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finalidade de oferecer leitura 
edificante a todos aqueles que não 
tem condições econômicas para 
comprar. 
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privilegiado, então utilize nosso 
acervo apenas para avaliação, e, se 
gostar, abençoe autores, editoras e 
livrarias, adquirindo os livros. 
 
Semeadores da Palavra 
Digitalizado por Karmitta 
www.semeador.forumeiros.com 
 
 
http://www.semeador.forumeiros.com/
 
 
AGRADECIMENTOS 
 entusiasmo estimulante de Kathy Helmers da Alive Com-
munications em Colorado Springs e Stephen Hanselman da 
HarperSanFrancisco proporcionaram-me a motivação para 
terminar este livro. Kathy também me ajudou a escrever o capítulo 
três, "A enorme dificuldade", e exerceu grande influência na parte 
dos "Excluídos", no último capítulo. 
Os ensinamentos, escritos e testemunho pessoal do teólogo 
moral Charles E. Curran, da Southern Methodist University, 
exerceram um importante papel em minha vida e ministério. 
Minha libertação do legalismo e casuísmo tem suas raízes no 
professor Curran durante os anos do meu curso de graduação na 
Catholic University. 
Quando me perguntam o nome das cinco pessoas mais se-
melhantes a Cristo que já conheci, Richard Foster está sempre na 
lista. 
Agradeço a John Eames e James Bryan Smith, que dedicaram 
horas à leitura do manuscrito e fizeram importantes sugestões. 
Minha sincera gratidão às muitas pessoas que me escrevem e, 
de fato, dizem: "Não pare de escrever". E a Philip Yancey, cujo 
coração é maior e melhor que o melhor de seus livros. 
O 
6 CONFIANÇA CEGA 
E por último, mas não menos importante, agradeço a Ka-thy 
Reigstad, cujo trabalho de revisão realizado com competência e 
sensibilidade transformou Confiança cega num livro mais coerente 
e agradável em comparação com o que eu havia escrito. 
SUMÁRIO 
Prefácio 9 
Prólogo 11 
1. O caminho da confiança 15 
2. O caminho da gratidão 37 
3. A enorme dificuldade 49 
4. Pensamentos grandiosos 61 
5. Artistas, místicos e palhaços 77 
6. Infinito e íntimo 87 
7. Confiar em Jesus 97 
8. A confiança contaminada 121 
9. Confiança humilde 127 
 
10. O jarro trincado 139 
11. A geografia do aqui e agora 153 
12. Confiança cega 167 
Bibliografia 185 
PREFÁCIO 
empre e em todos os lugares, a suprema questão para a ralé 
maltrapilha é a pessoa de Jesus Cristo. 
O que são maltrapilhos? Quem são eles? A obscura assembleia 
de pecadores salvos, que sabem que são inexpressivos, têm 
consciência de seu quebrantamento e da sua incapacidade diante 
de Deus, pecadores que se fiam na misericórdia divina. Atónitos 
diante do extravagante amor de Deus, não dependem de sucesso, 
fama, riqueza nem poder para autenticar o valor que eles têm. Seu 
espírito transcende todas as distinções entre fracos e poderosos, 
instruídos e analfabetos, bilionários e pedintes, génios high-tech e 
nerds low-tech, homens e mulheres, circo e santuário. 
"Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus 
veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o 
principal" (ITm 1:15). Aturdido e confuso pela experiência pessoal 
com o Messias dos pecadores, percorrendo as ruas barulhentas das 
grandes cidades e as estradas de terra dos vilarejos, o maltrapilho 
segue pela vereda da confiança cega no perdão irreversível do 
Mestre. As defesas que ele construiu contra sua verdade como 
pecador salvo são destruídas no redemoinho da misericórdia que 
brilha como relâmpagos em sua vida. 
S 
12 CONFIANÇA CEGA 
se tornou artigo raro. É por isso que recebo com alegria os 
pensamentos perspicazes de Brennan Manning sobre um assunto 
vital, mas tantas vezes negligenciado. 
Manning vincula o adjetivo "cega" ao substantivo "confiança" 
— Confiança cega. E uma combinação que pode nos surpreender à 
primeira vista, mas "cega" é uma palavra que pode se referir a algo 
"absoluto", "irrestrito", "sem medida". Mas é bem nesse ponto que 
vemos pela primeira vez a competente abordagem que Manning 
faz do assunto, pois, ao nos chamar a uma "confiança cega", ele 
está realmente se posicionando contra toda a "autopiedade" que 
contamina a cultura moderna. Ele nos chama a uma confiança que 
se recusa terminantemente a fazer da autopiedade o maior bem da 
vida. Este livro é de fato um ataque frontal a todos os pecados 
egocêntricos de nossos dias: autoindulgência, vontade própria, 
serviço em causa própria, louvor dirigido a si mesmo, 
autogratificação, justiça própria, autossuficiência e outros do 
mesmo género. 
Manning chama de "segunda conversão" esse movimento 
decisivo na direção de uma confiança radical em Deus. E é isso 
mesmo. Conversão implica tanto afastamento quanto aproximação. 
Ao nos aproximarmos de Deus estamos aprendendo a nos afastar 
do "mundo, da carne e do Diabo". Também estamos nos afastando 
de nós mesmos como centro e razão do nosso viver, pois vamos 
percebendo que Deus é verdadeiramente a essência e o centro de 
todas as coisas. 
É com muita satisfação que vejo que, em seu desejo de nos 
chamar a uma vida de confiança em Deus, Manning não passa 
simplesmente por cima das tragédias da existência humana. Ele 
está disposto a encarar a angustiante questão que todos carregamos 
dentro de nós: "Como é que alguém se atreve a propor o caminho 
da confiança, se o que temos diante de nossos 
C A P I T U L O UM 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 
ste livro teve início numa observação feita por meu diretor 
espiritual: "Brennan, você não precisa de mais conhecimento 
sobre a fé. Você já tem conhecimento para os próximos trezentos 
anos. A coisa mais urgente na sua vida é confiar no que você já 
recebeu". 
Aquilo me pareceu bem simples. Mas sua observação disparou 
um processo de reavaliação da minha vida, do meu ministério e da 
autenticidade do meu relacionamento com Deus — uma 
reavaliação que durou dois anos. O desafio de realmente confiar 
em Deus forçou-me a desconstruir o que eu havia construído 
durante a vida toda, a deixar de me agarrar ao que eu tinha tanto 
medo de perder, a questionar meu investimento pessoal em cada 
palavra que eu já havia falado ou escrito sobre Jesus Cristo e a me 
perguntar sem medo se eu confiava nele. 
Depois de horas incontáveis de silêncio, solitude, autoexa-me e 
oração, aprendi que o ato de confiar deve ser eminentemente 
inabalável. 
O filme Carruagens de fogo recebeu o Oscar em 1981 como 
melhor filme do ano. Ele retrata a história de dois corredores 
E 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 17 
reduzido, as quais confiam invariavelmente em seu amor pater-
nal na adversidade e na alegria, na tribulação e na consolação. 
Essas almas de fato agradam e dão imenso prazer ao coração 
do seu Pai celestial. Não há nada que ele não esteja preparado 
para lhes conceder. "Peça-me metade do meu Reino", exclama 
ele à alma que confia, e "eu o darei a você".
1
 
Confiança inabalável é uma coisa rara e preciosa, pois quase 
sempre exige um grau de coragem que beira o heroísmo. Quando a 
sombra da cruz de Jesus se projeta sobre nós na forma de fracasso, 
rejeição, abandono, traição, desemprego, solidão, depressão, perda 
de um ente querido, quando estamos surdos para todas as coisas, 
exceto para o grito da nossa dor, quando o mundo que nos rodeia 
de repente se torna um lugar hostil e ameaçador — nesses 
momentos podemos clamar angustiados: "Como um Deus de amor 
pode permitir que isso aconteça?". É nessas horas que são lançadas 
as sementes da desconfiança. É preciso coragem de herói para 
confiar no amor de Deus não importa o que nos aconteça. 
O aluno mais inteligente que já tive no seminário foi um jovem 
chamado Augustus Gordon. Hoje ele passa seis meses por ano 
como ermitão numa cabana solitária nas montanhas Smoky, no 
estado do Tennessee. Nos outros meses do ano, ele viaja pelo país 
pregando o evangelho em prol da organização Food for the Poor, 
uma iniciativa missionáriaque envia alimentos para os famintos e 
sem-teto no Haiti, na Jamaica e em outras ilhas caribenhas. 
Numa visita recente, perguntei-lhe: "Augustus, numa só frase, 
qual a sua definição de vida cristã?". Ele nem piscou para 
1 The Virtue ofTrust, p. 12. 
18 CONFIANÇA CEGA 
responder: "Brennan, posso definir a vida cristã numa única 
palavra: confiança". 
Já faz mais de quatro décadas que fui alcançado por Jesus numa 
capelinha nas montanhas Allegheny, no oeste da Pensilvânia. 
Depois de milhares de horas de oração e meditação sobre os anos 
vividos até aquele momento, posso declarar de forma inequívoca 
que a submissão confiante, a exemplo de uma criança, é o espírito 
que define a autêntica vida de discípulo. E eu acrescentaria que a 
grande necessidade da maioria das pessoas é muitas vezes a mais 
desconsiderada — a saber, a necessidade de uma confiança 
intransigente no amor de Deus. Além disso, eu diria que, embora 
haja vezes em que é melhor nos aproximarmos de Deus como faria 
um maltrapilho diante do Rei dos reis, é muito melhor nos 
achegarmos a ele como uma criancinha se achegaria a seu pai. 
Na Palestina do primeiro século, a pergunta que prevalecia na 
discussão religiosa era: como podemos apressar a vinda do reino 
de Deus? Jesus apontou para um único caminho: o caminho da 
confiança. Ele nunca pediu aos discípulos que confiassem em 
Deus. Pelo contrário, ele ordenou peremptoriamente: "Creiam em 
Deus; creiam também em mim" (Jo 14:1, NVI). A confiança não 
era um aspecto secundário dos ensinamentos de Jesus; era o 
coração deles. Ela, e somente ela, poderia apressar a vinda do reino 
de Deus. 
Quando o brilhante eticista John Kavanaugh foi trabalhar por 
três meses na "casa dos moribundos" em Calcutá, ele estava à 
procura de uma clara resposta sobre como viver melhor os anos 
que lhe restavam de vida. Na primeira manhã ali, ele conheceu a 
Madre Teresa. E ela lhe perguntou: 
— Como lhe posso ser útil? 
Kavanaugh pediu que ela orasse em seu favor. — E você quer 
que eu ore por qual necessidade? 
O CAMINHO DA CONHANÇA 19 
E ele verbalizou o pedido que havia carregado consigo milhares 
de quilómetros desde os Estados Unidos: 
— Ore para que eu tenha clareza. E ela 
disse com firmeza: 
— Não, eu não vou orar por isso. 
Quando ele lhe perguntou o porquê, ela respondeu: — Clareza 
é a última coisa a que você deve se apegar. 
Quando Kavanaugh comentou que ela sempre lhe parecera ter a 
clareza que ele tanto ansiava, ela riu e disse: — Nunca tive clareza; 
o que eu sempre tive foi confiança. Então vou orar para que você 
confie em Deus.
2
 
