II estimula o córtex suprarrenal a secretar aldosterona 1. Atividade muscular produz suor e aumento da pressão sanguínea 2. Suor reduz o volume plasmático e o fluxo sanguíneo para os rins 5. Aldosterona aumenta a reabsorção de Na+ e H2O a partir dos túbulos distais do rim 6. Aumento do volume plasmático; diminuição na produção de urina após vários dias de exercício e ingestão de H2O e sódio Figura 12 – Mecanismo de ação da renina‑angiotensina durante a prática do exercício físico para a manutenção do volume líquido (plasma) 8.4 Eritropoietina Apesar de não serem considerados glândulas, os rins são responsáveis pela produção de um hormônio chamado de eritropoietina (ou EPO). A EPO atua sobre a medula óssea hematopoiética (vermelha) e, como o próprio nome já diz, é responsável pelo estímulo para a produção de eritrócitos (ou glóbulos vermelhos). Sua secreção é estimulada através da hipóxia sanguínea. O conhecimento a respeito desse hormônio é relativamente novo, e o interesse a respeito dele e sua relação com o exercício aumentou drasticamente durante a década de 1980, quando começou a ser usado como forma de doping por atletas de esportes de resistência. renato Highlight 83 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Não foi comprovado o fato de queo exercício físico estimule ou iniba a liberação de EPO, no entanto, é fato que habitantes de lugares altos, como a Cidade do México (situada a 2.400 metros de altitude), têm um hematócrito médio mais alto do que os habitantes de cidades, por exemplo, ao nível do mar. A pressão parcial dos gases reduzida em altitudes elevadas provoca a hipóxia, que, por sua vez, causa a liberação de EPO para a produção de mais glóbulos vermelhos (a fim de que se consiga um transporte mais eficiente de oxigênio). Também não é notada diferença significativa nos níveis de EPO entre fundistas e velocistas. Como um transporte eficiente de oxigênio é bastante interessante para atletas de fundo (modalidade em que a sua disponibilidade é um fator limitante), ciclistas europeus e americanos iniciaram o uso desse hormônio de maneira exógena. Ter‑se‑ia um doping praticamente perfeito, pois não seria detectável (já que a EPO é produzida pelo próprio corpo), porém, começaram a ocorrer, em virtude desse uso, casos sérios de o hematócrito ficar tão alto que o sangue chega a tornar‑se viscoso, provocando dezenas de casos de morte súbita por falha no coração (esforço muito grande no trabalho cardíaco). Chegou‑se a ser proposto por médicos e cientistas um hematócrito‑limite de 50% como forma de proteger a saúde dos atletas, mas muitas pessoas podem ter níveis maiores que esses naturalmente, o que dificulta ainda mais a resolução desse problema. 8.5 Hormônios insulina e glucagon Com relação ao hormônio glucagon, sua principal função consiste em aumentar a concentração de glicose no sangue através da glicogenólise e da gliconeogênese pelo fígado, sendo, por isso, denominado antagonista da insulina. A sua secreção é controlada principalmente pelo nível de glicose plasmática do sangue que flui pelo pâncreas. Em situações de jejum ou de exercício, as células alfa são estimuladas, liberando glucagon e, imediatamente depois, glicose pelo fígado na corrente sanguínea. Além dele, contribuem para a elevação da glicose até patamares adequados as catecolaminas e o cortisol. No princípio do exercício, o glucagon é, dentre esses três, o que tem incremento mais rápido, até o 15º minuto, depois tendendo a se estabilizar. Ainda assim, um estudo mostrou que, quanto maior a duração do exercício, maior a liberação do glucagon, destacando que, em exercícios moderados de curta duração, é observada uma diminuição nos seus níveis plasmáticos. Apesar de ser claro que os níveis de glucagon aumentam durante o exercício, um estudo demonstrou que o treinamento aeróbio estimula uma liberação mais contínua e com menos oscilações do que aquela ocorrida em indivíduos não treinados, mas não se descobriu se essa liberação é maior ou menor em um grupo ou em outro, embora alguns estudos demonstrem que, findo o treinamento, a liberação de glucagon após o 10º minuto de exercício é maior do que antes do treinamento. Já o hormônio insulina tem efeitos antagônicos aos do glucagon, e suas concentrações plasmáticas também são inversamente proporcionais às do