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INTERFACE ENTRE A PSICOLOGIA A PSIQUIATRIA E A SAÚDE MENTAL ADOLFO VIEIRA MELONIO DO NASCIMENTO CONTEÚDO PARA A MESA-REDONDA NA SEMANA DE PSICOLOGIA DA FACULDADE MAURÍCIO DE NASSAU – SÃO LUÍS/MA. No campo da saúde mental, objetivando o acerto e o avanço do saber repete-se mais do que se percebe ou do que se gostaria.Esse fato deve-se à adesão incondicional a determinadas teorias ou modos de pensar lecionados historicamente, por consequência paga-se um preço elevado. O estudo, a crítica e a interdisciplinariedade das conquistas práticas no âmbito da sanidade mental no mundo devem ser propagadas, para que não venhamos a reproduzir alguns erros e dogmas considerados ultrapassados no atual contexto do transculturalismo. Vale ressaltar que toda a produção do saber é embasada nos jogos de verdade, enunciados por Foucault, o autor não se preocupa em definir o que é verdade e o que não é, mas discute por que algumas coisas são consideradas verdade enquanto outras não, visto que cada sociedade possui seu próprio regime de verdade. O que pode ser aglutinado com os ensinamentos que constam nos jogos de linguagem de Ludwig Wittgenstein em sua obra “Investigações Filosóficas”, onde infere-se do texto que o falar da liguagem é parte de uma atividade, ou de uma forma de vida que dá à linguagem o seu significado. Assim, é preciso reservar uma especial atenção a conjuntura histórica no sentido de aproveitar os ensinamentos já sacramentados, sem ouvidarmos que a busca por novas teses é salutar para o desenvolvimento da pesquisa e elaboração da literatura nas ciências da saúde. Ademais, a corroborar os ensinamentos dos filósofos supracitados podemos nos debruçar no âmbito literário, onde a subjetividade diante dos conflitos é mesclada com o imaginário e o lúdico, trazendo uma reconciliação com o âmago , perfilhando ideias que de outro modo seriam inconcebíveis. É altamente ilustrativo citarmos “O Alienista” de Machado de Assis.Essa obra prima tem como protagonista o Dr.Simão Bacamarte, médico dedicado na sua ciência em tempo integral, especialmente no tocante a mente humana, criador do primeiro hospício de seu tempo. O terapeuta sem dúvidas correspondia aos anseios da população em um contexto onde o termo psiquiatria ainda era inexistente em nosso país. O orgulho pelo Dr. Bacamarte era tamanho que o narrador o descreve como o maior médico do Brasil, de Portugal e da Espanha. A nomenclatura psiquiatria não existia na época, visto que o conto é datado de 1882, mas indubitavelmente as demandas em saúde mental já eram latentes. Sobre tal aspecto, Freud em 1930, em seu ensaio “ O mal-estar na civilização”, cuida notadamente sobre a atonia da humanidade, mesmo com a evolução nos campos tecnológicos e científicos. E termina questionando até quando a civilização irá manter-se utilizando os meios que criou para conter a destrutividade humana. Os tempos mudaram, décadas de guerras e epidemias de diversas espécies ocorreram e a globalização na atualidade resta consumada.O transculturalismo fomentado pelo fácil acesso a tecnologia tem aproximado gerações, opiniões e dissipado padrões de comportamento e postura. É o mundo digital se sobrepondo ao mundo real. Nesse cenário como fica a saúde coletiva? Acomodadamente sadia ou mais neurótica?É uma questão. Hoje, profissionais de diversas graduações ligadas à saúde são alvejados por um mercado que deseja um atendimento prático, responsável e eficiente, e ao mesmo tempo hiperprodutivo. O excesso de informações leva geralmente ao desequilíbrio emocional e físico das pessoas, o que começa com uma alteração de humor pode facilmente findar em sintomas depressivos.O profissional da saúde mental trata da alma humana com todas as suas complexidades, o estudo de cada indivíduo leva tempo, o falar e o escutar o paciente é primordial, entretanto, o curto lapso temporal que dispomos faz com que frequentemente o contraditório seja oco. Em nossa sociedade, o uso de substâncias psicoativas é alarmante, seja em comunidades