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Principais Mudanças na Nova Lei De Falência

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Principais mudanças na nova Lei de Falência 
 
 
Clovis Brasil Pereira 
advogado em Guarulhos (SP), especialista em processo civil pelas Faculdades Integradas de Guarulhos, 
mestrando em direitos difusos e coletivos, na Unimes. Professor de processo civil, prática jurídica civil e 
ética e legislação profissional na Faculdade Integrada de Itapetininga (SP), ainda ministra cursos na 
ESA (Escola Superior da Advocacia) e no Curso Êxito, em São José dos Campos 
 
 
Sumário:1. Introdução 2. Princípios que nortearam a nova lei 3. A 
recuperação das empresas e o fim da concordata 4. Recuperação 
judicial e ou extrajudicial 5. Os créditos trabalhistas terão prioridade 
apenas parcial 6. Bancos conquistam preferência sobre o fisco 7. A 
administração da empresa em recuperação judicial 8. Considerações 
finais 
 
1. INTRODUÇÃO 
Demorou 11 anos a tramitação na Câmara dos Deputados e Senado, da 
denominada "Nova Lei de Falências" que substituirá o Dec.-Lei nº 
7.661/45, que disciplinou por 60 anos o processo falimentar, incluindo 
as Concordatas Preventiva e Suspensiva, facultadas ao devedor 
comerciante. 
Era óbvio o esgotamento do modelo de procedimento previsto no 
aludido Decreto-Lei para as empresas em processo falimentar. Referida 
legislação foi elaborada na época em que o Brasil tinha um paupérrimo 
parque industrial e comercial, e ainda a economia amargava os reflexos 
da 2ª guerra mundial. Note-se ainda que o país saia de um longo 
período ditatorial, personificada pelo chamado "Estado Novo", em que 
a legislação era praticamente imposta pelo Poder executivo. 
Ao longo dos 60 anos de vigência, muitas mudanças ocorreram, quer 
por alteração da legislação, quer pela dinâmica da Jurisprudência, que 
foi ajustando as relações entre o falido ou concordatário e seus 
credores, na medida em que a legislação era omissa ou se distanciava da 
nova realidade econômica que então se desenhava. 
Finalmente, o projeto de lei original nº 4376/1993, de iniciativa do 
Poder Executivo, depois de idas e vindas entre uma casa legislativa e 
outra, em razão de emendas e substitutivos que eram sugeridos, e ainda, 
da forte pressão das entidades representativas do comércio, da indústria, 
das instituições financeiras e demais setores interessados, restou 
aprovado. 
A Lei nº 11.101/2005, recebeu a sanção do Presidente da República em 
09 de fevereiro de 2005, com vacatio legis de 90 dias, começando sua 
vigência em 09 de junho de 2005, cujas mudanças principais, serão 
analisadas neste breve estudo. 
 
2. PRINCÍPIOS QUE NORTEARAM A NOVA LEI 
O Projeto de Lei original, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, 
após 10 anos de debates com os segmentos interessados, incluindo o 
Poder Judiciário, as entidades representativas dos Advogados, com 
destaque para a Ordem dos Advogados do Brasil, AASP - Associação 
dos Advogados de São Paulo e IASP – Instituto dos Advogados de São 
Paulo, dentre outras. 
Posteriormente, o texto aprovado pelos Deputados, foi remetido ao 
Senado, onde teve como relator o Senador Ramez Tebet. Inúmeras 
alterações foram feitas naquela casa legislativa, sendo mantida, todavia, 
a coluna dorsal consubstanciada na recuperação das empresas, que era 
um velho sonho acalentado pela classe empresarial e financeira do país. 
No relatório do PLC nº 71/2003, o relator destacou doze princípios que 
deveriam orientar a nova lei a ser aprovada, assim enumerados: 
- Preservação da empresa; 
- Separação dos conceitos de empresa e de empresário; 
- Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis; 
- Proteção aos trabalhadores; 
- Redução do custo do crédito no Brasil; 
- Celeridade e eficiência dos processos judiciais; 
- Segurança jurídica; 
- Participação ativa dos credores; 
- Maximização do valor dos ativos do falido; 
- Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de 
pequeno porte; 
- Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação 
judicial. 
Tais princípios nortearam o texto final do Projeto aprovado pelo Senado 
em 06 de junho de 2004. Posteriormente, foi submetido novamente à 
Câmara dos Deputados, face as alterações lá introduzidas, onde foi 
relator o Deputado Osvaldo Biolchi, sendo finalmente aprovado em 14 
de dezembro de 2004, ao apagar das luzes do ano legislativo. 
 
