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CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 1 Estatuto Editorial A publicação designada por «Cadernos de Pedagogia Social» é propriedade da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa e visa contribuir para a consolidação de uma cultura científica no domínio da Pedagogia Social através da publicação de trabalhos de investigação de reconhecido valor académico segundo uma perspectiva que, integrando dialecticamente teoria e prática, procura promover a coope- ração activa entre profissionais e investigadores, nacionais e estrangeiros. Esta publicação contempla três tipos de colaboração, com aceitação prévia pelo Conselho Editorial, que funcionará como comissão de leitura e revisão (peer-review): - Artigos originais (original articles) que se debrucem sobre investigações realizadas no domínio científico da Pedagogia Social. - Revisões bibliográficas (contemporary reviews) que proporcionem uma leitura compreensiva sobre tendências recentes e relevantes no domínio científico da Pedagogia Social. - Relatórios (reports) sobre o trabalho realizado por instituições nacionais e internacionais dentro do domínio científico da Pedagogia Social, podendo integrar entrevistas, relatos de visitas e/ou de reuniões científicas. A publicação de «Cadernos de Pedagogia Social» acontece uma vez por ano. © Universidade Católica Editora, Sociedade Unipessoal, Lda | Faculdade de Educação e Psicologia Director Isabel Baptista Conselho Editorial Joaquim Azevedo, Isabel Baptista, Américo Peres, Adalberto Dias de Carvalho, Roberto Carneiro Propriedade Universidade Católica Portuguesa Concepção gráfica LabGraf Execução gráfica LabGraf Dep. legal 258356/06 ISSN 1646-7280 Assinaturas bi-anuais Portugal e países africanos de expressão oficial portuguesa: 15,00 € Europa: 19,00 € Brasil: US$25 avulso: 8,50 € Toda a correspondência destinada à revista, incluindo pedidos de assinatura, pagamentos e alte- rações de endereço, deve ser dirigido a: Universidade Católica Portuguesa - Faculdade de Educação e Psicologia | Palma de Cima | 1649-023 Lisboa - Portugal | tl. +351 217 214 060 fx. +351 217 266 160 iedu@iedu.ucp.pt www.ucp.pt Universidade Católica Editora | Palma de Cima | 1649-023 Lisboa - Portugal | tl. +351 217 214 020 fx. +351 217 214 029 uceditora@uceditora.ucp.pt | www.uceditora.ucp.pt CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 2 Nota de apresentação Isabel Baptista Pedagogia Social: Uma ciência, um saber profissional, uma filosofia de acção Isabel Baptista Estatuto antropológico e limiares epistemológicos da educação social Adalberto Dias de Carvalho Educadores Sociais: Quem são? O que fazem? Como desejam ser reconhecidos? Joaquim Azevedo | Isabel Baptista Mesa de Discussão: Maria Ferreira; Maria Guerra; Sofia Rodrigues; Fernanda Cachada; Rui Amado O Perfil Profissional do Educador Especializado (Social): Uma leitura sócio- -histórica Fernando Canastra | Manuela Malheiro A Educação Intergeracional no horizonte da Educação Social: compromisso do nosso tempo Cristina Palmeirão Espaço, universo de relações e a questão da alteridade: Uma reflexão sobre a cidade de São Paulo/ Brasil Marielys Siqueira Bueno | Maria do Rosário Rolfsen Salles | Sênia Bastos Porque necessitamos de um modelo bioecológico – transaccional para pensar o futuro? Maria Raul Lobo Xavier Intervenção Social da Ald No Gúruè Adérito Gomes Barbosa Direito ao trabalho e cidadania social: A educação ao serviço da solidariedade Maria Helena Magalhães da Silveira Ribeiro 5 7 31 45 61 81 101 117 125 151 2 (2008) ANO II CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 3 Situações de risco: jovens “sem projecto de vida”, construção de um objecto de estudo Dulce Helena Penna Soares | Maria Sara de Lima Dias Resiliência num grupo de adolescentes de risco de uma escola secundária do grande Porto Maria Raul Lobo Xavier | Mariana Andresen Abreu 163 179 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 4 Nota de apresentação Ancorados na dinâmica investigativa desenvolvida no seio da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa (FEP/UCP), há um ano atrás lançávamos o primeiro número desta publicação que escolhemos designar por «Cadernos de Pedagogia Social», na expectativa de que pudesse constituir um espaço plural de partilha de conhecimento nesta área de trabalho. É, pois, com enorme satisfação que apresentamos um segundo número composto por textos de vários autores, provenientes de instituições nacionais e estrangeiras e dando testemunho sobre experiências de estudo muito diversas, evidenciando assim a consistência de uma racionalidade sócio-pedagógica «hospitaleira», firmemente estribada no acolhimento de múltiplas abordagens disciplinares e profissionais. Ao referir-se a uma ingerência propositada no projecto antropológico, a educação não pode alhear-se dos problemas humanos respeitantes à chamada «questão social», sobretudo no quadro de uma sociedade educativa que se deseja justa, cosmopolita e solidária. O tema de capa deste número, «Educação e Solidariedade Social», surge no seguimento desta intenção, visando salientar os objectivos de humanidade e de cidadania social que balizam o tipo de educação que constitui objecto de estudo da pedagogia social. Daí a ênfase dada à educação social, enquanto domínio privilegiado nesta área, relativo à atenção prioritária a pessoas e grupos humanos que se encontram em manifesta situação de sofrimento e vulnerabilidade, ainda que sem perder a referência essencial aos múltiplos lugares de realização antropológica numa «sociedade de todos, com todos e para todos». Valorizando a ligação orgânica entre os universos de fundamentação e aplicação, os textos apresentados expõem preocupações de ordem teórico-prática relacionadas com o estatuto epistemológico da pedagogia social e com a CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 5 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 6 diversidade de saberes e contextos que configuram esta ciência da educação, desde a definição do perfil formativo dos agentes de intervenção sócio-educativa, em particular dos educadores sociais, passando pela compreensão do espaço público como «universo de relações de alteridade», até a questões especificas levantadas nos vários relatos de investigação e de acção. Sublinham-se ainda os contributos vindos de outras áreas de conhecimento, como a psicologia, por exemplo, testemunho de um diálogo interdisciplinar imprescindível em termos de construção solidária do saber. Isabel Baptista Porto, Abril 2008 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 6 Cadernos de Pedagogia Social 2 (2008) 7-30 Pedagogia Social: Uma ciência, um saber profissional, uma filosofia de acção Isabel Baptista Docente da Faculdade de Educação e Psicologia, UCP Resumo A disciplina científica que dá pelo nome de «pedagogia social» ocupa hoje um lugar fundamental no seio das ciências da educação, respondendo por um universo conceptual específico, alicerçado num património histórico próprio e num campo de problematização-acção de confirmada relevância na nossa contemporaneidade. É justamente em torno do conceito de pedagogia social, da sua história e da sua especificidade epistemológica que procuro reflectir neste texto, tentando evidenciar a pertinência socio-política desta área de conhecimento num quadro de renovação do «espaço público da educação», em conformidade com a utopia do humano preconizada pelas Nações Unidas para a sociedade do século XXI. Educação, desenvolvimento humano e cidadania solidária Definido em termos gerais, o objecto de estudo da pedagogia social remete- nos para uma realidade antropologicamente densa, complexa e multifacetada – a praxis sócio-educativa numa perspectiva de «cidadania social». Ao mesmo tempo que se promove a capacitação subjectiva e cívica das pessoas, trata-se de procurar «fazer sociedade» num mundo que nos surge como fragmentado, incerto, vulnerável e «líquido», apostando para tal na ligação orgânicaentre aprendizagem, vida e experiência comunitária. Estamos, pois, perante um CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 7 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 8 conhecimento construído na interface entre as áreas da educação e da solidariedade social, num contexto de mutação paradigmática dos respectivos campos de referência. De um lado, temos o ideal de uma educação para todos e ao longo da vida como o grande princípio orientador da mudança desejada. Pretende-se que nos diferentes planos de acção política – mundial, nacional, regional – sejam forjados compromissos sociais audaciosos em torno da criação de oportunidades educacionais contextualizadas, diferenciadas, flexíveis e permanentemente acessíveis a todas as pessoas, seja qual for a sua situação existencial. O que, desde logo, se afigura como uma tarefa hercúlea, conforme admitiu o Director Geral da UNESCO, Koichiro Matsuura (2000), mesmo se encarada apenas em ternos de universalização e diversificação da oferta formativa. Porque, na verdade, o desafio em causa transcende largamente esta meta, implicando uma profunda transformação dos modos de pensar e viver a educação enquanto interferência propositada no processo de desenvolvimento humano. Reconhece-se hoje que a educação constitui o sustentáculo basilar «de uma evolução consciente, de uma socialização ao longo da vida e do exercício de uma cidadania activa no plano dos direitos e deveres de cada pessoa» (Carneiro, 