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T Trabalho Abstrato e Trabalho Concreto 263 São termos utilizados pelo filó- sofo alemão Karl Marx (1818-1883) para formular a sua teoria crítica do capitalismo. Seu ‘objetivo’ declarado não é explicar como é o capital (obje- to de estudo da economia política bur- guesa), mas sim ‘porque o capital exis- te’. Para isso, Marx desenvolve o se- guinte esquema argumentativo: 1) A ‘mercadoria representa a existência molecular do capital’ porque toda a produção capitalista toma a forma de mercadoria; 2) A mercadoria é, em primeiro lugar, um ‘valor uso’, um objeto externo, cujas qualidades ma- teriais ou virtuais a tornam útil para satisfazer “determinadas necessidades do estomago ou da fantasia”; em se- gundo lugar, é um ‘valor de troca’, (cujo nome em dinheiro se chama preço), uma relação quantitativa que pressupõe alguma substância comum, não perceptível empiricamente, de forma imediata; 3) Essa substância comum é o ‘trabalho humano abs- trato’; trabalho despido de suas especificidades e considerado como simples despesa de energias humanas, físicas e intelectuais. A partir da mercadoria, conside- rada existência molecular do capital, Marx define sua dupla realidade, a unidade valor de uso e valor de troca, como formas de expressão de uma unidade mais profunda: o trabalho no seu ‘duplo caráter’, ‘trabalho concre- to’ (que se manifesta no valor de uso) e ‘trabalho abstrato’ (que se manifesta no valor de troca). Segue-se daí que, ao considerar a mercadoria como forma molecular do capital, o ‘duplo caráter do trabalho’ contido nela reúne qualidades neces- sárias para servir como hipótese-cha- ve para o entendimento de todos os fenômenos econômicos, pois permi- te distinguir claramente o lado técni- co-material, do lado histórico-social. E isto se aplica em todas as categorias utilizadas para entender e explicar o sistema capitalista: mercadoria, dinhei- ro, capital, salário, lucro, juro, acumu- lação de capital, PIB, desenvolvimen- to tecnológico, qualificação do traba- TRABALHO ABSTRATO E TRABALHO CONCRETO Ramon Peña Castro DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE 264 lhador etc. Eis aí resumida a gênese e a insubstituível importância teórico- metodológica dos conceitos ‘trabalho abstrato’ e ‘trabalho concreto’. Cabe, ainda, referir brevemente alguns ou- tros aspectos correlacionados a esses conceitos. Na medida que a produção e o intercâmbio de mercadorias se desen- volvem até abranger a quase totalida- de dos produtos, quando inclusive a própria capacidade ou força humana de trabalho torna-se mercadoria, o valor, expressão do ‘trabalho abstra- to’, passa a ser representado pelo di- nheiro, uma mercadoria especial (ma- terial ou simbólica) que serve de equi- valente universal ou expressão única do valor de troca de todas as mercadori- as, por meio de suas várias funções: medida de valor, meio de circulação, meio de reserva e meio de pagamen- to. O dinheiro se transforma em capi- tal quando o seu possuidor se apossa dos meios de produção e, para acioná- los, adquire a mercadoria força de trabalho daqueles trabalhadores que, carecendo de meios de produção e meios de vida, vêem-se forçados a ven- der, por um tempo determinado, essa sua única mercadoria. O valor de toda mercadoria é o ‘trabalho abstrato’, não só direto, mas também indireto, empregado na sua produção. O ‘trabalho abstrato’ não é simplesmente trabalho de indivíduos genéricos, é o trabalho alienado da sociedade burguesa. A alienação eco- nômica do trabalhador assalariado consiste, substancialmente, em despossui-lo do controle do trabalho e do produto do trabalho. Assim, não é o trabalhador alienado quem usa os meios de produção, base material do capital; são os meios de produção, são as ‘coisas’, funcionando como capital, que usam o trabalhador, que mandam e exploram o trabalho assalariado. “O capital não é uma coisa, mas uma rela- ção social”, na qual o trabalho vivo serve de ‘meio’ ao trabalho morto, acumulado, para manter e aumentar o seu valor. O poder explicativo dos concei- tos ‘trabalho abstrato’ e ‘trabalho con- creto’, ou seja, ‘o duplo caráter do tra- balho’, pode ser mais bem exem- plificado na mercadoria força de tra- balho, cujo valor de uso é ‘trabalho concreto’ desenvolvido pelo trabalha- dor alienado no processo de