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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI METODOLOGIA E PRATICA NO ENSINO DA SOCIOLOGIA GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 AS FUNÇÕES DA SOCIOLOGIA .................................................................................. 6 1.1 As funções da Sociologia ........................................................................................... 6 1.2 Os pensadores da Sociologia e suas ideias ............................................................... 8 1.3 Metodologias na pesquisa sociológica ..................................................................... 12 2 SOCIOLOGIA DA CULTURA E SUA APLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO .......................... 14 2.1 Cultura material, cultura imaterial e educação .......................................................... 14 2.1.1 Patrimônios culturais brasileiros: dispositivos de salvaguarda .............................. 18 2.2 Cultura, educação e formação sócio-histórica do sujeito .......................................... 19 2.3 A escola como um espaço sociocultural ................................................................... 20 3 TEORIAS SOCIOLÓGICAS MODERNAS E SEUS REFLEXOS NOS CONTEXTOS PRÁTICOS DA EDUCAÇÃO .......................................................................................... 23 3.1 Teoria sociológica positivista/funcionalista ............................................................... 23 3.2 Teorias histórico-críticas ........................................................................................... 26 3.3 As teorias sociológicas e a educação ....................................................................... 28 3.3.1 Karl Marx e a educação ......................................................................................... 28 3.3.2 Durkheim e a educação ......................................................................................... 30 3.3.3 Max Weber e a educação ...................................................................................... 31 4 SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA ............................................................................. 31 5 O ENSINO DE SOCIOLOGIA ...................................................................................... 34 6 ENSINO DA SOCIOLOGIA E SUAS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS ................. 40 6.1 Por que ensinar sociologia? ..................................................................................... 43 6.2 Para quem ensinar sociologia? ................................................................................ 47 6.3 Como ensinar sociologia? ........................................................................................ 50 3 7 DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO DA SOCIOLOGIA........................ 57 7.1 Por que estudar sociologia? quando utilizarei esses conteúdos na minha vida? mais teorias, professor? - as questões dos jovens e os direcionamentos da legislação educacional brasileira ..................................................................................................... 58 7.2 Breve história da sociologia no ensino médio ........................................................... 59 7.3 A apresentação do pensamento sociológico no ensino médio ................................. 60 7.4 A pesquisa sociológica no Ensino Médio .................................................................. 66 7.5 Práticas de ensino e recursos didáticos ................................................................... 68 8 O PLANO DE AULA .................................................................................................... 72 8.1 Modelos de plano de aula ......................................................................................... 74 9 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO ...................................................... 78 9.1 A técnica de observação .......................................................................................... 79 9.2 A técnica de autoavaliação ....................................................................................... 80 9.3 A técnica de elaboração de portfólios ....................................................................... 81 9.3.1 Cuidados necessários para se trabalhar com portfólios ........................................ 82 9.3.2 Vantagens e desvantagens da utilização do portfólio ........................................... 83 9.4 A técnica de aplicação de provas ............................................................................. 85 9.4.1 Prova oral .............................................................................................................. 85 9.4.2 Prova escrita dissertativa ...................................................................................... 85 9.4.3 Prova escrita de questões objetivas ...................................................................... 88 10 SUJEITOS E PROCESSOS EDUCACIONAIS NA MODERNIDADE ........................ 88 10.1 O declínio do homem público ................................................................................. 88 10.2 O papel da escola em um projeto institucional moderno ........................................ 91 10.3 Modernização à brasileira e educação escolar ....................................................... 93 11 EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: CURRÍCULO, DIDÁTICA E PLANEJAMENTO A PARTIR DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO ...................................................................... 95 4 11.1 A escola, o currículo e a docência .......................................................................... 95 11.1.1 Primeira fase: leituras tradicionais ....................................................................... 97 11.1.2 Segunda fase: leituras críticas ............................................................................ 97 11.1.3. Terceira fase: leituras pós-críticas ...................................................................... 99 11.2 As técnicas educacionais, os saberes e o poder .................................................... 99 11.3 Possibilidades para o trabalho docente ................................................................ 101 12 O MODELO CONSTRUTIVISTA ............................................................................. 103 13 CONEXÃO ENTRE APRENDIZADO E GESTÃO DO CONHECIMENTO........ ....... 111 13.1 A gestão do conhecimento e seus objetivos ......................................................... 111 13.2 Convertendo conhecimento em aprendizagem .................................................... 114 13.3 Práticas e ferramentas de apoio para a gestão do conhecimento ........................ 116 13.3.1 Modelo de Nonaka e Takeuchi .......................................................................... 116 13.3.2 Modelo de Davenport e Prusak ......................................................................... 118 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 120 5 Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é quepoderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos 6 1 AS FUNÇÕES DA SOCIOLOGIA O homem, desde a Antiguidade, preocupou-se em estudar as formas pelas quais os grupos sociais se organizam e se constituem, atendendo às mais diversas finalidades, seja para a manutenção de seus territórios, para combater epidemias, controlar a natalidade, dentre tantas outras possibilidades. Para que se obtenham análises eficientes, com a utilização de métodos precisos dentro das Ciências Humanas, surgem as Ciências Sociais, que se encarregam de tais olhares (BES, 2021). 1.1 As funções da Sociologia A Sociologia surge como ciência no século XIX, com o intuito realizar análises sobre a sociedade em suas inúmeras relações, procurando mapear as causas e aspectos que contribuíam para a organização social, classificando os fenômenos e inspirando hipóteses explicativas sobre os objetos pesquisados que, por sua vez, originam-se na própria sociedade, atendendo ao conceito de fato social cunhado por Durkheim (1996, p. 12), que afirma: É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter. Partindo da conceituação dos fatos sociais feita pelo autor, percebemos que o mesmo pensa a organização da sociedade realizada pelos efeitos de normalização e padronização sociais estabelecidos nas regras de conduta, nas ideias e pensamentos que compõem tais fatos. Estes fatos serão sempre exteriores ao indivíduo, ou seja, não dependem dos aspectos internos destes, e sim do esforço coletivo e social no estabelecimento destas normas de convivência criadas e impostas desde o nosso nascimento (BES, 2021). 