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PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL III AULA 1 – INTRODUÇÃO GERAL AOS ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA Revisão Sua monografia deve ser um trabalho científico relacionado a uma disciplina científica, no nosso caso o Serviço Social. Que critérios devem ser atendidos pelo Serviço Social para que seja admitido no seleto clube da ciência? Ou, colocando de outra maneira, o que deve ser o Serviço Social para ser reconhecido como disciplina científica? Relação com as políticas públicas O assistente social trabalha permanentemente com as políticas públicas, seja procurando fazê- las valer na prática, seja criticando-as e propondo alternativas. Sua atividade exige uma crítica social permanente, no sentido de evitar tornar-se agente passivo das práticas ideológicas que sempre ultrapassam nossa consciência no aqui agora de nossa ação social. Talvez seja possível esclarecer as coisas dizendo que um assistente social que não trabalha participando de uma ação social concreta, torna-se um sociólogo, ou um pesquisador das ciências sociais, isso no caso de tornar-se um estudioso dos temas ligados aos fenômenos sociais. Entretanto é evidente que estudar e desenvolver conceitos, hipóteses, teorias, também é uma ação e uma ação com repercussão na vida prática das pessoas e com potencial transformador. Toda pesquisa é enfim uma prática e que traz retornos sobre o meio social em que acontece. A intervenção do assistente social deve pautar-se em saberes científicos e especialmente naqueles que tomem a sociedade e as práticas sociais como objeto. Entretanto, por outro lado, a prática do assistente social traz subsídios para o desenvolvimento do conhecimento científico sobre a sociedade em geral. Ou podemos ainda comparar a relação entre o serviço social e a sociologia com aquela entre etnografia e etnologia. Enquanto o etnógrafo sai a campo para coletar dados e redigir documentos, o etnólogo debruça-se sobre estes documentos com o intuito de extrair daí teorias que expliquem os fenômenos observados e registrados pelos etnógrafos. Há entre estes pares de disciplinas uma relação circular. Uma fornece subsídios à outra e, enfim, se formos bastante exigentes, pode mesmo ficar difícil estabelecer suas fronteiras, pelo menos com clara distinção e sem apelar para convenções. Porém se levássemos à frente as oposições sugeridas, teríamos que os resultados da psiquiatria e do serviço social seriam avaliados pelo que conseguem transformar (pelo rigor de suas práticas), enquanto a psicopatologia e a sociologia pelo que conseguem conhecer (pelo rigor de seus conceitos). Enfim, todos estes aspectos falam da metodologia de pesquisa em geral e não da metodologia da sua pesquisa. Em linhas gerais, admite-se que uma apresentação / introdução de uma pesquisa, quando bem feita, permite que o leitor entenda o que o pesquisador quer fazer, por que deseja fazê-lo e finalmente como deseja fazê-lo. A metodologia da sua pesquisa deverá explicitar para o leitor os aspectos relacionados ao “como”. Todas essas formalidades são resultado da aplicação da razão à produção de conhecimento. Não devem ser encaradas como caprichos, mas sim como racionalidade concentrada em um método, que não pode ter outro objetivo que a máxima clareza na apresentação da questão da pesquisa, do desenvolvimento que lhe foi dado pelo pesquisador, das fontes consultadas e dos resultados encontrados. Universalidade Fala-se contra a universalidade do método científico. Quer-se afirmar que vários são os métodos e que eles devem estar adaptados aos objetos de estudo específicos de cada área de pesquisa. Certamente que se pode pensar assim; porém o que não se pode perder de vista jamais é o compromisso com alguma metodologia e a sua explicitação para o eventual pesquisador / leitor de sua pesquisa e, ao fazer assim, dificilmente o pesquisador poderá se afastar de determinados marcos fundamentais que justamente lhes foram expostos nas aulas das disciplinas anteriores. A metodologia responde por nosso compromisso com a clareza e será um guia para que você não se perca ao colocar sua pesquisa em prática. Cotidianamente, em meio ao senso comum, falamos de maneira tão rica quanto imprecisa sobre infinitos assuntos. Discorremos com elegância muitas vezes, embora na maioria delas com pouca clareza. Seu trabalho monográfico caminha em direção contrária. Nele você discorrerá sobre um tema único, procurando compensar com a clareza e a precisão o que perderá da riqueza com que discorreria sobre ele em contextos não acadêmico-científicos. Aplicando esses conceitos à sua pesquisa No seu projeto, há uma parte específica destinada à explicitação de sua metodologia. Em sua pesquisa você necessariamente irá colher dados, seja lá qual for o tipo de sua pesquisa. Da mesma forma, terá de interpretá-los e daí extrair algumas conclusões, preliminares que sejam. Para realizar essas três etapas, terá que seguir algum método. Este deverá estar explicitado em sua metodologia. Considerando a especificidade do serviço social e sua natureza interventiva, estaremos examinando os aspectos metodológicos ligados ao trabalho de campo. Segundo o dicionário de psicologia da APA (American PsychologicalAssociation), o trabalho de campo é definido como “pesquisa ou prática realizada em ambientes cotidianos do mundo real, e não em laboratório ou sala de aula” (2010, p.967). Claro está que quando os dados são colhidos em experimentos de laboratório, tem-se uma possibilidade muito maior de controle. Também quando se sai a campo para observar o trabalho das formigas. Contudo quando no trabalho de campo o que será observado envolve o comportamento de seres humanos surge imediatamente o problema de que seres humanos não fazem sempre a mesma. Observar o movimento dos astros e o comportamento das formigas nos coloca diante do que retorna sempre no mesmo lugar. Não poderá apenas observar, mas terá também que escutar e interpretar, compreender. Se fosse somente isso já seria complicado, porém há mais. Isso porque cada sujeito é atravessado por muitas determinações. Na maior parte das vezes percebe-se que os sujeitos não sabem tão bem assim o que estão fazendo e que temos que encontrar os determinantes de seu comportamento para além do que se passa em suas consciências imediatas, ou seja, das razões que atribuem para o que fazem. Não é preciso apelar ao inconsciente freudiano para reconhecer isso. A noção marxista de ideologia já apontava que de certa maneira é possível afirmar que as pessoas não sabem o que fazem, estão alienadas e precisam ser conscientizadas de sua posição nas trocas sociais para que então possam fazer resistência aos mecanismos de exploração capitalista. Por outro lado o século vinte foi pródigo na produção de intelectuais ligados às chamadas ciências humanas e sociais que mostraram como as verdades universais e eternas de cada época se devem ao modo como os sujeitos em cada cultura podem ver o que é universal e eterno. Ou seja, a verdade tem data e endereço e não mora no céu das ideias. A realidade em si nos é e será sempre desconhecida. Olhamos para ela sempre de dentro do mundo e isso causa necessariamente um desvio, irredutível. Fazemos parte do quadro que estamos pintando, mesmo quando fazemos ciência. É assim que você deve encarar o que tratará como o dado, ou seja, aquela parte do mundo que parece estar frente aos olhos. Isso não deve levar, nem ao desalento, nem à ideia terrível de que então todo dado é possível, tanto faz. No primeiro caso, desisto de colher dados, já que eles são sempre “falsos”; no segundo caso, assumo a ideia de que todo e qualquer dado é possível, ou seja, pode-se dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa e nunca poderemos decidir qual a explicação melhor. Entramos na pesquisa científica com a orientação de fazer afirmações e contestações firmemente apoiadasno método científico. Ao assim fazermos, assumimos que tal método é o melhor que temos para garantir que nossos enunciados científicos não sejam meramente opiniões calcadas mais em nossos desejos do que em qualquer outra coisa. Concluindo No mínimo, assumimos que se estamos querendo fazer ciência, temos que seguir os critérios segundo os quais ela é reconhecida como tal. Podemos até achar que certas verdades sobre o homem são ditas com mais acuidade na bíblia. Mas não será segundo o método bíblico que agiremos. O dado será sempre um recorte assumido e explicitado pelo pesquisador. Será então tabulado – que podemos razoavelmente traduzir como “criteriosamente organizado em tabelas” e tratado conforme metodologia explicitada que poderá ser quantitativa ou qualitativa. Quando se faz a matemática funcionar, a tendência á acharmos que a coisa vai por si, sem a contaminação do pesquisador. Mas já vimos que se quantificando se corre menos riscos, por isso mesmo pode-se perder o essencial da pesquisa, quando o campo é da natureza daquele em que atua o assistente social. AULA 2 – PARADIGMA QUALITATIVO EM CIÊNCIA, A PESQUISA QUALITATIVA E O TRABALHO DE CAMPO A ciência moderna Mas contra quê o paradigma qualitativo se rebela? Tudo que se passa hoje em dia no campo da ciência é marcado pela grande virada em que consistiu o aparecimento da chamada ciência moderna. Estamos muito acostumados a pensar o termo moderno como correspondendo à época atual. Isso está errado quando se aplica o termo em relação à história do pensamento filosófico e científico. Para essa história, o período em que vivemos hoje é o pós-moderno, enquanto que o período moderno inicia aproximadamente no século 17, durando até meados do século 20 - século de transição do moderno ao pós-moderno. A ciência moderna condensa rompe com a expectativa de que ao final, entenderemos o sentido do mundo. Foi um momento histórico marcante, deve ser entendido no seu contexto. Seu método, suas práticas, são temperadas pela frieza da matemática que mantém ao máximo fora da operação científica o sujeito pesquisador. Para a ciência moderna devemos confiar na matemática e buscar conhecer as leis que podem explicar o sensível. Exemplo: Uma fórmula matemática não tem sentido, significado. É vazia. Ninguém pergunta, diante de uma equação matemática, “O que isso quer dizer?”