3. A RECUPERAÇÃO DAS EMPRESAS E O FIM DA 
CONCORDATA 
O novo diploma legal dá ênfase especial para a recuperação judicial e 
extrajudicial das empresas. Assim, as empresas em dificuldade de 
liquidez, poderão fazer um projeto de recuperação, sem solução de 
continuidade de suas atividades, e sem comprometimento das 
características, prazo e valores dos créditos constituídos. 
A recuperação das empresas substitui a atual concordata que era uma 
prerrogativa dada aos devedores comerciantes, em dificuldades, para 
recuperarem a empresa, e sua concessão dependia do atendimento de 
determinados requisitos e pressupostos, e dava um fôlego aos 
comerciantes, para pagar, em condições privilegiadas, no prazo de até 2 
anos suas dívidas. 
O comerciante decidia unilateralmente sobre o pedido e a forma de 
pagamento, e sujeitava todos os credores quirografários, 
independentemente de sua concordância. O que invariavelmente 
ocorria, é que a concordata privilegiava um determinado comerciante, e 
em contrapartida, levava seus credores ao regime falimentar, 
notadamente as empresas de pequeno porte, ou as que centralizavam 
suas operações comerciais em poucos clientes. 
Estima-se que entre 70 a 80% das empresas em regime de concordata, 
acabavam indo à falência, em razão da debilidade financeira ou ainda 
empurradas pelas crises econômicas cíclicas que ocorreram no Brasil, 
ou por problemas internos, ou pelas crises mundiais e seus reflexos, 
determinados pelos efeitos da globalização da economia. 
Não podemos ainda deixar de observar, para não cair na vala da 
ingenuidade, que muitos comerciantes, movidos por má-fé, se 
aproveitavam dos efeitos do chamado "favor legal", como era 
conhecida a Concordata, e acabavam desviando recursos, mudando de 
ramo, constituindo novas empresas, desmantelando as estruturas das 
empresas em dificuldades, levando-as à falência, com prejuízos 
significativos aos credores, ao fisco, e principalmente aos ex-
funcionários, com reflexos negativos para toda sociedade. 
 
4. RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL DAS 
EMPRESAS 
Pelas considerações feitas pelo relator do Projeto de Lei nº 71/2003, no 
Senado, "a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação 
da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir 
a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, e dos 
interesses dos credores, promovendo assim, a preservação da empresa, 
sua função social e o estímulo à atividade econômica". 
Fiel a esse princípio que deu ênfase às vantagens da programação de 
sua recuperação, agora as empresas poderão optar por dois caminhos 
para sua reestruturação, e superação das dificuldades: 
Um, é a chamada recuperação extrajudicial, onde serão chamados 
apenas os credores mais expressivos para renegociarem seus créditos, 
com objetivo de possibilitar a reestruturação da empresa, sem 
comprometer suas características, prazo e valores dos créditos dos 
demais credores, de menor expressão no passivo da empresa. 
Outra modalidade, é a recuperação judicial, que se realizará de maneira 
mais rígida e formal, sob a condução e controle do Poder Judiciário. A 
recuperação será programada e decidida, em princípio, pelos próprios 
credores, que formarão, opcionalmente, o chamado comitê de credores, 
em que prevalecerá a vontade da maioria, na aprovação do programa. 
Na hipótese do plano de recuperação não alcançar a aprovação, ou não 
atingir as metas almejadas, caberá ao Juiz decretar a falência da 
empresa. 
Na hipótese se não ser criado o comitê de credores, caberá ao 
administrador judicial, ou ao próprio juiz, deliberar sobre a fiscalização 
das atividadesdo devedor. 
No planejamento de recuperação poderão ser programadas formas 
previstas no artigo 50, da Lei 11.101/05, das quais destacamos, a 
capitalização da empresa, com a venda de parte da empresa, venda de 
ativos, renegociação e alongamento de prazos, cisão, incorporação e 
fusão de sociedade, alteração do controle societário, dentre outros, para 
o fim de melhorar o seu desempenho. 
No caso do plano de recuperação judicial ser aceito pelo Juiz, ficarão 
suspensas as ações de execução dos credores pelo prazo de 180 dias, 
podendo esse prazo ser prorrogado por mais 90 dias. 
Agora, a nova lei não estabelece um prazo fixo para a recuperação 
judicial da empresa, podendo este ser projetado no plano de 
recuperação, sendo essa uma modificação importante em relação ao 
processo de concordata que previa um prazo de até dois anos, com 
pagamento de 40% dos créditos no primeiro ano, e 60%, no segundo 
ano. 
 
