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O RORSCHACH: ”O que você vê?” Aulas 1 e 2 Alexandre de O. Marques. Psicólogo, professor universitário da disciplina de Técnicas de Exame Psicológico. Maio, 2020 MATERIAL DE ACESSO RESTRITO LEI 4.119/62 O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 2 1. O Rorschach Teste das Manchas de Tinta, ou Rorschach, foi o primeiro instrumento criado para se diagnosticar doenças mentais em pacientes com esses transtornos. Leva o nome de seu autor, Hermann Rorschach (1884-1922), psiquiatra suíço. Rorschach apresentava sistematicamente manchas de tinta a pacientes internados no Hospital de Doenças Mentais de Krombach, Herisau, na Suíça, de modo que ao anotar suas respostas identificou recorrências que lhe permitiram confirmar com relativa precisão a presença de quadros psicopatológicos. E foi assim, neste “experimento psicológico” que Rorschach coletou as informações necessárias para expor ao público, como tese de doutorado, sua obra chamada “Psicodiagnóstico: um teste diagnóstico baseado na percepção”, de 1921. O teste tem sido desde então chamado de Psicodiagnóstico de Rorschach, para enfatizar sua aplicação clínica mais característica. Os resultados obtidos o levaram a descartar algumas pranchas para manter outras, chegando a 15, e depois ao número final de 10, que permanecem até hoje e para as quais se dava aos pacientes apenas três instruções: “o que poderia ser?”, “onde você está vendo?” e “o que fez com que se parecesse com isso?”. A propósito, essas instruções foram mantidas no Sistema Compreensivo. A prova de fogo do Teste de Rorschach foi realizada com um paciente, cujo diagnóstico foi previamente estabelecido por uma banca médica e mantido em sigilo, para ser confirmado depois por Rorschach numa avaliação às cegas. Em razão da morte precoce de seu autor, o Rorschach tem sido amplamente fundamentado por outros autores que se ocuparam dele, como por exemplo Schachtel, que explicou em detalhes o mecanismo de projeção presente nas respostas dos sujeitos ao teste, Piotrowski, cujas pesquisas com o Rorschach procuraram compreender a personalidade através da percepção, pois esta seria mais importante que as manifestações verbais dos sujeitos, Lindner que recomendou a interpretação do conteúdo tanto quanto dos dados estruturais, Klopfer que desenvolveu seu próprio sistema interpretativo e considerava a psicanálise a melhor teoria para entender o Rorschach e Zulliger, que adaptou o teste para ser administrado também em grupos. Existem, reconhecidos pelo CFP, quatro sistemas de interpretação do Rorschach em uso no Brasil, dentre os quais o Sistema Compreensivo criado por John Exner Jr., publicado em 1976, e apresentado neste guia rápido. Este sistema propõe a compreensão da personalidade através da investigação de aspectos qualitativos presentes no teste, sem desconsiderar os aspectos objetivos da quantificação das respostas. Na verdade, o Sistema Compreensivo constitui uma avaliação estruturada do teste, reduzindo a margem de subjetividade presente na interpretação nos outros modelos e aumentando a confiança nas conclusões obtidas com o mesmo. Desde seu surgimento, há 88 anos, o Rorschach recebeu diversas constribuições que fazem dele um instrumento poderoso do ponto de O O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 3 vista psicológico, para se estabelecer um diagnóstico confiável da personalidade dos sujeitos avaliados. 