. Uma equação não quer dizer nada. Nela o pesquisador acrescenta o valor das variáveis e o resto funciona sozinho. O resultado não é o que se quis dizer, mas o que é. Além disso, a participação do pesquisador é reduzida ao mínimo; ele pode querer o que ele quiser, pois o resultado da equação será sempre o mesmo. É certo que hoje se sabe que uma redução total da interferência do pesquisador, uma plena objetividade, é impossível, mesmo nestas ciências tidas como exatas e, sem dúvida, isso também concorreu para que com o tempo surgissem críticas à ideia de que as ciências sociais e humanas devessem se submeter ao único método que supostamente permitiria a objetividade. Para a ciência moderna, o Universo não tem qualquer centro. A ideia de um universo centrado já faz parte da necessidade do ser humano em dar sentido a tudo que está a sua volta. Uma das mais notórias consequências de nossa necessidade de dar sentido a tudo é a postulação de um criador do Universo, que tinha intenções quando inventou tudo isso. Para a ciência moderna, se tivesse havido tal criador, seria mais exato dizer que ele “sabia matemática”, uma vez que esta é encontrada em todos os cantos do Universo. Os objetos do universo parecem saber matemática. Dos planetas às abelhas, pois obedecem às leis da matemática, como se o Universo tivesse sido escrito em linguagem matemática. O termo sentido é em geral utilizado quando se quer enfatizar que não há um significado pré- estabelecido para uma palavra ou uma frase sendo usada; que é preciso interpretar o que está sendo dito, pois somente naquele contexto, no momento em que está sendo dito, terá um sentido e não um significado que pudesse ser colocado no dicionário. Essencialmente, na pesquisa qualitativa, nos dados qualitativos, trata-se de significações a serem interpretadas e compreendidas. Se a ciência moderna supõe um universo vazio de sentido, no qual um conjunto de leis tão econômico quanto possível rege a o maior número possível de fenômenos observáveis, no caso das ciências interpretativas, o sentido é trazido com toda força para o campo da prática científica, assim como o pesquisador é chamado a interpretar e compreender. Notem que tocamos aqui no problema da observação do comportamento humano, já mencionado na aula anterior. Tal aspecto é diretamente ligado ao fato de que seres humanos não fazem sempre a mesma coisa, o que torna a discussão sobre o livre arbítrio uma das mais antigas e controversas no campo da filosofia. Reflexão: Se o ser humano age livremente, isso quer dizer que seu comportamento é imprevisível e / ou que a causa de seu comportamento é sempre redutível às suas intenções? Pesquisa Qualitativa A pesquisa qualitativa é definida no Dicionário de Psicologia da APA (2010) como uma “abordagem em ciência que não emprega a quantificação das observações feitas” (p.707). Importante notar que o paradigma qualitativo aceita a pesquisa quantitativa, bem como que a pesquisa qualitativa pode ser utilizada dentro de um paradigma positivista, genericamente falando. Portanto é importante não confundir o termo “paradigma qualitativo” com “pesquisa qualitativa”. Os dois conceitos querem dizer coisas bem diferentes. Conforme procurei mostrar acima, quando se fala em paradigma qualitativo, quer-se indicar que se está assumido que a realidade social não é singular nem objetiva, mas antes disso é plural e formada pelas experiências humanas e pelos contextos sociais, sendo por isso melhor estudada em seu contexto sócio histórico através da consideração das interpretações subjetivas de seus vários participantes. Isso contrasta com o paradigma positivista que assume que a realidade é relativamente independente do contexto, do qual deve ser abstraída e estudada de maneira analítica (sendo dividida em partes) com a utilização de técnicas objetivas e medidas padronizadas. Um pesquisador utilizará um enfoque interpretativo ou positivista dependendo de considerações quanto à natureza do fenômeno a ser considerado e à melhor maneira de estudá-lo. Já quanto à polaridade entre pesquisa quantitativa e qualitativa, o que está em jogo remete a considerações relacionadas aos dados e a seu tratamento. A pesquisa qualitativa apoia-se, sobretudo em dados não numéricos, obtidos tipicamente em entrevistas e observações, em contraste com a pesquisa quantitativa que emprega dados numéricos. Uma pesquisa em ciências sociais pode recorrer a ambos os enfoques (ALVES MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 1998, GOLDENBERG 1997). Portanto não se esqueça que você pode utilizar dados qualitativos e quantitativos dentro de um paradigma qualitativo. Trabalho de campo O trabalho de campo do assistente social poderá ser dar em diversos contextos de pesquisa que estaremos examinando na próxima aula. De todo modo, destaca-se para o assistente social a coleta de dados qualitativos em meio ao seu trabalho de campo. Que se combinem duas características tão tabus para alcançar o rigor exigido pela ciência, só pode se justificar pela riqueza inestimável dos dados que tem sido assim coletados e tratados. Algo cuja importância não pode ser negligenciada e que forçou a busca de princípios metodológicos que pudessem incluir tais práticas e não estigmatizá-las. O dicionário de psicologia da APA define trabalho de campo como “pesquisa ou prática realizada em ambientes cotidianos do mundo real, e não em laboratório ou sala de aula” (2010, p.967). Concluindo: A pesquisa científica nas ciências naturaisenvolve o exame crítico de informação existente sobre um dado fenômeno natural e, a partir daí, a formulação de uma hipótese que possa ser submetida a um teste experimental. O equivalente ao teste experimental, nas ciências sociais, é a Pesquisa de Campo, materializada no trabalho de campo realizado junto com os sujeitos que estão sofrendo todas as ricas tensões com que se apresenta a realidade. Conforme dito acima nas ciências sociais os dados colhidos na pesquisa de campo são, sobretudo, qualitativos e exigem a interpretação do pesquisador. A riqueza das observações, a possibilidade de repeti-las exaustivamente corrigindo distorções mais sensíveis e o espírito crítico que deve predominar entre os pesquisadores são de certa maneira compensações que se podem evocar em nome do esforço de trabalhar com pesquisa de campo qualitativa. A pesquisa de campo é o procedimento básico da antropologia e da etnografia, mas terminou por disseminar-se pelas ciências sociais em geral. O trabalho de campo rompe com a especulação abstrata dos conhecimentos anteriores relativos aos domínios do que hoje se estuda nas ciências sociais. Conforme diz Lacerda, “A abordagem antropológica de base, a que todo pesquisador considera hoje como incontornável, quaisquer que sejam suas opções teóricas, provém de uma ruptura inicial com qualquer modo de conhecimento abstrato, especulativo ou conjectural, isto é, que não esteja baseado na observação direta dos comportamentos sociais a partir de uma relação humana” (LACERDA, 2013, p. 3). AULA 3 – DADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS NO TRABALHO DE CAMPO. EXEMPLOS E INSTRUMENTOS DE COLETA Retomo pelo ponto que encerramos nossa última aula: o trabalho de campo. É muito provável que sua pesquisa envolva o trabalho de campo dentro de um paradigma qualitativo, ou seja, dentro de uma tradição interpretativa e compreensiva. Embora os dados colhidos possam ser quantitativos e trabalhados quantitativamente, é predominantemente com dados qualitativos e tratamento que a pesquisa em Serviço Social tem acontecido. No trabalho de campo os dados qualitativos são colhidos através da observação e interação com a população / meio estudado, porém também através de questionários, entrevistas e ainda pela análise de documentos e mídias variadas somente disponíveis àqueles que se dispuserem a investigar o próprio campo sob pesquisa e não limitar-se a colher os dados da literatura disponível ou das estatísticas oficiais. Lembrando que além de todas as questões levantadas pela pesquisa envolvendo dados qualitativos em ciências sociais, o trabalho de campo implica a impossibilidade do controle de variáveis que se pratica nos experimentos de laboratório. Isso traz desafios consideráveis quando levamos em conta a exigência de rigor típica da ciência. Entretanto, o