5. OS CRÉDITOS TRABALHISTAS TERÃO PRIORIDADE 
APENAS PARCIAL 
Uma inovação trazida na legislação, é o tratamento dado aos créditos 
trabalhistas, no caso de falência da empresa. Pelo DL 7661/45, estes 
detêm a preferência sobre os demais, ou seja, depois de devidamente 
comprovados e reconhecidos pela Justiça do Trabalho, assumem a 
preferência no Quadro Geral de Credores, independentemente de seu 
valor. 
Agora essa preferência ganhou um limite, um teto, no valor equivalente 
a 150 salários mínimos, o que representa hoje, o valor de R$ 45.000,00. 
O saldo remanescente, será disputado pelos ex-funcionários da falida, 
em condições de igualdade, com os demais credores quirografários, e 
que são preteridos aos credores privilegiados, garantidos por bens 
móveis e imóveis e créditos tributários em geral. 
Sem dúvida, essa alteração foi, ao nosso ver, um retrocesso no que 
tange aos direitos dos trabalhadores das empresas, principalmente para 
os mais antigos, que acumularam ao longo do tempo créditos oriundos 
de direitos trabalhistas com a empresa, e foram preteridos pelo 
legislador na partilha dos créditos da falida. 
Na prática, acreditamos que os trabalhadores da falida acabarão 
recebendo apenas o valor máximo de R$ 45.000,00, referente aos 150 
salários mínimos, já que pouca chance terão os créditos remanescentes, 
classificados como quirografários, de serem honrados, tal como tem 
sido historicamente o desfecho desses créditos nas ações falimentares. 
 
6. BANCOS CONQUISTAM PREFERÊNCIA SOBRE O FISCO 
As instituições financeiras ganharam a preferência sobre o fisco, pela 
lei recentemente aprovada, ao contrário do que ocorria com o DL 
7.661/45, que colocava os créditos tributários em situação preferencial 
nos Quadro geral de Credores, perdendo então, apenas para os créditos 
de natureza trabalhista. 
Pela nova sistemática, que vigorará a partir de 10 de junho de 2005, os 
Bancos que concederem empréstimos com garantia real às empresas 
que vierem a falir, terão preferência sobre o fisco, não existindo 
limitações, neste caso, quanto ao valor. 
Essa disposição representa um privilegio dado aos Bancos, e uma 
garantia de recuperação dos créditos concedidos, uma vez que é prática 
comum das instituições financeiras, a vinculação de bens móveis 
(máquinas em geral) e imóveis da empresa, em garantia de alienação 
fiduciária e hipoteca em seu favor, nos contratos de financiamento 
formalizados. 
A grande expectativa que fica em aberto, junto aos empresários em 
geral, e a opinião pública, é se essa nova determinação legal, acarretará 
a diminuição dos juros bancários cobrados das empresas para 
investimento ou capital de giro, e mesmo para as pessoas em geral, que 
utilizam o cheque especial, o cartão de crédito, empréstimo pessoal e o 
crédito ao consumidor, uma vez a desculpa e a justificativa dada pelos 
Bancos para as altas taxas de juros vigentes, é a grande inadimplência 
nos empréstimos concedidos às empresas, e a falta de garantia dadas 
pela legislação anterior, para recuperação dos seus ativos, no caso da 
decretação da falência. 
Agora a tendência será a diminuição da inadimplência junto aos 
Bancos, pelas empresas em recuperação, ou mesmo as que vierem a 
falir, o que não justificará a médio e longo prazo, pelo menos, a 
manutenção da alta e extorsiva taxa de juros cobradas dos empresários e 
da população em geral pelas Instituições Financeiras. 
 
