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1 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 OS LIMITES DO EMPREGO DA FORÇA AÉREA NA GUERRA DE 4ª GERAÇÃO 1 INTRODUÇÃO A era das guerras totais parece ter ficado para trás. Atualmente, presencia-se o surgimento de atores não estatais competindo contra os Estados nacionais pelo domínio do poder e imposição de conceitos políticos-ideológicos próprios. O conflito de quarta geração representa um rompimento na forma de conduzir a guerra, pois a atuação dos novos antagonistas baseia-se em táticas, técnicas e procedimentos típicos de guerra irregular, dificultando o emprego das Forças Armadas regulares. A Força Aérea, em específico, sempre deteve um status relevante nos conflitos convencionais, visto o avião ser uma peça estratégica de combate. No entanto, o uso do poder de fogo massivo das aeronaves demonstra-se restrito nos desafios beligerantes atuais. Da análise das guerras irregulares observa-se que há limitação no uso de ações cinéticas nos conflitos de quarta geração por parte da Força Aérea. Por um lado, a dificuldade de distinção entre insurgentes e população não combatente prejudica a identificação e o engajamento do armamento aéreo contra os alvos selecionados, por outro lado, o uso indiscriminado de armamento aéreo contra alvos insurgentes pode infligir danos colaterais à população civil. A deficiente identificação do insurgente, em meio à população, é inerente à dificuldade de executar essa ação do ar. Outro ponto é o reconhecimento realizado sem o devido processamento analítico das informações que pode gerar uma interpretação errônea. Tais fatores atrapalham o emprego do armamento aéreo. Por sua vez, causar a morte de civis pelo uso indistinto do poder aeroembarcado ressoa negativamente e pode ocasionar a inversão de posicionamento da opinião pública, bem como o erro no cálculo dos efeitos colaterais implica em consequências danosas às Forças e Órgãos envolvidos. Nesse sentido, verifica-se que as restrições ao uso da Força Aérea na guerra de quarta geração estão relacionadas, em parte, à dificuldade de emprego do armamento aéreo contra insurgentes. 2 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 2 EMPREGO DO ARMAMENTO AÉREO CONTRA INSURGENTES O emprego beligerante do avião demonstrou que a presença da Força Aérea é de grande relevância na condução dos conflitos convencionais. Em conjunto com as demais forças, o uso do avião passou a ser uma peça estratégica de combate. Atualmente, o cenário mundial foi tomado por atores não estatais que têm estabelecido uma forma irregular de guerra. Para combater esses agentes, os Estados são obrigados a desenvolver novas metodologias para a seleção de alvos e uso do poder de fogo embarcado. Contudo, a dificuldade de distinção entre insurgentes e população não combatente prejudica a identificação e o engajamento do armamento aéreo contra os alvos selecionados. O inimigo de hoje é capaz de se esconder entre a população civil, tornando difícil o seu reconhecimento e o consequente enfrentamento por parte da Força Aérea. Para Hayward (2009, p.13) a definição entre amigo e inimigo é extremamente difícil quando executado do ar, ainda que o piloto receba informações detalhadas de pessoal em solo sobre o alvo. A forma de combate do insurgente é não linear, dificultando a coordenação entre forças aéreas e terrestres para o engajamento contra o inimigo (HAYWARD, 2009, p.12-13). Dessa forma, o uso do poder letal no apoio aproximado ou na interdição é prejudicado, ou mesmo perdido, pois o inimigo se mantém disperso e em pequenos grupos escondidos entre os civis. Portanto, os planejadores devem entender que o uso da Força Aérea em conflitos de quarta geração, cujo objetivo seja lideres ou tropas insurgentes, está condicionado a situações distintas da guerra convencional. Além disso, é certo que, independente da quantidade e qualidade das informações reunidas, bem como do tipo de armamento empregado (ex. PGM – Precision Guided Munition) o cumprimento da missão, por parte do vetor aéreo, pode não ocorrer da forma como delineado. Ao mesmo tempo, a identificação de insurgentes com base em informações coletadas em campo e sem o devido processamento analítico pode conduzir a erros de interpretação e acarretar em decisões flagelantes. Um exemplo dessa situação foi o ataque a civis realizado por dois helicópteros americanos em 12 de julho de 2007. 