2. O Sistema Compreensivo de Exner tilizar um instrumento não é garantia de que se saiba como ele funciona, e apesar de ser o teste com mais tempo de aplicação, o Rorschach não está completo e ainda está longe o dia em que haverá consenso sobre suas questões fundamentais. Apesar das controvérsias, alguns pontos devem ser admitidos pelos psicólogos que empregam o teste: primeiro, nenhum instrumento, por melhor que seja, deve ser utilizado às cegas, salvo em situação experimental ou para fins de aprendizagem; segundo, o emprego do Rorschach não deve ser para prescindir da observação clínica, mas sim como um recurso a mais no diagnóstico; finalmente, nenhum laudo deve ser usado para se encerrar conclusões sobre os pacientes, visto que a personalidade é, em si mesma, inconclusiva, de modo que é preciso interpretar com prudência os resultados do Rorschach. Um bom laudo do Rorschach é aquele no qual se descrevem os pontos fracos do paciente, mas ao mesmo tempo considerando os rendimentos positivos observados a fim de se estabelecer um prognóstico equilibrado. Há cinco questionamentos feitos com freqüência a propósito do teste e que nos ajudam a conhecer melhor o Rorschach, são eles: O Rorschach é uma técnica de investigação objetiva ou subjetiva? R.: O Rorschach se baseia em um processo complexo de atenção e percepção das manchas, no qual o sujeito tem que decidir quais estímulos aproveita e quais deixa de lado no momento da observação das manchas e ao emitir sua resposta. Ele é um instrumento objetivo: protocolos interpretados por diferentes examinadores, trabalhando separadamente, concordam em cerca de 80% a 90% dos casos. É um teste subjetivo também, pois na década de 1940-50, autores como Rapaport viram na psicanálise uma teoria privilegiada para se entender a qualidade das respostas. É em parte uma resolução de problemas, e em outra um estímulo à fantasia e aos conteúdos subjetivos*. * O Rorschach não é um teste psicanalítico, apesar de ser descrito como um teste “projetivo”. Foi somente em 1939 que L.K.Frank associou o conceito de projeção a esses instrumentos, afirmando que os estímulos ambíguos, presente em testes como o Rorschach, levam o sujeito a projetar seu próprio mundo interno de sentimentos. O próprio Hermann Rorschach, considerando as limitações de seu teste, não o considerava como um meio de investigação do inconsciente, dizendo ser bem inferior a outros métodos como a própria associação livre e a interpretação dos sonhos. Sabemos que a projeção não está presente em todo o teste, nem é imprescindível para se interpretá-lo, mesmo porque algumas respostas concordam de maneira objetiva, como por exemplo na prancha V, onde muitos sujeitos vêem um “morcego preto”, resposta que, apesar da pobreza perceptiva, concorda com a forma aparente da mancha (que de fato parece um morcego) e com a cor, por ser uma mancha totalmente preta – ou seja, não há distorção perceptiva que justifique se falar em projeção nestes casos. U O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 4 O Rorschach investiga a percepção ou a associação? R.: Rorschach considerava em sua tese somente o aspecto da percepção, mas sem dar ênfase aos conteúdos das respostas. Entretanto, acreditava que o sujeito pode trazer para o teste respostas baseadas não apenas naquilo que vê, mas em associações de idéias, despertadas pelo estímulo. O Sistema Compreensivo busca informações sobre as atitudes do sujeito em relação a si mesmo e às outras pessoas, por isso os conteúdos das respostas, que não são as respostas em si, também podem ser incluídos na interpretação do teste, apesar de não serem o objetivo do teste. O Rorschach avalia a dinâmica da personalidade ou a personalidade? R.: Ambos. Há nos estudos sobre a personalidade dois aspectos que são considerados no Rorschach: os estados e os traços. Do ponto de vista da personalidade o Rorschach nos diz sobre os estados de uma pessoa, ou seja, como a pessoa está naquele momento; também nos diz a respeito dos traços, isto é, as características estáveis de alguém, que não mudam com o tempo. O Rorschach também afirma sobre a dinâmica da personalidade, que é o modo como essas estruturas interagem para formar a relação que o sujeito estabelece com o mundo. Por tudoisso, pode-se dizer que o Rorschach não diz apenas o que acontece, mas como acontece. O Rorschach é um teste ou um método? R.: O Rorschach não é um teste, apesar de ser comum encontrarmos sua designação