glucagon. Sempre que a insulina for alta, os níveis de glucagon serão baixos e vice‑versa. Sua principal função é, portanto, regular o metabolismo da glicose por todos os tecidos, com exceção do cérebro. Seus efeitos decorrem do aumento da velocidade de transporte da glicose para dentro das células musculares e do tecido adiposo. renato Comment on Text renato Comment on Text é a degradação de glicogênio realizada através da retirada sucessiva de moléculas de glicose renato Comment on Text é o processo através do qual precursores como lactato, piruvato, glicerol e aminoácidos são convertidos em glicose 84 Unidade III Com a captação dessa glicose, se ela não for imediatamente catabolizada como forma de obtenção de energia, gera‑se glicogênio nos músculos e triglicerídios no tecido adiposo. Em resumo, o efeito da insulina é hipoglicemiante, ou seja, de baixar a glicemia sanguínea. A insulina normalmente é liberada em ocasiões nas quais existam altos índices de glicose plasmática, como acontece após as refeições. Ela funciona primeiramente reabastecendo as reservas de glicogênio nos músculos e no fígado; depois disso, se os níveis de glicose sanguínea ainda forem altos, ela estimula sua captação pelas células adiposas e elas a transformam em triglicerídios como forma de armazenar a energia ocupando menos espaço. Como o exercício estimula a liberação de glucagon, e esse hormônio atua de forma antagônica à insulina, esta última tem sua liberação diminuída quando existe trabalho muscular, principalmente como forma de tornar a glicose mais disponível para a atividade. Além disso, as catecolaminas, cuja concentração é aumentada durante o exercício, têm a propriedade de baixar os níveis de insulina. A supressão de insulina é proporcional à intensidade do exercício, cabendo destacar que, em exercícios mais prolongados, há um aumento progressivo na obtenção de energia a partir da mobilização dos ácidos graxos livres, decorrente da baixa observada nos níveis de glicose, que foram sendo degradados (e da ação do glucagon, que aumenta). A secreção de insulina é também estimulada quando os níveis sanguíneos de aminoácidos são altos, tendo praticamente o mesmo efeito anterior, de glicogênese e lipogênese, só que a partir de aminoácidos desaminados. Em relação ao funcionamento da insulina, a doença diabetes mellitus constitui um problema com o qual devemos ter cuidado e atenção. A diabetes mellitus do tipo I, chamada também de insulinodependente, é associada com uma deficiência na produção de insulina e ocorre, normalmente, em jovens, sendo responsável por 10% a 20% dos casos. A do tipo II, ou não insulinodependente, tem início em idades mais avançadas e representa o restante dos casos (80% a 90%). Trata‑se de uma deficiência nos receptores celulares de exercício, que induzem o pâncreas a secretar cada vez mais insulina, já que a glicose plasmática não diminui adequadamente, chegando a um ponto em que ele falha e não a produz mais. Assim, o exercício pode trazer benefícios e malefícios ao paciente diabético. Entre os benefícios, o exercício agudo estimula uma queda substancial nos níveis de glicose por estimular a sua utilização pelas células musculares. Já o exercício crônico (treinamento) diminui os fatores de risco para doenças cardiovasculares, às quais o paciente está mais propenso, provoca diminuição de peso (também um fator de risco), além de prevenir o início da ocorrência de resistência à insulina, fator causador da diabetes mellitus. Também existe o risco de cetose ácida quando se inicia uma sessão de exercícios com índices glicêmicos muito altos. Isso se dá em razão de um aumento nos níveis de corpos cetônicos, causado pela lipólise acentuada. Os gráficos a seguir mostram os níveis de glucagon e de insulina comparando indivíduos treinados e não treinados durante a prática de um exercício prolongado. Em um indivíduo treinado, quando comparado com um indivíduo não treinado, as respostas dos hormônios glucagon e insulina são atenuadas: o glucagon aumenta menos e a insulina cai menos. Isso acontece porque o indivíduo renato Comment on Text O seu papel mais conhecido é aumentar a glicemia (nível de glicose no sangue), contrapondo-se aos efeitos da insulina. renato Comment on Text O diabetes mellitus tipo 1, assim como o tipo 2, é caracterizado pelo excesso de glicose (açúcar) no sangue, o que desencadeia uma série de complicações no organismo. Mas, nesse caso, a doença surge em geral na infância e na adolescência, traz sintomas como vontade urinar e perda de peso e tem origem autoimune. 