7 Os fatos sociais irão apresentar três características: exterioridade, generalidade e coercitividade. A generalidade diz respeito ao que comentamos anteriormente, o caráter coletivo que se faz presente e determina, para todos, como agir neste grupo social. A exterioridade traduz a condição desse ser exercido sendo o mesmo estabelecido fora da consciência individual, externo às questões pessoais intrínsecas ao sujeito. A coercitividade, por fim, remete ao dever, à obrigação em acatar e seguir as determinações que foram estabelecidas na sociedade em que vivemos. Lakatos e Marconi (1990, p. 65) comentam que: A coerção não necessita ser drástica; igualmente são eficazes o riso, a zombaria, o afastamento dos amigos, quando nosso comportamento não constitui transgressões às leis, mas às convenções da sociedade. Exemplo: não se portar corretamente à mesa, vestir-se inadequadamente, falar de modo impróprio. Partindo da definição do fato social, tido como o objeto de estudo da Sociologia, cabe ao sociólogo a problematização do mesmo, procurando percebê-lo por diversas maneiras e buscando a sua contextualização mais exata, suas origens, as causas de seu estabelecimento como regras de conduta, os fatores que contribuíram para que estes fossem instituídos (BES, 2021). Barros (2008, p. 152) traz o seguinte comentário sobre o que seria a problematização: Problematizar é lançar indagações, propor articulações diversas, conectar, construir, desconstruir, tentar enxergar de uma nova maneira, e uma série de operações que se fazem incidir sobre o material coletado e os dados apurados. Problematizar, nas suas formulações mais irredutíveis, é levantar uma questão sobre algo que se constatou empiricamente ou sobre uma realidade que se impôs ao pesquisador. Nossa vida em sociedade apresenta muitas facetas e dimensões diversas que nem sempre são facilmente observáveis, pois o convívio humano acaba disfarçando-as através das inúmeras práticas culturais (com seus símbolos, valores e normas) dos grupos envolvidos em suas interações. Baseado nestas questões, Vila Nova (2013, p. 218) comenta que “[...] à Sociologia cumpre precisamente ir além das aparências físicas 8 da vida social e penetrar nas camadas mais profundas da sociedade para compreender a “logica” oculta da sua organização [...]” (BES, 2021). Esta lógica oculta citada pelo autor muitas vezes poderá ser percebida pelo sociólogo através das problematizações, dos levantamentos e das inserções no campo social, no qual serão mapeados os detalhes que envolvem as relações e interações entre as pessoas (BES, 2021). Outra função interessante que pode ser atribuída à Sociologia relaciona-se com a sua possibilidade de vir a transformar-se em instrumento de intervenção social, utilizando-se, para isso, do chamado planejamento social. Porém, convém observar que: [...] o planejamento social não é, entretanto, a aplicação apenas da Sociologia à intervenção na sociedade, mas, de modo conjugado, das demais ciências sociais, embora se verifique, sobretudo no Brasil, uma tendência à supervalorização da Economia na condução dessa atividade (VILA NOVA, 2013, p. 30). Dentro da lógica das atribuições do sociólogo que contribuem diretamente para o planejamento social estão as atividades de avaliação e monitoramento sobre os projetos públicos que estão sendo colocados em prática pelas esferas governamentais, por exemplo (BES, 2021). 1.2 Os pensadores da Sociologia e suas ideias Quando estudamos a Sociologia a partir de seu contexto histórico, como viemos fazendo, três grandes autores se destacam, formando uma tríade de ideias de base para as análises sociológicas posteriores a seu tempo; são eles: Durkheim, Weber e Marx. Vamos conhecer um pouco as ideias destes três autores e o modo como entendiam a educação na sociedade (BES, 2021). Émile Durkheim, sociólogo francês nascido em 1858 e que viveu até 1917, entendia a sociedade como algo que iria sempre prevalecer ao indivíduo. Ou seja, a sociedade é o conjunto das normas, regras e procedimentos, sentimentos, ideias e pensamentos que conduzem os indivíduos e que foram construídos coletivamente, o que vinha a ser a definição de fato social segundo Durkheim (BES, 2021). 9 Fonte: abdet.com.br Podemos entender mais facilmente esta ideia ao percebermos que a criança, quando nasce, já se encontra num grupo social, de modo que a sua infância e a forma como irá crescer e se desenvolver já foram previamente estabelecidas pelos demais membros adultos desta sociedade (BES, 2021). Podemos visualizar muito bem o conceito de fato social proposto por Durkheim na educação, uma vez que ela irá se encarregar de ensinar as regras e condutas e educar os membros para viver em sociedade. Podemos nos questionar, seguindo este viés, sobre o que se aprende na escola. Qual a função desta instituição em nossas vidas? Durkheim diria que sua principal função é preparar o indivíduo para a vida em sociedade (BES, 2021). Segundo Tomazi (2000, p. 18), o próprio conceito de instituição, para Durkheim, leva a estar resposta, uma vez que “para ele, uma instituição é um conjunto de normas e regras de vida que se consolidam fora dos indivíduos e que as gerações transmitem umas às outras. Há ainda muitos outros exemplos de instituições: a Igreja, o Exército, a família, etc.” (BES, 2021). Max Weber, sociólogo alemão nascido em 1864 e falecido em 1920, entendia que as análises da Sociologia deveriam recair sobre os atores sociais e suas ações. O 10 principal de suas ideias, em contraposição a Durkheim, é que Weber não via a sociedade como algo superior e exterior aos indivíduos, e sim como o resultado de um conjunto de ações recíprocas destes indivíduos. Baseado nesta ideia, estabeleceu o conceito de ação social (BES, 2021). Fonte: comunhao.com.br Nas palavras de Weber (1991,p. 3), a ação social “[...] significa uma ação que, quanto ao sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso [...]”. Um exemplo bem simples e frequentemente adotado na escola que ilustra uma ação social, segundo as ideias de Weber, seria a fila. Os alunos vão posicionando-se em coluna, um após o outro, seguindo uma ordem naturalizada de agir socialmente que já faz parte do sujeito, ou seja, sua subjetividade já internalizou a fila como algo a ser feito. Esta é a principal diferença entre Weber e Durkheim, pois Weber entendia que internamente o indivíduo ia significando, dando sentido às coisas e, assim, ia mudando e condicionando seu comportamento (BES, 2021). Outro conceito muito utilizado por Weber diz respeito à noção de poder, porém um poder não localizado num lugar específico, como o Estado, por exemplo, mas que perpassa todos os aspectos sociais e que não se relaciona somente com a questão 11 econômica. Entendia a sociedade como um sistema de poder que se manifesta em todas as esferas: [...] não apenas nas relações entre classes, ou entre governantes e governados, mas igualmente nas relações da família, na empresa, por exemplo, os indivíduos se deparam a todo momento com o fato de que indivíduos ou conjunto de indivíduos têm maior ou menor possibilidade de impor a sua vontade a outros. (VILA NOVA, 2013, p. 86). Podemos depreender do conceito do autor que este sistema de poder também poderá ser percebido no interior da escola. Poder representado na figura do professor, dos gestores escolares, dos grupos sociais com suas culturas específicas representados por pais e alunos, etc. Assim, o espaço da escola está sempre em negociação destas relações de poder dos grupos que ali convivem (BES, 2021). Karl Marx, pensador alemão que nasceu em 1818 e viveu até 1883, também apresentou sua contribuição para os entendimentos das relações entre os indivíduos e a sociedade empreendidos pela Sociologia (BES, 2021). O que difere radicalmente as ideias de Marx em relação a Durkheim e Weber é que, para ele, as relações em sociedade não poderiam ser pensadas separadamente das condições materiais em que essas relações se apoiam. Ou seja, para viver em sociedade, o homem precisa, num primeiro momento, valer-se da natureza, transformá-la, erguer suas moradias, fabricar os itens que farão parte de sua vida cotidiana e que irão garantir sua sobrevivência. Isto era o que o autor chamava de produção social da própria vida e que irá embasar seus escritos, procurando explicar a sociedade dividida em classes, e, posteriormente, sua discussão contrária às ideias do capitalismo (BES, 2021). Segundo as palavras de Marx (1978, p. 129): O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos pode ser formulado em poucas palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. [...] não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. 12 Por ter este entendimento de como as questões materiais interferem e condicionam os indivíduos é que Marx irá desenvolver suas análises sobre as classes sociais existentes, entendendo que os indivíduos agem de acordo com o que é regulado no interior da classe a que pertencem. Fica nítido em suas obras o estudo dos embates, sobretudo, entre a classe capitalista e a trabalhadora. Destas ideias resumidas aqui, irá despontar o materialismo histórico proposto por Marx e Engels, no qual emerge o caráter revolucionário na figura do cientista social como aquele que deveria propor mudanças radicais na organização social (BES, 2021). 