"E nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem por nós" 
(ljo 4:16). Quando vamos em busca de clareza, tentamos eliminar 
o risco de confiar em Deus. O medo do caminho desconhecido a 
nossa frente destrói a confiança infantil na bondade ativa do Pai e 
em seu amor irrestrito. 
Muitas vezes partimos da premissa de que o ato de confiar irá 
desfazer a confusão, iluminar a escuridão, acabar com a incerteza e 
remir o tempo. Mas a nuvem de testemunhas de Hebreus 11 revela 
que não é bem assim. Nossa confiança não traz uma clareza 
definitiva neste mundo. Ela não elimina o caos, não entorpece a 
dor nem nos serve de muleta. No momento em que tudo está 
obscuro, o coração que confia diz, a exemplo de Jesus na cruz: 
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23:46). 
Se nos livrássemos da tentação de fazer da fé uma anuência 
despropositada a um balcão empoeirado cheio de doutrinas, 
descobriríamos assustados que a essência da fé bíblica reside em 
confiar em Deus. Como observa Marcus Borg: "A primeira 
2 America 173, ns 3, 29 de jul. de 1995, p. 38. 
20 CONFIANÇA CEGA 
é uma questão da mente; a segunda, uma questão do coração. A 
primeira pode não nos transformar; a segunda traz mudança 
intrínseca".
3
 A fé que traz vida à comunidade cristã não é tanto 
uma questão de acreditar na existência de Deus, mas uma 
confiança prática em seu cuidado amoroso debaixo de toda e 
qualquer pressão. Muita coisa está em jogo aqui, pois não terei dito 
em meu coração "Deus existe" se eu não disser "eu confio em ti". 
A primeira afirmação é racional, abstrata, talvez uma questão da 
teologia natural, é a mente trabalhando com sua lógica. A segunda 
é "comunhão, pão que comemos de uma mão invisível".
4
 Diante de 
obstáculos intransponíveis e sem ter ideia alguma do que vai 
acontecer no final, o coração que confia diz: "Aba, entrego minha 
vontade e minha vida a ti, sem reservas e com confiança 
inesgotável, pois tu és meu Pai amoroso". 
Embora muitas vezes desconsideremos nossa necessidade de 
confiar sem vacilar no amor de Deus, tal necessidade é a mais 
urgente que temos. É o remédio para tantas doenças, melancolia e 
ódio contra nós mesmos. O coração que se converte da 
desconfiança para a confiança no perdão irreversível de Jesus 
Cristo é redimido da ação corrosiva do medo. O grande pavor 
existencial de que a salvação está reservada unicamente aos bons e 
piedosos, o temor anónimo de que estejamos predestinados ao 
fracasso espiritual, o pessimismo mórbido que nos leva a pensar 
que as boas novas do amor de Deus não passam de uma ilusão — 
todos esses elementos se unem para formar uma fina membrana de 
desconfiança que nos mantém num estado crónico de ansiedade. 
5 Jesus: A New Vision, p. 111. 
4 Daniel BERRIGAN, Isaiah: Spirit of Courage, Gift ofTears, p. 37. 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 21 
A conversão decisiva (ou aquilo que chamo de segunda 
conversão) da desconfiança para a confiança — conversão que 
deve se renovar todos os dias — é o momento da soberana 
libertação do cativeiro da preocupação. Esse supremo ato de 
confiança na aceitação de Jesus é tão transformador, que pode ser 
corretamente chamado de hora da salvação. Tantas vezes, o que 
está claramente faltando no conceito de salvação mecânica e 
externa é a autoaceitação, experiência internamente personalizada 
e arraigada na aceitação que vem de Jesus Cristo. Ela ordena 
libertação da culpa insana, da vergonha, do remorso e do ódio 
contra nós mesmos. Qualquer coisa que esteja aquém disso — 
autorrejeição sob todas as formas — é um inequívoco sinal de falta 
de confiança na completa suficiência da obra de salvação realizada 
por Jesus. Será que ele me libertou mesmo do medo em relação ao 
Pai e do ódio contra mim mesmo? 
O ato de confiar com base na graça é a grande decisão da vida. 
Sem ele, nada tem valor, e dele deriva o significado definitivo de 
todos os relacionamentos e conquistas, de cada sucesso ou 
fracasso. Uma confiança sem limites no amor misericordioso de 
Deus desfere um golpe mortal contra o ce-ticismo, contra o 
cinismo, contra a autocondenação e contra o desespero. E o nosso 
ato de obediência à ordem de Cristo: "Creiam em Deus; creiam 
também em mim". 
As palavras de Angelo Silésio, teólogo do século XV, são 
plenamente ortodoxas: "Se Deus deixasse de pensar em mim, ele 
deixaria de existir". Silésio está apenas parafraseando a mensagem 
de Jesus: "Não se vendem cinco pardais por dois asses? Entretanto 
nenhum deles está em esquecimento diante de Deus. Até os 
cabelos da vossa cabeça todos estão contados. Não temais! Bem 
mais valeis do que muitos pardais" (Lc 12:6-7). Por sua própria 
natureza, Deus está pensando em mim. 
22 CONFIANÇA CEGA 
Quem vive da desconfiança desconsidera essas palavras como 
se fossem mera hipérbole e se mantém sombrio, melancólico e 
medroso. O discípulo que confia as recebe e dá pulos de alegria. 
A premissa da confiança segundo a Bíblia é a convicção de que 
Deus quer que cresçamos, avancemos e experimentemos plenitude 
de vida. Esse tipo de confiança, todavia, é adquirida apenas aos 
poucos e quase sempre através de uma série de crises e provações. 
No meio da angústia indescritível no monte Moriá, Abraão, ali 
com seu filho Isaque, aprendeu que o Deus que o havia chamado 
para crercontra a esperança era eminentemente confiável, e a 
única coisa que se podia esperar dele era confiança incondicional. 
O grande patriarca é modelo da essência da confiança nas 
Escrituras hebraicas e cristãs: ter convicção de que Deus é digno 
de crédito. 
O relato da história da salvação aponta para a realidade in-
variável de que a confiança precisa ser purificada pelo fogo da 
provação. Davi, a figura mais admirada da história do judaísmo 
sabia o que era medo, solidão, fracasso e até planos sinistros que 
visavam tirar-lhe a vida; mas ele conquistou o coração de Deus 
com sua confiança inabalável: 
Em me vindo o temor, hei de confiar em ti. Em Deus, cuja pa-
lavra eu exalto, neste Deus ponho a minha confiança e nada 
temerei. Que me pode fazer um mortal? (SI 56:3-4). ... e 
confio no SENHOR sem vacilar (SI 26:1). ... livrou-me, 
porque ele se agradou de mim (SI 18:19). No tocante a mim, 
confio na tua graça (SI 13:5). Espera pelo SENHOR, tem bom 
ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo 
SENHOR. (SI 27:14). Bem-aventurado o homem que põe no 
SENHOR a sua confiança (SI 40:4). 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 23 
Dar-te-ei graças para sempre, porque assim o fizeste; na presen-
ça dos teus fiéis esperarei no teu nome, porque é bom (SI 52:9). 
Quanto a mim, porém, sou como a oliveira verdejante, na casa 
de Deus; confio na misericórdia de Deus (SI 52:8). 
Olhe para o esplendor de um coração humano que acredita que 
é amado! 
Talvez não seja por coincidência que o apóstolo João veio a ser 
conhecido como o discípulo amado. Por quê? "E nós conhecemos 
e cremos o amor que Deus nos tem" (IJo 4:16a). Davi e João, 
almas que entoavam o mesmo cântico de confiança inabalável no 
amor de Deus! 
Nunca me esquecerei do testemunho de um sacerdote episcopal 
chamado Tom Minifie, muitos anos atrás na igreja de St. Luke em 
Seattle, estado de Washington. Ele notou a presença sofisticada de 
um casal sentado no último banco com o filho de um ano de idade, 
portador da Síndrome de Down. Era óbvio, pelo comportamento 
dos pais, que aquela criancinha os deixava constrangidos. Eles se 
escondiam na parte de trás do templo, talvez planejando sair às 
pressas assim que o culto terminasse. 
Quando se dirigiam para a porta da rua, Tom os abordou e 
disse: "Venham comigo até meu escritório". Depois que se sen-
taram, Tom pegou o bebé nos braços e o embalou com carinho. 
Então, olhando para o rosto da criança, começou a chorar. E 
perguntou-lhes: "Vocês têm ideia do presente que Deus lhes deu 
por meio desta criança?". 
Percebendo que os pais estavam confusos e até apreensivos, ele 
explicou sua reação: "Dois anos atrás, Sylvia, minha filha de três 
anos de idade, portadora da Síndrome de Down, faleceu. Temos 
mais quatro filhos e sabemos como as crianças podem ser uma 
bênção. Contudo, o presente mais precioso 
24 CONFIANÇA CEGA 
que já recebemos em toda a nossa vida foi Sylvia. Com sua ex-
pressão desinibida de afeto, ela nos revelou a face de Deus como 
nenhum outro ser humano já havia feito. Vocês sabiam que várias 
tribos de índios americanos associavam divindade com as crianças 
com Down, pois na sua incrível simplicidade elas eram uma janela 
por meio da qual se via o Grande Espírito? Cuidem dessa criança 
como cuidariam de um tesouro, pois ela os conduzirá ao coração 
de Deus". 
Daquele dia em diante, os pais começaram a sentir orgulho do 
seu filhinho. 
A confiança inabalável no amor de Deus nos inspira a sermos 
gratos pelas trevas que nos cercam, pelo desemprego, pela artrite 
que não pára de doer e nos leva a orar do fundo do coração: "Aba, 
em tuas mãos entrego meu corpo, mente e espírito e todo o dia de 
hoje — manhã, tarde e noite. A tua vontade para mim, seja ela qual 
for, é a minha vontade, dependendo de ti e confiando em ti no 
meio da realidade da minha vida. Ao teu coração confio o meu 
coração, frágil, inseguro, incerto. Aba, entrego-me a ti em Jesus, 
nosso Senhor. Amém". 
Ao longo da minha vida, na qual as vitórias tem sido modestas 
e pessoais, as provações, razoavelmente triviais, e os fracassos, 
grandes o suficiente para ferir a mim e as pessoas que amo, tenho 
sempre caído e me levantado, caído e me levantado. Cada vez que 
caio, sou levado a renovar meu esforço por meio de uma confiança 
cega no perdão dos meus pecados por pura graça, na vindicação e 
justificação da minha jornada maltrapilha baseada não em 
quaisquer boas obras que eu tenha praticado (a abordagem do 
fariseu no templo), mas numa firme confiança no amor de um 
Deus cheio de graça e misericórdia. 
Quando Roslyn e eu nos casamos, estávamos ambos desem-
pregados. Meu ministério na igreja católica havia se encerrado, 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 25 
e eu era praticamente desconhecido em outras comunidades 
eclesiásticas. Convites para pregar quase desapareceram, e nin-
guém me chamava para assumir algum trabalho ministerial. 
Nossa história talvez seja um paradigma para todo discípulo 
que confia. O caminho da confiança é um movimento em di-reção 
à obscuridade, ao indefinido, à ambiguidade, e não a um plano 
predeterminado e claramente delineado para o futuro. O passo 
seguinte revela-se a partir do discernimento de Deus agindo no 
deserto do momento presente. A realidade da confiança nua e crua 
é a vida de um peregrino que abandona aquilo que tem raízes, que 
é óbvio e seguro, e caminha para o desconhecido sem nenhuma 
explicação racional que justifique a decisão ou dê alguma garantia 
para o futuro. Por quê? Porque Deus ordenou aquele movimento e 
oferece sua presença e sua promessa. 
Ê claro que havia dias em que eu sentia medo, meu coração 
estava abatido e meu corpo tremia, em que prosseguia aos trancos 
e barrancos, sentindo-me como uma criança confusa e sozinha, 
perdida na noite escura, ouvindo barulhos assustadores e 
estranhos; trocando em miúdos, havia dias em que a ansiedade e a 
incerteza tomavam conta. Então, do nada vinha uma voz calma e 
tranquila: "Não tenha medo. Eu estou com você". 
O maior obstáculo em minha jornada pelo caminho da con-
fiança foi uma sensação opressora de insegurança, incompetência, 
inferioridade e baixa autoestima. Não me lembro de ter recebido 
um abraço ou um beijo de minha mãe quando eu era pequeno. 
Chamavam-me de insuportável e de peste e viviam me mandando 
calar a boca e ficar quieto. Minha mãe havia ficado órfã aos três 
anos de idade — seus pais morreram de uma epidemia de gripe em 
Montreal — e a enviaram para um orfanato, onde ela morou 
muitos anos, até ser adotada. Então, quando tinha dezoito anos, 
mudou-se para 
26 CONFIANÇA CEGA 
o Brooklyn, em Nova York, para estudar enfermagem. Como não 
havia recebido muita atenção nem afeto durante a infância, ela era 
incapaz de oferecê-los. 
Nos últimos anos de vida, meu pai transformou-se na pessoa 
mais gentil e bondosa que eu já conheci. Mas durante minha 
infância ele sempre esteve ausente. Pressionado pelas limitações de 
uma baixa escolaridade, durante a Grande Depressão ele procurou 
emprego freneticamente, mas em vão. Eu não entendia por que ele 
nunca estava presente (exceto para dar uma bronca ou para nos 
impor castigos físicos). Quando eu via crianças da minha idade 
desfrutando de um excelente relacionamento com seus pais, eu 
concluía que devia haver algo de errado comigo. A culpa era 
minha. Como eu vivia me culpando, a semente do ódio corrosivo 
contra mim mesmo germinou e fixou raízes. Na falta de qualquer 
expressão de atenção ou afeto da parte dos outros, eu achava 
inconcebível que Deus tivesse sentimentos positivos a meu 
respeito. 
Numa noite de muita neve, quando eu tinha seis anos, meu pai 
chegou em casa depois de um dia difícil procurando emprego e 
perguntou à minha mãe como os meninos haviam se comportado. 
Apontando para meu irmão Rob (quinze meses mais velho que eu), 
ela disse: "Ele não toma jeito. Quero que você o leve até a 
delegaciaagora mesmo. Diga aos policiais que o coloquem numa 
cela e o deixem ali". 
E foi o que meu pai fez. Ajoelhei-me sobre o parapeito da ja-
nela com o nariz contra o vidro, torcendo sem esperanças para que 
meu irmão voltasse para casa. Meia hora depois, vi meu pai 
subindo a rua de volta, mas sozinho. O terror da rejeição e 
abandono tomou conta do meu coração. As lágrimas rolaram pelo 
meu rosto. Tremendo, percebi que não havia ninguém mais para 
me proteger. Eu estava completamente só e sabia que seria o 
próximo. 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 2 7 
Mas então vi meu irmão uns trinta metros atrás do meu pai, 
caminhando e fazendo uma bola de neve. O pânico interior cedeu 
um pouco, mas eu continuava assustado e abalado. Limpando as 
lágrimas dos olhos, desci do parapeito, assumi a posição machista 
de que meninos de seis anos não choram e fingi estar 
desinteressado num episódio traumático que me perseguiu durante 
anos. 
Mas isso não é tudo. Certa manhã, enquanto eu orava — eu já 
era adulto nessa época — vi a imagem de minha falecida mãe com 
seis anos de idade no orfanato, ajoelhada sobre o parapeito de uma 
janela e com o nariz contra o vidro, lágrimas rolando pelo rosto, e 
pedindo a Deus que enviasse um casal bonzinho que a adotasse. De 
repente toda a raiva que eu tinha dentro de mim contra a minha 
mãe, todo o ressentimento que eu tinha por causa de sua ausência 
quando eu era criança, tudo aquilo desapareceu. Soluçando, pedi 
perdão a ela. Com um sorriso radiante, ela disse: "Eu posso ter 
errado muito, mas você conseguiu". Quando ela me abraçou e me 
beijou, o maior inimigo da confiança em minha vida foi 
desarmado. 
Uma vida que se revolve no meio da vergonha, do remorso, do 
ódio contra si mesmo e da culpa por causa de erros reais ou 
imaginários do passado revela uma falta de confiança no amor de 
Deus. Mostra que não aceitamos a aceitação de Jesus Cristo e, 
assim, rejeitamos toda a suficiência de sua obra redentora. A 
preocupação com pecados do passado, fraquezas do presente e 
defeitos de caráter faz com que nossas emoções se agitem de 
formas autodestrutivas, encerra-nos na cidadela poderosa do eu e 
tomam o lugar de um Deus compassivo. Por experiência própria 
posso testemunhar que a linguagem da baixa autoesti-ma é dura e 
exigente; ela comete abusos, faz acusações, critica, rejeita, acha 
erros, culpa, condena, repreende e esbraveja num monólogo de 
impaciência e castigo. 
28 CONFIANÇA CEGA 
Em vez de ficarmos surpresos por termos feito algo de bom — 
e certamente fazemos — ficamos chocados e horrorizados com 
nosso fracasso. Jamais julgaríamos nenhum outro filho de Deus 
com a mesma condenação selvagem com a qual nos oprimimos. O 
fato é que o ódio contra nós mesmos torna-se maior que a própria 
vida e cresce até o ponto de ser considerado o começo e o fim de 
tudo. A imagem da história infantil do Ga-linho Chicken Little me 
vem à mente. Em nosso ódio contra nós mesmos sentimo-nos 
como se o céu estivesse caindo. 
Assim, não é sem motivo que nos escondemos de Deus em 
oração. Simplesmente não acreditamos que ele possa cuidar de 
tudo que vai em nossa mente e coração. Ficamos a imaginar se ele 
poderia aceitar nossos pensamentos odiosos, nossas fantasias 
cruéis e nossos sonhos bizarros. Pode ele conviver com nossas 
imagens primitivas, nossas ilusões de grandeza e com os exóticos 
castelos que fabricamos em nossa mente? Concluímos que não e, 
portanto, escondemos de Jesus aquilo que mais precisa de seu 
toque de cura.
5
 