2004). E é neste sentido que a promoção de processos intencionais de aprendizagem deixa de ser uma responsabilidade exclusiva dos sistemas escolares, passando a ser equacionada em função de uma pluralidade de tempos, de lugares e de exigências de conhecimento. Do lado das políticas sociais, considera-se que o desafio passa pela regeneração do Estado providência clássico e por práticas de cidadania ancoradas em laços humanos que, não sendo definitivos e indissolúveis, possam, todavia, ser consistentes e significativos. Conforme notou Zygmunt Bauman (2000;2004), denunciando o que classifica de «modernidade líquida». Os cidadãos contemporâneos tendem a desenvolver conexões episódicas, «desesperados por se relacionarem» mas ao mesmo tempo cada vez mais «desconfiados da condição de estar ligado». Daqui resultam laços fortuitos e frouxos, atados com «insustentável leveza» e numa «tentação de inocência» incompatível com os desígnios de uma cidadania solidária, recorrendo assim a expressões utilizadas, respectivamente, por Milan Kundera e Pascal Brukner. Os efeitos do «mundo líquido» reflectem-se igualmente no plano das mediações institucionais e nas formas de organização do compromisso social. CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 8 Citando Joaquim Azevedo (2006), cresce a desconfiança em relação às mais variadas formas de governo da res pública, com reflexo evidente nas condições de representação e acção das instituições sociais. É a própria democracia que assim fica em causa, «esse ideal permanentemente traído e desfigurado», como afirma Pierre Rosanvallon (1998) ao lembrar que sem perseverança no aperfeiçoamento da democracia não há progresso social. Nessa medida, ao mesmo tempo que propõe a reconceptualização da noção de «cidadania», o sociólogo argumenta em favor da renovação «intelectual e moral» do Estado como condição indispensável para a afirmação de uma «nova era do social» que, na sua perspectiva, deverá também, e forçosamente, corresponder a uma nova era da política. Com Rosanvallon, associo a necessária transformação dos modelos de intervenção pública a uma redefinição filosófica do Estado providência, mas considero que é num plano de questionamento ainda mais radical, em termos de «refundação antropológica e ética», que a questão deve ser colocada (cf. Baptista, 2007, 2008). Interrogarmo-nos sobre os mecanismos da justiça, sobre as garantias de equidade, sobre práticas de cidadania, sobre a violação sistemática de direitos humanos ou sobre novos «direitos sociais», significa reflectir sobre padrões de conduta pessoal, sobre dinâmicas identitárias e sobre estratégias de vida. Antes de mais, estas são questões de natureza antropológica e ética no centro das quais estão perguntas como: Quem somos? Quem queremos ser? O que é que faz a diferença dos nossos dias e dos nossos caminhos? Que tipo de relação estabelecemos connosco próprios, com os outros e com o mundo? O que é que caracteriza, ou deve caracterizar, a nossa presença no mundo? É, pois, nesta base de questionamento essencial que deve ser inserida a exortação de Rosanvallon no sentido de um regresso ao ponto de origem, lá onde o laço social e o laço cívico se confundem e onde a justiça descobre que, afinal, é bem mais antiga do que o regime de direitos que a serve. Isto não significa que se procure substituir o Estado providência por «comunidades providência» ou ainda muito menos por «indivíduos providência», como por vezes se sugere. O que se deseja é que a um «Estado social» forte e iluminado correspondam dinâmicas de «cidadania social» apoiadas na implicação dos próprios cidadãos enquanto «sujeitos capazes» (Ricoeur, 1988), que o mesmo é dizer enquanto cidadãos aptos a actualizar os seus direitos/deveres no espaço de vida em comum, na convicção de que só aí é que eles ganham a forma de «poderes». Assinala-se C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 9 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 9 deste modo uma demarcação crítica relativamente às perspectivas de intervenção comunitária subordinadas à noção de «empowerment» ou «empoderamento» se optarmos pela tradução portuguesa. Os processos de capacitação não podem ser reduzidos ao desenvolvimento de competências de domínio e de controlo, individuais ou grupais, confundindo os modos de participação cívica com o exercício de uma influência «eficaz» e credora de reconhecimento. No lugar de organizações e contextos sociais «empoderados» e «empoderantes», opto por falar em «lugares de hospitalidade, justiça e solidariedade social» (Baptista, 2006,2007;2008). Recuperando uma noção cara a António Nóvoa (2005), podemos afirmar que nesta nova era da política, a pedagogia social ocupa um lugar decisivo na reconfiguração do «espaço público da educação», tendo em conta a valorização dos múltiplos lugares de realização antropológica e a necessidade de investir em respostas educacionais de base sócio-comunitária. Interpreto neste sentido o apelo feito por Joaquim Azevedo (2007) em relação ao actual movimento de territorialização das medidas educativas que, do seu ponto de vista, deverá ser encarado como possibilidade de profunda reformulação política e não apenas como um fenómeno administrativo ou jurídico-legal. Justamente, é necessário inscrever as preocupações de solidariedade social no coração dessa mudança política. Ao referir-se a uma intervenção intencional no projecto antropológico, a educação não pode ficar de fora do debate público sobre a «questão social», expressão com que aprendemos a nomear o conjunto de problemas que, em determinada época histórica, afectam os processos de desenvolvimento humano Ciências da Educação e sociedade educativa Equacionado no quadro de uma educação para todos e ao logo da vida, o universo de estudo das ciências da educação alarga-se substancialmente, tornando-se muito abrangente, complexo, incerto e, em muitos aspectos, impreciso e ambíguo. Assim, privadas de um horizonte objectual estável e facilmente reconhecível que, de um modo algo artificial, elas haviam tentado impor a si mesmas, as ciências da educação experimentam hoje um certo C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 10 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 10 desnorteamento, conforme notou Adalberto Dias de Carvalho (1996). Os para- digmas de cientificidade adoptados por estas ciências numa primeira fase do seu processo de legitimação epistémica carecem de uma reflexividade ético- -antropológica considerada fundamental.Parafraseando Hannah Arendt (2000), podemos dizer que, no caso concreto das ciências da educação, a dificuldade em encontrar resposta para as situações problemáticas resulta, em boa medida, da amnésia em relação às perguntas de origem. De que falamos quando falamos em educação? Que concepções de subjectividade, de humanidade e de cidadania, sustentam, ou devem sustentar, os objectivos sociais do novo milénio? O que é que realmente entendemos por «desenvolvimento humano»? Como, com que meios e de que forma, podemos intervir pedagogicamente nesse processo? Na verdade, este tipo de interrogações sobre as prioridades do humano no tempo que nos couber viver constitui uma exigência incontornável de toda a racionalidade científica. Será esta a lição a retirar das críticas feitas à tradição ocidental por Michel Foucault, Louis Althusser, Jacques Lacan, entre outros. Mais do que anunciar o «fim do humanismo», a reflexão protagonizada por estes autores veio lembrar que os ideais de humanidade requerem uma actualização histórica contínua e que a razão científica não está fora deste esforço. Num mundo tão complexo como o nosso, numa sociedade «ela própria revolucionada pela ciência», é preciso reaprender a fazer perguntas «simples, elementares, mas profundas, perguntas que tragam luz nova à nossa perplexidade» (Sousa Santos, 1989). Os quadros conceptuais que outrora suportavam a confiança epistemológica têm vindo a desmoronar-se, provocando uma experiência colectiva de dúvida geradora de um clima de incerteza e ambivalência sem precedentes. A única lucidez possível parece ser agora a da consciência da própria incerteza, conforme ensina Edgar Morin. Sem abandonar os princípios da ciência clássica – ordem, separabilidade e razão –, pelo contrário, inserindo-os em esquemas de combinação dialógica onde ordem, desordem e organização se entrelaçam produtivamente, Morim (2000) desafia a ciência contemporânea a assumir os factores complexidade e imprevisibilidade como seus traços constitutivos. O espírito cartesiano passa assim a estar ao serviço de perspectivas sistémicas que acolhem as tensões subjectivas inerentes ao movimento pendular entre universal e singular, entre o todo e a parte ou entre previsto e imprevisto. C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 11 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 11 Tal como tenho vindo a tentar fundamentar no quadro de uma reflexão ética sobre «pedagogia e políticas de alteridade» (Baptista, 2006; 2007; 2008), o paradigma da complexidade advogado por Edgar Morim é indissociável de uma concepção antropológica vinculada à alteridade, segundo a perspectiva relacional proposta por Emmanuel Lévinas e Jacques Derrida. Remeto assim para uma «leitura filosófica» da obra levinasiana apresentada noutro texto (Baptista, 2007a), esclarecendo que, por definição, a «leitura filosófica» corresponde ao processo de fundamentação racional de uma determinada interpretação subjectiva, assumindo