como Teste das Manchas de Tinta, se dizemos isto é por efeito de linguagem, pois um teste pressupõe podermos mensurar o que uma pessoa é a partir de certos traços identificáveis. Porém um método nos fala de uma compreensão mais ampla, na medida em que não fecha ou não esgota a interpretação e aprecia alguém por seus aspectos qualitativos, subjetivos, podendo ser usado em combinação com outros instrumentos e múltiplas teorias. É assim que o Rorschach pode ser considerado como um método, e é chamado frequentemente de RIM, sigla em inglês para “Rorschach Inkblot Method”, ou Método das Manchas de Tinta. O Teste de Rorschach possui bases psicométricas confiáveis? R.: Sim, e estas bases nos asseguram, no Sistema Compreensivo, critérios objetivos para validar nossas conclusões. É devido a elas que podemos dizer que o Rorschach: • Avalia a estrutura e a dinâmica da personalidade; • É confiável e amplamente validado; • Contribui para o diagnóstico diferencial; • Permite fazer predições sobre a melhor terapia; O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 5 Só devemos ter cautela em relação à predição do comportamento, mas ainda assim, a respeito de traços, quando estes interagem com fatores do ambiente, podemos predizer o que pode vir a ocasionar um determinado comportamento. 3. Aplicação do Rorschach no Sistema Compreensivo eve-se tomar alguns cuidados para uma aplicação bem sucedida do Rorschach. A administração do Rorschach não é difícil, mas pode se tornar assim quando o examinador não toma algumas medidas necessárias: Preparo do examinador: Problemas comuns da aplicação envolvem papel insuficiente, falta de caneta, pranchas de cabeça para baixo ou fora da seqüência, tempo insuficiente ou momento inadequado (começar o teste faltando quinze minutos para terminar a sessão), local rico em interferências (pátio barulhento, ambientes coletivos). Obs.: Não há indicação quanto a que roupa seria mais apropriada, vale o bom senso. Cuidado com as pranchas: O desgaste das pranchas é natural devido ao tempo de uso. Não se deve usar pranchas com riscos de caneta, lápis, abrasões ou manchas que não constam originalmente. Posição de aplicação: Nunca deve ser face a face. Escolher de duas, uma: ou sentar na ponta de uma mesa em que o examinando esteja, de modo que o aplicador e o examinando formem um “L”, ou sentar lado a lado com o sujeito num sofá confortável ou em cadeiras. As pranchas devem ser colocadas numa mesinha próxima do examinador, com a face para baixo, na seqüência certa de I a X, e fora do alcance do sujeito. O examinador vai passando as pranchas para o sujeito e depois devolvendo-as para a mesinha. Explicações sobre o teste: Nenhuma informação adicional sobre o teste é necessária se o sujeito foi adequadamente preparado para este momento, explicações longas são desgastantes e podem gerar mais ansiedade. Por isso, de acordo com Exner, é útil perguntar: “...um dos testes que faremos é o teste das manchas de tinta, o Rorschach. Você já ouviu falar dele, ou já o fez alguma vez?”. Num psicodiagnóstico é preciso descrever ao sujeito todos os procedimentos a serem usados, incluindo o Rorschach, para que ele tenha exata noção sobre o que é esperado dele. Sobre os objetivos do teste pode-se dizer: D O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 6 “É um teste que nos dá informações sobre sua personalidade, e tendo essas informações nós podemos...”. O restante da frase depende do objetivo da avaliação. Se o sujeito não ouviu falar do teste, pode ser útil instruir: “Eu vou lhe mostrar alguns cartões com manchas de tinta e quero que você me diga com o que se parecem para você”. O momento do teste: As instruções devem ser simples. Ao entregar a primeira prancha para o sujeito o examinador diz: “O que isto poderia ser?”