1.3 Metodologias na pesquisa sociológica As primeiras pesquisas em Sociologia remontam ao início do século XX, na chamada Escola de Chicago (Departamento de Antropologia e Sociologia da Universidade de Chicago). É neste período que irão surgir marcadores importantes para a pesquisa científica sociológica, estabelecendo os aspectos também qualitativos como importantes de serem analisados, e não somente os quantitativos que vinham sempre sendo enfatizados e reforçados pelas Ciências Exatas como mais confiáveis e como os que levariam com maior exatidão ao conhecimento da verdade e ao estabelecimento do senso crítico científico (BES, 2021). Este é um aspecto importante a ser destacado: as questões qualitativas que compõem os indivíduos, que constituem suas subjetividades, que fazem com que a sociedade também se organize, normalize e estabeleça condutas de vida devem fazer parte das pesquisas sociológicas para que estas consigam realizar suas análises com maior eficácia (BES, 2021). Segundo Minayo (1996), as pesquisas qualitativas na Sociologia trabalham com significados, motivações, valores e crenças e estes não podem ser simplesmente reduzidos às questões quantitativas, já que respondem a noções muito particulares. Entretanto, os dados quantitativos e os qualitativos acabam se complementando dentro de uma pesquisa (BES, 2021). 13 A escolha do objeto a ser pesquisado pelo sociólogo estará relacionada ao rol de questões possíveis dentro do grande universo das interações humanas que ocorrem na sociedade. Sobre este objeto a ser analisado, será aplicada, num primeiro momento, uma pesquisa bibliográfica minuciosa, seguida, então, da aplicação dos instrumentos de coleta de dados e das metodologias típicas da ciência, como os questionários, as entrevistas, observações e pesquisas de campo (BES, 2021). Segundo Becker (1994), por mais ingênuo ou simples nas suas pretensões, qualquer estudo objetivo da realidade social, além de ser norteado por um arcabouço teórico, conforme mencionamos, deverá informar a escolha do objeto pelo pesquisador e também todos os passos e resultados teóricos e práticos obtidos com a pesquisa. Acompanhe o esquema na Figura abaixo com os passos mais utilizados numa pesquisa sociológica: Fonte: Etapas da pesquisa em Sociologia. As quatro etapas sugeridas pelo esquema anterior são importantes na condução de um processo sério de pesquisa sociológica e garantem o respaldo científico dos resultados conquistados com a mesma. Segundo Boni e Quaresma (2005, p. 72), “[...] as formas de entrevistas mais utilizadas em Ciências Sociais são: a entrevista estruturada, semiestruturada, aberta, entrevistas com grupos focais, história de vida e também a entrevista projetiva [...]”. Dependendo do tipo de objeto a ser investigado, do acesso ao 14 público que se requer e da disponibilidade do pesquisador, um destes tipos específicos poderá ser escolhido (BES, 2021). 2 SOCIOLOGIA DA CULTURA E SUA APLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO Na modernidade, as escolas deixaram de ter o papel de reproduzir conhecimentos estabelecidos. Hoje, elas assumem a função de ferramentas civilizatórias. Por outro lado, como produtos de uma administração normalmente centralizada, as escolas podem se tornar instrumentos de interesses políticos. Nesse caso, elas tendem a fomentar uma educação que limita as possibilidades de produção de conhecimento e anula expressões culturais diferentes daquelas produzidas pelas elites. Assim, as políticas de salvaguarda de patrimônios culturais surgem para que a sociedade reconheça grupos e comunidades, suas expressões e identidades (AUGUSTINHO, 2021). 2.1 Cultura material, cultura imaterial e educação Os patrimônios culturais são expressões de saberes, práticas, técnicas, símbolos, crenças, sentimentos e relações de grupos sociais. Eles podem ser restritos a uma comunidade dentro de um território nacional, ou fazer parte da cultura de todo um país.São expressões também da identidade do grupo, ou seja, de como ele se constitui socialmente, de como se relaciona ou de como deseja se mostrar para outros grupos sociais (AUGUSTINHO, 2021). O que distingue um patrimônio cultural de um patrimônio comum é o fato de que o primeiro tem influência preponderante no processo civilizador da comunidade que o elabora ou expressa. Por exemplo, se arqueólogos descobrirem as fundações de uma cidade inteiramente desconhecida, será possível identificar traços de sua cultura por meio de expressões materiais. Seria possível analisar, por exemplo, a formação da cidade, que pode ser fortificada, indicando uma sociedade militarizada ou um período de guerra. 15 Também seria possível verificar se há quadras e praças nos acessos principais, que indicariam o trânsito intenso de pessoas. Nesse caso, a cidade provavelmente teria importância comercial ou religiosa, já que sua formação indicaria a recepção de muitas pessoas (AUGUSTINHO, 2021). Entre as expressões culturais consideradas patrimônios, há as materiais e as imateriais. A seguir, você pode ver ambas as definições (AUGUSTINHO, 2021). Patrimônio material: formado por objetos tangíveis, físicos, como edificações, estruturas, esculturas, pinturas em estruturas fixas (em paredes, cavernas, rochas) ou transportáveis (telas, quadros, madeira, cerâmica), artefatos de guerra, artefatos de uso cotidiano, vestimentas, livros, escrituras em papel, tecido, madeira ou pedra, joias, acessórios e ferramentas. Patrimônio imaterial: formado por elementos intangíveis, não físicos, normalmente transmitidos oralmente de geração para geração, como cantigas, rezas, orações, celebrações, rituais religiosos, pinturas corporais, técnicas de composição de vestuário (como as amarrações de turbantes para as religiões afro-brasileiras ou a composição ordenada das vestes de uma gueixa), danças, jogos, brincadeiras, esportes. Inclui ainda formas especiais de comunicação, como dialetos e tipos de linguagem. Humanos expressam-se por meio de elementos tangíveis e intangíveis desde que deixaram de ser nômades e estabeleceram-se em lugares físicos. Pinturas em cavernas, por exemplo, costumam mostrar o cotidiano dos grupos, os animais que caçavam, as lutas travadas, além de elementos do mundo que conheciam, como plantas, animais, estrelas e fogo (AUGUSTINHO, 2021). As expressões intangíveis ou imateriais também podem ser uma forma de regular as atividades internas à comunidade, ou de dar sentido à vida. Por isso, as expressões culturais são elementos que projetam e ao mesmo tempo moldam identidades. Assim, 16 são importantes e precisam estar presentes nas práticas educacionais (AUGUSTINHO, 2021). Os patrimônios culturais presentes no contexto educativo favorecem o conhecimento de padrões e estruturas socioculturais importantes para a própria cultura ou para outras sociedades. Além disso, estimulam o conhecimento das formas de relacionamento entre sociedades, dos contextos e movimentos históricos que formaram as civilizações (AUGUSTINHO, 2021). Esses patrimônios também incentivam o respeito às formas culturais e sociais distintas, uma vez que mostram a importância e o espaço de todas as expressões no processo civilizatório. Além disso, fortalecem as noções de cidadania e de participação. Afinal, há um constante processo de identificação desses bens para salvaguarda. Por sua vez, os estudantes podem auxiliar grupos que buscam a proteção de instituições para bens culturais, ou ainda elaborar movimentos para a promoção e o cuidado de suas culturas de origem (UNESCO, 2003). Os patrimônios culturais também podem ser definidos como: patrimônios culturais nacionais (materiais e imateriais) — de importância especial para a constituição da identidade, dos saberes e das práticas nacionais, definidos por entidades nacionais; patrimônios culturais da humanidade (materiais e imateriais) — de importância para o processo civilizatório da humanidade, eleitos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) Durante a constituição dos Estados nacionais, entre o fim do século XIX e o início do século XX, houve uma corrida das nações modernas para a salvaguarda das expressões populares. A ideia era estabelecer elementos que pudessem fortalecer o conceito de identidade nacional. De lá para cá, dispositivos foram criados e alterados conforme a mudança dos contextos históricos e sociais. Tais dispositivos incluem leis, 17 projetos e instituições para a identificação e a salvaguarda dos patrimônios (AUGUSTINHO, 2021). Cada país tem seu próprio conjunto de dispositivos sobre os patrimônios culturais, mas a definição do patrimônios culturais da humanidade é feita pela UNESCO. Suas ações se baseiam no texto Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, elaborado na Conferência Geral da UNESCO realizada em Paris de 17 de outubro a 21 de novembro de 1972. No documento, a secretaria especial define o patrimônio cultural a partir do artigo 102 da Carta das Nações Unidas (UNESCO, 2018, documento on-line). Veja: Para fins da presente Convenção serão considerados como patrimônio cultural: Os monumentos — Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; Os conjuntos — Grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; Os locais de interesse — Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. As práticas de salvaguarda são dispositivos que combinam a proteção e a divulgação do patrimônio. Se um patrimônio corre risco de destruição ou desaparecimento, a UNESCO destaca medidas urgentes para a sua salvaguarda. Tais medidas devem ser seguidas pelo Estado partícipe. O texto assinado em 1972 serve de base para as práticas contemporâneas. Contudo, já houve inúmeros desdobramentos de seus artigos fundamentais, como a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, assinada por mais de cem países (CASTRO; FONSECA 2008). Esse documento procura desenvolver políticas públicas, alinhando os panoramas de preservação e promoção da UNESCO com os panoramas nacionais. Além disso, procura promover o diálogo internacional e a aceitação da diversidade cultural, também baseada na criatividade humana, que produz inúmeros símbolos (AUGUSTINHO, 2021). 