criticamente todas as «infidelidades» e transgressões conceptuais que tal exercício implica. Emmanuel Lévinas fez questão de se demarcar de qualquer teorização de carácter socio-político, sem que tal diminua a força reflexiva das suas teses a este respeito. Foi o que então se procurou sustentar, recorrendo para tal às interpelações de outros filósofos, como Paul Ricoeur e Jacques Derrida. É sobretudo a este último que devo a possibilidade de ter compreendido «Totalidade e Infinito», talvez a obra mais conhecida de Lévinas, como um «imenso tratado sobre hospitalidade» quando na verdade o seu autor quase nunca usa esse termo, preferindo o de «acolhimento». O uso, neste texto, de expressões como: «hospitalidade interdisciplinar e interprofissional» «auto-hospitalidade» ou «razão hospitaleira» insere-se, pois, numa reflexão tributária dos autores referidos. Só uma consciência capaz de se deixar interromper e ensinar por verdades nascidas fora de si mesma poderá servir de suporte a uma «racionalidade hospitaleira», optando por designar assim o tipo de pensamento que aceita, sem receio, a energia desconstrutora que advém da experiência de afecção intersubjectiva. Essa energia é o que, na verdade, alimenta os sistemas impedindo a sua obsolescência, como verdades situadas fora de todos os cânones e de todo o cálculo, mas que por isso mesmo se apresentam à consciência «grávidas de uma aceitabilidade possível» (Derrida, 2006). De acordo com este alinhamento conceptual, mais do que substituir um paradigma por outro, trata-se hoje de admitir a pluralidade paradigmática como condição da prática investigativa. Sem que, todavia, tal signifique o estilhaçamento da razão científica, a sua fragmentação ou dispersão. Bem pelo contrário, a confian- ça epistemológica fortalece-se na exacta medida em que se renova, deixando-se entranhar por factores como complexidade e incerteza o que, no contexto da reflexão que proponho, é o mesmo que dizer capacidade de «paixão» e «compaixão». C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 12 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 12 Pressupondo uma «aprendizagem social» assente na relação de intimidade com a vida e orientada para o desenvolvimento de laços constitutivamente sólidos em termos de identidade pessoal e cívica, o tipo de educação que constitui objecto de estudo da pedagogia social obriga-nos a desenhar linhas de uma «geografia humana» mais permeável à entrada do outro que, sendo outrem, dá testemunho de realidades que excedem, perturbam e intrigam a razão que as acolhe. Tentando definir «os seus outros», a razão escolhe muitas vezes nomes como sentimento, emoção ou sensação quando pretende referir-se a esse seu lado perturbante «clamoroso e ameaçador, a esse atravessar e ser atravessado, a essa súbita abertura ao Outro, a essa explosão não planeada de não-indiferença, a essa busca de proximidade da distância» (Bauman, 1995). Ora, desejando dar atenção – fazer justiça – à dimensão subjectiva dos processos de devir humano, é necessário aprender a escutar e a traduzir os sinais que vêm desse «outro lado da razão». De novo com Boaventura Sousa Santos (1989), há que ter em conta que «as condições epistémicas das nossas perguntas estão muitas vezes inscritas no avesso dos conceitos que utilizamos para lhes dar resposta». Os termos a que a razão se habituou a recorrer, sobretudo quando se trata de designar os «seus outros», estão «viciados», constituindo em si mesmos obstáculos à tradução racional. Explica-se deste modo o facto de, entre as prioridades de trabalho actualmente privilegiadas no contexto investigativo da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica, concretamente no domínio da pedagogia social, se encontrarem os estudos centrados no questionamento de tipo nocional e a procura de novas linguagens científicas. A sociedade complexa do século XXI requer um pensamento novo, ele próprio complexo e alternativo. Ora, um pensamento deste tipo precisa ser servido por uma linguagem ela também nova, aberta, complexa e alternativa – hospitaleira. Pedagogia Social – especificidade epistemológica É, pois, num horizonte de mudança paradigmática e no espaço amplo e impreciso das ciências da educação que surge hoje a pedagogia social, trazendo consigo a inevitável interrogação sobre a legitimidade científica da própria C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 13 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 13 pedagogia, uma área tradicionalmente prestigiada no seio dos saberes educacionais mas que entretanto foi sendo desacreditada em virtude da sua reconhecida ligação ao mundo filosófico e metafísico. Todavia, «expulsa pela porta», a pedagogia parece agora querer «entrar pela janela» por força da necessária resubjectivação do discurso científico. Remetendo para outro contexto o adequado tratamento académico da questão de saber se podemos ou não chamar ciência à pedagogia, situo o lugar científico da pedagogia social neste retornoda pedagogia que, na verdade, é um «retorno das pedagogias», conforme salienta Adalberto Dias de Carvalho (1992). Durante muito tempo confundida com a sociologia da educação (Quintana Cabanas, 1988), a pedagogia social tende hoje a ser aparentada à filosofia da educação, disciplina com a qual, todavia, mantém relações fortes que guardam a memória crítica de uma relação umbilical originária. Sem menosprezar ou temer o contágio da filosofia, muito pelo contrário, desejando-o, recuso aceitar que, enquanto ciência da educação, a pedagogia social seja tomada por uma espécie de teoria geral sobre a intervenção sócio-educativa, funcionando como um saber super-substantivado, gerador de múltiplas especializações susceptíveis de adjectivação indiscriminada e confusa, como se estivéssemos perante uma «espécie de saco sem fundo» para onde podem ser lançadas todas as aprendizagens ditas «não-escolares». Neste sentido, e antes de mais, privilegio o recurso à expressão «aprendizagem social», evitando a designação de «não-escolar», por considerar pouco pertinente nomear uma realidade tão específica e relevante a partir de uma identidade negativa, ou seja, tendo por referência aquilo que ela não é, nem pretende ser. Chamar de «não-escolar» à aprendizagem social faz tanto sentido como denominar a aprendizagem escolar de «não-social». Na realidade, ao ignorar a especificidade distintiva dos universos em referência, acabamos por obscurecer os núcleos de fecundidade produzidos nas zonas de intersecção entre as duas culturas de aprendizagem – escolar e social. O que está em causa é a valorização da educação em todas as suas dimensões e durante toda a caminhada existencial. Nesta medida, o aprender «na e com escola», experiência fundamental e preciosa em qualquer aventura de vida, passa a coexistir em regime de articulação dinâmica com outras formas de educar e aprender, distintas nos tempos e nos modos. O que distingue então estas formas C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 14 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 14 de aprender, justificando a «mútua hospedagem» ou cooperação activa? Que implicações sociais, políticas e organizacionais decorrem dessa ligação? Qual a relação entre a aprendizagem social e o sucesso escolar, por exemplo? São precisamente questões como estas que estão na base de muitos dos projectos de investigação e de acção actualmente em desenvolvimento na área de especialização da pedagogia social no contexto da FEP/UCP. Projectos como: «Escola e Comunidade»; «Mediação Escola-Família»; «Escola e educação ao longo da vida»; «O Educador Social na Escola»; «O Professor Mediador»; «Organização escola e comunidades de aprendizagem», «Inclusão Social da Escola» ou «A Escola como lugar de hospitalidade social». Aceitando as definições veiculadas no documento produzido pela Comissão Europeia – «Tornar o Espaço Europeu de aprendizagem ao longo da vida uma realidade» (2001) – sobre os conceitos de «aprendizagem formal», «aprendizagem não-formal» e «aprendizagem informal» e reafirmadas recentemente no plano nacional através do Despacho sobre Reconhecimento, Creditação e Certificação de Competências (cf. IPP/P-098/2007), pode dizer-se que as intervenções enquadradas pela pedagogia social tendem a privilegiar as modalidades de educação não-formal e informal, dado que estas modalidades se referem a uma aprendizagem que não é, necessariamente, dispensada por um estabelecimento de ensino ou de formação e que nem sempre conduz a uma certificação reconhecida nos moldes tradicionais. Contudo, em rigor, estamos perante uma perspectiva bem mais abrangente e complexa, assente no acolhimento de diferentes dimensões de educação e formação, segundo uma lógica compreensiva de «lifewide learning» orientada por objectivos de solidariedade social. Campo de hospitalidade interdisciplinar e interprofissional Ancorada no reconhecimento da dimensão subjectiva e valorativa que é intrínseca ao conhecimento humano, a pedagogia social apresenta-se no espaço plural das ciências da educação e, de um modo geral, da ciência contemporânea, com uma identidade científica apoiada em dinâmicas de hospitalidade C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 15 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 15 interdisciplinar e interprofissional. Como vimos, o seu objecto de estudo configura uma variedade infinita de tempos e espaços, em consonância com a pluralidade de exigências que suportam o existir humano. O que em termos