leque de possibilidades aberto pelo trabalho de campo em ciências sociais é extremamente rico e vai desde a posição mais reservada possível do pesquisador, procurando interferir ao mínimo no meio estudado, até a assunção radical de que sua subjetividade faz necessariamente parte do meio e, enquanto tal, do objeto da pesquisa. Imaginem cinco grandes especialistas do futebol chamados a decidir quem é o melhor jogador de todos os tempos: Pelé ou Maradona. Discussão iniciada, as considerações estilísticas são intermináveis e tão espetaculares quanto inconclusivas até que se chega à posição de que será conveniente recorrer à frieza dos números. Estabelece-se então o que deverá ser medido. Como os dois ex-jogadores foram atacantes, os parâmetros a guiar a coleta de dados são o número de: Gol’s, Assistências, Vitórias, Jogos pela seleção nacional, Títulos Locais, Títulos nacionais, Títulos mundiais. Melhor Jogador. Após o resultado, um impressionante número de amantes e especialistas do futebol e que tiveram acesso à pesquisa continuará questionando quem na verdade é, ou foi, o melhor. A matemática não tem o peso definitivo que tem nas ciências exatas e naturais, quando o assunto são as humanidades. Isso quer dizer que a metodologia escolhida não foi boa? Não. Por melhor que pudesse ser, a discussão continuaria. A pesquisa tampouco precisa ser considerada inócua apenas por não ter gerado resultados incontestáveis. O desenvolvimento de seu tema deve obedecer a essas exigências, considerando que se trata de uma monografia de graduação: compromisso com o discurso científico e compatibilidade com debates já existentes na comunidade de pesquisadores em ciências sociais e / ou Serviço Social mais especificamente. Você deverá ter mostrado isso em sua revisão de literatura, resenhando autores que já discutiram o tema proposto, ou que emprestam fidedignidade ao método escolhido para pensar uma situação que pode ser específica da sua experiência. Nada impede, seria mesmo praticamente impossível, que seu trabalho apresente pontos de novidade, mas não é isso que ele visa. O que se espera de sua pesquisa é que ela entre no debate corrente sobre o tema que você escolheu e não que ela encerre qualquer discussão. Mas espera-se também que você explicite os critérios que o(a) levaram a escolher seu tema, a optar por certo enfoque metodológico e a propor conclusões sempre passíveis de crítica e contestações. Brevemente considerado o exemplo anterior, passemos agora ao domínio do trabalho de campo em Serviço Social. Por exemplo, uma pesquisa visa determinar qual política pública gerou os melhores resultados em determinada comunidade, ou em comunidades próximas e que apresentam desafios sociais semelhantes. Você escolherá trabalhar com dados quantitativos ou qualitativos? Ou ambos? Todas essas possibilidades estão abertas para você. O que se tem defendido não é que métodos quantitativos não sirvam às ciências sociais, mas sim que eles não sejam os únicos reconhecidos como válidos para investigar os processos sociais. Domínio do trabalho de campo em Serviço Social Matematicamente o resultado é tal; porém como entender que os moradores da comunidade percebam “outra realidade”? Há uma diferença entre os resultados quantitativos da métrica utilizada para responder a essa questão e o enunciado de que a água ferve a 100 graus Celsius. É muito difícil encontrar pessoas discutindo se a água ferve mesmo a 100 graus ou não e, caso ocorra a alguém discutir o assunto, ele poderá ser decidido pelo uso do termômetro, excelente exemplo de instrumento científico, por apresentar resultados que não variam conforme aquele que o estiver utilizando. Não temos nada semelhante ao termômetro para medir a questão sobre a eficácia de determinadas políticas públicas, ainda que possamos explorar a investigação quantitativa. Entrevistas e questionários Conforme Goldenberg (2007), esses instrumentos podem ser estruturados de diferentes maneiras: 1- Podem ser rigidamente padronizados com as perguntas feitas com as mesmas palavras e na mesma ordem, de modo a assegurar que todos os entrevistados respondam à mesma pergunta. As perguntas podem ser: A) Fechadas: respostas limitadas às alternativas apresentadas. Padronizadas, facilmente aplicáveis, analisáveis de maneira rápida e pouco dispendiosa; B) Abertas: resposta livre, não limitada por alternativas apresentadas, o pesquisado fala livremente sobre o tema que lhe é proposto. A análise das respostas é mais difícil; 2- Podem ser assistemáticos: solicitam respostas espontâneas, não dirigidas pelo pesquisador. A análise do material é muito mais difícil; 3- Entrevista projetiva: utiliza recursos visuais (quadros pinturas, fotos) para estimular a resposta dos pesquisados. Reparem que na letra b do item 1, a resposta é livre, porém a pergunta dirige minimamente a resposta. Não se trata de falar livremente a partir de um tema, mas de responder ao que foi perguntado, ainda que mais livremente, sem que existam respostas previamente estabelecidas a serem“escolhidas” pelo pesquisado. Já no item 2, a entrevista não é orientada por uma pergunta mas sim por um tema, sobre o qual o entrevistado poderá discorrer livremente. Quanto aos questionários, eles poderão ser enviados pelo correio, mas neste caso o pesquisador deve pensar uma estratégia para fazer aumentarem as chances dele ser respondido e no prazo mais breve possível. Essa estratégia deve considerar o envio do questionário a um número maior de pessoas, contando que alguns deles não retornarão com as respostas. Um ponto importante quanto aos questionários diz respeito à garantia do anonimato. Você pode ter o cuidado de enviar uma carta que assegure de que maneira a identidade do respondente estará preservada. Nessa carta você poderá tentar mostrar ao entrevistado a importância de sua participação, ainda que com um texto breve e sucinto. Vantagens e desvantagens do questionário Vantagens do questionário (GOLDENBERG, MIRIAM, 2007, pp. 87-90): • É menos dispendioso; • Exige menor habilidade para aplicação; • Pode ser enviado pelo correio ou entregue em mão; • Pode ser aplicado a um grande número de pessoas ao mesmo tempo; • As frases padronizadas garantem maior uniformidade para mensuração; • Os pesquisados se sentem mais livres para expressar opiniões que temem ser desaprovadas ou que poderiam colocá-los em dificuldades; • Menor pressão para uma resposta imediata. O pesquisado pode pensar com mais calma. Desvantagens do questionário: • Tem um índice baixo de resposta; • A estrutura rígida impede a expressão de sentimentos; • Exige habilidade de ler e escrever e disponibilidade para responder. Os questionários tipicamente poderão ser construídos com alternativas binárias de resposta (Sim ou Não) ou com respostas previamente construídas como se fosse uma questão de múltipla escolha, em que o pesquisado deverá escolher entre cinco aquela que melhor representa sua posição. VANTAGENS Pode coletar informações de pessoas que não sabem escrever; As pessoas têm maior paciência e motivação para falar do que para escrever; Maior flexibilidade para garantir a resposta desejada; Pode-se observar o que diz o entrevistado e como diz, verificando as possíveis contradições; Instrumento mais adequado para a revelação de informações sobre assuntos complexos, como as emoções; Permite maior profundidade; Estabelece uma relação de confiança e amizade entre pesquisador-pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados. Repare como estes itens apontam para aspectos típicos da perspectiva qualitativa, o que fica especialmente claro nos itens 4 e 5. DESVANTAGENS O entrevistador afeta o entrevistado; Pode-se perder a objetividade tornando-se amigo. É difícil estabelecer uma relação adequada; Exige mais tempo, atenção e disponibilidade do pesquisador: a relação é construída num longo período, uma pessoa de cada vez; É mais difícil comparar as respostas; O pesquisador fica na dependência do pesquisado: se quer ou não falar, que tipo de informação deseja dar e o que quer ocultar. Para finalizar, é ainda importante que esteja claro para você que um pesquisador pode também optar por fazer diferentes tipos de imersão no ambiente / campo em que desenvolve sua pesquisa. Nesse caso não recorreria a entrevistas ou questionários, mas antes faria anotações extensivas a respeito de seu tempo de convívio naquele meio. Voltaremos a falar dessa e outras possibilidades nas aulas seguintes. AULA 4 – A CONSTRUÇÃO DE QUESTIONÁRIOS Um questionário é um instrumento de pesquisa que consiste em uma série de perguntas (itens) voltada para captar respostas dos sujeitos respondentes de um modo padronizado. As perguntas de um questionário podem ser estruturadas e não estruturadas. Perguntas não estruturadas permitem que o sujeito responda com suas palavras; perguntas estruturadas pedem que o sujeito escolha entre algumas alternativas aquela que representa melhor sua posição. A construção de um questionário é uma tarefa extremamente delicada. Você terá de tomar uma série de decisões quanto às perguntas que irá fazer, tanto no que diz respeito ao conteúdo, quanto às palavras escolhidas e construção das frases e finalmente quanto à sequência das perguntas. Você deverá manter-se em contato estreito com o tutor da disciplina