85 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO treinado entra mais rapidamente em lipólise, para poupar o glicogênio muscular, necessitando menor regulação em relação à glicólise, permanecendo com os níveis de glicose plasmática mais elevadas durante todo o exercício prolongado (o que poderá levar ao retardamento da fadiga central, pois, lembremos, as células do sistema nervosocentral necessitam de glicose para manter a produção e o envio de correntes elétricas para toda a musculatura esquelética ativa, preservando a contração muscular). Não treinado Treinado 7 6 5 4 3 2 1 1 60 Tempo do exercício em minutos Pl as m a gl ic os e (m m ol \L ) 120 180 Figura 13 – Níveis plasmáticos de glicose e o treinamento Não treinado 250 225 200 175 150 125 1 60 Pl as m a gl ic ag on (p g\ m l) Tempo do exercício em minutos 120 180 100 Treinado Figura 14 – Níveis plasmáticos de glucagon e o treinamento 86 Unidade III Não treinado 16 14 12 10 8 6 1 60 Pl as m a in su lin a (µ u ni ts \m l) Tempo do exercício em minutos 120 180 Treinado Figura 15 – Níveis plasmáticos de insulina e o treinamento 8.6 Catecolaminas: adrenalina e noradrenalina Embora essas quantidades possam variar em diferentes condições e estejam fisiologicamente relacionadas com as ações do sistema nervoso simpático, o qual regula os níveis de suas secreções, das catecolaminas secretadas pela medula suprarrenal, cerca de 80% correspondem a adrenalina (epinefrina) e 20% a noradrenalina (norepinefrina). As catecolaminas têm efeito similar entre si, embora, pela natureza dos hormônios, de serem removidos do sangue de maneira mais lenta, tenham um efeito mais duradouro. Portanto, já que o sistema simpático é ativado sob condições de luta ou fuga, uma concentração sanguínea elevada de catecolaminas poderia ser esperada durante os episódios de exercício. Isso, em verdade, é o que ocorre. O aumento nesses hormônios está relacionado com a intensidade do exercício: quanto maior a intensidade, maior o aumento. A noradrenalina é considerada um neurotransmissor quando liberada pelas terminações de determinados neurônios do sistema nervoso simpático. A atuação das catecolaminas se dá de maneira conjunta, e seus efeitos incluem: (1) aumento da taxa de metabolismo; (2) aumento da glicogenólise tanto no fígado quanto no músculo que está em exercício; (3) aumento da força de contração do coração; (4) aumento da liberação de glicose e ácidos graxos livres para a corrente sanguínea; (5) vasodilatação em vasos nos músculos em exercício e vasoconstrição em vísceras e na pele (especificamente a noradrenalina); (6) aumento de pressão arterial (noradrenalina) e, por fim, (7) aumento da respiração. A produção de adrenalina aumenta conforme aumenta a intensidade e a duração do exercício, de forma quase exponencial. A noradrenalina também aumenta conforme a duração do exercício, mas, em relação à sua intensidade, ela permanece em níveis muito próximos aos basais quando a intensidade é de até 75% do VO2máx, para, dessa intensidade em diante, aumentar linearmente. Ao final da sessão de exercício, a adrenalina volta aos valores iniciais depois de alguns minutos, mas a noradrenalina pode continuar alta durante várias horas. Os efeitos desses aumentos são evidentes, incluindo, principalmente, a adequada redistribuição do fluxo sanguíneo para suprir as necessidades dos músculos em exercício, o aumento na força de contração cardíaca e a mobilização do substrato como fonte de energia. 87 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Veja nos gráficos a seguir as mudanças nas concentrações sanguíneas de adrenalina (epinefrina) e noradrenalina (norepinefrina) em relação à intensidade do exercício físico (VO2máx.) e à duração do exercício físico (minutos). 