. E só. Não se deve usar nenhum complemento assim como “manchas desestruturadas”, “ambíguas”. São manchas de tinta apenas. Se o sujeito entendeu equivocadamente as instruções pode começar a associar a partir de suas respostas, e pode perguntar: “Devo usar a imaginação?”, ao que o examinador deve responder: “Diga-me apenas o que você vê”. Embora a imaginação e associações tenham validade clínica, é apenas o que o sujeito vê que constitui a resposta do Rorschach. Obs.: Resposta é uma idéia, um conceito vinculado diretamente a uma determinada área (estímulo da prancha). Não inclui crítica, exclamação, comentários, perguntas. Perguntas e respostas durante o teste: Se o sujeito perguntar: Deve-se responder: “Posso virar o cartão?”, “É preciso usar a coisa toda?”, “Posso falar mais?”, etc. “Como você quiser”. “Quantas coisas devo encontrar?” “A maioria das pessoas encontra mais do que uma coisa”. “O que as pessoas vêem nesta prancha?” “As pessoas vêem todo tipo de coisas”. “Como eles fazem estas manchas?” “São feitas a partir de figuras, no total de dez, distribuídas pelo fabricante na Suíça para o mundo inteiro”. “Como você consegue saber alguma coisa a partir disso?” “Vamos esperar até o final da aplicação e eu responderei todas as suas dúvidas”. O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 7 Fases da aplicação: O Rorschach é aplicado em duas etapas, a primeira é a fase de respostas, atravessada sem maiores dificuldades. A segunda, mais longa, é a fase de inquérito, na qual o examinador busca saber o que há na mancha que levou o sujeito a responder conforme anotado. Encorajamentos: Na situação em que o examinando dá apenas uma resposta ao primeiro cartão, e somente nesse caso, deve-se dizer: “Não tenha pressa. Olhe um pouco mais. Tenho certeza que você encontrará mais alguma coisa”. Não se deve aceitar se o sujeito afirma não conseguir ver nada. Os cartões VI, VII ou IX, tendem a ser os mais rejeitados, mas o examinador deve contornar o problema dizendo: “Não tenha pressa, nós temos tempo, fique à vontade. Todo mundo consegue encontrar alguma coisa”. Geralmente, menos de um minuto depois, se tem alguma resposta. O encorajamento visa evitar o fenômeno dos protocolos curtos, que são protocolos com menos de 14 respostas, número insuficiente para começar a interpretação. Mesmo assim, se o sujeito der menos de 14 respostas ao teste, não se deve ir para o inquérito, e sim dar uma nova instrução: “Agora você sabe como se faz. Mas temos um problema. Você não deu respostas suficientes para que eu possa fazer a avaliação do teste. Então vamos voltar aos cartões novamente e desta vez eu gostaria que você me desse mais respostas. Se você quiser, pode incluir as mesmas respostas que já deu, mas procure dar mais respostas desta vez”. Protocolos longos: O caso contrário, quando o sujeito deu cinco respostas ao primeiro cartão e continua segurando com intenção óbvia de dar mais respostas deve-se intervir e dizer: “Está bem, vamos para o próximo”. Deve ser feito assim enquanto o sujeito continuar a dar cinco respostas e reter o cartão. Se em algum momento o sujeito der menos que cinco respostas e devolver o cartão, ou devolver após ter dado cinco respostas, deve-se interromper este procedimento e não interromper mais durante o restante do teste, mesmo se o sujeito voltar a dar cinco ou mais respostas às pranchas. O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 8 Anotando as respostas: Todas as perguntas e respostas, sejam do examinador ou do examinado, devem ser anotadas no protocolo, bem como as exclamações como “nossa!”, feitas pelo sujeito. Em caso de dúvida, o examinadordeve pedir ao sujeito que repita a resposta ou parte dela: “Desculpe, estou tendo dificuldade para acompanhar, você disse duas pessoas com chapéus e...?”