18 2.1.1 Patrimônios culturais brasileiros: dispositivos de salvaguarda O patrimônio cultural brasileiro, material e imaterial, é identificado e protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), criado por Getúlio Vargas em 1937. A criação do Instituto foi muito influenciada pelo escritor Mário de Andrade, que defendia a ideia de que a cultura brasileira era complexa e múltipla, portanto deveria ser compreendida a partir de seu viés antropológico (CASTRO; FONSECA, 2008). A identificação dos patrimônios culturais como componentes dos processos civilizatórios nacionais e como elementos formadores de identidades é algo tão importante que está presente no texto da Constituição Federal de 1988, citado por Castro e Fonseca (2008, p. 14): Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formasde expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Parágrafo 1º. O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de registros, vigilâncias, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. O texto diz ainda que o Estado protegerá as manifestações culturais brasileiras que são componentes do processo civilizatório, o que inclui as manifestações e as culturas populares, indígenas e afro-brasileiras (AUGUSTINHO, 2021). Na perspectiva educacional, a socialização também pode ser uma forma de aprendizado, e o aprendizado, uma forma de socialização. Por isso, trajetórias biográficas e contextos socioculturais devem ser levados em conta nos processos educacionais. A ideia é que não haja a homogenização do grupo de educandos, uma vez que são todos diferentes e suas potencialidades e individualidades precisam ser observadas uma a uma (AUGUSTINHO, 2021). 19 Nesse sentido, a formação cultural do educando é parte importante de seu processo socializador. Parcela dos signos que o estudante carrega quando vai para a escola passa a construir relações sociais nesse ambiente. Essa bagagem sociocultural também tem impacto importante na forma como o aluno absorve os conteúdos e dialoga com eles, fomentando suas maneiras de transitar e interpretar as esferas culturais, sociais e políticas (AUGUSTINHO, 2021). 2.2 Cultura, educação e formação sócio histórica do sujeito Você pode encarar a cultura como um espelho da ação humana ao longo dos tempos. Ela se diferencia da natureza por carregar símbolos e significados criados pelos humanos. A criação de símbolos e a definição de significados são as maneiras como a humanidade atribui sentido à vida. A humanidade tende a buscar conexões para além das relações homem-homem e homem-natureza. Ela projeta divindades por meio das quais pode dar significado à vida. Essas construções tendem a acontecer em grupos sociais e podem se expandir à medida que o grupo cresce, recebe novos membros ou conquista novos territórios. Por outro lado, elas podem se extinguir quando os componentes sociais desaparecem ou são sobrepostos por outras culturas (AUGUSTINHO, 2021). O trânsito cultural, no entanto, é uma constante na história da humanidade. Ele acontecia muito antes de antropólogos, sociólogos e historiadores designarem ferramentas para estudá-lo. Alguns pensadores entendem que esse é o curso natural da humanidade. Dessa forma, no estabelecimento de relações sociais, comerciais, culturais ou políticas com outros grupos, alguns traços culturais originais tendem a desaparecer ou ser reformulados. Mas, para outros pensadores, não existe tal naturalidade, e as conexões entre os grupos sociais podem ser feitas preservando a cultura original da alteração e do desaparecimento (AUGUSTINHO, 2021). Na contemporaneidade, essa dualidade pode ser compreendida como um posicionamento político ou como um projeto civilizador. Afinal, há dispositivos que podem proteger culturas do desaparecimento, e outros que fomentam a absorção de culturas 20 externas para facilitar trânsitos ou relações, ou pela existência de uma relação de dominação. Nessa perspectiva, a escola e a educação, como ferramentas dos processos civilizatórios, podem atuar das duas formas: na preservação e na promoção da interação ou na absorção de culturas (AUGUSTINHO, 2021). Por isso, a atuação da escola e da educação nas perspectivas culturais depende também do plano político do momento. Você deve considerar que existe ainda um tipo de produção e exercício da socialização específico da escola, o que pode ser chamado de cultura escolar. Seja qual for o direcionamento político para os elementos culturais nacionais e humanos, ele chega aos sujeitos em boa parte pela atuação da escola. Por isso, quaisquer práticas desenvolvidas nesse sentido precisam observar as especificidades dessa instituição (AUGUSTINHO, 2021). 2.3 A escola como um espaço sociocultural As análises sobre a importância do contexto escolar na formação cultural de educandos passam pela construção da cultura escolar. Além disso, consideram como essa cultura está conectada com a cultura produzida pelos meios sociais nos quais a escola se insere. Existem três perspectivas essenciais na compreensão da cultura escolar, como você pode ver a seguir (BARROSO, 2012). Funcionalista: defende que a escola é um meio que transmite a cultura do entorno social, definida pelo contexto social, político e econômico, mas não possui uma cultura própria, apenas práticas específicas para a transmissão da cultura preexistente. Nessa perspectiva, a escola funciona como um canal de comunicação, que imprime em seu contexto o que já existe no contexto exterior. Estruturalista: entende que a cultura escolar é produzida pelas formas e técnicas utilizadas pela escola para transmitir a cultura do meio social aos educandos. Nessa perspectiva, todas as formas de organização escolar 21 — como o currículo, os professores e a organização administrativa — imprimem um significado à cultura presente no meio social, modelando a cultura preexistente em uma forma particular de cultura escolar. Nesse caso, a cultura escolar não é a reprodução total da cultura do meio social, como na perspectiva funcionalista, mas não produz uma cultura inteiramente nova. Os canais de comunicação e as formas de estruturação das práticas educativas é que modelam uma perspectiva diferenciada de cultura escolar. Interacionista: vê a escola como uma produtora de características culturais específicas que, em alguns pontos, pode ser diferente da cultura do meio social no qual se insere. Essa perspectiva indica que a organização escolar de cada unidade imprime uma forma de o sujeito relacionar-se e compreender os conteúdos, as práticas, os espaços e os papéis sociais. Por isso, a cultura escolar não seria global, presente em todas as escolas como produto de práticas homogêneas, mas cada escola produziria um contexto único e, portanto, uma cultura escolar única. Essa perspectiva indica que a interação entre os saberes e trajetórias de cada sujeito e o universo exterior produziria um impacto interno. Por isso, os contextos sociais, políticos, geográficos e as vivências e saberes de cada sujeito e daqueles com os quais mantêm laços na comunidade implicariam a produção de uma cultura escolar única. As três perspectivas indicam a inclinação política das instituições em relação à função da escola como agente do processo civilizatório. A perspectiva funcionalista valoriza a ideia de reprodução de valores, ideias e comportamentos. Uma instituição educacional religiosa, por exemplo, tende a imprimir seus valores na cultura educacional, certificando-se de que comportamentos externos ao princípio religioso estejam bloqueados na construção da cultura escolar. O foco é mantido na reprodução da cultura religiosa. Se, porém, a reprodução cultural parte de uma inclinação política, pode indicar 22 que o Estado deseja apenas reproduzir comportamentos compreendidos como aceitáveis, utilizando a escola para uma socialização não contestatória (AUGUSTINHO, 2021). As organizações escolares estruturalistas oferecem mais autonomia na socialização e na formação sociopolítica do que a funcionalista. A escolha dos métodos e a forma de organização podem estar abertas à perspectivas inovadoras e integrativas. Mesmo que o currículo seja elaborado de forma centralizada, a aplicação das práticas educacionais formaráum contexto cultural singular (AUGUSTINHO, 2021). As formas mais integradas e que permitem os maiores trânsitos socioculturais são as interacionistas. Elas possibilitam que a comunidade e seus contextos tenham presença importante nas práticas educacionais. No entanto, embora permita a troca de saberes e a formação cultural pautada na diversidade, o modelo interacionista pode gerar desigualdade entre as unidades escolares. Isso pode ocorrer, por exemplo, em uma sociedade com desequilíbrios sociais intensos em que não haja uma centralização forte do currículo e dos materiais utilizados (AUGUSTINHO, 2021). A escola é sempre um espaço de formação cultural. Esse espaço pode reproduzir o contexto mais amplo e permitir remodelações a partir das técnicas. Por outro lado, pode formar culturas inteiramente novas a partir da integração com outras perspectivas culturais. De qualquer forma, será sempre parte importante do processo de socialização e de construção/afirmação identitária (AUGUSTINHO, 2021). Por isso, é parte essencial da formação e do equilíbrio sociopolítico de uma nação, podendo ser utilizada como ferramenta para o desenvolvimento social, cultural, político, econômico e científico. Ou, por outro lado, como forma de controle social. Sociedades democráticas privilegiam os modelos estruturalista e interacionista, havendo aí uma questão também econômica. A centralização na abordagem estruturalista permite um investimento menor e mais controlado do que o que ocorre na interacionista (AUGUSTINHO, 2021). Do ponto de vista da criação de uma comunidade vinculada às ancestralidades e diversidades e pautada na equidade, o modelo interacionista é o mais conveniente. Por outro lado, é preciso atentar às abordagens funcionalistas. As escolas religiosas são produto do direito inalienável de cada indivíduo de participar de comunidades religiosas 23 em sociedades democráticas. Contudo, escolas que reproduzam inteiramente um modelo cultural pautado pela estrutura política podem cercear as possibilidades de expansão dos olhares e de enriquecimento cultural. Além disso, podem gerar aniquilamento da diversidade, o que caracteriza governos ditatoriais, totalitários ou autoritários (AUGUSTINHO, 2021). 