Para que cresçamos em nossa confiança, precisamos permitir 
que Deus nos veja e nos ame exatamente como somos. A melhor 
forma de fazer isso é por meio da oração. A medida que oramos, o 
amor irrestrito de Deus vai aos poucos nos transformando. 
Abrimo-nos para receber a verdade sobre nós da perspectiva da 
verdade de Deus. O Espírito abre nossos olhos para vermos a 
realidade, ignorando as ilusões, de modo que possamos perceber 
que somos vistos por Deus com. um olhar de amor. 
Em novembro de 1999, enquanto eu caminhava pelo campus da 
universidade Stanford, em Paio Alto, na Califórnia, dirigindo- 
5 Henri NOUWEN, America 180, n" 13, 17 de abr. de 1999, p. 34. 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 29 
me para um auditório onde eu iria dar uma palestra, um aluno 
aproximou-se de mim e disse: "Gostei do seu jeans largo e baggy. 
Para um coroa, até que você é um cara legal". Com uma fisionomia 
de quem não havia gostado daquilo, respondi: "Se as pessoas não 
forem legais, por que valeria a pena viver? Dê-me uma boa razão 
por que você deveria se arrastar através da lama deste mundo 
sombrio, sinistro e melancólico se você não for legal. Dá para você 
imaginar como seria não ser legal num mundo legal?". 
Meio assustado, ele respondeu: "Nossa! Não é assim tão ruim, 
cara. Por que você não vai conversar com o capelão?". 
Quando lhe revelei minha identidade, ele riu. Convidei-o para 
acompanhar-me ao auditório e ouvir minha palavra sobre o amor 
de Deus. Para minha surpresa e satisfação, ele aceitou. Mais tarde 
naquela noite, enquanto caminhávamos de volta ao seu dormitório, 
ele disse que se sentia distante de Deus. 
E explicou-me: "O peso dos estudos aqui é grande. Eu cos-
tumava levar uma vida de oração no segundo grau, mas tenho 
estado tão ocupado com os estudos, com a vida social e tentando 
me adaptar, que acabei descuidando de meu relacionamento com 
Deus. Eu sinto falta dele". Então, disfarçando, limpou as lágrimas. 
"Quero sentir a presença dele. A correria da vida me deixa tão 
afastado, que às vezes fico pensando se realmente confio em Deus. 
Daí eu me pego assustado. Mas eu continuo no mesmo esquema de 
vida, porque não consigo ver alternativa. Gostaria de estar mais 
perto de Deus." 
Na manhã seguinte, uma integrante do corpo docente daquela 
escola veio visitar-me. Suas palavras pareceram uma reprise do 
que aquele aluno havia compartilhado na noite anterior. Ela disse: 
"Houve um momento em minha vida que minha fé era tão grande, 
que ela era a própria força que eu tinha para cada dia. Eu tinha 
consciência da presença de Deus mesmo nas 
30 CONFIANÇA CEGA 
situações mais estressantes. A presença de Cristo ardia como fogo 
dentro de mim. Mas aos poucos, quase sem perceber, fui deixando 
de me aquecer com sua presença. A competição, aca-demicamente 
falando, é muito grande aqui e exige muito da gente". E, 
suspirando profundamente, soltou o corpo para trás, afundando na 
poltrona. 
Depois de uma pausa, ela continuou: "Ontem, depois que você 
falou sobre o amor de Deus, chorei durante uma hora. Minha vida 
está muito vazia. Vejo tanta dor e sofrimento aqui no campus e 
fora dele também, que às vezes fica difícil acreditar num Deus de 
amor. Eu ainda tenho fé — sei que tenho — mas não consigo 
senti-la; perdi toda a percepção da presença de Deus. Sou como 
Maria Madalena chorando no jardim: '... levaram o meu Senhor e 
não sei onde o puseram'. Sinto tanta falta de Deus, que às vezes 
fico profundamente emocionada. Gostaria tanto de ter de volta o 
relacionamento que eu tinha com ele!". 
Pois bem, olhe para aquele aluno e para essa moça e finja que 
você é o Deus de amor encarnado em Jesus de Nazaré. O jovem 
está triste porque sente sua falta, abatido por não estar perto de 
você, sofrendo por estar tão ocupado que acabou por negligenciá-
lo, quase em pânico por não confiar mais em você. 
A jovem está chorando porque não consegue mais sentir sua 
presença como antes. O sofrimento em seu coração se deve à 
experiência que ela tem de sua ausência. Enredada pela vida 
académica, ela teme que sua fé esteja declinando e que venha a 
perdê-lo para sempre. 
Ainda supondo por um momento que você seja Deus, como 
você se sente em relação a essas duas pessoas? Consegue vê-las 
como pessoas que mantêm um relacionamento com você? 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 31 
Seu coração está transbordando de compaixão por seussenti-
mentos de separação em relação a você? Consegue ver na vida 
dessas pessoas uma oração de anseio por você? Você as tomará 
nos braços no momento em que elas clamarem? 
Pegue seus sentimentos humanos, multiplique-os exponen-
cialmente até o infinito e você terá uma noção do amor de Deus 
revelado em Jesus Cristo. Com uma forte afirmação de nossa 
bondade e um gentil entendimento de nossas fraquezas, Deus está 
nos amando — a mim e a você — neste exato momento, assim 
como somos e não como deveríamos ser. Não há nada que 
possamos fazer para aumentar seu amor por nós e nada que possa 
diminuí-lo. 
Quando, em nossa caminhada com Deus, somos atingidos por 
excesso de trabalho, depressão, problemas de família ou coisa pior, 
Deus não nos abandona. Nem nós, se andarmos pelo caminho da 
confiança, haveremos de abandoná-lo. Quando saímos do 
caminho, a confiança nos leva de volta; e não retrocedemos, 
hesitamos ou nos preocupamos com a possibilidade de Deus não 
nos acolher em seus braços. Não importa onde estejamos em nossa 
jornada, temos uma tranquila segurança de que nossa confiança no 
amor de Deus lhe proporciona imenso prazer. 
Todavia, se enxergamos um Deus pavio-curto, inacessível, que 
se aborrece facilmente, se a imagem que fazemos dele é de um 
Deus arrogante, indiferente ou cheio de raiva, atribuindo-lhe 
qualidades nada amorosas e nos encolhendo diante de seu olhar, 
descartaremos o caminho da confiança como uma ilusão, como um 
beco sem saída ou como um caminho fácil e suave para os fracos e 
tolos. Nosso ceticismo, cinismo ou racionalismo triunfante haverão 
de afastar para longe de nosso meio o Deus-conosco, fazendo dele 
um ser indiferente e desinteressado nas lutas e alegrias de seus 
filhos. 
32 CONFIANÇA CEGA 
Daniel Considine escreveu na década de 1930: "Nunca houve 
uma mãe tão cega para os erros do filho quanto o Senhor para os 
nossos".
6
 Portanto, nunca devemos nos desanimar com nossos 
erros. Podemos começar a fazer isso se não ficarmos surpresos 
com eles. Uma criancinha que não sabe andar direito não se 
surpreende com seus tropeços e quedas a cada passo que dá. 
Embora a gravidade do pecado não deva ser minimizada, 
desperdiçar tempo deplorando o passado mantém Deus longe de 
nós. Como disse o Pastor de Hermas no segundo século: "Pára de 
bater na tecla dos teus pecados e ora pedindo justiça". 
Qual a utilidade de nossa vida de oração, de nosso estudo da 
Bíblia, da teologia ou da espiritualidade, se não confiamos naquilo 
que aprendemos? Ficar num vai e vem entre um sim definitivo e 
um não desanimador nos mantém num estado de procrastinação 
terminal. Da mesma forma, uma ênfase exclusiva nas questões 
teológicas e quentes da moda (muitas das quais não são nem 
quentes nem teológicas) ou uma ênfase unilateral nas questões 
urgentes de justiça social podem temporária ou permanentemente 
adiar uma decisão de confiar no amor de Deus, mantendo-nos 
assim num estado de limbo espiritual. 
Minha avó paterna costumava dizer: "Viver sem correr riscos é 
correr o risco de não viver". O caminho da confiança é uma coisa 
arriscada, não há dúvida sobre isso. Mudar de profissão de uma 
hora para outra porque não nos sentimos realizados, assumir o 
cuidado extenuante dos pais idosos, isolar-se por três dias em 
silêncio e solitude com Jesus sem ficar estressado, fazer um 
trabalho voluntário no subSaara com somente alguns escassos 
recursos espirituais, assumir um cargo impopular com rumores 
Confidence ín God, p. 17. 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 33 
de descontentamento e medo nos bastidores, dominar a desilusão 
quando ficamos de frente com o descrédito nos lugares onde 
menos se esperava — todos esses desafios exigem disposição para 
arriscar uma jornada rumo ao desconhecido e prontidão para 
confiar em Deus mesmo no meio das trevas. 
É claro que não se deve agir impulsivamente. Toda e qualquer 
decisão mais importante deve ser precedida por um processo de 
discernimento cuidadoso, e isso envolve família, amigos e um 
mentor espiritual. Mas quando chega a hora certa, somente o 
discípulo que confia com determinação em Deus ousará correr o 
risco. E essa confiança não parte da ingenuidade, mas há 
consciência de que a possibilidade de errar e de se dar mal é bem 
concreta. Mas sem se expor à possibilidade de fracasso, não existe 
risco. 
Explicando o desenvolvimento de sua fé, o psiquiatra Gerald 
May escreve: 
Sei que Deus é amoroso, e o seu amor é confiável. Sei disso 
pela via direta, por meio da experiência da minha vida. Hou-
ve inúmeras vezes em que duvidei, principalmente quando eu 
achava que a bondade de Deus significava que eu não seria 
atingido por coisas ruins. Mas, tendo passado por sofrimento 
um número razoável de vezes, hoje sei que a bondade de Deus 
é algo muito mais profundo do que sofrimento e prazer — ela 
inclui as duas coisas.' 
Naturalmente, os que assumem riscos irritam os legalistas, que 
se sentem ameaçados por qualquer pessoa que confie em Deus e 
não na lei. Eles tendem a desprezar homens e mulheres 
7 Simply Sane, p. 155. 
34 CONFIANÇA CEGA 
que não sejam tão cautelosos quanto eles. Colocam-se acima dos 
pecadores e dos não-conformistas. Em virtude dessa confiança no 
próprio eu, aliada a uma falta de autoconhecimento, os legalistas 
revelam-se incapazes de receber a graça; eles não vivem nem 
ousam viver com base na confiança num Deus de amor. Balançam 
a cabeça em desaprovação, invocam tradições sacrossantas e sem 
motivo lançam mão de sua arma mais cruel e poderosa: a opressão 
pela culpa. Ameaçados pela liberdade daqueles que confiam em 
Deus e não na lei, os legalistas avisam que haverá trágicas 
consequências e uivam como um grupo de lobos na noite. 
O discípulo, porém, não mais assolado pelo desejo de agradar 
os outros e considerando a aprovação de Deus mais valiosa que a 
desaprovação dos homens, segue em frente com o olhar fixo em 
Jesus, "Autor e Consumador da fé" (Hb 12:2). 
Achei fascinante um dos livros de Henri Nouwen, The Inner 
Voice of Love [O secreto som do amor], relativamente pequeno, 
apenas 115 páginas, publicado no dia de sua morte. Nouwen 
emprega os termos confiar ou confiança 65 vezes. Alguns 
exemplos: 
A cada momento precisamos decidir confiar na voz que nos 
diz: "Eu te amo. Eu te teci no ventre de tua mãe" (SI 139:13). 
Pare de perambular por aí. Pelo contrário, volte para casa e 
confie que Deus lhe trará o que você precisa. Pois, por tudo 
que você consegue se lembrar, você tem sido alguém que se 
preocupa em agradar os outros, dependendo deles para ter sua 
identidade. Mas agora você deve abrir mão de todos os apoios 
que produz para si mesmo e confiar que Deus lhe é suficiente. 
A escolha fundamental é confiar sempre que Deus está com 
você e lhe dará o que você mais precisa.
8
 