valoriza- ção do capital. Como toda mercado- ria, a força de trabalho é unidade de valor de uso e valor de troca. O valor de troca da força de trabalho aparece, necessariamente, na forma mistificada de ‘preço do trabalho’, chamado salá- rio. Tal mistificação decorre do fato T Trabalho Complexo 265 de que o salário é pago em troca da realização de uma determinada quan- tidade de trabalho criador de novo valor em quantidade superior ao cus- to da força de trabalho. A diferença entre seu custo e o valor por ela pro- duzido, mediante o consumo capita- lista do seu valor de uso, constitui a mais-valia. Assim analisando mais de perto o que acontece que o valor de uso da força de trabalho, incorpora- da e posta em ação como parte do capital produtivo, verificamos que o trabalho concreto, vivo, subjacente na força de trabalho desempenha, a um só tempo, nada menos do que três funções: 1) conserva, transferindo-o ao novo valor de uso que produz, a parte do valor dos meios de produ- ção utilizados e consumidos produti- vamente (o ‘trabalho abstrato’ indire- to, morto, chamado ‘capital constan- te’); 2) reproduz o próprio valor na parte equivalente do valor do novo produto (capital variável); 3) produz um acréscimo de valor, chamado jus- tamente de mais-valia. Cabe insistir em três ou quatro aspectos importantes: • A abstração é um procedimento cognoscitivo de acesso à generalização.(É algo que todos praticamos, inconsciente e continuamente, quando usamos palavras que nomeiam ações, qualidades o estados considerados separados dos seres ou objetos a que pertencem (exemplos: trabalho, vegetal, humano, material, imaterial, vivo, morto, etc). • O processo de abstração que se manifesta no valor de troca ou preço das mercadorias é um processo social real. O trabalho abstrato é a propriedade que adquire o trabalho humano quando é destinada a produção de mercadorias e, por isso, somente existe na produção de mercadorias. O conceito de trabalho abstrato não é uma invenção cerebrina, mas a representação ou reflexo no pensamento de uma propriedade social real . Isto implica que o trabalho abstrato e sua expressão, o valor é também real, porque o trabalho produtor de mercadorias cria valor material izado na mercadoria que expressa seu valor de troca ou preço (quando uma mercadoria especial torna-se equivalente universal ou dinheiro). • O trabalho abstrato e, subseqüentemente, o valor constituem a essência ou natureza social mais profunda �� ����� �� ��������� DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE 266 ���������� �� �����������, ��� ���� essência resulta velada, inevitavelmente, pela forma mercantil-monetária que lhes confere uma existência dupla: técnico-material e histórico-social. Para entender e explicar essa dualidade mistificadora a Economia Política Crítica ou marxista elaborou um sistema conceitual próprio. Assim, para explicar o valor de troca, aquilo que torna equiparáveis e intercambiáveis mercadorias qualitativamente diferentes, Marx não se conforma, como acontece com os clássicos ingleses (Petty, Smith e Ricardo) com a referencia ao trabalho como simples ação humana sobre a natureza. Ele procura a sua “natureza misteriosa” no dispêndio de energias humanas, físicas e intelectuais, num sistema histórico- social definido pela propriedade privada dos meios de produção, separados do trabalho e, onde por tanto, a divisão social do trabalho, a sociedade como tal, somente pode existir com a da troca de valores, “cuja medida intrínseca” é o trabalho abstrato, direto e indireto, definido por um complexomecanismo social, cuja explicação corresponde a teoria do valor e dos preços de produção. Para saber mais: MARX, K. O Capital. 20.ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. (Livro 1, cap.1) ROSDOLSKY, R. Gênese e Estrutura de O Capital (estudos sobre os Grundrisse). Tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro: Uerj/ Contraponto, 2001. BIANCHI, M. A Teoria do Valor: dos clássicos a Marx. Lisboa: Edições 70 Livraria Martins Fontes: São Paulo, s. d. ATTAC. Le Petit Alter. Dictionnaire altermondialiste. Mille et une nuits. Fayard.Paris, 2006 SHAIKH, Anwar. Valor, Acumulación y Crisis. Edições RyR, Buenos Aires, dic. 2006 [www.razonyrevolucion.org.ar] <e-mail: editorial@razonyrevolucion. org.ar>
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