3 TEORIAS SOCIOLÓGICAS MODERNAS E SEUS REFLEXOS NOS CONTEXTOS PRÁTICOS DA EDUCAÇÃO A busca do homem pelo estabelecimento das verdades que pudessem explicar os fenômenos à sua volta é antiga. Movida pela sua curiosidade epistemológica, a humanidade se volta para inúmeras pesquisas e teorias em busca de desvendar os mistérios da natureza, num primeiro momento, e das relações humanas, a partir da Idade Moderna. É nesta era moderna que surge a ciência, criam-se seus métodos, delineiam- se como as verdades científicas iriam se estabelecer como rumo, eixo norteador das ações humanas. É também nesta época que emergem teorias potentes e que irão balizar as condutas humanas da época e que ainda incidem na contemporaneidade (ISOPPO,2018). No universo da sociologia também ocorre dessa maneira, sendo que algumas das teorias sociológicas invadem nosso cotidiano ainda hoje e se apresentam, sobretudo, na área da educação, no interior das escolas e influenciando nossa maneira de pensar e ser docente (ISOPPO,2018). 3.1 Teoria sociológica positivista/funcionalista A teoria sociológica positivista/funcionalista é uma das principais teorias da sociologia e também é conhecida como Positivismo. Vamos recordar que o Positivismo surge no início da segunda metade do século XIX, principalmente a partir das ideias dos autores Auguste Comte e John Stuart Mill, na Europa. É inspirando-se fortemente nas 24 ideias de Comte que Durkheim irá propor o surgimento da sociologia como uma ciência (ISOPPO,2018). A ideia central do Positivismo é que, através do esforço de busca racional proposto pelo método científico de pesquisa e investigação, estabelece-se a verdade sobre as coisas. Ou seja, fortemente inspirada nas ideias da racionalidade de Descartes, a ciência propõe o que é considerado como exato e verdadeiro (ISOPPO,2018). O Positivismo apresenta como princípios a organização, a ordem, a sistematização do conhecimento através da utilização das técnicas e do método científico. Propõe a total separação do pesquisador em relação ao objeto de pesquisa; ao realizar a pesquisa, o cientista deve manter-se afastado, imparcial, neutro em relação ao que vem sendo pesquisado, visando a não “contaminar” os resultados da pesquisa com a sua subjetividade (ISOPPO,2018). Os positivistas acreditavam que o progresso da sociedade se daria única e exclusivamente através das descobertas científicas. Dessa forma, a ciência era sempre superior às demais crenças e a todo e qualquer fato proveniente de outras áreas do conhecimento, como o senso comum (empírico e cultural) ou teológico (de fé) (ISOPPO,2018). É importante destacar que, atualmente, muitas ciências ainda enxergam estes traços positivistas implicados nas suas propostas metodológicas. Percebemos estes cuidados rigorosos, sobretudo, nas pesquisas de caráter experimental (de laboratório), nas quais se evidenciam os aspectos quantitativos e os cuidados com a estrutura e com o delineamento minucioso das etapas. Durkheim, importante sociólogo que criou o conceito de fato social, apresenta em seus escritos um posicionamento positivista (ISOPPO,2018). Assim, Durkheim admite uma apreensão imediata dos fatos como eles se apresentam objetivamente, fora do observador, sem a interferência de imagens e conceitos previamente presentes na mente do pesquisador. Sua perspectiva, portanto, é rigorosamente positivista. Segundo o positivismo, como se vê, existe uma distinção clara entre o sujeito que observa e a realidade observada (VILA NOVA, 2013, p. 106). 25 Cabe lembrar que, ao propor a ideia das ciências sociais, Durkheim procurava estabelecê-la com os mesmos cuidados e rigores das ciências naturais em relação aos métodos e técnicas de pesquisa científicas, o que lhe daria a credibilidade e o verdadeiro caráter racional e, logo, científico para os padrões positivistas da época (ISOPPO,2018). Outra ideia muito presente no Positivismo são os aspectos do funcionalismo proposto pelo antropólogo Bronislav Malinowski, que entendia que, no interior de uma sociedade, todas as partes têm uma razão de existir e uma função. Nem sempre os indivíduos percebem estas funções nas instituições e em suas ações, porém elas existem e tudo se justificaria através delas. Dessa forma, valendo-nos das ideias funcionalistas, poderíamos admitir que a pobreza, a desigualdade social, entre outras mazelas sociais existem porque têm funções específicas na regulação e manutenção desta sociedade (ISOPPO,2018). O problema que podemos destacar em relação ao pensamento funcionalista é o de que, ao “naturalizar” todos os fatos como decorrentes de uma estrutura funcional social, temos implícita a ideia de que não temos que intervir e de que não é necessário que se busque melhorias nos aspectos deficitários desta sociedade, pois, afinal, tudo tem sua função, não é mesmo? (ISOPPO,2018). Segundo Vila Nova (2013): O método funcionalista consiste na identificação das funções das atividades e instituições em relação ao todo de uma sociedade. A análise funcional têm sido objeto de crítica frequente por parte dos adeptos da corrente do conflito, notadamente os marxistas. Para estes, os pressupostos da visão funcionalista da sociedade não seriam mais do que pura ideologia, no sentido de visão distorcida da sociedade em razão de interesses de classe disfarçados em teoria científica (VILA NOVA, 2013, p. 103). Como podemos perceber, as ideias em torno do funcionalismo, bem como do positivismo, são complexas e contraditórias. Cabe a nós, como educadores, conhecer estas teorias e exercitar a reflexão sobre elas, bem como propor a nossos alunos queo façam, de modo que percebam que existem, na contemporaneidade, outras maneiras de análise da sociedade que não se façam unicamente por um viés teórico (ISOPPO,2018). 26 3.2 Teorias histórico-críticas Outra teoria muito particular da sociologia é a histórico-crítica. Esta teoria procura entender que o ser humano é um ser histórico, que acaba construindo sua individualidade através das vivências e experiências às quais se coloca no seu percurso em sociedade. Ao contrário do que buscavam os positivistas- -funcionalistas, o estabelecimento de generalizações que fossem aplicáveis e explicassem todos os fenômenos sociais, os historicistas críticos entendem que cada situação é contingente e particular, devendo ser analisada individualmente para que este caráter histórico possa ser evidenciado como deveria (ISOPPO,2018). Vamos analisar as ideias de três autores principais da sociologia que se baseiam nas noções histórico-críticas como fundamento de suas proposições científicas: Max Weber, Karl Marx e Friederich Engels (ISOPPO,2018). Max Weber, através da construção do seu conceito de ação social, já evidenciava a sua perspectiva histórica sobre o homem, uma vez que propõe o caráter da participação do homem na construção de sua própria história. Ou seja, o homem não somente vive de acordo com as regras e leis sociais previamente estabelecidas, mas também as produz, faz escolhas, participa das atividades culturais que lhe interessam e, dessa forma, acaba tendo experiências particulares (ainda que em coletividade). Por este motivo, Weber desenvolveu suas análises sem procurar o estabelecimento de uma lei universal que explicasse a sociedade como um todo, pois entendia que existiam, sim, formas de dominação que acabavam por estratificar a sociedade, porém estas agiam de forma diferente em relação aos indivíduos (ISOPPO,2018). Weber propôs, através deste entendimento histórico, as bases de sua sociologia compreensiva. Segundo Thomaz (2009): O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem 27 ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas. Pela conceituação e pelo exemplo citado pelo autor, podemos entender um pouco mais como o processo histórico vê materializado no indivíduo o seu desenvolvimento. Ou seja, ao estabelecer que existe uma intersubjetividade, que o indivíduo dá sentido, significa a sua ação, fica mais claro ainda que não seria possível o estabelecimento de leis universais que dessem conta de explicar cientificamente os mais variados aspectos da sociedade. Essas análises em busca de respostas devem levar em conta, dentro da visão