8E101, 105, 112, 113. 
O CAMINHO DA CONFIANÇA 35 
Os livros anteriores de Nouwen estão pontuados com a palavra 
fé. E também em seu canto do cisne, ele emprega uma vez a 
palavra fé e sessenta e cinco vezes confiar. O que quero dizer com 
isso? Em algum lugar ao longo do caminho, na vida do cristão 
maduro, a fé junta-se com a esperança (falaremos mais sobre isso) 
e transforma-se em confiança. Baseada na experiência que temos 
da fidelidade invariável de Deus, floresce a confiança de que ele 
está conosco para continuar e terminar o que começou. Essa 
confiança era tão inabalável na vida de Nouwen, que ele pôde 
olhar para a própria morte como uma experiência alegre. Tenho 
certeza disso. 
E acho que a fidelidade no caminho da confiança nos conduzirá 
ao mesmo ponto aonde Jó foi conduzido: "Embora ele me mate, 
ainda assim esperarei nele" (Jó 13:15, NVI). 
C A P Í T U L O DOIS 
O CAMINHO DA GRATIDÃO 
igamos que eu faça uma enquete com dez pessoas, per-
guntando a cada uma a mesma coisa: "Você confia em 
Deus?". Suponha que as dez respondessem: "Sim, eu confio em 
Deus",mas nove delas realmente não confiassem. Como eu 
descobriria qual dos maltrapilhos estava dizendo a verdade? 
Eu iria filmar a vida das dez pessoas durante um mês e então, 
depois de assistir a cada um, faria meu julgamento pelo seguinte 
critério: a pessoa com um espírito predominante de gratidão é a 
que confia em Deus. 
A principal qualidade de um discípulo que confia é a gratidão. 
Ela surge de uma clara percepção, avaliação e aceitação de tudo na 
vida como graça — como uma dádiva das mãos do Pai que não 
conquistamos nem merecemos, e a aceitação da dádiva é uma 
forma implícita de agradecimento ao doador. 
O coração grato exclama de manhã: "Senhor, obrigado pela 
dádiva de mais um dia". E continua expressando sua gratidão à 
medida que as bênçãos vão surgindo: 
Obrigado pela dádiva de amar e ser amado, pela beleza dos 
animais na fazenda e nas florestas, pelo som da cachoeira, pela 
D 
38 CONFIANÇA CEGA 
beleza da velocidade da truta no riacho. Obrigado pelo cervo 
correndo pelas campinas, pelo fogo e pela água, pela magia de 
Monet, pelo arco-íris depois da chuva de verão, pela moça de 
cabelos esvoaçantes que desce a encosta da colina e pela xíca-
ra de café fumegante. Obrigado pelo sorriso no rosto de uma 
criança que toma um sorvete de chocolate, pelo cachorro que 
abana a cauda e pelo toque do seu focinho frio no meu rosto. 
Obrigado por eu ter nascido naquela casa da rua 48 Leste, no 
Brooklyn, e não na casa ao lado. Se meu local de nascimento 
tivesse sido outro, eu poderia nunca ter conhecido Jesus e 
tantas pessoas lindas que conheci por meio dele. Obrigado pe-
las quatro estações do ano, pelos dias gloriosos de sol e, acima 
de tudo, pelo dom de Jesus Cristo, o Sol que não se põe, que, 
por meio de sua morte e ressurreição, colocou-nos na estrada 
rumo à glória. 
Nunca me esquecerei de ter lido Seven Essays on Metaphysics 
[Sete ensaios sobre metafísica], de Jacques Maritain, durante meus 
dias no seminário de St. Francis, em Loretto, na Pensilvânia. Em 
um desses ensaios, Maritain conta de um dia em que ele, um 
filósofo renomado de 77 anos de idade, deu pulos no alto de um 
monte em Toulouse, na França, gritando aos céus: "Estou vivo, 
estou vivo!". Tendo a experiência de um arrebatamento repentino e 
absolutamente maravilhoso diante do dom da vida, a alegria de 
estar investido de existência, o privilégio de ser em vez de não ser, 
Maritain caiu de joelhos suspirando palavras de louvor e gratidão. 
A redescoberta da dádiva preciosa da vida e da existência, 
muitas vezes consideradas tão corriqueiras, dá lugar ao espírito de 
gratidão; a consciência das eventualidades, forçosamente 
apresentadas pelo noticiário da noite, motiva a decisão de aceitar o 
convite para celebrar a vida um dia por vez. Unidas a uma 
consciência intermitente da presença divina, as palavras 
O CAMINHO DA GRATIDÃO 39 
de Jesus "eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância" 
(Jo 10:10) brilham com a sensação de que a vida deve ser 
infinitamente valorizada. 
Sobre a minha mesa de trabalho encontra-se uma foto minha, na 
qual seguro nos braços a pequena Eloise Grace Elford, filha de um 
querido amigo, com uma semana de vida, nascida em Surrey, na 
Inglaterra, pesando pouco mais de três quilos. Gerada pela semente 
de seus pais e pelo beijo de Deus, ela entrou na história humana, 
generosamente enriquecida com o dom da vida, e presenteou a nós 
três (suspeitos como sempre — o pai e a mãe também estavam no 
quarto) com um sorriso que parecia gritar: "Eu existo! E tão bom 
estar viva!". 
Hans Urs von Balthasar, teólogo suíço, declara: "Precisamos 
apenas saber quem e o que realmente somos para romper em 
louvor e gratidão espontâneos". Mesmo sofridos e arruinados como 
somos, olhar para nossa grandeza como filhos amados de Aba, 
vivos e vibrantes em Cristo Jesus, supera a sensação repugnante de 
nosso eu desprezível e provoca a grata exclamação: "Graças te 
dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me 
formaste" (SI 139:14). 
Aqui podemos descobrir a razão pela qual os grandes santos 
sempre se referiam a sua pecaminosidade. Motivados não por 
masoquismo, falsa modéstia ou baixa autoestima, mas por 
gratidão, eles aprofundam cada vez mais a consciência de que sua 
paixão por Cristo, a vida heróica de oração e sua generosidade no 
ministério eram dons imerecidos. Eles também passaram a 
perceber melhor como tantas vezes se esqueciam dos dons que 
tinham. A parábola do credor incompassivo declara que pecamos 
contra Deus se deixamos de perdoar as pequenas faltas de nosso 
próximo. Mas a verdade é que pecamos todos os dias, sempre que 
deixamos de ser gratos a Deus por suas dádivas multiformes. 
40 CONFIANÇA CEGA 
Teria sido ingratidão o pecado original de Adão e Eva? Será possível 
que Deus esteja interessado na gratidão de nosso coração mais do que em 
qualquer outra coisa? A parábola dos dez leprosos (Lc 16:11-19) dá apoio 
a essa conjectura. 
Em 1996, George Gallup Jr. escreveu um livro intitulado The Saints 
Among Us [Os santos entre nós]. Cristão sincero e episcopal consagrado, 
esse famoso pesquisador reconhecia a verdadeira santidade em pessoas 
aparentemente comuns que ele localizava entre os segmentos da 
população mais pobre, de baixíssima escolaridade e de pele não branca. 
Quando lhe perguntaram o que essa identificação implicava, Gallup 
respondeu: 
Em muitos casos, há pessoas que enfrentam situações económicas 
dificílimas, mas a confiança que elas têm lhes dá capacidade para 
sair de condições cruéis e achar alegria na vida, conseguindo se 
superar. O fato de serem das classes inferiores dá a entender que, 
mesmo atingidas por problemas económicos, elas não se deixam 
derrotar. São mais dispostas a perdoar, mais agradecidas e menos 
inclinadas a preconceitos, além de terem o dobro de disposição de 
estender a mão ao próximo como pessoas no extremo inferior da 
escala de compromisso espiritual. Em outros estudos que temos 
realizado, tais como de contribuição financeira, descobrimos que 
os pobres, proporcionalmente aos ricos, contribuem mais para 
obras assistenciais. Cercados pela miséria, encontram 
oportunidades de ajudar em todo canto. Os ricos, principalmente 
agora em que o abismo entre eles e os pobres está maior, tendem a 
se isolar e, portanto, não vêem muito da crueldade da vida.1 
Se você passar algum tempo com mulheres negras de mais idade no 
chamado Sul Profundo (Nova Orleans, por exem- 
1 Citado numa entrevista em America, 26 de out. de 1996, p. 20. 
40 CONFIANÇA CEGA 
Teria sido ingratidão o pecado original de Adão e Eva? Será 
possível que Deus esteja interessado na gratidão de nosso coração 
mais do que em qualquer outra coisa? A parábola dos dez leprosos 
(Lc 16:11-19) dá apoio a essa conjectura. 
Em 1996, George Gallup Jr. escreveu um livro intitulado The 
Saints Among Us [Os santos entre nós]. Cristão sincero e episcopal 
consagrado, esse famoso pesquisador reconhecia a verdadeira 
santidade em pessoas aparentemente comuns que ele localizava 
entre os segmentos da população mais pobre, de baixíssima 
escolaridade e de pele não branca. Quando lhe perguntaram o que 
essa identificação implicava, Gallup respondeu: 
Em muitos casos, há pessoas que enfrentam situações econó-
micas dificílimas, mas a confiança que elas têm lhes dá capa-
cidade para sair de condições cruéis e achar alegria na vida, 
conseguindo se superar. O fato de serem das classes inferiores 
dá a entender que, mesmo atingidas por problemas económi-
cos, elas não se deixam derrotar. São mais dispostas a perdoar, 
mais agradecidas c menos inclinadas a preconceitos, além de 
terem o dobro de disposição de estender a mão ao próximo 
como pessoas no extremo inferior da escala de compromisso 
espiritual. Em outros estudos que temos realizado, tais como de 
contribuição financeira, descobrimos que os pobres, proporcio-
nalmente aos ricos,contribuem mais para obras assistenciais. 
Cercados pela miséria, encontram oportunidades de ajudar em 
todo canto. Os ricos, principalmente agora em que o abismo 
entre eles e os pobres está maior, tendem a se isolar e, portan-
to, não vêem muito da crueldade da vida.
1
 