quanto a este item do seu trabalho, no caso de optar por construir um questionário. Cada variável que mencionei acima e que será ainda mencionada abaixo pode afetar o resultado de sua pesquisa e, mesmo considerando que uma neutralidade absoluta é inalcançável, é necessário manter uma atitude crítica quanto a todos estes aspectos para não incorrer em tendenciosidade ingênua. A seguir veremos alguns pontos importantes. Formato das respostas Conforme já indicado acima, suas perguntas podem ser estruturadas ou não estruturadas. As respostas a questões estruturadas são obtidas através de alguns diferentes formatos, entre os quais os principais são: Resposta dicotômica: Quando se solicita aos sujeitos que selecionem uma de duas escolhas possíveis, tais como verdadeiro/falso, sim/não, concordo/discordo. Um exemplo de pergunta desse tipo seria: “Você é a favor da redução da menoridade penal?” Alternativas: Sim/não. Resposta nominal: Quando os sujeitos têm mais do que duas opções não ordenadas, tais como: “qual é seu ramo de atividade profissional?” Alternativas: Manufaturas / consumidor / comércio / serviços / educação / saúde / turismo / esporte / outros. Resposta ordinal: Quando os sujeitos tem mais do que duas opções ordenadas, tais como: “Qual seu grau mais alto de educação?” Alternativas: Ensino fundamental / ensino médio / ensino superior. Conteúdo das perguntas e escolha das palavras As respostas obtidas em um questionário são muito sensíveis aos tipos de pergunta feitos e daí a montagem do questionário ser uma tarefa delicada e trabalhosa. Não recue diante disso. Primeiro procure montar um questionário de modo mais solto, embora sempre tendo o tema de seu trabalho, seu objetivo geral e objetivos específicos como um norte. Crie as perguntas e depois passe a corrigi-las, refiná-las, até chegar a um ponto que considere mais próximo do ideal. Jamais parta do princípio de que você não sabe fazer, que está lhe faltando competência para montar o questionário. Não! Construir um questionário é sempre uma tarefa delicada e qualquer um tem de desempenhá-la em etapas até chegar ao ponto ótimo. Para isso, o caminho é apenas um: abrir o computador e por mãos à obra. Vejamos alguns pontos a serem evitados ou dicas que podem ajudar você em sua tarefa. Perguntas fora do contexto ou ambíguas tenderão a receber respostas igualmente sem sentido e com muito pouco valor para sua pesquisa: AULA 5 – ENTREVISTAS Não importa o quanto seja estruturada, a entrevista é um instrumento que exige mais do pesquisador ainda que possa seguir um protocolo semelhante àquele utilizado nos questionários (isto é, um conjunto de perguntas padronizado). Nas entrevistas, o entrevistado responde com suas próprias palavras às perguntas elaboradas enquanto nos questionários as respostas também estão determinadas e limitadas de antemão. A entrevista é também uma forma de pesquisa mais personalizada que os questionários. Em parte por esse motivo, conta bem mais com a capacidade do entrevistador estabelecer uma relação adequada com o entrevistado. Somando a isso o caráter qualitativo do tratamento dos dados obtidos em entrevista, o recurso às entrevistas aumenta a responsabilidade do pesquisador, no sentido de seu cumprimento do rigor científico. Pontos importantes: • Nas entrevistas estruturadas, embora as perguntas sejam fixas, o entrevistado responde livremente. Apara melhor manejar com a massa de informação que receberá, o roteiro das entrevistas pode conter instruções específicas para o entrevistador que não são vistas pelo entrevistadoe podem incluir espaço para que o entrevistador faça o registro de observações e comentários pessoais. • Também ao contrário do que ocorre com questionários (mais ainda quando feitos a distancia, como aqueles enviados por correio), com as entrevistas o entrevistador tem a oportunidade de esclarecer quaisquer tópicos sobre os quais o entrevistado manifeste dúvida e fazer perguntas não previstas inicialmente, mas que considere necessárias ou convenientes para o melhor esclarecimento dos pontos em questão. As entrevistas disponibilizarão um material muito mais rico, embora também impreciso, ou pelo menos de mais difícil tratamento. Indiscutivelmente, entretanto, a riqueza do material fornecido em certas entrevistas permite igualmente uma análise bastante rica. Desvantagens Você terá que estabelecer um texto a partir do que foi gravado ou taquigrafado. Somente isso já dará bastante trabalho a você, mas restará ainda saber o que fazer com o que foi estabelecido, com as informações coletadas. Acerte bem no cronograma de seu trabalho o período para realizar as entrevistas e realizar, armazenar os dados e tratá-los. As entrevistas têm também algumas “desvantagens”. Em primeiro lugar, elas consomem mais tempo não apenas em sua execução, mas também no tratamento dos dados - a riqueza das respostas é a vantagem e a desvantagem das entrevistas. O entrevistador é considerado parte do instrumento de medida e deve “pró-ativamente” cuidar, seja para não dirigir as respostas, seja para justificar de que modo seu tratamento dos dados coletados na entrevista enfrenta o problema da tendenciosidade no uso deste instrumento. Tipos de entrevista: individual A forma mais típica de entrevista é pessoal e feita, frente à frente, com o entrevistado. Nesse caso você irá trabalhar diretamente com o sujeito respondente, gravando suas respostas. Essas entrevistas podem ser feitas na própria casa do respondente, em seu lugar de trabalho ou em lugares que façam parte da rotina de vida do entrevistado. Você deverá sempre cuidar para que estímulos externos, o contexto enfim, não interfira nas respostas de modo inconveniente ou deverá incluir na sua metodologia de trabalho estas interferências. Por exemplo, no caso de você entrevistar alguém em uma praça ou ambiente público em que o sujeito possa se distrair ou preocupar com elementos externos ao que lhe está sendo perguntado. Mas você também pode mostrar em seu trabalho como determinada pessoa ou pessoas, em dado ambiente – por exemplo, praça pública na presença de outras pessoas – respondeu às suas perguntas. Veja que você pode tirar conclusões interessantes das duas maneiras e o importante será deixar claro o caminho que seguiu para o seu leitor. No caso de uma entrevista feita na casa do respondente, cuide para que ele não se sinta desconfortável com a sua presença, pelos mais variados motivos. Desde a exposição a um estranho de sua própria casa, até a preocupação com a percepção de familiares ou residentes com a realização da entrevista, suas respostas etc. Você deverá utilizar neste momento talentos que não são em princípio facilmente ensináveis para criar um ambiente adequado para a realização da entrevista. Digo isso especialmente considerando que, em se tratando de uma monografia de graduação, talvez você esteja fazendo esse tipo de pesquisa e utilizando especificamente esse instrumento (entrevista) pela primeira vez. Tipos de entrevista: em grupo Uma variante da entrevista pessoal é a entrevista em grupo. Com essa técnica, um pequeno grupo de respondentes (normalmente entre seis e dez) é entrevistado em um mesmo local. O entrevistador, nestes casos, é essencialmente um facilitador cuja tarefa é promover o debate e a circulação de idéias e garantir que cada pessoa tenha a oportunidade de responder. Esse tipo de atividade em grupo permite um exame diferente de tópicos, muitas vezes complexos, na medida em que, ao ouvir as outras pessoas falando os participantes do grupo tendem a pensar e dizer coisas que antes não passaram por suas mentes, ficando também mais a vontade para falar. Claro que para isso você terá de ter cuidado na montagem do grupo de entrevistados. Em uma entrevista em grupo uma das pessoas com personalidade dominante pode acabar sobressaindo indevidamente na discussão. Você deverá atuar então como alguém que faz a palavra circular, tentando impedir que ela seja monopolizada por uma ou duas pessoas. E quando algumas pessoas mostram-se relutantes em emitir sinceramente suas opiniões se colocadas no mesmo grupo em que estão seus companheiros e / ou superiores? A entrevista pode perfeitamente cumprir um papel em pesquisa social registrando os modos como as pessoas de interesse para o estudo falam de determinado assunto, mas para essas falas sejam analisadas não como enunciados de verdades individuais, mas como representações que percorrem o tecido social e participam assim de uma rede de causalidade que é trans-individual. Tipos de entrevista: por telefone Um terceiro tipo de entrevista que você poderá utilizar é a entrevista por telefone. Com essa técnica, você poderá entrar em contato com potenciais sujeitos respondentes escolhidos randomicamente através de uma lista de telefones relacionada à população sob foco em sua pesquisa. A vantagem óbvia dessa técnica é o alcance maior e menos trabalhoso que você poderá ter de sujeitos respondentes. A desvantagem óbvia é que você terá muito menos controle sobre os aspectos contextuais que poderiam ser levados em conta quando ouvimos o que as pessoas estão dizendo diretamente. Conforme dissemos nas primeiras aulas dessa disciplina, uma mesma frase dita em contextos diferentes pode ter um significado completamente diferente. Por exemplo, se uma esposa