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Doutorado informal - Alex Bretas - digital

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Doutorado 
Informal 
u m a j o r n a d a p e l a E D U C A Ç Ã O F O R A D A C A I X A
2
PROJETO GRÁFICO ADRIANA PESSOA E FERNANDA FONTES
ILUSTRAÇÕES MATHEUS FONTES
DIAGRAMAÇÃO FERNANDA FONTES
REVISÃO DANIELE SOUZA
Licença Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional 
Você tem a liberdade de: 
Compartilhar: copiar, distribuir e transmitir a obra.
Remixar: criar obras derivadas.
 
Sob as seguintes condições: 
Atribuição: você deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou 
licenciante 
(mas não de maneira que sugira que este concede qualquer aval a você ou ao 
seu uso da obra).
Uso não comercial: você não pode usar esta obra para fins comerciais.
Compartilhamento pela mesma licença: se você alterar, transformar ou criar 
em cima desta obra, você poderá distribuir a obra resultante apenas sob a 
mesma licença, ou sob uma licença similar à presente.
Renúncia: qualquer das condições acima pode ser renunciada se você 
obtiver permissão do titular dos direitos autorais.
]
3
4
 .Sumário
PREFÁCIO 
 
O INÍCIO
 
CASOS INSPIRADORES 
AIESEC 
Cinese
Gap Year (UnCollege Brasil)
Caminho do Sertão
CIEJA Campo Limpo
Casas colaborativas
 
CARTAS
André Gravatá 
A resposta do André 
Luísa Módena 
A resposta da Luísa
Paul Feyerabend
Juanita Brown
José Pacheco
Vera Poder
6
12
22
24
37
48
63
83
101
132
135
144
147
157
163
174
187
202
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O QUE TUDO ISSO ESTÁ QUERENDO NOS MOSTRAR?
Sínteses dos casos
Sínteses das cartas
As 12 essências da jornada
REFLEXÕES SOBRE O DOUTORADO INFORMAL
Manifesto do doutorado informal
O doutorado informal como metáfora
O doutorado informal como movimento e os cinco princípios
Perguntas e respostas
 