Se você passar algum tempo com mulheres negras de mais 
idade no chamado Sul Profundo (Nova Orleans, por exem- 
1 Citado numa entrevista em America, 26 de out. de 1996, p. 20. 
O CAMINHO D A GRATIDÃO 41 
pio), não poderá deixar de observar o número de vezes que elas 
dizem "obrigada, Jesus" ao longo do dia. 
O fariseu do templo (Lc 18:9-14), todavia, não conhece o 
espírito de gratidão. Ele se mostra indignado pelo fato de Jesus se 
preocupar com pecadores, enfurecido com sua amizade com a ralé. 
O erro fundamental desse fariseu, homem de justiça própria que 
condena os pecadores injustos, estava em acreditar na sua 
infalibilidade. Consciente de sua religiosidade, ele expressa 
gratidão somente pelo que tem e pelo que é; ele está cego para o 
que não tem e para o que não é. Na realidade, o que Jesus diz para 
esse inimigo do evangelho da graça é isto: essas pessoas que você 
despreza são realmente pecadores não porque não fizeram sua 
meditação da manhã, mas porque a pro' fissão as corrompeu, e 
foram enredadas pela sensualidade e pela ganância. Entretanto, elas 
se arrependeram de coração e agora têm aquilo que falta a você — 
uma profunda gratidão a Deus por sua misericórdia e bondade. 
Por trás de todos os clamores do pecador agradecido está uma 
confiança inabalável na pessoa e na promessa de Jesus. Suas 
parábolas sobre a gratuidade da graça destilavam como chuva 
refrescante sobre o solo ressecado da religiosidade farisaica, como 
uma tempestade que varre as esquinas sombrias da religião do 
aleluia sentimental e vibra como relâmpagos na atmosfera 
sulfurosa de legalistas impetuosamente determinados a uma 
ortodoxia não-histórica. 
Lemos no Novo Testamento histórias que esclarecem o 
conceito da graça. Lemos sobre os trabalhadores da décima 
primeira hora na vinha e sobre a generosidade pródiga do 
proprietário (Mt 20:1-16), sobre o coletor de impostos arrependido 
que volta para casa justificado (Lc 18:10-14), sobre mendigos, 
aleijados, cegos e paralíticos que têm assento 
42 CONFIANÇA CEGA 
reservado no banquete messiânico (Lc 14:16-24), sobre o filho 
pródigo, miserável e esfarrapado, e seu pai generoso, que 
escandaliza o espírito calculista e trivial da religião controlada por 
homens (Lc 15:11-32). Somos então apresentados ao Deus 
revelado em Jesus Cristo, que é incomparavelmente outro. Uma 
confiança impoluta na revelação de Jesus permite-nos respirar 
mais livremente, dançar com mais alegria e cantar com mais 
gratidão pela dádiva da salvação. 
Andar em gratidão é um modo de vida inclusivo, atento, 
contagioso e teocêntrico. Vejamos cada um desses aspectos. 
A gratidão é inclusiva. Numa reunião dos Alcoólicos Anó-
nimos em Kinsale, na Irlanda, um homem chamado Tony afirmou: 
"Se eu fosse obrigado a escolher uma doença entre todas as 
doenças que afligem a humanidade, escolheria a minha 
[alcoolismo], pois existe alguma coisa que eu possa fazer". 
Naquela reunião (a exemplo de todas as outras), ele se apresentou 
como "um alcoólico grato em recuperação". Quando lhe 
perguntaram o porquê disso, ele respondeu: "Porque sem os doze 
passos deste programa eu jamais teria me encontrado com Deus". 
Do mesmo modo, no livro de Jó, aquele homem de Deus, com a 
vida arruinada, afirma: "... temos recebido o bem de Deus e não 
receberíamos também o mal?" (Jó 2:10). 
O saudoso Henri Nouwen escreveu sobre a gratidão espiritual: 
Ser grato pelas coisas boas que nos acontecem na vida é fácil, 
mas ser grato por tudo que temos na vida — o bom e o ruim, 
os momentos de alegria e os momentos de tristeza, os sucessos 
e os fracassos, as recompensas e as rejeições — exige um ár-
duo trabalho espiritual. Somos pessoas gratas somente quando 
podemos dizer obrigado por tudo que nos trouxe ao momento 
presente. Enquanto ficarmos dividindo nossa vida entre pes- 
O CAMINHO DA GRATIDÃO 43 
soas e fatos que gostaríamos de lembrar e pessoas e fatos que 
gostaríamos de esquecer, não poderemos alegar que a plenitu-
de de nosso ser é uma dádiva de Deus pela qual devemos ser 
gratos. Não tenhamos medo de olhar para todas as coisas que 
nos trouxeram até onde estamos hoje e confiar que em breve 
veremos nelas a mão de um Deus que ama e orienta.
2
 