responde a você ao telefone na mesma sala em que está o seu marido, suas respostas podem ter um sentido completamente diferente do que teriam se ela estivesse falando na presença apenas de seus filhos. AULA 6 – COLETA DE DADOS Introdução às ferramentas para a coleta de dados OBSERVAÇÃO Agora examinemos a ferramenta observação naturalística. No caso específico do serviço social, nos propomos, por exemplo, a participar do dia a dia de certa comunidade ou instituição, sem estabelecer qualquer conjunto de perguntas prévio. Propomo-nos a observar, ver como as coisas funcionam. Não apenas isso, mas nos propomos a participar desses ambientes sem interferir, ou interferindo o mínimo possível naquilo que acontece. É útil aqui nos remetermos ao exemplo do etólogo observando o comportamento dos elefantes, como tantas vezes vemos em programas de TV. O observador não interfere e se eventualmente algum animal se vê exposto a algum problema que pudesse ser facilmente contornado pela ação humana (por exemplo, um lindo elefantinho se afogando em um poço de lama ou atacado por um grupo de leões), ainda assim nada será feito pois o que importa é apenas observar como ele e os outros da manada lidam com a situação. Todavia se ao invés de pensarmos no exemplo do etólogo, pensarmos no antropólogo em meio a uma tribo indígena, já teremos contato com problemas que terão de ser levados em conta e que tem tudo a ver com a pesquisa que ora desejam fazer. Isso porque entre os elefantes, o pesquisador procurará dar significação ao que fazem os paquidermes, mas estes não vivem em uma dimensão simbólica. Vivem diretamente determinados pelas leis da natureza e o meio em que vive é um meio natural. Já entre os indígenas acontece de viverem em um meio simbólico, o que quer dizer que, por exemplo, uma montanha tem um significado para os sujeitos da tribo. Entre os indígenas, é perfeitamente natural considerar que uma montanha tem mais valor que outra, embora possam ser semelhantes em tudo do ponto de vista natural. Um montanha pode ser sagrada e outra não, sem que nada em suas constituiçõesnaturais obrigue a isso. DOCUMENTOS INTERAÇÕES Expressões como pesquisa ação e pesquisa participante denotam que existem formas de realizar um estudo / trabalho de campo nas quais é admitida uma interação ativa entre pesquisador e pesquisado. Nesse caso não se trata apenas de admitir que sempre há interação, mesmo que passiva, não intencionada, ou reduzida a um mínimo. O pesquisador pode propor uma atividade a uma comunidade ou grupo, ser parte ativa dessa atividade e colher os dados relacionados a essa situação de interação. Além disso, ele pode propor que membros da comunidade o auxiliem em um trabalho de pesquisa. Ou seja, contar com pessoas da comunidade como autores / auxiliares de sua pesquisa. Cumpre registrar a que distância nos encontramos nesses casos da fria objetividade do laboratório de pesquisa experimental. Contudo, podemos pensar que no laboratório, cientistas introduzem variáveis para verificar os efeitos que elas produzem. Um exemplo famoso é o do rato que aprende a apertar uma alavanca para obter comida. Ou o cachorro que começa a salivar cada vez que ouve uma campainha, sabendo que ela anuncia a chegada da comida. A diferença entre a pesquisa de campo em ciências sociais e a pesquisa experimental deve-se ao fato de que no laboratório o ambiente é quase integralmente controlado, o que não se passa nem de perto com o trabalho de campo feito em ciências sociais. Daí que pesquisa participante e pesquisa ação sejam elaborações já bastante ousadas do método científico e típicas na constatação de que prender-se ao mito da objetividade é atitude estéril nesse campo. Na próxima aula falaremos em maiores detalhes dessas abordagens. AULA 7 – GENEALOGIAS CONCEITUAIS De todo modo, introduzimos, antes de mais nada, o termo representação. Representar é “re- apresentar”. Portanto, trata-se de um termo ligado à memória e à nossa capacidade de trazer à nossa mente ideias e imagens ligadas àquilo que percebido um dia e que agora faz parte de nossa maneira de conhecer o mundo. Muitas vezes este termo é traduzido no campo da psicologia como “ideia” ou “imagem”. Contudo, quando falamos de representações sociais, estamos falando de representações que não estão na cabeça desta ou daquela pessoa, mas sim que circulam entre as pessoas de determinado grupo influenciando seus comportamentos. Como se houvesse modos de pensar o mundo que se fixam nas pessoas de um grupo social, de uma coletividade qualquer. Esses modos fixos de conhecer o mundo não correspondem a nenhuma verdade obrigatória, mas sim ao modo como as ideias se organizam em determinado grupo. Evidente está que quando se busca mudar o comportamento das pessoas, visando trazer contribuições para a qualidade de vida de um grupo – o que está muito ligado ao trabalho do assistente social – vamos esbarrar com resistências que tem a ver com o modo como as pessoas representam o mundo em torno de si. Genealogia do conceito O século vinte foi pródigo em fazer surgir autores que atacaram o desejo filosófico (tradicional) de encontrar verdades eternas. Vimos na última aula que trabalhar com análise de representação é assumir que palavras não são etiquetas que colamos em coisas do mundo. Os filósofos citados, entre eles Michel Foucault ocupando um lugar privilegiado, dedicaram-se a mostrar que uma vez que se busque a história da formação de uma palavra / conceito, como por exemplo “menor de idade”, encontra-se uma genealogia semelhante àquela que nos conecta a nossos antepassados familiares. Já que falamos em genealogia do conceito, façamos uma comparação com o que acontece com a árvore genealógica de uma família. Tomemos os traços físicos de uma determinada pessoa. Digamos que esses traços estão muito presentes em seus pais, um pouco menos em seus avós, menos ainda nos tataravós e primos até chegar a um ponto do passado em que mal se reconhece os traços da pessoa inicial em quaisquer outros membros. Do mesmo modo, quando perseguimos a história da formação de um conceito, chegará o momento em que ele parecerá já não ter nada a ver com aquilo que hoje ele quer dizer. Por exemplo, quando começamos a procurar qual o significado de um conceito como “menor de idade”, é importante saber quando este conceito surgiu e em que contexto e qual a sua filiação, seus antecedentes. Mas é ainda possível descobrir que o significado que as pessoas dão a uma mesma palavra, como por exemplo “mulher” (nas diferentes línguas), é muito diferente. Assim, não necessariamente brasileiros, americanos e franceses querem dizer a mesma coisa quando usam as palavras “mulher”, “woman” e “femme”. As palavras sempre entram em uma rede linguística/simbólica na qual adquirem determinadas significações. Voltamos aqui ao ponto da aula anterior: vivemos em uma realidade simbólica e coisas no mundo adquirem significação dentro de uma rede de relações e não por aquilo que valem isoladamente. Essências A filosofia tradicional buscou escavar as significações das “coisas” procurando separar tudo que em cada coisa é supérfluo e ficando só com a sua essência. Metaforizando, ao escavar, o filósofo encontra “o ponto em que a pá entorta batendo no fundo”. Já o pensamento pós-moderno que proliferou a partir da metade do século 20, parou de querer mostrar a essência das palavras e interessou-se antes em mostrar como não existe tal essência. Por “essência” designamos aqui aquilo que não muda em uma coisa qualquer; essência é o que a coisa é. Então, por exemplo, o que há de comum em todas as cadeiras? Todas tem suas marcas singulares que não se encontram em nenhuma outra; ou seja, cada cadeira é diferente da outra, nem que seja por mínimos detalhes. Contudo, todas tem algo em comum, tanto que se chamam “cadeiras”. Isso que há de comum em todas as coisas que chamamos de “cadeira” é a essência da palavra/conceito cadeira (na verdade o conceito é o que resta dessa operação de “escavação”). Estranhamentos Trata-se justamente, tal qual Sócrates fazia, de fazer com que as pessoas digam o que as coisas que estão em torno de si são. Claro que você como pesquisador não estará interessado em tudo. Você está sendo guiado pelo tema do seu projeto e assim estará especialmente interessado no modo como determinada população utiliza determinados termos e percebe a verdade do que está dizendo. Você não terá que fazer como um Sócrates e sair tirando as convicções das pessoas, mas sim informar a toda e qualquer comunidade interessada, mas especialmente àquela de seus pares, assistentes sociais e cientistas sociais em geral, os dados que pode colher em seu percurso. Tais dados poderão ser recolhidos conforme as várias ferramentas de que já falamos, adequadas ao trabalho de campo. Entrevistas, questionários, observação “passiva”, interação ativa, enfim, o importante será que ao final das contas, você deixe bastante claro para o leitor de seu trabalho o que foi que você fez e os cuidados que tomou para analisar os dados. Apenas lembrando que, quando a análise é quantitativa, você constrói tabelas, gráficos e apresenta estatísticas. Porém mesmo aí você terá a oportunidade de fazer uma análise sua dos resultados quantitativos colhidos. No caso de dados qualitativos, sua análise baseia-se sempre na sua