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Trabalho Abstrato e Trabalho Concreto
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São termos utilizados pelo filó-
sofo alemão Karl Marx (1818-1883)
para formular a sua teoria crítica do
capitalismo. Seu ‘objetivo’ declarado
não é explicar como é o capital (obje-
to de estudo da economia política bur-
guesa), mas sim ‘porque o capital exis-
te’. Para isso, Marx desenvolve o se-
guinte esquema argumentativo: 1) A
‘mercadoria representa a existência
molecular do capital’ porque toda a
produção capitalista toma a forma de
mercadoria; 2) A mercadoria é, em
primeiro lugar, um ‘valor uso’, um
objeto externo, cujas qualidades ma-
teriais ou virtuais a tornam útil para
satisfazer “determinadas necessidades
do estomago ou da fantasia”; em se-
gundo lugar, é um ‘valor de troca’,
(cujo nome em dinheiro se chama
preço), uma relação quantitativa que
pressupõe alguma substância comum,
não perceptível empiricamente, de
forma imediata; 3) Essa substância
comum é o ‘trabalho humano abs-
trato’; trabalho despido de suas
especificidades e considerado como
simples despesa de energias humanas,
físicas e intelectuais.
A partir da mercadoria, conside-
rada existência molecular do capital,
Marx define sua dupla realidade, a
unidade valor de uso e valor de troca,
como formas de expressão de uma
unidade mais profunda: o trabalho no
seu ‘duplo caráter’, ‘trabalho concre-
to’ (que se manifesta no valor de uso)
e ‘trabalho abstrato’ (que se manifesta
no valor de troca).
Segue-se daí que, ao considerar a
mercadoria como forma molecular do
capital, o ‘duplo caráter do trabalho’
contido nela reúne qualidades neces-
sárias para servir como hipótese-cha-
ve para o entendimento de todos os
fenômenos econômicos, pois permi-
te distinguir claramente o lado técni-
co-material, do lado histórico-social.
E isto se aplica em todas as categorias
utilizadas para entender e explicar o
sistema capitalista: mercadoria, dinhei-
ro, capital, salário, lucro, juro, acumu-
lação de capital, PIB, desenvolvimen-
to tecnológico, qualificação do traba-
TRABALHO ABSTRATO E TRABALHO CONCRETO
Ramon Peña Castro
DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE
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lhador etc. Eis aí resumida a gênese e
a insubstituível importância teórico-
metodológica dos conceitos ‘trabalho
abstrato’ e ‘trabalho concreto’. Cabe,
ainda, referir brevemente alguns ou-
tros aspectos correlacionados a esses
conceitos.
Na medida que a produção e o
intercâmbio de mercadorias se desen-
volvem até abranger a quase totalida-
de dos produtos, quando inclusive a
própria capacidade ou força humana
de trabalho torna-se mercadoria, o
valor, expressão do ‘trabalho abstra-
to’, passa a ser representado pelo di-
nheiro, uma mercadoria especial (ma-
terial ou simbólica) que serve de equi-
valente universal ou expressão única do
valor de troca de todas as mercadori-
as, por meio de suas várias funções:
medida de valor, meio de circulação,
meio de reserva e meio de pagamen-
to. O dinheiro se transforma em capi-
tal quando o seu possuidor se apossa
dos meios de produção e, para acioná-
los, adquire a mercadoria força de
trabalho daqueles trabalhadores que,
carecendo de meios de produção e
meios de vida, vêem-se forçados a ven-
der, por um tempo determinado, essa
sua única mercadoria.
O valor de toda mercadoria é o
‘trabalho abstrato’, não só direto, mas
também indireto, empregado na sua
produção. O ‘trabalho abstrato’ não é
simplesmente trabalho de indivíduos
genéricos, é o trabalho alienado da
sociedade burguesa. A alienação eco-
nômica do trabalhador assalariado
consiste, substancialmente, em
despossui-lo do controle do trabalho
e do produto do trabalho. Assim, não
é o trabalhador alienado quem usa os
meios de produção, base material do
capital; são os meios de produção, são
as ‘coisas’, funcionando como capital,
que usam o trabalhador, que mandam
e exploram o trabalho assalariado. “O
capital não é uma coisa, mas uma rela-
ção social”, na qual o trabalho vivo
serve de ‘meio’ ao trabalho morto,
acumulado, para manter e aumentar o
seu valor.