histórico-crítica, as individualidades com suas representações e significações mentais específicas (ISOPPO,2018). Já os autores Marx e Engels apresentam o aspecto histórico relacionado a suas proposições sobre o materialismo histórico. Nesse, os indivíduos vivem em busca da produção da materialidade de sua sobrevivência em sociedade. Ou seja, sua vida é pautada pelas experiências (que são históricas) em busca de recursos que os façam viver. Dessa forma, a materialidade desses recursos é o que move as pessoas, faz com que procurem seus empregos, em busca de um salário com o qual poderiam satisfazer as suas necessidades para a vida social. As análises dos autores focaram na dominação e opressão exercida pelo capitalista ao trabalhador, entendendo que este se encontra sempre em desvantagem enquanto o detentor do capital o explora (ISOPPO,2018). O que diferencia as visões de Marx e Engels em relação à de Weber é o fato de que aqueles entendiam que o poder se encontrava no capitalista, que, ao posicionar-se de forma superior na estratificação social (o que os autores definiram como classe social), impunha a sua vontade aos trabalhadores. Já Weber analisou as formas de dominação e controle social através de três formas básicas: legal, tradicional e carismática. Este autor entendia que o poder pode ser exercido por todos da esfera social, nem sempre sendo imposto, coercitivo, mas exercido através de outras maneiras (ISOPPO,2018). Vila Nova (2013, p. 107) traz o seguinte comentário ao referir-se ao materialismo histórico de Marx e Engels: Quanto à abordagem marxista, ela se afasta radicalmente do positivismo a partir do postulado básico do materialismo histórico de que a consciência é determinada pela existência concreta dos indivíduos, pelas situações sociais nas quais estes estão inseridos, e não o contrário. Assim, segundo essa corrente, não 28 pode existir um conhecimento puro do mundo objetivo. Ao contrário, todo conhecimento é necessariamente contaminado pela situação social objetiva, notadamente a de classe, dos indivíduos. Como podemos entender no texto citado, as abordagens de cunho marxista trazem o entendimento de que os indivíduos são também constituídos historicamente através de suas vivências e das experiências concretas que ele vive (ISOPPO,2018). 3.3 As teorias sociológicas e a educação Vamos agora procurar entender como estas principais correntes sociológicas e seus autores que são referência, Durkheim, Weber e Marx, relacionam-se com os campos da educação. É importante destacar, num primeiro momento, que tanto Weber quanto Marx não tiveram um trabalho destacado focando especialmente a área da educação, tratando do tema de forma abrangente. Já Durkheim, por sua vez, produziu muitos escritos visando os aspectos educacionais (ISOPPO,2018). 3.3.1 Karl Marx e a educação Como vimos anteriormente, Marx entendia a vida como uma busca pelas materialidades que iriam fornecer condições de viver em sociedade. Considerava, ainda, que as sociedades se dividiam em classes, nas quais alguns eram opressores (capitalistas) e outros, oprimidos (trabalhadores). Logo, dentro desta visão, Marx entendia que a educação fazia parte desta busca histórica do ser humano e que, através dela, os indivíduos poderiam resistir à dominação da elite. A escola, na concepção marxista, cumpre tanto a função de socialização quanto a de manter as hierarquias sociais existentes e permitir que o controle das classes dominantes se efetive sobre as dominadas, ou, utilizando as palavras do contexto da época, a dominação da burguesia pelo proletariado (ISOPPO,2018). 29 Fonte: www.dmtemdebate.com.br Uma das questões colocadas pelo autor que reforça a ideia de que a educação poderia, no seu entendimento, permitir que os indivíduos se libertassem desse caráter de dominação manifestado pelo poder do burguês capitalista é demonstrado na obra “O Manifesto do Partido Comunista”, na qual, ao mencionar uma lista de medidas a serem tomadas pelas nações, cita: “Educação pública e gratuita para todas as crianças. Eliminação do trabalho infantil em fábricas na sua forma atual. Unificação da educação com a produção material etc.” (MARX; ENGELS, 1998). Segundo Aron (1991, p. 169), “o trabalho é em Marx um princípio educativo. O homem total constitui-se a partir da articulação ensino-trabalho desde a infância, a partir de uma preparação politécnica para desenvolver o maior número possível de ocupações”. De certa maneira,ainda hoje percebemos este caráter de politecnia na educação, com o qual preparamos o aluno para o exercício da vida profissional. A educação na contemporaneidade acaba instrumentalizando o homem para ocupar vagas num mercado de trabalho cada vez mais exigente (ISOPPO,2018). 30 3.3.2 Durkheim e a educação Durkheim foi o primeiro autor a entender a educação como um processo social ou, em suas palavras, como “coisa eminentemente social” (DURKHEIM, 1975, p. 94). Seus escritos na área da educação são inúmeros, tanto que é considerado o pai da sociologia da educação. O autor entendia que cada momento da história do homem apresentava um modelo de educação que se adequasse às necessidades daquele espaço de tempo. A sociedade, ao fixar um modelo de homem ideal para sua época, irá utilizar-se da educação para configurar, ajustar a sociedade a este modelo. Nas palavras de Durkheim (1975, p. 51): Chegamos, portanto, à seguinte fórmula. A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que não estão ainda maduras para a vida social. Tem por objeto suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais, que requerem dela tanto a sociedade política em seu conjunto quanto o meio especial ao qual ela é particularmente destinada... Resulta da definição acima que a educação consiste em uma socialização metódica da jovem geração. Como percebemos na citação do autor, existe um esforço em busca da sistematização de como os valores morais, normas de convivência social e as condutas de modo geral serão ensinadas às crianças e aos jovens e, para esta finalidade, a escola é vista como o ponto central no qual isso poderá ocorrer. Filloux (2010, p. 16) comenta que, para Durkheim: essa socialização metódica, que é a educação, corresponde à necessidade para toda a sociedade de assegurar as bases de suas condições de existência e sua perenidade. Ela se opera, não resta dúvida, desde o nascimento, no seio da família, porém é na escola que ela é sistematizada, de modo que a escola se torna o lugar central da continuidade social, quando se trata da transmissão dos valores, das normas e dos saberes. Daí o interesse quase exclusivo de Durkheim pela escola, nela incluída a universidade. Esta educação proposta por Durkheim vai ao encontro da ideia central do autor para a análise sociológica sobre o conceito de fato social que vimos anteriormente. Cabe à educação, em todos os níveis, proporcionar, ensinar a respeito das normativas, regulamentos e condutas sociais que deverão ser seguidas (ISOPPO,2018). 31 3.3.3 Max Weber e a educação Max Weber traz o seu entendimento sobre a sociedade através do caráter compreensivo, ou seja, compreender significa que as pessoas, ao agirem, são tomadas pelos fatores simbólicos e pelo significado que dão às coisas, e não somente pelo caráter coercitivo que já se encontra imposto na sociedade, como pensava Durkheim e o próprio Marx (ISOPPO,2018). As ideias de Weber sobre educação estão relacionadas com a forma com a qual o autor desenvolveu seu conceito sobre os tipos de dominação existentes na sociedade, classificadas pelo autor em tradicional, burocrática e carismática. Segundo Weber (1971, p. 482): Historicamente, os dois polos opostos nos campos das finalidades educacionais são: despertar o carisma, isto é, qualidades heroicas ou dons mágicos; e transmitir o conhecimento especializado. O primeiro corresponde à estrutura carismática do domínio; o segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões ou transições entre si. Historicamente, os dois polos opostos nos campos das finalidades educacionais são: despertar o carisma, isto é, qualidades heroicas ou dons mágicos; e transmitir o conhecimento especializado. O primeiro corresponde à estrutura carismática do domínio; o segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões ou transições entre si. Pela citação, o autor deixa claro que a educação tem o objetivo de preparar para exercer/aceitar o tipo de dominação que recai sobre o indivíduo durante a sua vida em sociedade (ISOPPO,2018). 