remotas ou em uma grande metrópole, todos estamos suscetíveis a esse mal. Os distúrbios psiquícos podem variar segundo características sociodemográficas. De modo elucidativo iremos abordar o alcoolismo dentro de uma aldeia indígena maranhense e as consequências trazidas pela doença para a mente humana. Todos já ouvimos o adágio popular que diz: “De boas intenções o inferno está cheio”. No que se refere a este dito podemos exemplicar com o elo entre o antropólogo Willian Crocker e o povo indígena Canela. Crocker descreve em sua obra, The Canela (1967), que os índios foram levados à condição de vítimas no processo de colonização, visto que padeceram com o uso do álcool que foi oferecido pelo homem branco, de modo que substâncias alucinógenas outrora utilizadas em rituais religiosos, nascimentos, festa da colheita entres outros, passaram a fazer parte do cotidiano desse povo , conduzindo-os à dependência alcoólica. No caso em tela, o uso abusivo da bebida pelos índios associado a invasão de terras de fazendeiros em Barra do Corda, local onde é situada a aldeia, concomitou em um grande genocídio no lugar, levando ao extermínio de cerca de 40 nativos.O crime foi ao Tribunal do Jurí local e todos os acusados envolvidos foram absolvidos. Nessa região, residentes antigos associam a chegada do pesquisador ao início da dependência etílica dessa etnia. O álcool servia, segundo a opinião daqueles, como um facilitador da pesquisa e por este motivo as festas patrocinadas pelo milionário californiano, filho de banqueiro, eram constantes, o que muitos apontam como um problema ético dentro dos procesos metódicos de investigação científica. Na contemporaneidade o alcoolismo é um grande estorvo no cotidiano do povo Canela e em muitos outros grupos indígenas. A narrativa da bebida no período pré-colonial é um dos tópicos pontuais que figuravam no abismo cultural que apartava os índios dos europeus que pisavam em terras brasileiras. Como assenta João Azevedo Fernandes, autor de “Selvagens Bebedeiras: álcool, embriaguez e contatos culturais no Brasil Colonial ( séculos XVI-XVII)”. “As festas nativas repletas de embriaguez, eram espaço fundamental para a expressão das visões de mundo indígenas e para realização de eventos importantes, como a celebração de casamentos e vitórias de combate. Tais práticas contrastavam completamente da forma como os europeus achavam ser correto o relacionamento com o álcool e com o autocontrole.Eram dois muns etílicos completamente diferentes, com lógicas mentais desenvolvidas ao longo de milênios”. Na amostra, levando em conta a história dos Canela, reflitamos: A introdução do álcool no núcleo indígena sucedeu-se pela presença de Crocker, fazendeiros ou colonizadores? O que importa é que o arquétipo do homem loiro, com estereótipo “diferente” no meio da aldeia não saiu da lembrança dos índios, tornando-se o álcool a alucinação indígena. O emprego de substâncias psicoativas, principalmente etílicas, decorrentes do processo de pacificação provocam caos recorrente nesse povo: tensões sociais, transtornos mentais, violência interpessoal, perda de identidade e soberania, necessitando agora da intervenção de órgãos oficiais para dirimir conflitos. O exemplo do alcoolismo supradescrito serve para nos atentarmos aos problemas de saúde pública, que por dizerem respeito à coletividade não podem ser sanados de forma isolada e por conseguinte a agregação interdisciplinar se torna crucial. Por este prisma, desde Hipócrates a doença é compreendida como : “ Toda e qualquer condição individual que traga dor, sofrimento próprio ou de outrem, de qualquer etiologia, e que em função desta condição traga diminuição, limitação, incapacitação, piora da qualidade de vida, seja de forma provisória ou permanente, parcial ou total”. Na Teoria Psicanalítica, o alcoolismo é classificadocomo sendo uma fixação oral, geralmente associada a um conflito subjacente, que se configura como uma necessidade de prazer imediato pelo fato de o indivíduo não querer lidar com suas frustações. Nesse