Sim, a gratidão é inclusiva. Como psicanalista, Eric Erikson 
comentou certa vez que há somente duas escolhas: integração e 
aceitação de toda a história de nossa vida ou o desespero. Assim, o 
apóstolo Paulo escreve: "Em tudo dai graças, porque esta é a 
vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco" (1TS5:18), 
A gratidão é atenta. Quando estamos internamente dispersos 
por tudo que nos ocupa, por obsessões, vícios, falta de ponderação 
e preocupação com TV, esportes, fofocas, filmes, leituras inúteis e 
assim por diante, não podemos estar atentos para as dádivas que 
nos chegam a cada dia. 
O discípulo pergunta ao mestre: "Que preciso fazer para me 
tornar plenamente iluminado?". E o mestre responde: "Cons-
ciência". O discípulo coça a cabeça e pede ao mestre que explique 
melhor. O mestre responde: "Consciência, consciência, 
consciência, consciência". Estar consciente e alerta para a presença 
de Deus, que se manifesta numa música que ouvimos no rádio do 
carro, numa flor como o narciso, num beijo, numa palavra de 
ânimo de um amigo, numa tempestade, num bebé recém-nascido, 
no nascer e no pôr do sol, no arco-íris, ou nas magníficas linhas no 
rosto de um velho pescador de lagostas exige uma libertação 
interior do eu possibilitada pela oração. A gratidão nasce de um 
espírito de oração que nos ajuda a 
2 Bread for the Journey. 
44 CONFIANÇA CEGA 
perceber a magnólia Dei, as maravilhas de Deus — a travessia do mar 
Vermelho, a coluna e o fogo e assim por diante. 
A gratidão é contagiosa. É sempre um prazer estar perto de pessoas 
gratas. Elas têm um espírito cativante. É simplesmente impossível estar 
simultaneamente grato e ressentido ou cheio de autopiedade. John 
Kavanaugh relata a história de uma idosa agradecida num hospital: 
Ela tinha um tipo de "doença degenerativa", e estava perdendo 
diferentes funções ao longo do mês. Uma aluna minha calhou de 
encontrá-la numa visita por coincidência. E voltou várias vezes 
movida por uma estranha força que vinha da alegria da mulher. 
Embora não conseguisse mais mexer os braços e as pernas, ela 
dizia: "Sou muito feliz porque ainda consigo mexer o pescoço". 
Quando ela não conseguia mais mexer o pescoço, ela dizia: "Sou 
muito feliz porque consigo ver e ouvir". 
Quando a jovem estudante finalmente perguntou-lhe o que 
aconteceria se ela perdesse a visão e a audição, a simpática velhi-
nha disse: "Vou ficar muito grata se você vier me visitar". 
Havia uma liberdade incomum no olhar daquela estudante 
quando ela me contou sobre sua amiga. De alguma forma um 
grande inimigo havia sido desarmado em sua vida.3 
O irmão David Steindl-Rast observa: "A raiz da alegria é a gratidão. 
[...] Não é a alegria que nos torna agradecidos; é a gratidão que nos faz 
felizes".4 
Por fim, a gratidão é teocêntrica. G. K. Chesterton observou certa vez 
que a pior coisa para um ateu é sentir-se grato e não ter a quem agradecer. 
O caráter teocêntrico da gratidão tem por âncora a confiança de que há 
alguém a quem podemos 
' America 73, n1210, 7 de out. de 1995, p. 24. 4 
Gratefulness: The Heart of Prayer, p. 204- 
O CAMINHO DA GRATIDÃO 45 
agradecer. Temos motivos para argumentar que o tema dominante 
da vida interior e das orações de Jesus era a gratidão. Educado na 
tradição judaica, Jesus com certeza agradecia a Deus antes e depois 
de comer e orava os grandes salmos de ação de graças (21, 28, 30,65, 66, 116, 136, 139) com profunda gratidão pelo amor e pela 
fidelidade de seu Pai. No hino de júbilo (Lc 10:21), ele agradece a 
seu Aba "porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as 
revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu 
agrado". No cenáculo, com uma aguda consciência de sua morte 
iminente, ele tomou um pouco de pão e, "tendo dado graças" (Lc 
22:19) o partiu e deu aos discípulos. Sabedor de que seu Pai 
manifestava-se na beleza das pequenas coisas, Jesus mostrava-se 
grato pelos pássaros no céu, pelos lírios do campo, pelo sol e pela 
lua, vales e montanhas, pelos animais que cruzavam os campos e 
pelos peixes que nadavam no mar. 
Recebemos a dádiva imerecida da salvação não por algum 
mérito nosso, mas pela misericórdia divina. Nossos pecados foram 
perdoados pelo sangue de Jesus Cristo. Recebemos um convite 
genuíno para beber vinho novo para sempre na festa das bodas no 
reino de Deus. Conforme prometeu Jesus, "para que comais e 
bebais à minha mesa no meu reino" (Lc 22:30). 
Quando as pessoas percebem que receberam uma dádiva que 
nunca poderão pagar, seu rosto e ações notificam isso, e a vida que 
levam segue na direção da gratidão humilde e alegre. Elas 
simplesmente regozijam-se na dádiva. "Rendei graças ao SENHOR, 
porque ele é bom, e a sua misericórdia dura para sempre" (SI 
107:1). 
Se John Henry Newman escreveu um livro intitulado Gram-
mar of Assent [Gramática da anuência], pode-se dizer que 
Francisco de Assis escreveu uma Gramática da gratidão. Seu senso 
de gratidão e sua absoluta dependência de Deus não eram emoção 
e fantasia, mas realidade e fato. Em seus momentos 
46 CONFIANÇA CEGA 
mais sombrios, ele assim mesmo palmilhava o caminho da gra-
tidão, consagrando-se à mais elevada forma de dar — dar graças. 
Seu lírico Cântico do irmão sol inclui até uma exclamação de 
louvor pela "irmã morte". Ele sabia que era uma pessoa ple-
namente possuída por outra, pertencia completamente a outra e era 
absolutamente dependente de outra. 
O contrário da gratidão, logicamente, é a ingratidão. A questão 
da ingratidão era tão grave na opinião de Inácio de Loiola, que ele 
escreveu uma carta a Simon Rodriguez em que declara: 
Parece-me que, à luz da Bondade divina, [...] a ingratidão é 
o pecado mais abominável e deve ser execrada aos olhos de 
nosso Criador e Senhor e por todas as suas criaturas capazes de 
desfrutar sua glória divina e eterna. Pois ela é o esquecimento 
das graças, benefícios e bênçãos que recebemos. [...] Pelo con-
trário, o reconhecimento agradecido das bênçãos e das dádi-
vas é amado e estimado não apenas na terra, mas também no 
céu.
5
 