7. A ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO 
JUDICIAL 
Após a aprovação do plano de recuperação pelos credores, este é 
submetido à homologação judicial, cabendo ao juiz a nomeação de um 
administrador. A este cabe a tarefa de gerir os negócios da empresa em 
processo de recuperação, a seguir o planejamento estabelecido pelo 
comitê de credores, em decisão proferida pela maioria de seus 
integrantes. 
Certamente, sendo uma figura nova criada pelo legislador, terá funções 
mais relevantes que a do Síndico ou do Comissário, que tinham papéis 
importantes no Processo de Falência e Concordata, na legislação que 
ora agoniza. 
A figura do Administrador Judicial, que será fiscalizado pelo juiz e pelo 
comitê de credores, exigirá uma atuação arrojada, transparente, para 
sanear as despesas e melhorar a receita e o desempenho geral da 
empresa, injetando novas técnicas, aporte de capitais, entrada de novos 
sócios, ou mesmo fusão ou incorporação de empresas, desde que 
previstas no plano de recuperação previamente homologado pelo juiz. 
Seus deveres vêm expressos no artigo 22, inciso I, letras "a" até "i", 
para a recuperação judicial e na falência; inciso II, letras a, b, c, d, para 
a recuperação judicial; e inciso III, letras "a" até "r", para a falência. 
A escolha do administrador é de suma importância, e deve recair 
preferencialmente entre administradores de empresa, contadores, 
economistas, ou mesmo advogados com experiência empresarial e no 
ramo das finanças. 
 
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
É grande a expectativa entre os empresários em geral, e a comunidade 
financeira sobre os reflexos e os efeitos a curto, médio e longo prazos 
da denominada "Nova Lei de Falência", aprovada após longa batalha na 
Câmara dos Deputados e Senado, e que veio atender os reclamos desses 
segmentos. 
A eficiência da lei demandará uma nova postura das empresas, seus 
mandatários, os trabalhadores e seus órgãos representativos, e os 
credores em geral, onde se procurará, por certo, a todo custo se evitar a 
decretação da falência da empresa, já que este instituto se mostra 
perverso, principalmente pares os trabalhadores que vêm minguar 
postos de trabalho, com conseqüências sociais nefastas aos próprios 
empregados, à economia do país, e à sociedade em geral. 
Também exigirá um melhor aparelhamento do próprio Poder Judiciário, 
uma vez que se trata de matéria especializada, para a qual os 
magistrados não foram previamente preparados para executá-la. No 
mais, os próprios funcionários do Poder Judiciário, conviverão com 
uma nova situação que foge ao dia a dia das atividades forenses, o que 
certamente demandará treinamento adequado. 
Por fim, dentre tantas dúvidas que pairam sobre o novo texto legal, 
quanto aos efeitos de sua aplicação, está a que diz respeito ao 
tratamento que receberão as empresas de pequeno e médio porte, no 
processo de recuperação. Temos receio, que as grandes empresas, em 
condições de custear e disponibilizar uma forte estrutura de pessoal 
técnico especializado, tais como consultores empresariais, financeiros e 
econômicos, peritos, dentre outros, poderão vir a dominar os comitês de 
credores a serem instalados, com a supremacia de sua vontade sobre os 
demais, de menor porte, com risco de prejuízos para estes, que não 
terão como se sobrepor, ante a pressão econômica que poderão sofrer. 
Esta porém, é uma questão importante, que demandará observação e 
vigilância, nos primeiros momentos de vigência da lei. Eventuais 
desajustes e abusos, se ocorrerem, terão que ser contidos pelo Poder 
Judiciário, a quem cabe, em última análise, na prestação jurisdicional, a 
preservação do equilíbrio de interesses,em obediência ao princípio da 
igualdade, decantada no equilíbrio de forças entre os contendores, em 
respeito ao mandamento expresso no artigo 125, I, do Código de 
Processo Civil. 
Finalizando, não tivemos obviamente, a intenção de esgotar o assunto 
com este breve trabalho, denominado de "Parte I". Este não passa de 
uma síntese dos pontos que entendemos mais significativos na Lei nº 
11.101/05. Outras questões relevantes, tais como análise dos princípios 
norteadores do novo diploma legal, os créditos tributários, os crimes 
falimentares, questões processuais e o procedimento da nova lei de 
falência, serão objeto de outros artigos, que publicaremos 
oportunamente.

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