sentido, Juberty Antonio de Souza, nos aponta as lições de Laurell(1983), San Martin(1979) e Miranda de Sá(1988), na afirmação que o processo saúde/ doença deve ser aceito como uma concepção globalística, ressaltando a unidade dos fatores biológicos, psicológicos e sociais no organismo e a compreensão da indissolúvel identidade do organismo com o ambiente. Em consonância com as explanações transcritas, é mister frisar que a busca pelo bem-estar do indivíduo, em especial na área da saúde mental, transita por vários campos de estudo. Os fatores biomédicos são essenciais, aliados com outras disciplinas como ciências naturais e antropologia fazem com que a observação do paciente ocorra de forma plena, criando uma maior perspectiva de cura dentro de estruturas hospitalares e ambulatoriais. Como é cediço, o médico deixou de ser “auctor” para tornar-se “artifex” nas demandas individuais e também coletivas, procurando encontrar um equilíbrio nos campos físico, mental, social e espiritual. A hegemonia do saber do Dr. Simão Bacamarte inicialmente aclamada transformou-se no retrato da loucura de um profissional apaixonado por saúde mental, fato decorrente de sua natureza autossuficiente e egocêntrica. Extraimos de “O Alienista” que o médico decidindo se dedicar ao aprendizado da psiquiatria construiu um manicômio chamado Casa Verde para albergar todos os loucos da sua cidade e região.Com o intento de solidificar sua teoria, em um dado momento cerca de 75% dos moradores estavam internados. Repetiu a internação e a alta médica de seus pacientes por inúmeras vezes, até concluir ser ele o único doente mental, decidindo trancar-se sozinho no manicômio até o fim de sua existência. Resgatando os pensamentos de Michel Foucault em “ A história da Loucura”, obra inicialmente publicada em 1961, o autor busca apontar como a percepção da loucura pode ser alterada com o passar do tempo, condições e mudanças geográficas. Atentando-nos que determinadas práticas utilizadas no campo psíquico poderão ser extremamente perigosas se não pautadas na ética profissional. A mente humana é um terreno vasto para novas descobertas , e asseguradamente um diálogo entre a psicologia e psiquiatria enriquece o desenvolvimento cientifico e gera bem-estar e qualidade de vida daquele que é tratado. Restanto sacramentada a interação entre o psicológo e o psiquiatra o paciente terá a sua disposição um leque maior de possibilidades de cura e conhecimentos terapêuticos, esta aliança possibilitará o alcance de um arcabouço da estrutura do sujeito. A descentralização e ao mesmo tempo parceria desses profissionais no cuidado da saúde é perfeita. Enquanto o psiquiatra analisa os padrões de normalidade psíquica, buscando diagnosticar desordens e aplicar tratamentos medicamentosos, o psicológo está atento aos sinais, interpretando o que é dito pelo paciente, é a análise das entrelinhas, lançando mão de tratamentos psicoterápicos . A terapia conjunta reequilibra o indivíduo e lhe devolve o bem- estar, facilitando que o sujeito encontre o self “ real” em coerência com self “ideal “, como nos ensina o psicológo humanista Carl Rogers na sua obra “Tornar-se Pessoa”. Posto isso, concluimos que a doença mental expressa em “ O Alienista”, as pesquisas de Crocker, o filosofar de Foucault e Wittgenstein, os estudos de Freud e os ensinamentos de Rogers apresentam uma rica miscelânia nas questões que envolvem o campo da saúde mental.Nos levando a crer que todo conhecimento é ciclico, que a globalização e o transculturalismo eleva o patamar de alianças profissionais, que não existem detentores do saber e que a conhecida máxima “ Mens sana in corpore sano” ( Mente sã em um corpo são), famosa citação derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal, deve servir de norte para que possamos sempre buscar o maior grau de sanidade mental possivel. “ A Cura está ligada ao tempo e às vezes também as circunstâncias”. Hipócrates de Cós. ADOLFO VIEIRA MELONIO DO NASCIMENTO CRP- 00401/22
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