epistemológicos faz com que uma das tarefas fundamentais da razão sócio-pedagógica seja, obrigatoriamente, a da interrogação sobre as suas próprias ambições, sobre os seus limites e os seus limiares de hospitalidade. Assumem-se, portanto, como interrogações internas à pedagogia social as que se prendem com a sua ligação a outras disciplinas, a outras pedagogias e a outros domínios de intervenção sócio-educativa. Qual a relação da pedagogia social com a «pedagogia intercultural», a «pedagogia dos tempos livres», a «pedagogia do imaginário», a «pedagogia institucional», a «pedagogia ambiental» ou a «pedagogia intergeracional»? Prolongando as questões levantadas atrás, a propósito da cultura escolar, e tendo em conta o caminho a fazer na realização da utopia de uma educação ao longo da vida, até que ponto, e de que modo, faz sentido articular a pedagogia social com a «Educação de Adultos», por exemplo? Reside justamente aqui uma das características fundamentais da pedagogia social e um dos seus contributos mais interessantes para o debate epistemológico contemporâneo, particularmente no seio das ciências da educação. Ao instituir-se como um saber matricialmente dependente da qualidade das interfaces produzidas na relação com outros saberes, a pedagogia social oferece um capital de conhecimento decisivo na construção de novos modelos de inteligibilidade, traduzidos, forçosamente, em novos esquemas de acção. Com isto não se pretende, de modo algum, pôr em causa a validade e a pertinência do saber disciplinar. Se assim fosse, como poderíamos falar ainda em interdisciplinaridade? O que acontece é que estamos perante um modelo de racionalidade que, dada a natureza transdisciplinar do seu objecto de estudo é incompatível com a existência de «mentalidades fortaleza», próprias da lógica positivista. As mentalidades fortaleza tendem a produzir um conhecimento segmentado por especializações de ordem disciplinar que, por sua vez, favorece intervenções sectoriais e parcelares, desenhadas para «populações» tipificadas e sinalizadas como «alvo» tendo por base o «diagnóstico» de «défices» ou carências psicossociais. Numa espécie de efeito em cadeia, esta cultura de acção «em fragmentos» acaba por alimentar atitudes profissionais de carácter corporativista, gerando o fenómeno a que Meirieu (1993) chama de «associação mole», C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 16 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 16 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 17 referindo-se a ambientes de equipa pobres em diálogo interprofissional, onde, em nome da pretensa «harmonia» do grupo, se evitam os incómodos inerentes à verdadeira interacção, sacrificando assim os valores de autenticidade e coerência. As respostas públicas à «questão social» passarão sempre, e necessaria- mente, por uma atenção privilegiada à situação concreta das pessoas identificadas como especialmente vulneráveis e carentes de ajuda. Os seus sofrimentos, dramas e anseios pessoais apelam a medidas de urgência. Mas estaremos a hipotecar a mudança social positiva se nos mantivermos no quadro de respostas sociais de assistência, circunscritas a zonas de atenção prioritária. Como mostrou Robert Castel (2007), «se nada mais for feito, a luta contra a exclusão corre o risco de se reduzir a um pronto-socorro social», intervindo «aqui e ali» sem chegar a atender aos processos que produzem as situações de urgência. Só um processo deconstrução solidária do conhecimento, apoiado em dinâmicas de hospitalidade interdisciplinar e interprofissional permite gerar leituras adequadas à multidimensionalidade dos fenómenos educativos e sociais. Este esforço depende muito da forma como, no plano da realização prática, os saberes teóricos forem sendo «incorporados», vividos e conceptualizados pelos sujeitos que protagonizam a intervenção sócio-educativa. Salientando, porém, que as percepções dos técnicos são importantes e decisivas, mas na medida em que elas resultam de um diálogo reflexivo, e comprometido, com as pessoas e as situações. Pedagogia e Social e Educação Social A história da pedagogia social é uma história viva e, como tal, permanentemente reactualizada e reescrita por investigadores-actores, na sua qualidade de herdeiros conscientes – simultaneamente fiéis e infiéis – de um passado, de um património e de uma tradição. Tomando apenas como referência o contexto europeu, onde se pode dizer que nasceu a pedagogia social enquanto disciplina explicitamente autónoma, mais precisamente na Alemanha recém industrializada do século XIX, são múltiplos e imensamente ricos os contributos que alimentam hoje a cultura científica da pedagogia social. De tal modo que um CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 17 dos desafios de estudo mais pertinentes nesta área de conhecimento se prende, justamente, com o levantamento da história e pré-história da pedagogia social. Sem qualquer pretensão a este respeito, e sem querer desvalorizar a pluralidade de experiências internacionais, escolho destacar o caso da vizinha Espanha. Não só pela qualidade e diversidade da respectiva produção científica, desenvolvida em décadas de trabalho, mas também pela forma como esta tradição tem marcado o panorama nacional que podemos considerar ainda em fase de emergência. Os autores espanhóis parecem convergir para a definição da pedagogia social como ciência da «educação social», identificando como tal todo o universo prático da educação dita «não-escolar» (Caride, 2005; Nunez, 2002). É esta também a linha de pensamento inicialmente assumida por Maria João Couto, autora de um dos primeiros trabalhos académicos produzidos nesta área em Portugal – «Da Comunicação entre diferenças, reflexões em torno da educação social e do seu sentido» (Tese de Mestrado em Filosofia de Educação, FLUP, 1996). Por razões que transcendem a divergência terminológica, considero pouco adequado identificar como «educação social» a totalidade do campo empírico da pedagogia social. A meu ver, a educação social corresponde a uma área muito específica dentro do universo vasto e multifacetado da pedagogia social, referindo- se à praxis educativa desenvolvida no campo tradicionalmente identificado como de «trabalho social», onde hoje é chamada a conviver com outros saberes. Assim o atesta o processo de afirmação histórica da profissão de educador social em Portugal, em particular na última década, e que a este nível tem vindo a evidenciar a tendência para uma maior aproximação à tradição europeia de matriz anglo- saxónica onde temos «Escolas Superiores de Educação Social e Trabalho Social». As análises produzidas no âmbito dos programas de investigação e formação desenvolvidos pelo projecto de pesquisa «European Social Ethics Project», promovido pela rede europeia ESEP/FESET2 actualmente dirigida por Helene C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 18 2 FESET – Formation d’Educateur Sociaux Eurpéens; European Social Educator Training (www. Feset.dk). Sob o patrocínio desta federação europeia e enquadrados pelas actividades da rede ESEP (European Social Ethics Project), os estudantes da turma de Mestrado de Pedagogia Social UCP (2007-09) e os técnicos UCP/TCA (Trofa Comunidade de Aprendentes», participam de uma pesquisa sobre «ética intercultural», coordenada internacionalmente por Anne Liebing, University College Sealand, Faculty of Social Education and Social Work, Roskilde, Dinamarca. CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 18 Petterson (Universidade de Kalmar, Suécia), permitem-nos concluir igualmente pela pertinência dessa aproximação. Este ambicioso projecto de investigação- formação-acção, centrado no «ethos dos trabalhadores sociais», encontra-se em desenvolvimento desde 1998, por proposta e coordenação inicial de Sarah Banks (Universidade de Durham, Reino Unido), reunindo desde então docentes e investigadores de vinte instituições e envolvendo dezenas de estudantes e profissionais de diversas nacionalidades europeias, incluindo Portugal (cf. FESET, 1999; Carvalho & Baptista, 2003, 2004; Banks, 2003). Todos os estudos realizados neste contexto convergem para o reconhecimento da pertinência, e diferença, da mediação pedagógica no interior das dinâmicas de protecção e apoio social. Por outro lado, e pelas razões já indicadas, a intervenção sócio-educativa não é redutível a uma «pedagogia de socorro», inserida naquilo a que se convencionou chamar «área de exclusão social». Numa sociedade «vulnerável e precária» (Castel, 1995) onde o trabalho deixou de funcionar como o grande factor de integração e coesão, é necessário promover uma outra lógica de acompanhamento das trajectórias de vida. A experiência contemporânea associada ao fenómeno de exclusão evidencia a necessidade de uma intervenção mais a montante, reencaminhada para o coração da vida social onde começam os complicados processos de vulnerabilização humana. Aliás, é a própria categoria de «exclusão» que se revela insuficiente e, a muitos níveis, inadequada para descrever o carácter enredado e labiríntico destes processos. Por esta razão, a especificidade do contributo da educação social no seio da «acção social» deve medir-se também, ou principalmente, pela sua filiação conceptual e metodológica a um universo mais vasto de problematização e acção que dá pelo nome de pedagogia social. Recordando palavras de Pierre Ceyrac, padre jesuíta laureado com o grande prémio da Academia Universal das Culturas, num testemunho