específica e singular capacidade de interpretação dos dados colhidos. Não recue diante disso. Siga em frente, porém com o cuidado de expor à crítica as conclusões que propõe e o caminho que tomou para tirá- las. É nesse ponto que venho insistindo ao longo dessas aulas. Não despreze a metodologia quantitativa, como se ela fosse coisa de positivistas e como ser positivista fosse um erro. Mas menos ainda recue diante da necessidade de uma análise qualitativa. Genealogias conceituais e análise de representações sociais As genealogias, conforme já foi dito, envolvem necessariamente a história. Você parte do presenteem direção ao passado. Mais especificamente, o presente do qual você parte é sempre um impasse. Por exemplo, está bastante atual a discussão sobre a diminuição da maioridade penal. Então discute-se se não seria uma ótima medida diminuir essa maioridade de 18 para 16 anos ou algo assim. Há os que acham que isso seria bom e outros que não. Enquanto isso temos “menores de idade” que praticam crimes que barbarizam a sociedade. Mas será que tais crimes não estão tendo destaque demais? E não é altamente controverso diminuir o limite da maioridade para resolver este problema? Portanto, há os crimes e há o impasse sobre o que seria a melhor medida para enfrenta-los. Você poderia contribuir pra o debate perguntando socraticamente afinal de contas o que se quer dizer com o conceito de maioridade penal, correlato àquele de “menor de idade”. Você poderá então fazer um amplo estudo histórico, contando a história da formação deste conceito, o que talvez traga esclarecimentos importantes para a discussão do problema. Mas note: você parte para fazer história a partir de um impasse no presente, que é a discussão sobre a maioridade penal e o risco dela terminar em decisões que venham a piorar a vida de alguns chamados “menores de idade”, certamente aqueles das classes sociais menos favorecidas. Você se preocupa com isso como assistente social, pois percebe, por exemplo, que a discussão é política e envolve interesses múltiplos. Note que ao seguir este procedimento, você deixa de perguntar se é ou não necessário modificar a maioridade penal, deslocando o problema. Ao mostrar que essa discussão sobre a maioridade penal depende do conceito de menor de idade e que este conceito não corresponde a uma coisa no mundo, uma natureza que anda por aí e de vez em quando pratica crimes, você pode contribuir muito para uma redefinição das prioridades em jogo. AULA 8 – O ESTUDO DE CASO O estudo de caso é uma investigação que se debruça deliberadamente sobre uma situação específica que se supõe ser única ou especial, pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir a que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de um certo fenómeno de interesse. Quase tudo pode ser um “caso”: um indivíduo, um personagem, um pequeno grupo, uma organização, uma comunidade ou mesmo uma nação. Esta metodologia pressupõe que o pesquisador se debruce, mergulhe, sobre uma situação particular, procurando extrair dela e somente dela um máximo de dados relevantes para a área de estudos em que se inscreve a sua pesquisa. Seria o caso de dizer, em uma perspectiva fenomenológica, que devemos esquecer o que se sabe sobre o mundo para que nos detenhamos na radical especificidade do que estamos estudando, sem procurar enquadra-lo no que já conhecemos. Portanto, abrirmo-nos a novidade radical que se encontra em toda parte, antes da ciência categorizar os fenômenos em conceitos, agrupando-os em classes. O geral e o particular Entretanto, a despeito de ser uma investigação sobre o particular, vale notar que o estudo de caso pode combinar-se tanto em uma perspectiva indutiva (que vai do particular ao geral), quanto dedutiva (que vai do geral ao particular). Ao estudar um objeto ou situação específicos você pode tanto estar testando hipóteses anteriores quanto contribuindo para a elaboração de novas hipóteses observando e estudando um evento ainda não estudado. Conforme dissemos em aulas anteriores, esse movimento de indução e dedução é circular na ciência e não é porque partimos do particular no estudo de caso que estamos comprometidos com a indução. Na primeira aula desta disciplina mostramos como serviço social e sociologia exemplificam este movimento. A sociologia propõe leis e hipóteses gerais sobre os fenômenos sociais e essas leis e hipóteses podem orientar o pesquisador em serviço social. Por sua vez o pesquisador, ao estudar um caso específico de fenômeno social contribui em retorno seja para confirmar seja para falsear hipóteses anteriores. Percebe-se assim que uma questão que o estudo de caso levanta diz respeito ao modo como o particular relaciona-se ao geral. Assim, quando escolhemos para nossa pesquisa estudar um caso particular, por mais que nos concentremos nesse caso específico, não há ciência do particular. Um estudo sobre uma situação ou objeto particular só faz sentido quando posteriormente é utilizado, seja para que se extraia conclusões mais gerais que se prestem ao conhecimento de outras situações e objetos em alguma coisa considerados semelhantes, seja para afirmar ou falsificar hipóteses anteriormente construídas. Porém, podemos enfocar sob outra perspectiva essa relação do particular com o geral. Por exemplo, se quisermos conhecer a obra de Marx, ou de qualquer grande autor que tenha grande produção, podemos fazer uma leitura panorâmica da obra deste autor, lendo vários de seus textos, ou podemos nos deter sobre um pequeno conjunto de textos de determinada época. Não deixa de ser razoável supor que há algo que é uma marca deste autor e que atravessa toda sua obra, por mais que seus textos variem. Assim, ao invés de queremos apreender a obra em questão pela leitura de um máximo de textos que a compõe, podemos mergulhar fundo na leitura de uns poucos e tentar capturar aquilo que é sua marca permanente. O mesmo se diz da filosofia. Quando se quer introduzir um estudante à filosofia, tanto se pode apresentar uma visão panorâmica sobre a história da filosofia, passando pela obra de diversos filósofos, quanto se pode aprofundar um dos debates clássicos da filosofia, como, por exemplo, aquele sobre o livre arbítrio. Há algo da filosofia que está presente em cada pequeno pedaço da filosofia e não importa que fragmento de sua história peguemos para estudar, lá estará ela, como um todo. Finalmente podemos nos remeter ao serviço social. Certamente há entre as diversas áreas por onde se move o assistente social aspectos que são comuns a todos. Por mais particulares que sejam os temas estudados e as práticas realizadas pelos assistentes sociais, há impasses e encontros que se repetem em cada particular – pode-se ou não enfocar as semelhanças ou as diferenças. Por sua vez, o próprio tecido social, em suas múltiplas facetas, é atravessado por forças comuns que podem ser identificadas em estudos comparativos posteriores a estudos de caso. Desse modo, teoricamente seria sempre possível fazer um estudo vertical ou horizontal. Posteriormente, não durante nosso estudo, mas em estudos posteriores, podemos tentar localizar algo de essencial, ou algo que confirme uma lei que possa incluir outros casos particulares. Se sua perspectiva for mais positivista, você buscará sempre incluir o particular em uma lei geral que explique o maior número possível de fenômenos. Porém se partir de um paradigma qualitativo, você poderá abrir-se a dar sentido à experiência que está investigando, interpretando os fenômenos observados. Você fará sua interpretação e ira expô-la ao longo de seu trabalho. O que garantirá o bom exercício científico será seu cuidado em mostrar os passos que deu para fazer essa interpretação dos dados qualitativos coletados expondo-os ao debate entre pares pesquisadores. Uma perspectiva fenomenológica Quando falamos em uma perspectiva fenomenológica, queremos nos referir ao esforço de tentar capturar o mundo da posição do outro que estamos observando, escutando. Então podemos chegar a uma instituição ou comunidade cheios de ideias – científicas ou não – pré- formadas e que servirão para que compreendamos aquilo que acontece. Mas, fenomenologicamente, esse procedimento deveria ser abandonado ou limitado, em favor de tentarmos perceber o mundo tal como as pessoas daquela comunidade ou instituição percebem – como se estivéssemos de frente a uma experiência radicalmente nova. Assim, para a fenomenologia, o mundonão é apenas um, mas muitos são mundos, tantos quantos forem os sujeitos (mesmo que grupos) que estamos estudando. Notem que fenômeno opõe-se à fato. Ao invés de supormos fatos, conforme a metodologia positivista preferiria, investigamos fenômenos, quer dizer, fatos tal como aparecem para uma dada consciência, mesmo que para uma suposta “consciência coletiva” – lembrem-se das representações sociais, quer dizer, representações que não pertencem apenas a uma pessoa, mas a várias que pertencem a uma mesma coletividade. Portanto, no tecido social, podemos supor que um pequeno recorte desse tecido seja atravessado por forças que estão presentes no todo. Tal pressuposição é sempre uma aposta. Nunca, sobretudo na nossa área de ciências sociais, teremos qualquer certeza de que estamos “dando um tiro tão certeiro” – capturando a “essência” de algo, ainda mais