3 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 O site de notícias Reuters divulgou, em 05 abril de 2010, a notícia do vazamento de um vídeo sobre o ataque cometido pela tripulação de dois Apaches a civis que se encontravam em uma esquina de um bairro em Bagdá. De acordo com a reportagem, a tripulação do helicóptero teria identificado alguns dos indivíduos como estando armados. O vídeo, que pode ser encontrado na internet, mostra ainda que a incorreta identificação dos alvos foi baseada apenas nas informações coletadas pelos tripulantes durante o sobrevoo do local. No entanto, o trabalho de seleção e identificação de alvos não pode ser de responsabilidade única do combatente aeroembarcado, mesmo que indispensável para a consecução da missão ou em aproveitamento do êxito, principalmente quando os envolvidos são pessoas e a guerra é irregular. Por fim, a despeito das necessidades, da situação de beligerância e do estresse inerente às circunstâncias, as análises devem seguir um padrão mais rigoroso de forma a evitar que erros possam levar vidas inocentes e, com isso, desacreditar a força contrainsurgente perante a população aliada. O emprego do armamento aéreo contra os guerreiros de uma guerra irregular é prejudicado pelo fato dos indivíduos mesclarem-se com a população local e assim dificultar a correta diferenciação. Contudo, a distinção não é o único problema enfrentado pelas tropas regulares, o uso bélico da aeronave pode resultar em efeitos colaterais indesejáveis. 3 EFEITOS COLATERAIS NO EMPREGO DE ARMAMENTO AÉREO O uso do armamento aéreo nas guerras convencionais seguiu, por tempos, o pensamento de fornecer o choque inicial ao conferir o máximo de dano às tropas inimigas, seja por ataques em massa do poder de fogo ou pela destruição massiva de uma única bomba atômica. Especificamente na guerra irregular, em que o opositor se oculta entre os civis não combatentes, subjulgar o inimigo por meio do emprego da arma aérea tem sido uma tarefa complexa. O principal fator dessa dificuldade repousa na possibilidade de se infligir danos colaterais à população civil pelo uso indiscriminado do armamento aéreo contra alvos insurgentes. 4 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 A Força Aérea deve trabalhar as ações ofensivas de contrainsurgência com vistas a evitar que os efeitos cinéticos do emprego de armamento aéreo causem baixas aos não combatentes. Para Mumford e kennedy-Pipe (2009, p. 65) as mortes de civis na guerra de quarta geração têm repercussão negativa no público local, podendo gerar uma mudança de posicionamento da opinião pública, seja em favor dos insurgentes ou contra os governos democráticos. Apesar de a população ser considerada um Centro de Gravidade para os operadores de contrainsurgência, essa deve ser protegida tanto das ações cinéticas promovidas pelas forças amigas quanto dos efeitos colaterais proporcionados pelas ofensivas militares. A Força Aérea, ao planejar o emprego de seu armamento, deve utilizar de diversas fontes de informações, contramedidas e equipamentos de precisão para evitar ou assegurar que os eventos consequentes não atinjam os inocentes. Dessa forma, previne-se também que o povo, outrora apoiador das forças amigas, torne-se adepto do pensamento insurgente,fortalecendo o desempenho do inimigo. O erro no cálculo dos efeitos colaterais, em situação de guerra não convencional, pode trazer consequências desastrosas para a população local, Forças Aliadas e à imagem dos países e organizações envolvidos. Um exemplo de ação cujos resultados paralelos provocaram reações indesejadas ocorreu durante a Operação Allied Force, conforme apresentado no anexo 3-2, do catálogo de doutrina do Curtis E. Lemay Center. À época dos eventos, os sérvios utilizavam um sistema de comunicação via rádio para propaganda sérvia. A OTAN identificou a necessidade de destruir uma estação de retransmissão, localizada ao lado da catedral de São Marcos, em Belgrado. Para tanto, optou pelo uso cinético do bombardeio de precisão que resultou em um sucesso tático. Contudo, a escolha pelo emprego do vetor aéreo causou baixas civis e, apesar da destruição, em pouco tempo a estação de retransmissão já operava normalmente. Com o resultado mal logrado, a opinião internacional ficou do lado do líder sérvio (Milosevic), a OTAN e os EUA presenciaram danos operacionais e estratégicos e foram necessários esforços diplomáticos significativos junto ao Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia (TPIJ). Além disso, o resultado foi explorado com sucesso pela propaganda sérvia. 5 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 O episódio da Operação Allied Force e seus resultados mostram que mesmo com planejamento, treinamento e uso de equipamentos de precisão, é praticamente impossível prever todos os efeitos indiretos gerados pelo uso cinético da Força Aérea em um conflito de quarta geração. Ademais, os resultados negativos vão além das fronteiras dos países, atingem uma escala global e maculam a imagem dos envolvidos. Portanto, a utilização cinética dos meios aéreos não pode ser realizada de forma indiscriminada. Toda missão aérea contrainsurgente, independentemente do tipo de alvo, deve passar por criterioso estudo, planejamento e julgamento. Ainda assim, sempre haverá a possibilidade de implicações indesejadas sobrevirem como resultado dessas missões. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O conflito de quarta geração apresenta diferenças marcantes quando comparado às guerras convencionais, principalmente no fato do insurgente parecer com um indivíduo civil e combater de forma irregular. A Força Aérea, como elemento estratégico de combate, enfrenta questões que limitam o emprego total de suas capacidades bélicas, tais como o emprego massivo de armamento aéreo. Nessa direção, é notório que há limitação no uso de ações cinéticas nos conflitos de quarta geração por parte da Força Aérea. A habilidade do insurgente de se mesclar com o cidadão comum impõe a dificuldade de distinção entre este e aquele, prejudicando a identificação do inimigo e o correto uso do poder bélico. Outro fato marcante é a impossibilidade do emprego irrestrito de armamento aéreo sem que haja perdas para a população civil. A distinção entre insurgente e não combatente é uma tarefa árdua de ser executada pelo tripulante, mesmo com informações detalhas procedentes do solo, a dificuldade impacta no emprego de armas aéreas. Ademais, a utilização de informações que não passaram por um minucioso procedimento analítico, tais como as coletadas em uma missão de rotina, podem induzir a um erro de interpretação e ao engajamento errôneo a civis. Os efeitos indiretos gerados pelo uso cinético podem causar vítimas civis e transformar o modo como a população local entende a presença das forças de 6 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 contrainsurgência. Igualmente, mesmo que haja um perfeito planejamento e execução das missões aéreas é impossível determinar com exatidão todos os efeitos colaterais advindos do impacto do armamento no alvo selecionado. Portanto, um erro indesejado implicará em problemas futuros com a população, a mídia internacional ou mesmo com tribunais da guerra. É essencial entender as limitações da Força Aérea em uma guerra de quarta geração, com vistas ao correto planejamento e utilização das capacidades do Poder Aéreo. O emprego do armamento é prejudicado pela dificuldade de se encontrar o alvo, ao mesmo tempo, o impacto no alvo correto pode acarretar em sérios problemas causados pelos efeitos indiretos. Por fim, todas essas questões levantadas, adicionadas à necessidade de preservação da vida e da imagem da força de contrainsurgência, restringem o uso das capacidades bélicas de uma Força Aérea em uma guerra irregular. Portanto, cabe aos planejadores e comandantes a responsabilidade da correta dosagem do emprego aéreo, visando não incorrer em erros que deixarão marcas negativas na história do conflito. 7 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 REFERÊNCIAS CURTIS E. LEMAY CENTER. Catalogue of Doctrine – Anex 3-2 – Irregular War. 2016. DAVID, Alexander; PHILLIP, Stewart. Vídeo denuncia mortes de civis e repórteres da Reuters no Iraque. Disponível em: https://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE6340R620100405?pageNumber=2 &virtualBrandChannel=0. Acesso em: 27 jun. 2020. HAYWARD, Joel. Air Power, Insurgency and the "war on Terror". Lincolnshire: Royal Air Force Centre for Air Power Studies, 2009. MUMFORD, Andrew; KENNEDY-PIPE, Caroline. Unnecessary or Unsung? The Strategic Role of Air Power in Britain’s Colonial Counter-Insurgencies. Air Power, Insurgency and the “War on Terror”, p. 63-77. 2009. https://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE6340R620100405?pageNumber=2&virtualBrandChannel=0 https://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE6340R620100405?pageNumber=2&virtualBrandChannel=0 8 Código do Oficial-Aluno: 246 Indutivo- Dedutivo Tema: 3 Ensaio Somativo de Poder Aéreo 2020 MAPA CONCEITUAL Há limitação no uso de ações cinéticas nos conflitos de quarta geração por parte da Força Aérea. A dificuldade de distinção entre insurgentes e população não combatente prejudica a identificação e o engajamento do armamento aéreo contra os alvos selecionados. A definição entre amigo e inimigo é extremamente difícil quando executado do ar, ainda que o piloto receba informações detalhadas de pessoal em solo sobre o alvo. HAYWARD, Joel. Air Power, Insurgency and the "war on Terror". Lincolnshire: Royal Air Force Centre for Air Power Studies, 2009. A identificação de insurgentes com base em informações coletadas em campo e sem o devido processamento analítico pode conduzir a erros de interpretação e acarretar em decisões flagelantes. DAVID, Alexander; PHILLIP, Stewart. Vídeo denuncia mortes de civis e repórteres da Reuters no Iraque. Acesso em: 27 jun. 2020. O uso indiscriminado de armamento aéreo contra alvos insurgentes pode infligir em danos colaterais à população civil. As mortes de civis na guerra de quarta geração têm repercussão negativa no público local, podendo gerar uma mudança de posicionamento da opinião pública, seja em favor dos insurgentes ou contra os governos democráticos. MUMFORD, Andrew; KENNEDY-PIPE, Caroline. Unnecessary or Unsung? The Strategic Role of Air Power in Britain’s Colonial Counter-Insurgencies. Air Power, Insurgency and the “War on Terror”, p. 63-77. 2009. O erro no cálculo dos efeitos colaterais, em situação de guerra não convencional, pode trazer consequências desastrosas para a população local, Forças Aliadas e à imagem dos países e organizações envolvidos. CURTIS E. LEMAY CENTER. Catalogue of Doctrine – Anex 3-2 – Irregular War. 2016.