2.0 0.6 Noradrenalina/norepinefrina Adrenalina/epinefrina 1.5 0.4 1.0 N or ep in ef rin a (n g/ m l) Epinefrina (ng/m l) 0.2 0.3 0.5 0.5 0 0.1 50 % VO2máx 75 100Repouso Figura 16 – Mudanças nas concentrações sanguíneas de adrenalina (epinefrina) e noradrenalina (norepinefrina) em relação à intensidade do exercício físico (VO2máx.) 2.0 0.9 Noradrenalina/norepinefrina Duração do exercício (min) Adrenalina/epinefrina 1.5 0.6 1.0 Epinefrina (ng/m l) N or ep in ef rin a (n g/ m l) 0.3 0.5 0 0 60 120 180 30 min após exercício Figura 17 – Mudanças nas concentrações sanguíneas de adrenalina (epinefrina) e noradrenalina (norepinefrina) em relação à duração do exercício físico (minutos) 88 Unidade III Com o treinamento, os níveis de catecolaminas plasmáticas de indivíduos em exercício tendem a diminuir, e, após apenas três semanas, a adrenalina diminui de cerca de 6 ng/ml para aproximadamente 2 ng/ml em um programa de treinamento aeróbio, mantendo‑se perto desse patamar daí em diante. Quanto à noradrenalina, seus níveis também diminuem, de cerca de 1,8 ng/ml para 1,0 ng/ml após três semanas, mas essa diminuição não é tão evidente (desvio padrão de 0,35). Depois das três semanas, esses níveis não se mantêm tão constantes quanto os da adrenalina, embora a diminuição de fato aconteça. Desta forma, a redução na resposta das catecolaminas observada durante o exercício após um período de treinamento também parece apontar na direção de um “melhor” desempenho. Esses níveis mais baixos desses hormônios, por exemplo, poderiam significar um menor “estresse” global sobre todos os sistemas atuantes. Ainda mais, a menor FC do exercício, que também resulta do treinamento físico, pode ser explicada, pelo menos em parte, graças a essa menor resposta das catecolaminas. 8.7 Adrenocorticotropina (ACTH) e glicocorticoides (cortisol) O ACTH (hormônio adrenocorticotropina) tem a função de regular o crescimento e a secreção do córtex adrenal, do qual a principal secreção é o cortisol. De acordo com Wilmore e Costill (2001), o exercício estimula a liberação de ACTH, entretanto, outros autores (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1988) dizem que não ocorre mudança ou que não há evidências científicas que comprovem uma coisa ou outra. O que é de fato aceito é que a regulação da liberação desse hormônio se dá com o ritmo circadiano: um dos maiores estímulos é a transição entre os estados de sono e vigília. A sua liberação é determinada pelo CRH, também conhecido como hormônio de liberação do ACTH ou fator hipotalâmico de liberação da corticotrofina. Os maiores picos de secreção de todo o dia acontecem cerca de seis horas depois de a pessoa adormecer. Além disso, vários outros fatores estimulam sua produção, como aumentos cíclicos naturais, diminuição do cortisol (o feedback negativo desse hormônio), estresse físico, ansiedade, depressão e altos níveis de acetilcolina. Por outro lado, existem vários fatores inibitórios, como as encefalinas, os opioides e a somatostatina, por exemplo. Por todas essas razões, não é totalmente seguro afirmar que o exercício estimula a produção de ACTH, mesmo que existam alguns estudos que mostrem isso (GUYTON; HALL, 1997; WILMORE; COSTILL, 2001). Observação Ritmo circadiano é o relógio biológico ou ritmo de um organismo, como o ciclo natural de acordar e dormir em um período de 24 horas. A mudança do ritmo pode afetar as funções biológicas, mentais e comportamentais. O cortisol é o mais importante desses hormônios e tem a sua liberação influenciada pelo ACTH. Suas ações compreendem: (1) adaptação ao estresse; (2) manutenção de níveis de glicose 89 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO adequados mesmo em períodos de jejum; (3) estímulo à gliconeogênese (especialmente a partir de aminoácidos desaminados que vão, através da circulação, para o fígado); (4) mobilização de ácidos graxos livres, fazendo deles uma fonte de energia mais disponível; (5) diminuição da captação e oxidação de glicose pelos músculos para a obtenção de energia, reservando‑a para o cérebro, num efeito antagônico ao da insulina; (6) estímulo ao catabolismo proteico para a liberação de aminoácidos para serem usados em reparação de tecidos, síntese enzimática e produção de energia em todas as células do corpo, menos no fígado; (7) atuação como agente anti‑inflamatório; (8) diminuição das reações imunológicas, por provocar diminuição no número de leucócitos; (9) aumento da vasoconstrição causada pela epinefrina; (10) auxílio à ação de outros hormônios, especialmente o glucagon e o GH, no processo
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