. Esta técnica aumenta a chance da mesma resposta ser repetida pelo sujeito. Uma resposta pode incluir a presença de vários objetos descritos separadamente pelo sujeito, por isso, e pela minha experiência, pode ser útil perguntar se o sujeito emitiu uma resposta só, ou duas, ao ver uma determinada mancha, pois nem sempre os protocolos são descritos com clareza pelos sujeitos. O inquérito: É a fase na qual nos certificamos sobre como vamos codificar as respostas do sujeito. Devemos instruir o sujeito dizendo: “Agora vamos voltar aos cartões novamente. Não vai demorar muito tempo. Eu quero ver o que você disse que viu e ter certeza que eu estou vendo do mesmo modo que você. Vamos ver uma resposta de cada vez. Eu vou ler o que você disse e então quero que você me mostre onde está e o que tem na mancha que faz com que pareça isso, para que eu possa ver também como você viu. Entendeu?”. Apesar de dizer que não demora, é o examinador quem conduz e dá o ritmo desejado ao processo. É importante não ter pressa e seguir um ritmo que permita encontrar todos os determinantes. Eventualmente, ao achar que o sujeito pode não estar revelando todos os determinantes de uma resposta, podemos nos sentir tentados a fazer perguntas seguindo nossa intuição, como por exemplo: “A cor ajudou na resposta?”. Porém isto não é recomendado e pode prejudicar o teste, pois o que vale no inquérito é a resposta dada pelo sujeito, da mesma maneira como ele a formulou, com os comentários adicionais do inquérito. Ter deixado de anotar um determinante não vai prejudicar a interpretação final, mas ter ocasionado uma resposta que não estava antes pode invalidar o protocolo. O aspecto cultural é uma variável que pode interferir decisivamente num protocolo, e pode ser principalmente perigoso se o examinador não compartilha de início do mesmo nível social ou cultural que o examinado. É preciso estar atento no inquérito para se certificar de que a resposta dada pelo sujeito é a resposta por nós entendida. Um caso em particular pode ajudar a compreender este cuidado: uma rorschachista experiente chegou a codificar a resposta “bruxa” dada por um sujeito ao cartão V, como uma “Figura Para-Humana O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 9 Inteira”, ao passo que estaria melhor classificado como conteúdo “Animal”, visto que, no interior do Amazonas, bruxa é uma designação comum para mariposa. Jamais se deve interpretar um teste desconsiderando o aspecto cultural do examinado, e em que medida este aspecto está presente nas suas respostas. Perguntas e respostas durante o inquérito: Se o sujeito perguntar: Deve-se responder: “Por que estamos fazendo isto?” “Para que eu possa ver o mesmo que você viu”. “O que devo dizer?” “Apenas me mostre onde você viu e o que faz com que pareça”. “Devo dar novas respostas?” “Não, estou apenas interessado nas coisas que você viu antes”. O procedimento para começar o inquérito é apresentar ao sujeito os cartões, um de cada vez, dizendo: “Neste você disse...” e terminar com a resposta literal do sujeito. Com a folha de localização do lado, deve-se anotar a área da mancha usada pelo sujeito para emitir a resposta. Se restar dúvida sobre a localização, pode-se perguntar ao sujeito: “Onde está isso que você viu?”, ou “não sei se consegui ver, contorne com o dedo”. Se o sujeito não sabe os motivos pelos quais deu a resposta, pode-se variar a instrução e esclarecer mais uma vez: “Eu sei que parece isso para você, mas lembre-se que eu preciso ver também. Então me ajude. Diga para mim o que você vê aqui na mancha que faz com que pareça ....”. Palavras-chave da investigação: Algumas vezes podem aparecer palavras-chave que nos auxiliam na investigação dos determinantes de cada resposta, elas podem estar incluídas em algum comentário que o sujeito acrescenta à resposta original. Algumas palavras-chave são adjetivos como “bonito, sombrio, machucado, brilhante”. Outras são substantivos como “circo, festa, pele, sangue”. Por exemplo: um sujeito pode se referir à prancha V como “um anjo mau”, nesse instante o examinador deve desconfiar do adjetivo “mau” e perguntar o que fez com que parecesse mau, ao que o sujeito pode responder “porque é todo preto”. Desta forma pode-se O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 