A antítese de dar graças é murmurar. Os murmuradores vivem 
num estado de estresse autoinduzido. A exemplo do grupo de 
trabalhadores na vinha que haviam trabalhado de sol a sol e se 
sentiram explorados quando os que chegaram depois receberam o 
mesmo salário (Mt 20:1-16), eles reclamam das injustiças da vida, 
da escassez de seus dons, da insensibilidade do cônjuge e do 
patrão, dos liberais que estão destruindo a igreja e dos 
conservadores que abandonaram seus postos, reclamam do calor e 
da pizza fria, dos ricos gananciosos e da indolência dos pobres, da 
vitimização nas garras do leão do 
5 Letters of St. Ignatius Loyola, p. 55. Citado por Peter van Breeman, Let Ali 
God's Glory Through. 
O CAMINHO DA GRATIDÃO 47 
imposto de renda, do governo e do fabricante do Viagra. (Não 
causa surpresa a informação de que pessoas estressadas e que 
vivem reclamando têm duas vezes e meia mais chances de pegar 
resfriados do que as pessoas que se mostram gratas, de acordo com 
Ronald Glaser, virologista do estado de Ohio.) 
Em sua Regra para mosteiros, São Bento considerou a mur-
muração uma grave ofensa contra a vida comunitária. E escreveu: 
"Se um discípulo murmura, não apenas em voz alta, mas no 
coração [...] seus atos não serão aceitos com favor por Deus, que 
sabe que ele está murmurando no coração". Manifestando sua 
profunda oposição a esse comportamento, ele acrescenta: 
"Primeiro e acima de tudo, não haja nenhuma palavra ou sinal de 
murmuração, nenhuma manifestação por qualquer que seja o 
motivo. Se, porém, alguém for apanhado murmurando, que seja 
submetido a severa disciplina" (cap. 34). 
Em minha opinião, o trecho mais maravilhoso na Regra de 
Bento descreve a resposta adequada a um "monge contumaz" que 
estava criando discórdia numa comunidade monástica. "Que o 
padre Abbot envie dois monges fisicamente fortes para terem uma 
conversa com ele" (cap. 20, grifos do autor). O devoto fundador do 
monasticismo ocidental deixa implícito que um direto de esquerda 
na boca do estômago e um cruzado de direita no queixo iriam 
clarear rapidinho a mente do irmão re-clamão. 
Ser grato por uma oração não respondida, dar graças num 
estado de desolação interna, confiar no amor de Deus em face das 
maravilhas, circunstâncias cruéis, obscenidades e lugares-comuns 
da vida é sussurrar uma doxologia no meio das trevas. 
C A P I T U L O TRÊS 
A ENORME DIFICULDADE 
antarei para sempre as tuas misericórdias, ó SENHOR (SI 89:1). 
Como foi difícil para mim entoar esse cântico quando um 
telefonema certa manhã trouxe a notícia da morte de meu amigo 
Rich Mullins, de 41 anos de idade, num acidente automobilístico 
algumas horas antes em Illinois. Sem explicar, recusei vários 
convites para falar em cultos celebrados em sua memória, em 
Nashville, Wichita e Chicago. Eu me sentia perdido em meu 
mundo interior confuso, sombrio e assustador, cheio de dúvidas, 
medo, dor e raiva por causa da morte de Rich. 
Oh!, provai, e vede que o SENHOR é bom (SI 34:1). 
Como foi duro para Anne Donovan, quando deu à luz um 
natimorto. Ela disse: "Tudo em que eu havia depositado minha 
confiança — a ciência moderna, a intuição feminina, a misericórdia 
de Deus — havia falhado e eu não tinha nada que me servisse de 
apoio". Amigos bem-intencionados apresentavam as condolências 
com palavras como "foi da vontade de Deus", "não entendemos a 
vontade de Deus", e diziam-lhe do 
C 
50 CONFIANÇA CEGA 
"privilégio que ela agora desfrutava por ter seu próprio anjinho", 
mas o único gosto em sua boca era o de cinzas.
1
 
Louvai ao SENHOR, porque o SENHOR é bom (SI 135:3). 
O louvor que se ouviu do povo da República Dominicana 
atingido pelo furacão Georges não foi abundante. Milhares de 
mortos, famílias destruídas, dezenas de milhares de desabrigados e 
a economia em ruínas. 
A bondade de Deus não foi cantada, louvada nem provada nos 
casos de famílias destruídas por terremotos na Turquia e em 
Taiwan, vítimas cujo sofrimento é visto em todo o mundo. 
A onipresença da dor e do sofrimento — indesejados, apa-
rentemente imerecidos e que não se sujeitam a explicações nem 
soluções — levanta um enorme obstáculo a uma confiança 
infalível na bondade infinita de Deus. Como alguém tem coragem 
de propor o caminho da confiança em face da dor nua e crua, que 
não escolhe cor, raça nem posição social, da desordem mundial e 
do terror da história? 
Qualquer autor cristão que não considere essas realidades cruéis 
ou as descarte como de pequena monta é ingénuo, ou desonesto, 
ou desligado da angústia que detona a confiança de muitos cristãos 
que lutam contra ela. 
Quando a dor e o sofrimento se juntam ao monstruoso mistério 
do mal, chegamos a uma encruzilhada de onde não há caminho de 
volta. A onda de assassinatos nas escolas de alguns estados 
americanos, a violência do assassino em série Rafael Resendez-
Ramirez, a selvageria das torturas sexuais de Charles Ng, de 38 
anos de idade, que levaram à morte de seis homens, três mulheres 
e dois bebés, o horror por causa da mãe 
1 America (1997). America é um excelente periódico que trata de teologia, espi-
ritualidade, artes e da situação da igreja em todo o mundo. 
A ENORME DIFICULDADE 51 
de setenta anos de idade que confessoumuito tempo depois ter 
sufocado seus oito filhos antes que completassem dois anos de 
idade, as sepulturas coletivas de albaneses mortos em Ko-sovo — 
a lista de males parece não ter fim, impressionando tanto cristãos 
como não-cristãos com mais intensidade que a presença de Deus. 
Ao lado de Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Samuel Beckett e 
Eugène Ionesco, muitos cristãos têm se mostrado incapazes de 
conviver com o que eles mais temem — a solidão e as coisas 
absurdas da vida. Eles descartaram o Deus de amor como se ele 
não passasse de fantasia e foram envolvidos pelos dedos gelados 
do agnosticismo e do ateísmo. Louis Dupré escreve: 
A absoluta magnitude do mal que nossa era tem experimenta-
do como campos de concentração, guerras nucleares, genocí-
dios tribais ou conflitos raciais não levanta a questão de como 
Deus pode tolerar tanto mal, mas nos faz perguntar como a 
realidade mais tangível do mal ainda permite a possibilidade da 
existência de Deus.
2
 
A dor, o sofrimento e o mal constituem um divisor de águas 
para a comunidade da fé. Muitos evitam a questão por completo, 
ao passo que outros tentam substituir a confiança religiosa pela 
arte, pela reflexão racional ou pela especulação filosófica. Na 
verdade, conforme observa Dupré: "O mal convida à especulação 
filosófica, mas é o rochedo que faz a filosofia naufragar".
3
 Até 
mesmo a teologia não tem condições de resolver o problema da 
mãe cujo filhinho acabou de morrer de câncer. 
2 Religious Mystery and Rational Reflection, p. 41-5 
IbicL, p. 42. 
52 CONFIANÇA CEGA 
O livro de Jó e os salmos de lamento não revelam nenhum 
interesse de tirar de Deus a responsabilidade pela tragédia e pela 
miséria da existência humana. Os salmos apresentam a realidade 
nua e crua, incómoda e brutalmente honesta. È para um Jó com 
raiva e atónito que Deus aparece e fala, e ainda se dirige depois ao 
Elifaz teologicamente sofisticado, dizendo que peça as orações de 
Jó, acrescentando "porque não dissestes de mim o que era reto, 
como o meu servo Jó" (Jó 42.7). 
No capítulo 53 de seu livro profético, Isaías fala da figura 
misteriosa do servo sofredor, que, embora "desprezado, e o mais 
rejeitado entre os homens", brutalmente agredido, "tomou sobre si 
as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si", mas 
ainda assim triunfou. As Escrituras cristãs falam da cruz e dão 
testemunho de que Deus pode transformar em bem os males mais 
hediondos. 
Escrevendo sobre a indescritível barbaridade do Holocausto, em 
que seis milhões de homens, mulheres e crianças foram 
aniquilados, Frederick Buechner declara: "Mas todas essas ex-
plicações soam obscuras e inadequadas diante das câmaras de gás 
de Buchenwald e Ravensbruck, os fornos de Treblinka".
4
 
Ao longo de todo o sofrimento excruciante da experiência 
humana Jesus permanece, nas palavras pungentes de Ray-mond 
Nogar, The Lord of the Absurd [O Senhor do absurdo],
5 
e a 
esperança na promessa da ressurreição permanece firme e 
indiscutível. No entanto, para a esposa atingida pela dor de ver o 
marido e três filhos pequenos serem mortos por um motorista 
embriagado, afirmar a vida eterna oferece pouco alívio. Do mesmo 
modo, Anne Donovan, depois de um parto em que 
4 listening to Your Life, p. 285. 5E 
126. 
A ENORME DIFICULDADE 53 
seu bebé nasceu morto, ouviu apenas risos zombeteiros do céu 
quando uma amiga bem-intencionada recitou-lhe um poema piegas 
com esta repugnante mensagem: Deus olhou em volta no céu e 
resolveu que aquele lugar precisava de mais beleza; então ele 
colheu uma linda flor — seu bebé que havia nascido morto — para 
alegrar o céu. Anne disse: "Cerrei os lábios para não dizer alguma 
coisa da qual eu pudesse me arrepender".
6
 
Harriet Beecher Stowe mostrou que compreendia as pro-
fundezas da luta humana quando escreveu estas palavras a uma 
amiga em sofrimento: 
Quando o coração é dilacerado de uma hora para outra, creio 
ser uma impossibilidade física ter fé ou resignar-se; ocorre uma 
revolta do sistema animal e instintivo e, embora possamos nos 
submeter a Deus, isso é provocado por um esforço constante e 
doloroso e não por alguma doce atração. 
Além da trindade da dor, do sofrimento e do mal, acrescente-se 
outro grande obstáculo a uma confiança inabalável no amor 
misericordioso de Deus: o testemunho infeliz de cristãos 
ultraconservadores com suas imagens execráveis de um Deus mau. 
Eles falam num tom sepulcral e frívolo a respeito de uma 
divindade que, com prazer maldoso, lança num lago de fogo 
noventa por cento das pessoas criadas a sua imagem e semelhança. 
Igualmente repugnante é a divindade descrita pelo inigualável 
Philip Yancey em seu livro magistral What's So Amazing About 
Grace? [Maravilhosa graça]: "Cresci com a imagem de um Deus 
calculista", ele recorda, "que pesava meus atos bons e maus em 
balanças e sempre me achava em falta. 
6 Donovan, "Article Title", XX. 
54 CONFIANÇA CEGA 
[...] Eu imaginava Deus como um ser distante e assustador que 
preferia medo e respeito em vez de amor".
7
 