quando esse algo é o tecido social. Mas um estudo que assuma essa perspectiva nem por isso fica proibido. Não deixe de lembrar, porém, que no estudo de caso você estará concentrado naquilo que a situação tem de particular. Neste sentido é que será importante desarmar-se de concepções e preconceitos anteriores que te levem a enxergar o caso particular em estudo como uma repetição do que já foi visto antes. Este é um desafio sério para o pesquisador. Método biográfico Para finalizar vale a pena destacar um tipo específico de estudo de caso, o chamado método biográfico. Tal método consiste na análise vertical típica do estudo de caso, porém radicalizada na medida em que se volta para a coleta de dados relacionados à vida de uma só pessoa. Para pensar casos mais próximos ao serviço social, imaginemos a possibilidade de traçar a história de vida de um presidente de associação de moradores, ou de um assistente social. Antes de mais nada, observemos que isso de forma alguma deve implicar que precisamos aplicar tal método à vida de uma pessoa famosa ou importante, diferenciada enfim, seja ela um amplamente reconhecido líder comunitário ou um igualmente destacado assistente social. Teoricamente, embora essa escolha não esteja proibida, podemos optar pela aplicação deste método à vida de pessoas comuns, apenas uma entre outras, evidentemente que relacionadas a uma população que interesse ao estudo que planejamos. Mas então poderíamos perguntar: afinal de contas, de que valeria trazer para o campo da ciência dados colhidos e organizados sobre a vida de uma pessoa comum? Se pelo menos fosse um homem ou mulher brilhante, de trajetória destacada... Nada disso. Pode-se igualmente fazer surgir uma discussão valiosa a partir da trajetória de uma pessoa como outra qualquer. Provavelmente muito do que aparece nela será significativo para mostrar algo que tenha alcance mais geral, ou que seja de interesse pela particularidade que traz em meio a tal “vida comum” de uma “pessoa comum”. Lembremos aqui do filósofo Foucault, referido em nossa última aula, quando ele aponta que documentos importantíssimos são negligenciados por não serem “oficiais”. Como se apenas a história oficialmente contada fosse digna de crédito. Ora, sabemos que tal postura crédula na oficialidade traz o risco de contribuir para a perpetuação das verdades da tradição, enfim, da história que querem nos contar. Assim, não apenas uma biografia pode trazer dados relevantes ao debate científico (inclusive para o campo do serviço social, por que não?), como a biografia de pessoas nada excepcionais, ou apenas tão excepcionais como quaisquer outras. AULA 9 – MONOGRAFIA E TRABALHO DE CAMPO Muitos alunos tem preferido fazer trabalhos que não envolvem trabalho de campo. É preciso entender que esta opção não implica que sua monografia seja uma monografia puramente teórica. Não incluir o trabalho de campo em seu trabalho acadêmico não implica de forma alguma que você não possa trazer para sua pesquisa elementos de sua experiência profissional em serviço social ou áreas afins. Nesta aula vamos conversar sobre essas opções metodológicas, quais sejam, a de utilizar a sua prática / experiência em uma monografia que não envolva trabalho de campo e / ou a de fazer um estudo teórico. Importância do trabalho de campo Voltando ao que disse na primeira aula dessa disciplina, penso o trabalho do assistente social como uma práxis, isto é, uma prática teorizada. O ir e vir entre teoria e prática é característico dessa disciplina / práxis, tal como também o é, por exemplo, a prática do psicanalista ou do antropólogo. Penso não estar errado se disser que o assistente social está sempre diante do desafio de transformar as práticas sociais - o que nem sempre é verdadeira para toda área da ciência, de vez que há práticas e pesquisas essencialmente voltadas ao conhecimento da natureza e / ou da cultura e não a sua transformação. Localizar territórios nos quais as políticas públicas estão ausentes, ou nos quais se revelam inadequadas, ou fazer valer as que parecem boas políticas quando já existentes, é parte essencial do trabalho do assistente social. Neste sentido pode ser importantíssimo para a prática de pesquisa em serviço social o trabalho de campo. Acho até que é um recurso que tem sido sub-utilizado no momento das monografias de final de curso de graduação, o que tem sido registrado em livros que tratam do tema de pesquisa em ciências sociais. Se procurarem nas bibliotecas de sua Universidade, perceberão como um grande número de monografias não apresenta trabalho de campo. Talvez isso se deva ao fato de que o trabalho de campo nesta área exige mais. A coleta, organização e análise dos dados colhidos é um processo trabalhoso e os alunos acabam preferindo articular a experiência que foram adquirindo em suas vidas com os textos e questões que trabalharam durante sua graduação. Há que se respeitar essa opção. Não vivemos em um mundo ideal e sei bem das dificuldades pelas que passam os alunos para fazer sua graduação, trabalhar, cuidar de seus interesses e etc. Ainda que torça para que o trabalho de campo se torne mais utilizado, não posso deixar de falar também nesta outra opção que tantas vezes tem sido a preferida. A prática na pesquisa sem o trabalho de campo Se o seu trabalho de pesquisa não incluir trabalho de campo, certamente envolverá um trabalho mais intenso com dados colhidos da literatura, não importa o quanto de sua prática profissional (ou de estágio, ou voluntariado etc.) você traga para sua pesquisa. O seu “campo” de pesquisa, neste caso, será, de certa maneira, os livros e textos com os quais fez e fará contato e a sua própria experiência prática feita antes e / ou durante a pesquisa. Um ponto fundamental que você não pode perder de vista nesse caso é que a resenha do trabalho de autores mais ou menos consagrados na área de sua pesquisa será uma ferramenta fundamental que você terá de utilizar. Em geral, a tendência do aluno iniciante em pesquisa é querer dizer o que pensa sobre as experiências que passou e sobre os tópicos que resolveu pesquisar. Como ponto de partida para elaboração do seu projeto de pesquisa é mesmo muito importante que o aluno esteja fervilhando de questões e com um desejo intenso de falar sobre aquilo que pensa e sente. Contudo, a partir daí vem o desafio de dizer o que pensa no formato exigido pela academia. Um primeiro passo básico, conforme insistentemente advertido nas disciplinas anteriores de pesquisa em serviço social, é estabelecer um bom recorte do seu tema e de seus objetivos. Encontrar dentro da massa de questões que você traz de sua prática, experiência de vida e leituras, uma questão possível de ser trabalhada do modo sistemático exigido pela pesquisa científico / acadêmica, será uma exigência primeira. Como é óbvio, o aluno não pode sair dizendo tudo que pensa como se estivesse conversando com um colega. Em geral, em nossos bate papos com nossos colegas universitários ou detrabalho e com nossos professores, muitas coisas inteligentes são ditas: tiradas brilhantes, intuições muito boas não são de forma alguma pouco frequentes. É geralmente com certa frustração que o aluno percebe que sua pesquisa não poderá consistir numa exposição eloquente de suas ideias, por mais inteligentes que sejam. O desafio será fazer com que tais ideias se encaixem no modelo acadêmico de exposição e quando isso for feito, necessariamente algumas delas terão que ser sacrificadas em favor de outras. Ou seja, não vai dar para o aluno falar de tudo que ele gostaria. Neste momento, muitos costumam dizer que isso se deve a uma espécie de tirania do universo acadêmico, o que considero falso. O que o estilo acadêmico zela é pela clareza. Quando começamos a pensar com maior sistematicidade partindo de nossas ideias excelentes, geralmente percebemos que as coisas são mais complicadas do que pareciam. O que o trabalho acadêmico deve exigir é que você exponha suas ideias e retire delas consequências de modo sistemático e claro. Por outro lado, elementos de uma discussão teórica como a exemplificada aqui também podem se combinar com elementos de sua prática profissional e com elementos e trabalho de campo. Neste caso, sua pesquisa estaria trabalhando com dados extraídos destas três fontes: sua prática pregressa, os livros de autores escolhidos para desenvolver alguns aspectos de seu tema e os dados colhidos em seu trabalho de campo. Com isso quero enfatizar o grau de liberdade que você também tem em sua pesquisa acadêmica. Se por um lado deve seguir padrões e normas, por outro estes são também bastante flexíveis a ponto de poder combinar métodos e técnicas tão diversas sem com isso comprometer a coerência de seu trabalho. Na próxima aula estaremos basicamente investigando a utilização desses métodos e técnicas discutidos à luz de exemplos que tenham proximidade com a prática do assistente social. AULA 10 - Pesquisa quantitativa e estatística Para montar uma pesquisa quantitativa, muitas vezes temos que nos utilizar da estatística. Estatística é a ciência que utiliza-se das teorias matemáticas (principalmente as probabilísticas) para entender e explicar a frequência da ocorrência de eventos. Para a pesquisa quantitativa em ciências sociais e nas leituras estatísticas que nelas