4 SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA Se o caminho para a consolidação da Sociologia como ciência foi longo, não foi diferente para sua consolidação como disciplina escolar. Enquanto as primeiras aulas oficiais de Sociologia na Universidade remetem ao curso de Sociologia de Émile Durkheim, na França em 1887, aqui no Brasil a disciplina passa a integrar a grade 32 curricular em meados da década de 1920, porém nos anos 1960 o ensino passa a ser facultativo e se torna obrigatório em 2006 (MARTINS, 2019). Esse processo marca características importantes da disciplina, como sua forte presença nos currículos do Ensino Superior. Seu caráter interdisciplinar faz da disciplina elemento importante para a formação nas diferentes áreas de conhecimento. Conceitos e métodos sociológicos, usualmente associados também à Filosofia, são considerados essenciais para a formação ética e humanística nas diferentes profissões. Além disso, nesses cenários fica a cargo da disciplina ambientar o estudante em relação ao universo acadêmico, ou seja, apresentar ao sujeito os primeiros passos da iniciação científica (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012). Porém, não podemos afirmar o mesmo sobre os currículos da Educação Básica. Nesse sentido, o ensino de Sociologia representa um desafio para professores. As constantes idas e vindas da presença da disciplina no Ensino Médio não contribuíram para formar uma tradição no ensino de Sociologia nas escolas brasileiras. A incerteza marca a presença da disciplina nos currículos, podemos destacar tanto seu banimento ao tempo da ditadura militar, quanto seu retorno facultativo, para compreender as incertezas (MARTINS, 2019). Devido ao cenário da disciplina, deparamo-nos com situações como o fato de os materiais didáticos e metodologias serem recentes. Quando comparamos os materiais disponíveis para Sociologia com aqueles de disciplinas como Ciências e Matemática, vamos nos deparar com anos de tradição em pesquisa no ensino e didática dessas disciplinas e experiências muito mais recentes no caso da Sociologia (MARTINS, 2019). A formação profissional na área representa um campo de pesquisa ainda em construção nos cursos de Sociologia e Ciências Sociais. Bem como, faltam professores com formação na área e, por esta razão, é comum encontrar professores de outras áreas do conhecimento como responsáveis pela disciplina (MARTINS, 2019). Além disso, a carga horária da disciplina, usualmente, com uma ou duas aulas semanais, representa um desafio para o planejamento das aulas. É realmente desafiador desenvolver o pensamento sociológico com tempo tão limitado. Como também para a adequação dos professores de Sociologias no quadro de profissionais das escolas, 33 facilitando para que professores de outras disciplinas assumam essas aulas (MARTINS, 2019). Outra dimensão a ser considerada como desafio para a Sociologia como disciplina diz respeito ao papel da escola na atualidade. Não apenas a função de ensinar teorias e conceitos sociológicos exige reflexão, mas também a função da escola como um todo (MARTINS, 2019). As transformações sociais decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos, especialmente no que tange ao acesso à informação e às novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), representam um desafio para a educação. Atrair a atenção de jovens e atribuir sentido ao estudo das teorias exige de professores reflexão das práticas tradicionais de ensino (MARTINS, 2019). Diante da quantidade de informações disponíveis no mundo de hoje, vertentes pedagógicas vêm apontando que a escola precisa reorientar a sua função precípua e promover mudanças.É preciso ir além de simples transmissora de informação. A escola deve levar o indivíduo a compreender o mundo em que vive, ajudando-o a saber e a ter acesso à informação, analisando-a e interpretando-a. (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012, p. 78). O ponto aqui não é recusar a tradição, mas sim compreender as mudanças que o amplo acesso à informação implica para a sociedade, e suas influências nas relações sociais (MARTINS, 2019). A avalanche de informações – uma das características do mundo atual – levou algumas correntes de pensamento a defenderem que estaríamos vivendo a era do conhecimento e a preverem o fim da escola. No entanto, torna-se premente considerar o tipo de informação circulante e o fato de as informações serem controladas por poucos e pequenos grupos, no Brasil e no mundo. A análise das informações em que a maioria das pessoas tem acesso permite dizer que elas são fragmentadas, tendendo a manipular mais do que informar a sociedade. As informações proporcionam visões de mundo estereotipadas e legitimadoras das causas das classes dominantes, imprimem certa “naturalização” a fenômenos que são de ordem eminentemente social e contribuem para manter as desigualdades na sociedade (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012, p. 78). Na complexidade desse contexto é que buscaremos compreender os desafios da Sociologia na escola. Caro acadêmico, é essencial para sua formação e futuro sucesso profissional desenvolver uma prática reflexiva no que diz respeito a sua atuação como professor. Não nos basta apenas o domínio das teorias e conceitos para garantir que 34 nossos alunos desenvolvam a capacidade de analisar a realidade de forma crítica a partir da Sociologia. É fundamental levar em conta o breve histórico e desafios aqui apresentados para desenvolver uma atividade docente capaz de refletir na prática o teor crítico que permeará nossos discursos (MARTINS, 2019). 5 O ENSINO DE SOCIOLOGIA A consolidação da Sociologia como ciência está atrelada ao ensino de Sociologia. Afinal, o conhecimento e a análise das estruturas, mudanças e transformações sociais contemplam parcela significativa dos conhecimentos e habilidades considerados fundamentais para a formação da cidadania e autonomia do sujeito, seja na Educação Básica, seja no Ensino Superior (MARTINS, 2019). Esse pressuposto que coloca a Sociologia – juntamente com as demais Ciências Humanas – como essencial para a formação do sujeito parece suficiente para eximir os questionamentos em relação ao papel do ensino da Sociologia na Educação Básica (MARTINS, 2019). É comum observar-se entre gestores, professores e alunos, certa desconfiança em relação ao ensino de Sociologia. Os motivos são diversos, desde a reflexão dos profissionais da área em relação à seleção de conteúdos e metodologias para ensinar Sociologia para adolescentes e jovens, até questionamentos no sentido de uma necessidade de neutralidade do conhecimento e o receio da doutrinação das futuras gerações. Diante desse cenário, é essencial desenvolver como hábito a reflexão e pesquisa sobre o ensino da disciplina (MARTINS, 2019). Destacamos aqui o papel da proposta político-pedagógica que permeia a seleção de conteúdos e metodologias no ensino de Sociologia. Vamos acompanhar o argumento de Bridi, Araújo e Motim (2009, p. 50): A cidadania (grifo das autoras) é o eixo principal da educação, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e os princípios presentes na Constituição, que supõem a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação e a corresponsabilidade social. 35 Veja bem, caro acadêmico, temos aqui elementos importantes para pensar o ensino de Sociologia e buscar caminhos para responder – ainda que levando a outras perguntas – alguns dos questionamentos em relação à disciplina (MARTINS, 2019). A cidadania como eixo da educação merece destaque. A formação integral do sujeito exige a construção da cidadania. Por essa razão, ao apontar a cidadania como norte, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) se baseiam nos princípios apresentados na Constituição: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e corresponsabilidade social. Logo, a Sociologia, ao propor o desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia e da análise crítica da realidade social, contempla conhecimentos e habilidades essenciais ao exercício da cidadania. Esse fato coloca em perspectiva os questionamentos a respeito da relevância do contato dos jovens com a disciplina. A formação integral do sujeito requer consolidação da cidadania, que, por sua vez, necessita de uma compreensão da realidade social construída através do conhecimento sociológico (MARTINS, 2019). Contudo, apenas tomar consciência da importância da Sociologia não nos livra por completo dos questionamentos, pois, como selecionar conteúdos e escolher metodologias que nos levem a atingir nossos objetivos? O conjunto das disciplinas desenvolvidas nas escolas orienta-se por esse eixo, porém, na maioria das vezes, dada a visão da ciência e de ciência dos professores e dos objetos particulares de cada um – ainda centrados nos paradigmas clássicos –, os temas referentes à formação da cidadania plena tendem a ser tratados como periféricos ou se constituem em objeto de reflexão apenas em alguns poucos momentos no decorrer do ano. A urgência de trabalhar conteúdos programáticos demandados tem levado escolas a deixarem em segundo plano temas que visam à compreensão e à inserção na realidade local, nacional e global (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 50). Aqui nos deparamos com um obstáculo importante: a seleção de conteúdos essenciais à formação cidadã versus a seleção de conteúdos para os exames de seleção (vestibular, ENEM). Esses pontos podem convergir, afinal, muitos dos conteúdos presentes nesses exames são essenciais para a cidadania. Entretanto, a necessidade de atender às expectativas de sucesso no acesso ao Ensino Superior não privilegia o uso de metodologias que promovam a reflexão crítica e a autonomia (MARTINS, 2019). 