sobre a sua imensa experiência no plano das organizações humanitárias apresentado num debate promovido pela UNESCO (Paris, 2003), a interpelação vinda do rosto dos «pobres e excluídos», em consequência da sua dramática experiência de vida, tem o poder de nos lembrar o sentido fundacional da humanidade – ou vulnerabilidade – comum. Para que aconteça verdadeira solidariedade é necessário que algo venha despertar o mais fundo da consciência humana, provocando «compaixão». E, C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 19 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 19 nessa medida então, são de facto «eles», os nus e os famintos, que nos ensinam a arte do encontro e da partilha, o segredo da verdadeira salvação. O sentido da vida em sociedade é indissociável do respeito pelo mistério que define ontologicamente cada pessoa justificando a necessidade, e a fecundidade, da prática intersubjectiva. É essa separação ontológica que, explicando a unicidade de cada ser humano, nos permite entender o pluralismo enquanto princípio de democracia, paz, justiça e solidariedade. As pessoas – todas as pessoas – são seres únicos, misteriosamente em trânsito e em desenvolvimento e, nessa condição, partilhando «o mesmo barco» na aventura de ser mais, melhor, diferente. Ou, evocando Lévinas, mais exactamente na aventura de procurar ser «para lá do simplesmente ser». Isso significa que ninguém está livre da ameaça de naufrágio mas também, e sobretudo, que o sucesso, a felicidade e a «boa sorte» da viagem, pessoal e colectiva, dependem de uma estratégia comum. Somos todos «sujeitos de ajuda». Precisamos todos de «ser salvos». E, importa não o esquecer, ninguém se salva sozinho. Esteios de racionalidade sócio-educativa Como notou Paciano Fermoso (1994), basta pesar a polissemia dos termos em conjugação – «pedagogia» e «social» –, para compreender a dificuldade de fundamentação de uma ciência como esta. Considerados isoladamenteou em articulação, os dois vocábulos remetem-nos para uma teia de significados muito intrincada, urdida numa malha histórica com raízes na antiguidade clássica. As remissões mais frequentes reconduzem-nos à tradição greco-latina, começando pelo ideal pedagógico da «polis» expresso na «paideia» grega e prolongado na «civitas» romana. Mas há que considerar igualmente a riquíssima experiência das escolas populares e o extraordinário capital de conhecimento produzido pelos movimentos sociais que animaram as lógicas de desenvolvimento sócio- comunitário durante século XX, na sua maioria, tributários da Doutrina Social da Igreja e das correntes socio-políticas de inspiração marxista. São efectivamente múltiplos os veios que alimentam a corrente de sentido que suporta a pré-história e a história da pedagogia social. Contudo, é possível, e pertinente, identificar nesta corrente algumas das fontes de inspiração que melhor ajudam a entender as configurações contemporâneas: C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 20 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 20 a) A ligação entre educação e solidariedade, originariamente associada às práticas de beneficência e de «ajuda» a pessoas e grupos humanos considerados como excluídos ou susceptíveis de exclusão, como a infância e a juventude. Uma orientação especialmente notória na última metade do século XX, numa época profundamente marcada pelos cenários de urgência que caracterizaram o «pós-guerra». b) A proximidade às ideologias e às doutrinas sociais, vocacionadas para a preparação moral e cívica dos indivíduos, dando neste caso especial atenção à formação do ser humano numa perspectiva de desenvolvimento de competências de vida em sociedade. c) O reconhecimento da função educadora da própria sociedade, girando em torno do potencial pedagógico das cidades e das suas comunidades, dos seus lugares públicos e institucionais e valorizando também os chamados tempos livres e as modalidades informais de aprendizagem. Os dois últimos aspectos correspondem curiosamente à dualidade proposta por Paul Natorp, um dos reconhecidos fundadores da pedagogia social, que sublinhava o papel socializador da educação e simultaneamente o papel educador da sociedade (Quintana Cabanas, 1988; Fermoso, 1994; Cólon, 1988). Procurando acolher criticamente estes contributos num esforço de reconceptualização configurado pelas interpelações vindas da sociedade educativa, atrevo-me a indicar as acepções de pedagogia social que me parecem mais pertinentes na actualidade, assumindo para o efeito os riscos inerentes a uma sistematização inevitavelmente redutora. Quando usamos a expressão «pedagogia social» podemos estar a referirmo-nos a: 1) Uma ciência – Inserida no campo epistemológico das ciências da educação e tendo como objecto de estudo a aprendizagem social, em conformidade com o ideal de uma educação ao longo de toda a vida num cenário de religitimação histórica do Estado providência. Forçosamente indexada a uma perspectiva humanista, hospitaleira, sensível e capaz de heterodoxia, a racionalidade sócio-pedagógica assume a exigência de circularidade C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 21 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 21 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 22 epistémico-antropológica como condição de inteligibilidade interdisciplinar, ocupando, nessa medida, um lugar incontornável na definição de novos paradigmas e linguagens científicas. 2) Uma disciplina académica – A ser incluída nos currículos de ensino superior, em todos os seus ciclos de formação, tendo em conta as exigências de uma aprendizagem social no seio de uma sociedade que pretende ser educativa. Em particular, nos cursos que à partida se apresentam como explicitamente vocacionados para a intervenção pedagógica, escolar ou social. Considerando, todavia, que o campo de acção enquadrado pela razão sócio-pedagógica tende hoje a abarcar múltiplos cenários educacionais, procedentes das mais diversas áreas de conhecimento, desenvolvidos numa pluralidade de contextos de intervenção e, como tal, reclamando um quadro muito vasto e diferenciado de perfis formativos. 3) Um saber técnico-profissional – Um conhecimento de carácter teórico- prático que pode funcionar como saber profissional de referência para uma pluralidade de actores sociais. Nalguns casos, a pedagogia social pode mesmo ser assumida como saber matricial, nomeadamente em áreas com maior autonomia técnica, como acontece hoje em Portugal com a Educação Social e a Animação Sóciocultural. 4) Uma filosofia de acção – Uma cultura de trabalho orientada para a promoção de laços sociais significativos entre pessoas, instituições e comunidades, funcionando nesta medida como uma antropologia prática associada a valores de humanismo de carácter relacional. Nesta acepção, a pedagogia social tem tendência a aparecer adjectivada de múltiplas formas, de acordo com a dimensão axiológica privilegiada. A opção conceptual por uma antropologia da alteridade encaminha-nos para a defesa de uma «pedagogia de proximidade humana» ou «pedagogia de hospitalidade social». CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 22 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 23 Como se disse, estamos perante facetas de uma mesma realidade, todas elas válidas e pertinentes, sendo que nenhuma é redutível à outra. Também aqui, a parte nunca poderá ser confundida com o todo que é pedagogia social, sob pena de desvirtuarmos a sua cientificidade, conforme alerta José António Caride. «Não podemos confundir a construção do estatuto epistemológico de uma ciência ou de uma disciplina científica – neste caso a pedagogia social – com o que muitas vezes não é mais do que um dos modos de pensá-la e praticá-la» (2005). Daí que seja necessário vertebrar a pedagogia social em eixos de inteligibilidade claros e precisos, traduzidos em domínios de acção igualmente bem identificados. . Áreas e domínios estratégicos de acção O processo de desenvolvimento humano corresponde a um caminho sempre em aberto, marcado por incontornáveis factores de incerteza e complexidade, como se disse, mas isso só contribui para reforçar a necessidade de decisão e de aposta estratégica. Neste sentido, e considerando as interpelações vindas da nossa contemporaneidade, podemos identificar como áreas e domínios estratégicos da pedagogia social os seguintes: I) Educação Social – Intervenção educacional especificamente direccionada para o apoio a pessoas e grupos humanos identificados como vulneráveis e carentes de atenção prioritária. Situada no interior da chamada «acção social», a intervenção pedagógica assume exigências de especialização muito próprias, em conformidade com a singularidade dos problemas e das situações, mas funcionando sempre como mais do que «uma pedagogia de urgência», de acordo com um sentido integrado e integrador do processo de desenvolvimento humano. II) Educação, trabalho e emprego – Promoção de condições de realização laboral dos sujeitos num contexto de inserção socioprofissional marcado por factores de complexidade e precariedade associados à mutação permanente de lugares, papéis e funções. Subordinadas a princípios de uma racionalidade hospitaleira, isto é, inscritas num quadro prospectivo CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 23 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 24 irredutível a lógicas circunstanciais de carácter meramente economicista, as estratégias de formação para o emprego equacionadas