10 vir a descobrir que o determinante “Cor Acromática” foi usado na resposta. Se restar dúvida em algum momento, a regra é perguntar! Para um rorschachista é mais fácil descartar material inadequado do que deixar de fazer uma pergunta importante. Teste de limites: É quando o teste é pobre em respostas populares, que são aquelas dadas pela maioria das pessoas, e o examinador escolhe dois ou três cartões, geralmente III, V e VIII, e pode perguntar: “Já estamos quase terminando, mas aqui (entrega o cartão ao sujeito), olhe este de novo. Algumas vezes, as pessoas vêem (fala a resposta popular) neste cartão. Você vê aí alguma coisa que pareça com isso?”. Não se mostra a localização da resposta popular. Geralmente, pacientes psiquiátricos com grave perturbação manifestam surpresa que as pessoas vejam as respostas que o examinador mencionou. 4. Significado das pranchas e respostas populares o Rorschach não se pode atribuir significados prévios às pranchas a não ser como uma expectativa aproximada que, no entanto, não tem valor se considerada isoladamente sobre a interpretação. Ao contrário do que os sujeitos imaginam, o que o sujeito vê na mancha é mais importante do que qualquer significado que possa ser atribuído a ela. Identificar significados nas pranchas é válido para se estimar uma medida a partir da qual se pode avaliar o quanto o sujeito se aproxima do que os outros vêem, ou, por outro lado, o quanto suas percepções se afastam do que as outras pessoas vêem no mesmo estímulo. Prancha I: Por ser o primeiro estímulo do teste é útil pensar a eficiência do sujeito ao responder à prancha I como um indicador do modo que o sujeito reage a situações novas, pouco estruturadas. A prancha I também dá uma idéia sobre quem o sujeito é e o que é importante para ele: as respostas aqui têm peso de apresentação, isto é, do modo como o sujeito quer que os outros o vejam. A prancha I não é muito difícil de lidar, pois apresenta diversos detalhes nos quais os sujeitos podem se apoiar para responder. A cor acromática desta e das pranchas subseqüentes pode ser particularmente perturbadora para indivíduos que lutam contra estados depressivos ou sentimentos de culpa e inabilidade. Resposta Popular: Morcego ou borboleta, com a parte de cima da mancha identificada como a parte de cima do animal, e sempre envolvendo a prancha toda. N O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 11 Prancha II: O que chama a atenção na prancha II são as áreas em vermelho, rapidamente identificadas como sangue. Esta mancha pode ser difícil para pessoas que estejam enfrentando sentimentos de hostilidade ou que estejam preocupadas com sua saúde. O modo como responde a esta prancha pode revelar dificuldades com a sexualidade. Resposta Popular: Animal, visto na área D1, e identificado em geral como urso, cachorro, elefante ou cordeiro. A resposta é geralmente a cabeça e a parte superior do corpo, mas também pode ser o corpo inteiro. Prancha III: O mais característico desta prancha é a identificação de figuras humanas interagindo, de modo que a natureza da relação percebida entre elas vai nos dizer algo sobre o relacionamento do sujeito com as outras pessoas no momento. Sujeitos em dúvida quanto ao seu papel sexual encontramdificuldade em identificar o sexo das figuras humanas percebidas. Resposta Popular: Figura humana ou representação desta, como boneca, caricatura, etc, vistos na área D9. Se D1 for usado como duas figuras humanas, D7 não deve ser incluído na figura humana para que a resposta seja codificada P. Prancha IV: Embora não se possa considerá-la como “a prancha paterna”, ela evoca associações de algo forte, grande e ameaçador. Grande parte dos sujeitos relata a impressão de estar olhando-a de baixo para cima, de modo que ela evoca a sensação de autoridade a qual se é subordinado, geralmente um homem, raramente uma mulher. Ela não é a prancha “paterna” porque a figura de autoridade