36 Em outras palavras, não basta selecionar conteúdos que os alunos apenas “decorem” para as provas, é fundamental que o contato com esses conteúdos seja capaz de promover o desenvolvimento da capacidade de analisar criticamente a realidade social e de agir a partir desse ponto de vista (MARTINS, 2019). E agora? Quais caminhos podemos percorrer para buscar a superação desses desafios? [...] é o da abordagem via temas transversais, além do cuidado com a seleção dos conteúdos e textos e a forma como abordamos e os desenvolvemos no âmbito das disciplinas. Apesar das críticas e controvérsias quanto aos temas transversais, é importante que a escola como um todo continue nessa empreitada, pois se reconhece as limitações de cada uma das ciências. É evidente que nenhuma área pode por si só dar conta da problemática social; dessa forma, transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e pluridisciplinaridade são princípios metodológicos fecundos no fazer educacional (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 50-51). O planejamento pedagógico a partir dos temas transversais oportuniza possibilidades para selecionar conteúdos e metodologias para além das expectativas dos exames, permitem a conexão com outras áreas do saber, inclusive para além das Ciências Humanas, e provocam professores e alunos a refletir sobre a realidade social de forma ampla. Essas ações podem nos levar a caminhos mais próximos da formação integral do que aqueles trilhados com foco na transmissão de conceitos e teorias e em sua repetição nas atividades de avaliação (MARTINS, 2019). Vale aqui recordar o contexto do surgimento da Sociologia. No contexto social anterior ao capitalismo, o lugar do social estava no âmbito normativo. As transformações sociais resultantes do desenvolvimento capitalista lançaram a necessidade de uma ciênciapara explicar a complexidade social (MARTINS, 2019). Com a emergência da sociedade industrial capitalista, quando se institucionalizam normas, leis e princípios universais para os cidadãos – assegurando direitos iguais, livre acesso ao mercado, ao processo político, à igualdade, mas que não se concretizaram de todo, – criam-se condições para o aparecimento de uma ciência propícia a contrastar os princípios de igualdade anunciados com a realidade social (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 51). A Sociologia se consolida na necessidade de compreender as transformações sociais, especialmente as consequências dessas transformações. A contradição entre os pressupostos de igualdade e possibilidades do capitalismo contradizem as desigualdades 37 da realidade social. Nesse sentido, é fundamental considerar o papel crítico da Sociologia enquanto ciência ao ensinar Sociologia. Essas reflexões são essenciais para a cidadania. Como poderíamos definir o papel do ensino de Sociologia para os jovens? Considerando seus objetivos. Seguimos acompanhando as reflexões de Bridi, Araújo e Motim (2009, p. 51): Nesse sentido, constam entre os objetivos da Sociologia: a realização da crítica empírica da igualdade institucionalizada, da cidadania universal e da participação no mercado, além de formular uma compreensão teórica de como essa igualdade foi distorcida em verdadeira desigualdade social. Além disso, deve-se atentar sempre para que a prática não represente uma contradição das teorias compartilhadas. Professores compartilhando e construindo saberes pautados na criticidade enquanto adotam metodologias autoritárias representam um obstáculo para o ensino e aprendizagem de disciplinas como a Sociologia (MARTINS, 2019). Por esta razão, é tão importante compreender a escolha de metodologias que incentivem a postura crítica e a autonomia como parte estruturante do planejamento pedagógico (MARTINS, 2019). Ensinar uma metodologia de estudo não se faz de modo neutro. Os jovens são especialmente sensíveis às contradições sociais (grifo das autoras), políticas, econômicas, mas também pedagógicas. Ao desenvolver a disciplina de Sociologia é preciso que se resguarde uma relação não autoritária com os conteúdos e com os procedimentos metodológicos e avaliativos adotados (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 51). Em outras palavras, para alcançar o sucesso no processo de ensino e aprendizagem em Sociologia é fundamental que teoria e prática caminhem juntas, evitando assim uma postura contraditória entre o discurso e a ação do professor (MARTINS, 2019). A promoção do desenvolvimento cognitivo também é importante para a atuação do professor, pois o aprendizado não se restringe a um conjunto de regras aplicáveis a qualquer conhecimento ou situação, mas sim à construção de um conjunto de informações que representem significados capazes de levar o sujeito à compreensão da realidade (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009). 38 Falamos aqui da postura do professor em relação ao ensino de Sociologia, e quanto à expectativa em relação aos alunos? O que esperar de um aluno que cursou a disciplina na Educação Básica? Pois bem, o ensino de Sociologia deve ser capaz de incentivar o sujeito a resolver tarefas e construir conhecimentos que permitam a ele analisar e, quiçá, intervir na realidade social (MARTINS, 2019). Ressaltamos o papel da educação como essencial para o desenvolvimento do ser humano, levando-o a amadurecer e a respeitar valores e referências centrais para uma sociedade que precisa ser reconstruída de modo permanente. Ao aluno, devemos propiciar a aquisição de estratégias a serem utilizadas por ele para a solução de tarefas, levando-o a desenvolver habilidades necessárias ao conhecimento, ou seja, deve aprender como proceder para aprender, conhecer as regras de como chegar a certo conhecimento, realizar tarefas que o capacitem a apreender as condições dos acontecimentos, dos fenômenos, enfim, da realidade que se apresenta (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 60). Em termos práticos, como é possível desenvolver tais competências e habilidades? Um caminho é a aprendizagem do raciocínio dialético (MARTINS, 2019). É sabido que quando o aluno aprende a raciocinar dialeticamente e domina uma teoria para a interpretação do mundo com seus conceitos fundamentais que permitem a compreensão histórica e sociológica de fenômenos sociais contemporâneos, ele desenvolve uma inteligência do presente. Essa capacidade possibilita-lhe um maior controle sobre sua própria aprendizagem, mas isso não ocorre a partir de fórmulas ou técnicas, conceitos prontos e descontextualizados. O conhecer dialético vale-se da capacidade de relacionar, organizar e sistematizar as informações, além de perceber como as relações apreendidas estruturam a realidade dos acontecimentos sociais (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 60). Em suma, raciocinar dialeticamente representa um conjunto de competências e habilidades que possibilitam fazer uso das teorias contextualizadas social e historicamente para compreender os desafios do presente (MARTINS, 2019). Prezado acadêmico, atente para a relevância do controle do aluno sobre sua aprendizagem, pois ter acesso a teorias e conceitos não garante ao sujeito ferramentas suficientes para fazer uso adequado desses elementos para analisar a realidade. Todo o processo de ensino-aprendizagem deve ser planejado e executado tendo em vista o desenvolvimento da capacidade de relacionar, organizar e sistematizar as informações obtidas em sala de aula, bem como o uso desses saberes para compreender os fenômenos sociais (MARTINS, 2019). 39 Logo, é preciso atenção especial para evitar que o conhecimento compartilhado nas aulas de Sociologia acabe fragmentado e com foco apenas no conhecimento acadêmico. Assim, as atividades de aprendizagem e os objetivos das aulas não podem se resumir à produção do conhecimento de forma acadêmica, e sim caminhar para a redescoberta. Nesse sentido, é fundamental assegurar um trabalho de ensino- aprendizagem que seja coerente, bem estruturado e que não fragmente conteúdos, para que sua lógica interna estimule o prazer da descoberta, o estabelecer relações, perceber o todo social e as inúmeras manifestações particulares (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 63-64). A contextualização é elemento central para o raciocínio dialético. Devese atentar para trabalhar uma teoria ou conceito fazendo referência ao contexto histórico e cultural no qual foram produzidos e, paralelamente, associar esse conteúdo à realidade na qual o aluno está inserido considerando as dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas. Além de destacar que os conceitos não são construídos de forma isolada, mas sim resultam da inter-relação com diversos fatos e áreas do conhecimento (MARTINS, 2019). É por meio do contato com outras sociedades, em diferentes tempos e espaços e distintas formas de organização do poder, que o aluno elabora o conceito de política, por exemplo. Mediante descrições e narrações, num primeiro momento, seguidas de outras estratégias tipicamente escolares, como o estabelecimento de relações de semelhanças e diferenças, de causalidade, de espacialidade e de temporalidade, ocorre um aprendizado que direciona o aluno a analisar, compreender e adquirir a noção de processo. Assim, fazer generalizações e sínteses e posicionar-se crítica e criativamente diante das múltiplas realidades sobre as quais se debruça o estudante passam a ser o resultado de um ensino- aprendizagem dialético (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 65-66). Em outros termos, faz parte dos objetivos da Sociologia como disciplina levar ao conhecimento do aluno teorias e conceitos sociológicos produzidos ao longo da história. Contudo, apenas ter acesso a esse conhecimento não será suficiente para formar um cidadão. É essencial que o conteúdo trabalhado em sala de aula faça sentido para o aluno (MARTINS,
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