no âmbito da pedagogia social visam ampliar o horizonte de possibilidades das pessoas, consideradas na integralidade da sua condição humana e não como meros «recursos», contribuindo desse modo para a criação de oportunidades de vida e de trabalho originais e empreendedoras. Entendido como parte fundamental, mas não exclusiva, do «direito social de inserção», o direito ao trabalho surge neste contexto obrigatoriamente articulado comoutros direitos sociais. III) Educação e formação de adultos – Apoio e incentivo a processos intencionais de formação ao longo da vida, desenvolvidos «na e com a vida», acessível a todos os cidadãos segundo princípios de hospitalidade cívica, cultural, geracional e profissional. Explorando linhas de intersecção entre a pedagogia escolar e a pedagogia social, assume aqui especial importância a especificidade de uma mediação pedagógica vocacionada para a «construção da procura» de aprendizagem. Trata-se não só de detectar e gerir assistenciamente necessidades de formação, mas também, ou sobretudo, de ajudar a despertar «fomes de invisível» em pessoas de todas as idades. IV) Educação e Ambiente – Consciencialização para a sustentabilidade enquanto condição de desenvolvimento solidário, inscrevendo o ambiente no seio de uma cultura de responsabilidade cívica que procura ter em conta a hospitalidade do próprio mundo natural – fonte de alimento, de sustento e fruição mas não recurso inesgotável. Na defesa da qualidade ambiental está em causa a qualidade de vida das gerações contemporâneas mas também a das gerações ainda por nascer, dando assim expressão ao respeito pelo futuro enquanto tempo de alteridade por excelência. A pedagogia social pode neste aspecto desenvolver uma colaboração profícua com o que hoje se designa por «educação ambiental», sem, todavia, se confundir com ela. V) Educação e Cidade – Uma pedagogia desde e para a cidadania, considerando a miríade de conexões que envolvem a relação entre a CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 24 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 25 educação e a cidade. Valorizada simultaneamente como contexto, como conteúdo e como agente de educação, em consonância com o ideal das «cidades educadoras», mas na consciência de que o direito à cidade educadora se cumpre, antes de mais, como direito à cidade. O que implica dar atenção aos processos de apropriação pessoal e cívica dos lugares urbanos, alinhado o «fazer cidade» com um «fazer sociedade». VI) Educação e políticas públicas – Pela relevância socio-política do saber a que se reporta, a pedagogia social ocupa um lugar decisivo na definição e regulação das medidas que configuram o espaço público da educação e da solidariedade social, concretamente no desenho de modelos integrados de intervenção, segundo uma lógica que procura evidenciar o papel do Estado no apoio à acção dos próprios técnicos, instituições, comunidades, movimentos cívicos e cidadãos em geral. Reconhecendo a pluralidade de preocupações de natureza antropológica que hoje configuram a chamada «questão social», a pedagogia social pode ainda assumir a forma de uma medida política específica. Indicadas sem obediência a qualquer ordem hierárquica e na consciência dos factores de subjectividade e ambivalência inerentes à responsabilidade de uma escolha, estas áreas não esgotam, evidentemente, o universo de intervenção da pedagogia social. Por outro lado, e tal como foi sublinhado, importa reter que a pedagogia social intervém em todos estes domínios numa postura de compromisso com o diálogo interdisciplinar, apresentando-se com espírito de identidade nos territórios comuns e, dessa forma, aventurando-se em espírito de hospitalidade nas zonas de encontro, de fronteira ou de limiares científicos. Autoridade pedagógica e formação contínua: a interprofissionalidade como exigência ética Indexado a uma matriz epistemo-antropológica de carácter humanista, o exercício prático da pedagogia social apoia-se em iniciativas originais e contextualizadas, desenvolvidas em ambientes relacionais muito complexos e CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 25 variados. Um trabalho desta natureza requer espaços de autoridade pedagógica de elevada exigência técnica e ética. Por «autoridade pedagógica» entende-se a capacidade para, em situação educativa, nos afirmarmos como sujeitos de decisões tecnicamente sustentadas. O que nos conduz à questão de saber quais os valores e as competências que devem balizar o espaço de autoridade pedagógica dos «pedagogos sociais». Na verdade, quem são, ou quem podem ser, os autores de mediação sócio-pedagógica? Tomando como referência privilegiada a experiência da FEP/UCP nesta área de formação3, pode afirmar-se que, exigindo profissionalidade e preparação, o saber sócio-pedagógico não remete para uma autoridade profissional exclusiva, podendo constituir referência normativa para uma pluralidade de agentes de desenvolvimento humano. Sem que, todavia, tal obste a que muitos profissionais possam, legitimamente, reclamar a pedagogia social como um saber matricial. Em Portugal o caso dos educadores sociais e dos animadores socioculturais parece-me emblemático a este respeito, estes dois grupos têm vindo a adoptar a pedagogia social como seu saber profissional de referência ao mesmo tempo que pugnam pelo reconhecimento público da sua identidade distintiva. Tal como tem vindo a ser estudado e concretizado no seio da UCP, o processo de apoio à definição do ethos dos «pedagogos sociais» privilegia modelos de actuação próximos dos actores e das situações experienciais, segundo uma lógica de «problem-oriented project work» alicerçada numa preparação académica exigente, do ponto de vista cientifico, técnico e ético. Enunciado em termos sintéticos este processo passa por: - Projectos de investigação-acção promovidos no âmbito de parcerias institucionais ou inseridos nos cursos de mestrado e doutoramento. - Promoção, acompanhamento, acreditação cientifica e certificação de «comunidades de prática» ou «núcleos de aprendizagem cooperativa». C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 26 3 Desde 2004 que a FEP/UCP, dirigida por Joaquim Azevedo, vem promovendo programas de formação pós-graduada na área da Pedagogia Social (cursos de especialização, mestrados, doutoramentos), projectos individuais de formação-acção (tutoriado pedagógico) e dinâmicas de formação contínua ligadas aos vários projectos de intervenção sócio-educativa que decorrem sob a supervisão cientifica da UCP, abrangendo mais de duas centenas de técnicos, oriundos de diferentes áreas de actividade, detentores de perfis académicos diversos e que, por sua vez, actuam como mediadores de formação numa pluralidade de contextos sociais. (Cf. Revista Cadernos de Pedagogia Social. (1). UCP. 2007; www.porto.ucp.pt; www.trofatca.pt) CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 26 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 27 - Dinâmicas de tutoriado pedagógico, dirigidas a partir da equipa de «tutores académicos» e replicadas numa pluralidade de contextos através de redes e sub-redes de tutores e mediadores de aprendizagem, tendo por base protocolos específicos com projectos e instituições. - Participação activa em associações, redes e parcerias científicas, nacionais e internacionais. - Produção de guias didácticos, cadernos pedagógicos e publicações científicas. - Oferta permanente de cursos de especialização em regime de formação pós- graduada, centrados em áreas de interesse emergentes dos contextos de investigação e acção. 4 Em termos de supervisão científico-pedagógica, conceptualização e formalização de experiências, este esquema articulado de formação-acção é dinamizado pela equipa de investigadores da FEP, formalmente enquadrada pelo Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano (CEDH/UCP). Apela-se aqui, portanto, para o carácter normativo e, em boa medida, prescritivo que caracteriza o saber pedagógico mas na medida em que se trata de saber intimamente ligado a uma prática, da qual se alimenta e à qual fornece alimento. Procurando aliar as qualidades de inteligência reflexiva a uma sabedoria ética capaz de enlaçar os universos de fundamentação e de aplicação, procura dar-se especial atenção à promoção de aptidões subjectivas e cívicas dos próprios técnicos, atendendo à sua responsabilidade enquanto agentes de subjectivação e de proximidadehumana. Valorizada como conteúdo curricular ou como preocupação subjacente e norteadora de todos os projectos, seja ao nível da orientação de itinerários pessoais ou da dinamização de equipas de supervisão pedagógica, a Ética ocupa neste sentido um lugar central em todas as práticas formativas. Retomando a questão levantada por Philipe Meirieu sobre as «associações moles», considera-se que a sensibilidade relacional dos pedagogos sociais 4 No que se refere a cursos, no ano de 2007 o plano de formação contínua correspondeu à seguinte oferta: «Mediação Social» (Porto); «Gestão de projectos de intervenção comunitária» (Porto); «Ética e intervenção» sócio-educativa» (Porto); «Acção sócio-educativa» (Évora); «Hospitalidade e Pedagogia Social» (São Paulo, Brasil). CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 27 constitui uma aptidão profissional inseparável das suas próprias competências de interioridade ou «auto-hospitalidade». Parafraseando Meirieu (1993), a interven- ção pedagógica não pode constituir um exercício solitário e a gestão da comple- xidade