pode ser desempenhada por várias outras pessoas que não o pai exatamente, mas ainda assim representa autoridade e dificuldades neste aspecto da vida interpessoal aparecem mais prontamente nesta prancha. É uma prancha difícil por não poder ser rapidamente associada a algum conteúdo. Resposta Popular: Figura humana ou para-humana, como gigante, monstro, criatura de ficção, etc., vistos nas áreas W ou D7. O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 12 Prancha V: Devido à sua forma, mais facilmente identificada pelos sujeitos, em contraste com a prancha anterior, à dificuldade do ineditismo da prancha I, ao vermelho da prancha II e ao caráter interpessoal da prancha III, esta prancha não possui qualquer dificuldade, sendo considerada como uma pausa do teste. Resposta Popular: Morcego ou borboleta, com a parte de cima da mancha identificada como a parte de cima do animal, e sempre envolvendo a prancha toda. Prancha VI: A qualidade fundamental atribuída pelas pessoas a esta prancha é a sensação de textura. Esta prancha elicia conteúdos de relacionamento interpessoal íntimo. A prancha VI, por isso, ajuda a investigar a sexualidade e a maneira como os indivíduos reagem a ela. Resposta Popular: Pele, couro ou tapete de pele de animal, vistos na área W ou D1. Os sujeitos podem se referir à pele ou couro como parte de um animal inteiro, nesse caso é preciso se certificar de que elas são mencionadas claramente na resposta para se codificar P. Prancha VII: Assim como na prancha IV é comum encontrar-se perceptos de força, grandeza, solidez e de ameaça, na prancha VII se revelam mais conteúdos de maciez, passividade e leveza que fazem desta a Prancha feminina do Rorschach. Não podendo ser considerada “a prancha materna”, pois o papel de cuidador nem sempre é exclusivamente desempenhado pela mãe, ainda assim com certeza é “uma prancha materna”, pela associação que desperta. A resposta a esta prancha revela, portanto, facilidades ou dificuldades no contato com as mulheres. Resposta Popular: Cabeça ou rosto humano identificado como de mulher, criança ou índio, ou sem gênero identificado, visto na área D9. Esta Popular pode envolver as áreas D1, D2 ou Dd22. Se D1 é usado, a área de cima (D5) é identificada como cabelo, pena, etc. Se a resposta incluir as áreas D2 ou Dd22, P é codificado somente se a cabeça ou rosto estiver circunscrito à área D9. O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 13 Prancha VIII: Assim como na prancha V, esta prancha se segue a uma série de pranchas acromáticas, relativamente difíceis, que exigem mais do sujeito, de modo que se pode considerar a prancha VIII como uma pausa bem-vinda na tarefa, de modo a que o sujeito se recupere e possa continuar depois. Isto se deVe a que esta prancha possui cores suaves em tons pastéis e figuras facilmente identificadas com animais nas laterais da mancha. Sujeitos que, entretanto, apresentam dificuldades com estimulação emocional, podem ter dificuldades aqui. Resposta Popular: Figura animal inteira, vista na área D1, geralmente canino, felino ou um roedor, com a cabeça adjacente à área D4. Prancha IX: É uma prancha vaga e difusa, que apesar das cores suaves, desperta mais dificuldade. Mesmo as respostas populares aqui são difíceis de encontrar. A dificuldade com esta prancha revela a dificuldade do sujeito com situações vagas e pouco estruturadas. Resposta Popular: Figura humana ou para-humana, tal como gigante, monstro ou criatura de ficção científica, etc., vistos na área D3. Prancha X: A grande quantidade de detalhes desta prancha, bem diferenciados e coloridos tornam esta prancha parecida com a prancha VIII, porém as diversas formas e cores que preenchem seu campo perceptivo a tornam também parecida com a prancha IX. É assim, ao mesmo tempo, uma prancha fácil, devido às cores e aos vários detalhes, mas uma prancha difícil, pois exige esforço para se organizar os detalhes. Esta prancha fornece um indicador