O escritor Paul Messbarger lembra-se de uma vez que ele e a 
esposa foram passar férias em Nova Orleans. A semelhança da 
maioria dos turistas, foram para o Quarteirão Francês no primeiro 
dia. Ao virarem a esquina para a Royal Street, uma mulher veio na 
direção deles. Ela estava vestida como uma profissional, a não ser 
pelo par de ténis que usava. Com um sorriso escancarado, ela 
disse: "Eu logo soube que vocês eram salvos". Perplexo com a 
invasão e sem conhecer direito o jargão evangélico, Paul 
murmurou: "Assim espero". 
A mulher postou-se no caminho deles quando tentaram 
continuar andando. E exclamou: "Não é maravilhoso? Vocês não 
sentem que o arrebatamento está perto?". Confuso, o casal não 
respondeu nada. Então a mulher começou a mencionar as tensões 
que aumentavam em vários países do leste europeu e pareciam 
caminhar para o caos. Ela interpretava a escalada de conflitos 
internacionais como um claro sinal de uma guerra nuclear iminente 
— uma guerra que apressaria o fim do mundo, quando então os 
eleitos seriam convocados para o céu, transportados fisicamente 
numa viagem sem escalas. 
Isto foi o que Messbarger disse depois sobre ela: 
Revestida de uma confiança invencível, aquela mulher imatura 
anunciava com toda a serenidade uma mensagem indescri-
tivelmente obscena: ela estava comemorando uma destruição 
em massa, pois, por decreto divino, algumas pessoas seriam re-
tiradas deste mundo e elevadas ao céu para desfrutar de alegria 
7 R52, 70 [veja bibliografia]. 
A ENORME DIFICULDADE 55 
eterna. Mas daí veio a jogada. Enquanto eu procurava palavras 
para dar uma resposta à altura daquela ofensa, ela enfiou um 
papel na minha mão e disse que se comparecêssemos a uma 
apresentação de uma construtora de condomínios que não du-
raria mais que uma hora, ganharíamos como cortesia um café 
da manhã no famoso restaurante The Court of Two Sisters na 
Bourbon Street!
8
 
Desde a grosseira crueldade dos julgamentos das bruxas de 
Salém até os dias de hoje com imagens blasfemas e implacáveis de 
um Deus vingativo, a consciência cristã de muita gente tem sido 
assombrada pelos terrores de um Deus que não tem piedade, 
fazendo com que as pessoas duvidem até do que vêem. Os clichés, 
o palavrório e as exortações acerca da necessidade de confiarmos 
em Deus partem geralmente de crentes nominais que nunca 
passaram pelo vale da desolação; essa verborragia toda não 
somente é inútil, mas também é prova cabal de amargura 
insaciável. Somente quem já passou por esse vale, quem já bebeu 
do cálice do sofrimento, quem já experimentou solidão e alienação 
existencial da condição humana ousa sussurrar o nome do Santo 
em face de nossa aflição indescritível. Somente o testemunho 
dessas pessoas é válido; somente o amor dessa gente é digno de 
crédito. 
O enorme desafio da confiança é exacerbado para osque se 
encontram em estado de depressão; para os que estão dentro de um 
casamento sem amor, insistindo na convivência por amor dos 
filhos, mas sem ver saída; para os que anseiam por um amigo, mas 
parecem condenados à solidão, para os que não 
8 America, 1997, p. 37. 
56 CONFIANÇA CEGA 
conseguem fazer florescer nada que lhes chega às mãos; para os 
desejam levar uma vida normal, mas se sentem irremediavelmente 
derrotados por algum vício que não conseguem dominar; para 
aqueles cuja vida de fé, oração e ministério para Deus começou 
com altos ideais e com grande entrega pessoal, mas agora tudo 
parece não ter sentido — pessoas para quem a fé não mais 
representa consolo e segurança, cujas orações estão envoltas em 
trevas, cujos ministérios se transformaram em rotina superficial. 
E então o sofrimento — sempre acabamos caindo de volta no 
tema do sofrimento. Como fica o desafio de confiar para os três 
milhões de refugiados que, com suas lágrimas, regam as estradas e 
os arrozais; para os que vivem em países onde ser negro não é ser 
belo, mas inferior; para os vinte mil sem-teto que vivem nas ruas 
de Calcutá, que fazem pequenas fogueiras para cozinhar restos de 
alimento, defecam nas sarjetas e se encolhem junto aos muros para 
dormir; para os que estão destruindo corpo e alma com álcool, 
cocaína e heroína; para os que mancham com o próprio sangue a 
terra desde Kosovo até a Irlanda do Norte ou pelas ruas de sua 
cidade natal; para as crianças com barriga inchada no Sudão; para 
os prostitutos e prostitutas de doze anos de idade (ou mais jovens 
ainda) em Nova York e outros lugares; para aqueles que estudam 
em escolas decadentes e sub-humanas? 
Talvez o leitor ache que estou exagerando a enorme dificuldade 
para causar um efeito dramático. Mas os que andaram pela longa e 
solitária estrada que leva ao Calvário não pensam assim. Nem os 
que viveram angústias insuportáveis e recusa-ram-se a desistir e 
perder as esperanças. 
O cético pode dirigir-se a Laura, uma moça cuja carta estava 
hoje em minha caixa do correio: 
A ENORME DIFICULDADE 5 7 
A única coisa que anseio ouvir de Deus é: "Muito bem". Mas 
sei que nunca ouvirei isso dele, porque sou muito preguiçosa, 
burra e egoísta. Sou uma criança mimada e ingrata. Um fra-
casso total. Faça um favor a si mesmo, Brennan. Amasse esta 
carta e me esqueça. 
O cético pode também falar àquelas mulheres que, na infância, 
sofreram violência sexual do pai, do tio ou do irmão e agora estão 
tomadas de fúria, vergonha, impotência e ódio contra si mesmas. 
Ou a Anne Donovan, enquanto ela segura nos braços seu bebé 
morto. 
Se o assunto é esse, fale comigo sentado no meio-fio da avenida 
General Meyer aqui em Nova Orleans. Estou impregnado de álcool 
por causa de uma recaída. Minhas roupas estão rasgadas, meu 
corpo está fedendo, e não me barbeei. Meu rosto e meu abdómen 
estão inchados; meus olhos, vermelhos como se fossem sangrar. 
Estou agarrado a uma garrafa de vodca quase vazia. Meu 
casamento está desmoronando, meus amigos estão quase sem 
esperanças, e minha honra está manchada. Meu cérebro está 
confuso, e minha mente virou uma lata de lixo cheia de promessas 
que abandonei, de sonhos que não se realizaram e de resoluções 
que não levei adiante. 
Atrás de mim, a uns cinquenta metros, está a clínica de de-
sintoxicação do hospital E Edward Hebert. Ao tomar o último 
trago, estremeço pela dor e tristeza que causei. Ir às reuniões dos 
Alcoólicos Anónimos, passar pelos doze passos, falar com meu 
padrinho, ler a Bíblia, orar — tudo isso deu certo para os outros. E 
por que não funcionou para mim? Sei que jamais ouvirei as 
palavras: "Muito bem, servo bom e fiel". 
Entro em pânico: acabou a bebida. Procurando nos bolsos 
encontro uma nota de cinco dólares. Cambaleando quatro 
58 CONFIANÇA CEGA 
quarteirões, encontro uma loja de conveniência ainda aberta à 
meia-noite. Compro meio litro de uma vodca barata. Volto pelo 
mesmo caminho, ziguezagueando através da avenida para retomar 
meu lugar no meio-fio. Não quero o tratamento resgatador de 
desintoxicação. Continuo a beber. Meus olhos estão cheios de 
lágrimas. Eu, um filho bêbado de Aba, estou clamando: "Jesus, 
onde estás?" Logo apago com meia garrafa de voda sobre o peito. 
Quando acordo na manhã seguinte, fico sabendo que dois 
integrantes da equipe haviam ido para a avenida e me carregaram 
para a clínica de desintoxicação. 
Como as pessoas podem bater palmas e celebrar a Deus com 
vozes de júbilo (SI 47:2) no meio da dor, do sofrimento, da tristeza 
e do desespero galopante? È possível resistir e no fim transpor a 
desolação e a melancolia de um panorama marcado pelo mal e pela 
destruição? 
Depois da conversão de Saulo / Paulo na estrada para Damasco, 
Jesus disse a Ananias: "... pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa 
sofrer pelo meu nome" (At 9:16). Qualquer pessoa que Deus use 
de forma especial é sempre profundamente ferida. Não é por acaso 
que o título de um dos livros de Michael Ford sobre a vida e o 
ministério de Henri Nouwen é Wounded Prophet [O profeta 
ferido]. Somos, cada um de nós, pessoas insignificantes a quem 
Deus chamou e dispensou sua graça para usar de modo especial. 
Aos olhos dele, os grandes ministérios têm tanto valor quanto os 
que chamam pouca atenção e não são famosos. No último dia, 
Jesus olhará para nós em busca não de medalhas, diplomas ou 
honras, mas em busca de cicatrizes. 
Aonde levamos o mau cheiro exalado pela dor, pelo sofrimento 
e pelo mal? A especulação filosófica e a reflexão racional 
naufragam nos bancos de areia da enorme dificuldade. 
A ENORME DIFICULDADE 59 
O único território inexplorado faz com que fixemos o olhar no 
vasto oceano sem fronteiras da glória de Deus. Ireneu, discípulo do 
apóstolo João, é nosso guia em Contra a heresia do gnos-ticismo, 
sua obra de cinco volumes. A sempre citada primeira metade de 
uma oração de duas partes diz: "A glória de Deus é o ser humano 
plenamente vivo". Mas a parte menos mencionada diz: "... e a vida 
do homem consiste em contemplar a Deus".
9
 
9 Ireneu, Contra a heresia do gnostichmo. 
C A P I T U L O Q U A T R O 
PENSAMENTOS GRANDIOSOS 
o filme Waking Ned Devine, um garoto de dez anos pergunta 
ao pastor interino de sua igreja: 
— Você já viu a Deus? 
— Não diretamente — responde o jovem ministro — mas eu 
recebo revelações. 
— Você ganha bem? — pergunta o garoto. 
— Não. As recompensas do meu trabalho são principalmente 
espirituais. 
Então o pastor pergunta ao menino: 
— Você já pensou numa vida de serviço dedicado à igreja? 
— Na verdade, não. Eu não quero trabalhar para alguém que eu 
nunca vejo e não me paga nem salário mínimo. 
Desconfio de que Ireneu pensava em algo mais quando falou de 
contemplarmos a Deus na passagem citada no fim do capítulo três. 
A essência da experiência de contemplação reside na kabõd 
(palavra hebraica traduzida por glória) do Senhor. 
Na Bíblia, kabõd é um conceito teológico rico e complexo com 
múltiplas nuanças de sentido. Começando com o Antigo 
Testamento, o primeiro sentido, o mais primitivo, tem a ver 
N 
62 CONFIANÇA CEGA 
com o peso de um objeto determinado numa balança. O segundo 
sentido, também encontrado no Antigo Testamento, refere-se à 
riqueza material. O sonho de Salomão em Gibeão contém esta 
promessa: "Também até o que me não pediste eu te dou", disse 
Javé, "tanto riquezas como glória [kabõd]; que não haja teu igual 
entre os reis, por todos os teus dias" (lRs 3:13). Como parte do 
segundo sentido, a palavra é também usada figuradamente para 
descrever alguém que alcançou uma posição de destaque, status, 
proeminência, poder (Gn31:l). 
Num período posterior, a comunidade judaica identificava 
kabõd com "o 'peso', grandeza, eminência, poder e autoridade de 
Deus".' A estupenda majestade de Deus se manifesta na magnólia 
Dei. 
Saltando um momento para o presente,

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