requer, cada vez mais, hábitos de cooperação. Acontece, porém, que esta só é possível, só tem sentido, entre sujeitos livres, capazes, enquanto tal, de hospitalidade intersubjectiva. Como tal, associando a existência de princípios éticos comuns, condição de referência identitária, ao desenvolvimento de uma consciência individual marcada por valores de hospitalidade, responsabilidade e bondade, aposta-se na interprofissionalidade como exigência ética resultante da necessidade de trabalho «em rede» mas também, ou fundamentalmente, do imperativo de construção solidária do saber. A essência de uma equipa multiprofissional de sucesso reside na mistura de objectivos e valores partilhados ao mesmo tempo que se abre espaço para a revelação da contribuição pessoal e distintiva (Banks, 2004). A interprofissionalidade surge-nos, pois, como algo que precisa ser trabalhado, como um valor ou ideal a atingir, e não como um bem preexistente e previamente garantido. Ou, muito menos ainda, como algo que possa ser burocraticamente decidido e imposto de fora. Também aqui, a grande prova de afirmação de identidade, neste caso profissional, reside no modo como os valores próprios são colocados «à disposição» de outros, produzindo comunidade. Em suma, a inserção da pedagogia social no quadro de prioridades da investigação e acção educacionais constitui hoje um factor crucial para a concretização de políticas sócio-educativas capazes de dar expressão aos ideais de humanidade e cidadania num tempo cheio de dificuldades, de ameaças e «sombras negras», mas também muito auspicioso e desafiante. Este esforço pede uma mentalidade académica e científica forte, capaz de hospedar diferentes culturas disciplinares e profissionais. C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 28 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 28 Referências Bibliográficas AZEVEDO, Joaquim. 2006. Redes, territórios e comunidades de aprendizagem. Relatório da Disciplina do Curso de Mestrado em Ciências da Educação, Especialização em Pedagogia Social. UCP, Lisboa. __ 2007. 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Estatuto antropológico e limiares epistemológicos da educação social Adalberto Dias Carvalho Resumo O presente artigo desenvolve a temática do estatuto da educação social enquanto disciplina de confluência e síntese de vários saberes e enquanto prática de intervenção. Para o efeito questiona a sua relação com as ciências da educação e com a pedagogia social, a par das suas conexões com a ética e a política. Numa perspectiva essencialmente hermenêutica indaga-se ainda o complexo desafio que as situações-limite e o contrato social colocam à sociedade civil impondo que esta promova o exercício de uma cidadania responsável, dimensão em que a educação social tem um papel fundamental. 1. A educação social como praxiologia e os desafios da ética A Educação Social é uma prática que, enquanto tal, tem incorporada uma teoria. Poderá também ser olhada como uma acção teoricamenteestruturada. Numa palavra, poderemos defini-la como uma praxiologia, termo que foi CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 31 amplamente utilizado pelas ciências da educação ou pelas ciências pedagógicas enquanto estas se perfilaram, após a emergência daquelas, como expressões do discurso reflexivo da prática. Entretanto, se é verdade que as ciências da educação adoptaram os paradigmas de ciências humanas pioneiras como a psicologia e a sociologia, daí tendo tirado algumas vantagens, em termos de afirmação, e outros tantos prejuízos, em termos de identidade, eis que a educação social tende a reeditar o mesmo modelo de subsidiariedade epistemológica, mas tendo agora como referência as próprias ciências da educação. Por esse facto, se, sem mais, permanecer nesse estádio, tende a reeditar alguns daqueles problemas. Paralelamente, os desafios da prática colocam-se com uma especial acuidade, solicitando e rejeitando, num mesmo e contraditório movimento, a racionalidade teórica. Este fenómeno ocorre porque, precisamente como no domínio da educação formal, o saber científico da educação social, quando procura construir uma prática decorrente da configuração do seu objecto teórico, confronta-se com toda uma realidade tecida por um saber empírico já constituído, institucionalmente organizado e consolidado pela tradição. Tratando-se de um saber intimamente ligado a actividades profissionais, o poder em causa integra ainda, por vezes, uma dimensão corporativa. A tendência é então para o tribunal da verdade se instalar no senso comum, aceitando este da ciência apenas o que pode acatar sem pôr em jogo a sua lógica e o seu poder. Deste modo, implanta-se um jogo de lógica e de poder – ou a lógica de um poder – em que, pela rotina, se sedimentam valores morais, contudo, hoje em dia, frequentemente desafiados pelos limiares críticos da inovação científica e da falência de vários dos modelos sociais historicamente prevalecentes. Perante a crise que assim emerge, apela-se à reconfiguração dos códigos de ética, por vezes, para se dar lugar à possibilidade de referenciais axiológicos consentâneos com as novas realidades e paradigmas gerados pela ciência, pela técnica bem como por representações e práticas sociais alternativas; outras vezes, pura e simplesmente para, através da estratégia de uma nova legitimação, se suster o que é visto como uma ameaça aos valores tradicionais entretanto identificados como detendo a própria essência dos valores. Trata-se de uma autêntica ontologia axiológica. Acresce que num quadro como este em que o relativismo ganha espaço não só a fundamentação ética aparece como sendo relevante como, em estreita C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 32 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 32 articulação com ela, se impõe a urgência de cartas deontológicas. Simplesmente, se a transcendentalidade da Razão permitia a Kant radicar a deontologia no âmago da ética – a ética era aí imperativa -, contemporaneamente, essa co- -emergência da ética e da deontologia – ou apenas de uma ética deontológica – é impossível. A imperatividade, ainda que procurada mediante a falência, ou crise, dos sistemas normativos tradicionais, é mal aceite por uma ideologia dominante que tende a valorizar a individualidade das pessoas numa óptica individualista que é, assim, reducionista. Concomitantemente, o “sono dogmático”, para cujo despertar apelou Foucault em As Palavras e as Coisas, não é mais aceitável, abrindo-se por esta via campo, enquanto último reduto da possibilidade de uma ética universal, às éticas dialógicas em que o papel dos argumentos – e dos acontecimentos aí situados – é privilegiado, preterindo-se a solidez e a anterioridade metafísica dos fundamentos que permitiram a enunciação das grandes declarações, fossem estas políticas, sociais ou profissionais. No fundo, é também de uma crise de fundamentação – tradicionalmente remetida para o direito natural, podendo este assentar na natureza divina, humana ou material, natureza esta entretanto questionada em todas as suas dimensões – de que padecem actualmente as próprias declarações dos direitos humanos, elas mesmas sendo, em última análise, as grandes cartas deontológicas da modernidade. O que está então verdadeiramente em causa? Pensamos que a viabilidade e a legitimação da responsabilidade entendida como suporte das relações sociais, responsabilidade a plasmar sob a forma de contratos sociais que vinculem as pessoas e as organizações a princípios decisivos para a coexistência e coesão sociais. Será aqui, aliás, que ganha força o reconhecimento de uma sistemática conceptual que gradue as noções de indivíduo (sem mais), de indivíduo na sociedade e de indivíduo social, indo, portanto, de uma concepção estritamente individualista que destaca sobretudo a independência daquele, até à de um indivíduo cuja autonomia se tece nas próprias relações sociais, passando por uma perspectiva monadológica que crê na regulação natural e a priori das conexões indivíduo-sociedade. O que se vai esboçando cada vez com mais força é a questão da esfera normativa - da sua emergência, estatuto e abrangência – entendida como cimento da identidade social pela imposição de espaços axiológicos e referenciais comuns e consequente retracção da liberdade individual. C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 33 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 33 No quadro das “morais da convicção”, assim identificadas por Max Weber, claro que tudo era bem mais simples neste aspecto pois a partilha da mesma crença religiosa assegurava, por inerência, a partilha em termos de consciência moral, dos mesmos valores e da homogeneidade das respostas individuais – de todos os indivíduos – perante o mesmo Deus, com igual grau de implicação e de responsabilidade. Ou seja, a responsabilidade não pressupunha nenhum acordo prévio – como tal, discutível e susceptível de ser ou não assumido – mas antes a obediência à própria raiz inalienável da dignidade da natureza humana. Tudo estava no domínio do verdadeiro e do falso, sendo que correspondendo o falso à falta moral e a verdade à virtude e à beatitude, não restavam alternativas antropológica e humanamente válidas para opções fora do domínio da Verdade. A responsabilidade decorria então da assunção plena da dignidade humana, a qual, ao ser de natureza religiosa, era por inerência moral e, portanto, imperativa relativamente às consciências cuja unidade se fazia pela