da capacidade do sujeito lidar com vários estímulos ao mesmo tempo, e, assim como na prancha I, é útil para se pensar a “saída” do sujeito, ou seja, o modo como ele quer que os outros o vejam, depois que tudo foi dito ou feito. Dependendo do momento em que se encontram, dois sujeitos com o mesmo quadro psiquiátrico podem responder à prancha X de maneira diferente, revelando se se encontram no início ou no final da doença. O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 14 Resposta Popular: Caranguejo ou aranha, vistos na área D1, com todos os apêndices restritos à área D1. Como palavra final cabe salientar que responder satisfatoriamente a uma prancha significa manter-se calmo, com pouca hesitação, atribuindo respostas claras, adequadas aos estímulos, logicamente organizadas, sem conteúdos perturbadores. Há quatro formas de se perceber se o sujeito reage com dificuldade ao teste: • O sujeito demora mais para responder a uma determinada prancha, tem hesitação ao fazer isso, ou manifesta comentários negativos sobre a mancha; • O sujeito apresenta respostas vagas, fragmentadas ou arbitrariamente justificadas; • Quando o sujeito explicitamente rejeita uma prancha; • Quando o sujeito dá menos de 14 respostas ao teste. 5. Seqüência dos códigos codificação é a segunda etapa do teste, e corresponde a uma classificação sistematizada do que o sujeito viu durante a avaliação, são oito os códigos de anotação de respostas: SEQÜÊNCIA DOS CÓDIGOS Loc. DQ Determinantes FQ Par Conteúdos P Z Códigos Especiais Exemplo: Loc. DQ Determinantes FQ Par Conteúdos P Z Códigos Especiais W + FMa.FC o 2 A, Ls P 4.5 DR1 Ou simplesmente: W+ FMa.FCo (2) A, Ls P 4.5 DR1 Os códigos são sempre anotados nesta mesma seqüência, e cada resposta deve receber uma codificação própria. 6. Localização e uso do Atlas primeiro dos códigos, e também o mais fácil, corresponde à localização da resposta, isto é, em que parte da mancha a resposta foi vista. O examinador deve dispor de uma A O O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 15 folha de localização durante o inquérito para anotar a localização exata em que o sujeito viu a resposta. Algumas vezes a localização é dada pelo sujeito durante a própria resposta, porém em outros casos é preciso ser mais diretivo durante o inquérito e pedir ao sujeito para contornar com o dedo a área em que viu a resposta. De posse da área em que a resposta foi vista deve-se procurar sua localização no Atlas, que é o guia onde todas as localizações estão presentes, divididas por áreas, onde cada área recebe um número correspondente. Localização de respostas: Se uma área da mancha, utilizada pelo sujeito, não pertence ao Atlas, deve-se utilizar sempre o código Dd99. Um cuidado deve ser tomado ao codificar múltiplas áreas D, pois algumas respostas envolvem o uso de duas ou mais áreas D. Nos casos em que a resposta é uma combinação de áreas D, a localização permanece D. Há casos em que o sujeito combina duas áreas D para formar uma área que não é comumentevista, se o sujeito utiliza cada área D da resposta como um objeto separado então a resposta continuará D. Se, porém, fusiona essas áreas D num único objeto a melhor localização será Dd.Exemplo: No cartão III se a área D9 é referida Símbolo Definição Critério W Resposta Global A mancha toda é usada na resposta, se uma pequena área é omitida já não pode ser Global. D Resposta de Detalhe Comum Uma área freqüentemente identificada na mancha. Dd Resposta de Detalhe Incomum Uma área pouco freqüentemente identificada na mancha. O tamanho não é critério para se codificar Dd. S Resposta de Espaço O espaço em branco foi usado na resposta. Nunca é usado sozinho, mas acompanhado como em WS, DS ou DdS. O RORSCHACH – Prof. Alexandre de O. Marques 16 como uma pessoa segurando uma mesa em D7, a localização será D. Se, porém vê a pessoa em D9 e em D7 sua mão, a localização será Dd.
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