aparecem, dados são vistos como variáveis. Percebemos a realidade como se esta fosse composta por elementos discretos, mas que se influenciam mutuamente em algum grau. O quanto uma variável aumenta ou diminui em função de outra ou outras, é coisa que interessa ao cientista pesquisar. Isso tem sido feito em pesquisas experimentais em laboratório onde o controle que temos das variáveis presentes é muito maior do que nos trabalhos de campo que desenvolvemos na área de ciências sociais. Um exemplo famoso que retiramos da psicologia é a chamada caixa de Skinner. Nesta caixa, existe uma alavanca que, uma vez pressionada pelo ratinho que nela será colocado libera comida. Pode-se medir quantas vezes o ratinho tecla ao acaso a alavanca até aprender a pressiona-la quando quer comer. No exemplo da caixa de Skinner, a variável dependente é a aprendizagem do ratinho. Quantos “ensaios” ele fará a parir do momento em que é colocado na caixa com a alavanca. A caixa e a alavanca são variáveis independentes. O comportamento do ratinho irá variar em função delas. No exemplo da quadra poliesportiva, imaginando que ela tenha sido construída em uma escola, ela seria uma variável independente e o número de falta e as aulas dos alunos seriam uma variável dependente. Com isso você mediu a variação das faltas às aulas dos alunos antes e depois da introdução da quadra na escola. Coleta de dados A coleta dos dados deve ser senão plenamente objetiva, pelo menos clara e transparente. Para isso, é preciso que a pesquisa tenha instrumentos fidedignos e válidos. A fidedignidade de um instrumento de medida refere-se à estabilidade, à possibilidade de repetição, à precisão das medidas com ele obtidas, i.e., ao grau de consistência dos valores medidos. A validade, por sua vez, tem a ver com até que ponto o instrumento está de fato medindo o que se supõe que esteja medindo. Moda, a mediana e a média Os conceitos básicos apresentados pela Estatística são a moda, a mediana e a média. O uso dessas ferramentas da estatística permite que agrupemos os dados de modo mais funcional, permitindo ao leitor de nosso trabalho uma leitura mais fácil e facilitando também cálculos e mensurações futuras que se apoiem nos dados da pesquisa. Note que você não precisará ser brilhante em estatística para utilizar essas referências. Sozinho ou com o auxílio de seu tutor, poderá tabular (organizar em tabelas) os registros quantificados de uma coleta de dados e expô-los ao seu leitor de modo mais organizado utilizando esses registros. Assim, uma vez que colha dados quantitativos você poderá utilizar tabelas e os gráficos. Estes podem ter vários formatos, entre eles dois de uso relativamente simples e bastante frequente, que são os gráficos de “coordenadas cartesianas” e os gráficos em forma de “pizza”. A utilização destes recursos mais uma vez facilitará a leitura dos dados pelo leitor e facilitará a comparação e utilização em trabalhos futuros. Planejamento Uma pesquisa precisa de planejamento. O planejamento é a manifestação de passos para se atingir um fim. Os passos para uma pesquisa quantitativa são: • Formulação do problema; • Delineamento do que se procurará resolver do problema; Formulação de uma hipótese que será o norteador da coleta de dados; • Plano operacional, que é uma detalhamento dos passos que se seguirá; • Execução do plano operacional; • Mapeamento das observações, o que envolve a parte de matemática e estatística (contagem e cálculos); os dados são transformados em dados e variáveis • Consolidação dos dados observados; é um trabalho de resumo, de súmula dos vários dados em um texto sucinto; • Confrontação da consolidação com a hipótese apresentada no início do planejamento; • Conclusão, que é a confirmação da hipótese, sua rejeição ou uma descoberta de uma novidade apresentada pelo confronto da experiência com a hipótese. Embora esse roteiro tenha elementos que só valem para as pesquisas estritamente qualitativas, muitos de seus pontos valem também para sua pesquisa qualitativa ou mista. Procure rever ponto a ponto o projeto já construído por você e registrar os pontos que estão ou não, procurando ter clareza da estrutura do trabalho que está construindo. Você pode ter boas razões para saltar algum destes pontos, porém é importante que saiba dizer porque assim o fez. Portanto não deixe de fazer um “checklist” do teu projeto a partir desta ordem que coloquei agora acima. Claro, você optar por outros instrumentos de revisão. O que ofereço aqui é apenas um modelo. Este foi um breve resumo com alguns pontos que nos parecem principais para o desenvolvimento de uma pesquisa quantitativa ou para o uso de dados quantitativos em sua pesquisa. Passemos a examinar agora um fragmento de caso que nos permitirá rever os conceitos sobre os quais até agora viemos falando, nas aulas anteriores. Passemos agora ao segundo momento dessa aula, quando utilizaremos o fragmento de um caso para pensar os recursos metodológicos que viemos discutindo até aqui. Caso 1 Em janeiro de 2011, um período excepcionalmente prolongado de chuvas fortes culmina naquilo que ficou conhecido como “tragédia da serra”, quando Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, além de uma série de pequenas cidades da região serrana fluminense ficaram marcadas pela maior catástrofe natural ocorrida no Brasil. Mais de novecentas pessoas morreram e muitas ficaram desabrigadas. Além disso, a catástrofe abala a situação da cidade como um todo trazendo reflexos negativos na atividade econômica, esgotamento nosistema de saúde já precário em tempos de normalidade - e outras consequências que obrigam a sacrifícios penosos grande parte da população. Uma parceria entre a SETRAB (Secretaria de trabalho do Estado do RJ) e uma empresa privada que trabalha gerenciando o trabalho de pessoas portadoras de necessidades especiais firmam uma parceria para intervir junto à população colocada em abrigos na cidade de Nova Friburgo. O objetivo dessa parceria é ajudar a população escolhida (sem restrição quanto a serem ou não portadoras de necessidades especiais) a voltar a ocupar postos de trabalho na cidade. O curso de psicologia do campus Nova Friburgo da Universidade Estácio de Sá é contactada pela empresa para fornecer alunos que fariam parte do trabalho como estagiários. Assim, além do objetivo direto de proporcionar a recolocação no mercado de trabalho de uma parte da população atingida, a iniciativa permitiria a obtenção de dados sobre a população foco e a capacitação profissional e acadêmica de alunos de uma Universidade local. Questionários são elaborados para colher dados básicos sobre a população (sexo, idade, escolaridade, endereço etc. Mas também possíveis interesses em uma atividade profissional). Quando a equipe se encontra pronta para iniciar o trabalho, só restava um abrigo das mais de duas dezenas de abrigos que foram constituídos após a tragédia. Isso obrigou a equipe a modificar a sua população alvo, indo buscar pessoas vitimadas pela tragédia nos bairros e comunidades locais. Pessoas consideradas chave das comunidades focadas pela equipe (líderes comunitários etc.) foram chamadas a participar ajudando a localizar possíveis beneficiários da iniciativa. Os questionários são aplicados e a parceria entre a SETRAB e a prefeitura chega a um acordo quanto à oferta de cursos de capacitação que levem em consideração os resultados dessa “pesquisa- ação”, para que a população alvo seja encaminhada para postos de trabalho compatíveis com os interesses e potencialidades encontradas entre a população. Os cursos de capacitação, ao final de tudo e com o passar do tempo, não foram ofertados, a despeito da insistência dos coordenadores do projeto. Alegou-se entraves políticos mas ninguém assumiu a responsabilidade. Ou seja, a pesquisa-ação atinge os objetivos iniciais, realiza a sua parte, porém não acontece a contraparte que deveria vir dos órgãos municipais. A iniciativa termina em decepção e podemos especular que um dos efeitos disso é deixar as pessoas da população foco ainda mais desalentadas quanto ao que podem esperar de políticos e da sociedade “organizada”. Percebeu-se durante o trabalho voluntário (que foi importante e amplamente noticiado pela mídia) de apoio às vítimas da tragédia o quanto as pessoas não tinham a menor consciência de seus direitos e das obrigações do estado para com elas. Por um lado não acreditavam em promessas, não buscavam seus direitos; por outro, acotovelavam-se para receberas doações e mostravam-se passivas do ponto de vista do exercício de sua cidadania, a espera de algum tipo de milagre, como se não pudessem se tornar cidadãos pertencentes a uma sociedade pela qual são responsáveis mas que também tem responsabilidades para com eles. O fato de mais uma vez ter sido desenvolvida e apresentada uma proposta a esta população e pouco ou nada ter acontecido de concreto, talvez possa criar mais desalento e desconfiança em uma população acostumada a achar que ninguém fará nada por ela. Ganha força a ideia de que tudo não passa de promessas feitas para o próprio benefício dos que prometem. Por outro lado tal contexto envolve a passividade desta população que não reclama nem parece inclinada a acreditar que vale a pena lutar pelos seus direitos.
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