comum filiação divina e nunca por uma liberdade individual socialmente reconhecida. É que a coesão da sociedade assentava, como vimos, na homogeneidade moral e antropológica das consciências individuais sem que houvesse lugar a uma consciência social intersubjectivamente construída. Mesmo em Rousseau, a noção de “vontade geral” expressava justamente isso mesmo, designadamente na ideia de indivíduo genérico que, na sua natural comunidade intra-individual, viabilizava o contrato. Estávamos aqui muito longe, apesar de algumas semelhanças terminológicas, da perspectiva democrática de responsabilidade social, a qual vê o contrato como o resultado de um acordo que surge num segundo momento da edificação das organizações – que admite, por isso, as oposições, as negociações e os dissensos - e não como a simples emanação da similitude das pessoas, de um seu desdobramento metafísico, que, pelo encontro e pela obediência às suas consciências, comungavam do mesmo fundamento – transcendente ou transcendental – divino ou racional. As éticas da discussão, tal como expressamente o assume J. Habermas em De l’Éthique de la Discussion (trad. franc.), afirmam-se “contra o cepticismo axiológico”, em nome de um “consenso racionalmente motivado” e na sequência da “busca de um universal que, não ignorando os contextos reais, não seja também abstracto”. Deste universal, designado por “universal pragmático”, diz o autor ironicamente que não é “um ponto de vista de Deus” mas antes “o pontode vista de nós”. C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 34 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 34 Esta posição de Habermas representa uma tentativa de superação das dificuldades que se levantam à reflexão moral com a desconstrução dos fundamentos – cosmológicos, teológicos, ontológicos ou racionais a priori – dos princípios da liberdade e da responsabilidade e consequentes riscos de relativismo ou até de niilismo que, aliás, Nietzsche protagonizou, entre outras obras, em Assim Falava Zaratustra e em A Genealogia da Moral. Em todas as circunstâncias, a verdade é que a responsabilidade, mediante as desconfianças instauradas em relação às éticas da convicção, não pode mais ser encarada numa reduzida dimensão subjectiva para exigir uma articulação desta com a vertente objectiva da ética, isto é, considerando, a par das crenças de cada um, as consequências dos actos. Isto é tanto mais exacto quanto, hoje em dia, se impõe a necessidade de conciliação entre os espaços privado e público, ao mesmo tempo que a emergência das chamadas tecnociências cria enormes dificuldades a que se imponha uma definição simbólica do homem – e da eticidade -, a qual autorizava anteriormente que o dever-ser fosse colocado dentro dos limites do ser, fenómeno que as convicções cristalizavam e exprimiam na normatividade das regras morais. Ora, a tentativa de legitimação de novas formas de acordo normativo através do diálogo e da discussão – atitudes consideradas normais no contexto das relações interpessoais – traz consigo a questão da justiça e não tanto a da “vida boa”, a par da valorização da aplicação sobre a problemática dos fundamentos. Privilegiado o caminho que parte do ponto de vista de cada um para os consensos e os acordos, eis que a nova “moral deontológica” – preocupada com a legitimação da validade prescritiva - remete principalmente para uma “teoria do juízo” e não para uma “teoria da obrigação”. As questões práticas são, pois, susceptíveis de uma “verdade encontrada argumentativamente”. Diferentemente de Kant, a razão teórica coincide em Habermas com a razão prática e não a precede. Em Kant, importa recordá-lo, a razão pura proporcionava-nos a lei sobre a qual repousava toda a moralidade, a qual implicava a subordinação, em nome da autonomia e da liberdade do Homem, da vontade relativamente a essa mesma lei (racional). O dever decorria deste respeito pela lei, o qual impunha paralelamente a rejeição das tendências sensíveis. C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 35 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 35 C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 36 2. Configuração do estatuto antropológico da educação social É neste novo quadro paradigmático que a educação social – enquanto matéria científica intradisciplinar na confluência de contributos investigativos diversos e enquanto prática multidimensional - ganha especial acuidade. Isto porque, com a falência dos sistemas axiológicos dogmáticos e o reconhecimento das prerrogativas e responsabilidades das pessoas enquanto sujeitos dotados do direito – e do dever - de estabelecer acordos e contratos de alcance social que a todos afectam, se impõe que todos usufruam das necessárias condições e competências para tal. Trata-se assim de uma perspectiva a partilhar por todas as frentes do trabalho social. É que, ao assumir-se a incontornável dimensão educativa das intervenções sociais, rejeita-se liminarmente a óptica assistencialista, a qual permitia e favorecia até a ideia de que o trabalho social era uma decorrência ou uma emanação das lógicas das ideologias sociais e políticas. O Estado providência comportava e assumia isso mesmo pelo que o trabalho social se apresentava aí, no seu conjunto, como um braço da democracia social de que ele era autor e onde era actor o poder político que o representava. Acontece que a educação social se tenta apresentar hoje como usufruindo de uma autonomia que, perante a recusa de uma qualquer sacralização do Estado providência – que acompanhou o seu apogeu – e a inerente valorização da chamada sociedade civil, carece de uma legitimação diversa da estritamente política. Entretanto, com a crise dessa concepção de Estado e a constatação das suas contradições e limiares, ganham especial relevo as situações-limite e os percursos que a elas conduzem, ou seja, situações sociais como a pobreza, o desemprego e todo o tipo de discriminações, bem como os itinerários de ordem económica, laboral, educativa e política que nelas desembocam. Por outras palavras ainda, a educação social está particularmente atenta não tanto à exclusão como um estádio negativo mas provisório no seio de uma sociedade politicamente coerente e progressivamente realizada pelas utopias democráticas, mas sobretudo aos mecanismos perversos que, nas nossas sociedades, produzem uma exclusão endémica e, por isso, sempre iminente. A atenção efectiva às situações-limite exige a capacidade de cada um ser protagonista dos seus projectos de vida e, dessa maneira, gerir a precariedade antropológica das CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 36 organizações sociais para que deve contribuir, a quem deve exigir mas de quem não deve esperar uma protecção tutelar. A cidadania, como aliás todos os direitos que a constituem, para além de ser, em concreto, universalmente alargada – e não apenas por abstracção – , abandonou contemporaneamente e em definitivo a ideologia feudal, não mais sendo por isso outorgada ou simplesmente reconhecida, para ser antes edificada por sujeitos que procuram assim construir as condições da sua própria identidade, impondo o seu reconhecimento enquanto pessoas. A pessoa - entendida na sua dupla relação consigo mesma e com a sociedade - é, afinal, o conceito central que a sociologia, tentando escapar ao vínculo humanista que esse termo acarreta, actualmente traduz pela designação de indivíduo social. Ao serviço desta nova cidadania - mais lockeana (porque mais atenta à salvaguarda dos círculos da liberdade individual) do que hobbesiana (porque menos extasiada com as virtudes do Estado) -, a educação social aspira a uma certificação científica que a liberte das teias políticas e ideológicas que, em vez de serem olhadas como podendo sustentar o seu estatuto (intra)disciplinar, agora surgem como verdadeiros obstáculos epistemológicos. Entretanto, no plano prático, a militância é substituída pela profissionalidade. Aquela servia ideais utópicos e transcendentes. Implicava, em primeira instância, convicção e adesão aos mesmos, em nome de ideologias de todo o tipo. A profissionalidade exige principalmente saber e capacidade de interpretação crítica das situações e das aspirações dos destinatários das intervenções, no âmbito de uma inalienável independência em relação a qualquer tutela doutrinária e em resposta às necessidades de coesão e justiça reguladas pela sociedade civil, mesmo que o seu exercício seja da responsabilidade do Estado. Uma profissionalidade justamente ao serviço dos cidadãos que, sendo-o por direito, podem o não ser de facto por obstruções no espaço de uma contratualização que, enunciada, pode igualmente não se cumprir por défices de execução de qualquer uma das partes envolvidas. Se, quando o défice em causa é do Estado, a denúncia e sua superação é de ordem política, já quando a ruptura aparece da parte do cidadão ou grupo de cidadãos, a questão, desde que tal tenha a ver com a incapacidade destes (porque se não o tiver é do foro do direito), passa para o terreno do trabalho social e aqui, como vimos, com uma filiação cada vez mais nítida na educação social por força das exigências de afirmação da autonomia e dignidade de todos C ad er no s de P ed ag og ia S oc ia l 37 CPSocial_2.qxp 23-04-2008 12:14 Page 37 os seres humanos. No campo estritamente assistencial, ficarão somente os que, por deficiência ou precariedade social extremas, carecem da possibilidade de exercício
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