O poder explicativo dos concei-
tos ‘trabalho abstrato’ e ‘trabalho con-
creto’, ou seja, ‘o duplo caráter do tra-
balho’, pode ser mais bem exem-
plificado na mercadoria força de tra-
balho, cujo valor de uso é ‘trabalho
concreto’ desenvolvido pelo trabalha-
dor alienado no processo de valoriza-
ção do capital. Como toda mercado-
ria, a força de trabalho é unidade de
valor de uso e valor de troca. O valor
de troca da força de trabalho aparece,
necessariamente, na forma mistificada
de ‘preço do trabalho’, chamado salá-
rio. Tal mistificação decorre do fato
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Trabalho Complexo
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de que o salário é pago em troca da
realização de uma determinada quan-
tidade de trabalho criador de novo
valor em quantidade superior ao cus-
to da força de trabalho. A diferença
entre seu custo e o valor por ela pro-
duzido, mediante o consumo capita-
lista do seu valor de uso, constitui a
mais-valia. Assim analisando mais de
perto o que acontece que o valor de
uso da força de trabalho, incorpora-
da e posta em ação como parte do
capital produtivo, verificamos que o
trabalho concreto, vivo, subjacente na
força de trabalho desempenha, a um
só tempo, nada menos do que três
funções: 1) conserva, transferindo-o
ao novo valor de uso que produz, a
parte do valor dos meios de produ-
ção utilizados e consumidos produti-
vamente (o ‘trabalho abstrato’ indire-
to, morto, chamado ‘capital constan-
te’); 2) reproduz o próprio valor na
parte equivalente do valor do novo
produto (capital variável); 3) produz
um acréscimo de valor, chamado jus-
tamente de mais-valia.
Cabe insistir em três ou quatro
aspectos importantes:
• A abstração é um
procedimento cognoscitivo de acesso
à generalização.(É algo que todos
praticamos, inconsciente e
continuamente, quando usamos
palavras que nomeiam ações,
qualidades o estados considerados
separados dos seres ou objetos a que
pertencem (exemplos: trabalho,
vegetal, humano, material, imaterial,
vivo, morto, etc).
• O processo de abstração que
se manifesta no valor de troca ou
preço das mercadorias é um
processo social real. O trabalho
abstrato é a propriedade que adquire
o trabalho humano quando é
destinada a produção de
mercadorias e, por isso, somente
existe na produção de mercadorias.
O conceito de trabalho abstrato não
é uma invenção cerebrina, mas a
representação ou reflexo no
pensamento de uma propriedade
social real . Isto implica que o
trabalho abstrato e sua expressão, o
valor é também real, porque o
trabalho produtor de mercadorias
cria valor material izado na
mercadoria que expressa seu valor
de troca ou preço (quando uma
mercadoria especial torna-se
equivalente universal ou dinheiro).
• O trabalho abstrato e,
subseqüentemente, o valor constituem
a essência ou natureza social mais
profunda �� ����� �� ���������
DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE
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essência resulta velada, inevitavelmente,
pela forma mercantil-monetária que
lhes confere uma existência dupla:
técnico-material e histórico-social. Para
entender e explicar essa dualidade
mistificadora a Economia Política
Crítica ou marxista elaborou um
sistema conceitual próprio. Assim,
para explicar o valor de troca, aquilo
que torna equiparáveis e
intercambiáveis mercadorias
qualitativamente diferentes, Marx não
se conforma, como acontece com
os clássicos ingleses (Petty, Smith e
Ricardo) com a referencia ao
trabalho como simples ação humana
sobre a natureza. Ele procura a sua
“natureza misteriosa” no dispêndio
de energias humanas, físicas e
intelectuais, num sistema histórico-
social definido pela propriedade
privada dos meios de produção,
separados do trabalho e, onde por
tanto, a divisão social do trabalho, a
sociedade como tal, somente pode
existir com a da troca de valores,
“cuja medida intrínseca” é o trabalho
abstrato, direto e indireto, definido
por um complexomecanismo social,
cuja explicação corresponde a teoria
do valor e dos preços de produção.
Para saber mais:
MARX, K. O Capital. 20.ed. Tradução de
Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005. (Livro 1, cap.1)
ROSDOLSKY, R. Gênese e Estrutura de O
Capital (estudos sobre os Grundrisse). Tradução
de César Benjamin. Rio de Janeiro: Uerj/
Contraponto, 2001.
BIANCHI, M. A Teoria do Valor: dos clássicos
a Marx. Lisboa: Edições 70 Livraria Martins
Fontes: São Paulo, s. d.
ATTAC. Le Petit Alter. Dictionnaire
altermondialiste. Mille et une nuits.
Fayard.Paris, 2006
SHAIKH, Anwar. Valor, Acumulación y
Crisis. Edições RyR, Buenos Aires, dic.
2006 [www.razonyrevolucion.org.ar]
<e-mail: editorial@razonyrevolucion. org.ar>

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