O QUE VEM DEPOIS
 
OUTRAS VOZES SOBRE A JORNADA
AGRADECIMENTOS
212
214
220
227
242
245
260
275
321 
 
336
340
347
6
. Prefácio
7
Caminhante, são suas pegadas 
o caminho e nada mais; 
Caminhante, não há caminho, 
se faz caminho ao andar. 
Ao andar se faz o caminho, 
e ao voltar a vista atrás 
se vê a senda que nunca 
se há de voltar a pisar. 
Caminhante não há caminho 
senão esteiras no mar.
(Antonio Machado)
“Doutorado informal? Que viagem...”
Confesso: foi o que pensei quando ouvi meu xará, o André Gravatá, explicar seu 
projeto nascente. A gente batia um papo na padaria da esquina do apê onde eu 
morava, logo depois de um encontro organizado pelo Cinese.
O encontro era um debate sobre o filme “Escolarizando o mundo”.
Tendo sobrevivido a um mestrado acadêmico formalzão uma década antes, me 
senti secretamente insultado pela ideia de um doutorado informal. Aquilo era 
banalizar algo que tinha dado um trabalho dos infernos para eu concluir.
Talvez você veja aí uma contradição – um cara que apoia a desescolarização 
condenando a jornada de aprendizagem livre do outro. Pior que foi isso mesmo: 
uma puta contradição.
Mas, veja, não era eu: eram os demônios do orgulho, da vaidade e do medo 
gritando baixinho dentro de mim.
É assim que, com frequência – e sem se dar conta – a gente desempenha o papel 
de guardiões do status quo. A gente prende a respiração para impedir a entrada 
de ar fresco.
DOUTORADO INFORMAL
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O papo com o André aconteceu por volta de 2012. Acho que, hoje, já consigo 
entender e aceitar a proposta um pouco mais.
O livro sobre doutorado informal do Alex Bretas, que você agora tem em mãos 
– ou no monitor à sua frente – também é uma viagem.
Uma jornada, na verdade.
Você vai ver que os elementos do caminho arquetípico do herói, que é possível 
localizar em todas as boas histórias que a gente gosta de ouvir, estão presentes.
Deixa eu te mostrar:
Para o garoto inquieto do interior de Minas, sedento de aventura, o emprego 
de servidor público constituía uma Zona de Conforto intolerável. O deserto da 
alma.
Então, Alex sentiu borbulhando nas entranhas um Chamado, como ecos indis-
tintos de terras longínquas, portando promessas de desafios e tentações. Hesitou 
– o que deixou muita gente infeliz.
Ao arrumar um trampo de consultor, logrou realizar a Travessia de Limiar, do 
mundo conhecido de Minas para São Paulo.
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O próximo passo correspondeu à situação arquetípica de Testes, Aliados e 
Inimigos. Foi ao lançamento do livro Volta ao mundo em 13 escolas, onde ele 
conheceu o menino-poeta André Gravatá –, que, paradoxalmente, além de 
aliado, é uma das pessoas que manifestam, na história do Alex, o arquétipo do 
Velho Sábio.
A etapa relativa aos Testes Aliados e Inimigos, que você também pode recon-
hecer na cena clássica da Cantina, do filme Star Wars, é a primeira parada na 
Terra Estrangeira. E representa, para o caminhante, a oportunidade de recon-
hecer o novo terreno e a si mesmo na nova condição de descobridor.
Também atende à necessidade do herói de revigorar-se, alimentando-se da ener-
gia do propósito que o conduzira para além das fronteiras do conhecido.
Olha só o que ele, o Alex, fala sobre esse episódio do lançamento do livro:
“Se a crença na educação democrática já brilhava dentro de mim, agora o mun-
do me desafiava a fazer algo com isso. Ter estado naquele lugar me acendeu a luz 
da vontade”.
Estava tomando o fôlego necessário para encarar a estrada adiante.
Ao optar por um caminho com um coração, trilhou a senda da educação 
democrática, da desescolarização, da pedagogia libertária e da aprendizagem 
livre. Enquanto caminhava, substituía a curiosidade inocente por um comprom-
isso firme com a própria verdade.
E isso tudo, sabia ele, era apenas “O Início”.
Na Provação Suprema, morreu para os planos que trazia do Mundo Conhe-
cido – uma pós-graduação careta – e renasceu como praticante do doutorado 
informal. Afinal, não bastava estudar as aprendizagens livres, “queria vivê-las 
sentindo na pele o frescor das próprias descobertas”. Escolhera o caminho do 
fogo – a jornada de transformação.
Estava grávido de uma nova identidade: não mais o gestor público, mas o “Alex 
PREFÁCIO
DOUTORADO INFORMAL
10
Bretas, do doutorado informal e da Educação Fora da Caixa”.
O êxito na campanha de crowdfunding equivale à Captura da Espada, que o 
herói conquista após vencer o dragão das inseguranças e do medo. A Espada é 
uma metáfora para a potência renovada que permitirá superar obstáculos cada 
vez mais desafiadores.
A campanha também celebrou o nascimento público da nova identidade. Ele se 
comprometia, com sua tribo de apoiadores, a regressar da jornada com o Elixir 
que cura a Terra Devastada – o deserto da alma que é desperdiçar a própria 
vida.
Comprometeu-se a revelar, caso sobrevivesse à aventura, como é que se podem 
educar adultos libertos das trilhas do conformismo, de um jeito que faça sentido 
e que produza transformação autêntica em si e no mundo.
O caminho da atitude apreciativa, das perguntas poderosas e das conversas 
significativas.
Eu fui um dos vários aliados que o Alex colecionou ao longo da jornada. Tam-
bém fui testemunha do ímpeto incansável, do talento, da generosidade e do 
cuidado amoroso com que construiu o seu caminho.
Como no sertão, o menino-inquieto se revelou um desbravador capaz de encar-
ar com coragem os aspectos sombrios da caminhada e seguir em frente, mesmo 
com medo – e bolhas nos pés.
O resultado é este livro, inspirado e inspirador. Ele condensa o Elixir do con-
hecimento do Mundo Extraordinário que é o atual paradigma emergente na 
educação, da perspectiva de alguém que, na linguagem de Guimarães Rosa, 
“ao eleger a busca e empreender a travessia”, se torna portador da sabedoria da 
jornada.
Ou, por outro ângulo, alguém cujo texto, sacando de “uma caixa de 
parafernálias, encaixando e montando, a fim de entregar relevâncias que alar-
guem os limites do possível”, em vez de nos chamar a concordar, discordar ou 
11
repeti-lo, nos convida a viver as próprias aventuras.
O livro do Alex pode se tornar, para você, um guia de acesso precioso a pais-
agens humanas repletas de tesouros escondidos. Deve ser útil para quem, assim 
como ele e eu (e tantos outros), busca se aventuraralém das fronteiras do uni-
verso seguro, mas extremamente árido, da escolarização tradicional.
André Camargo é escritor, articulador de comunidades de aprendizagem e consul-
tor em inovação educacional
PREFÁCIO
12
. O início
13
“O início” é o nome de um arquivo que até hoje está no disco rígido do meu 
computador. Ele começou a ser editado em dezembro de 2013, somente dois 
meses após a minha chegada em São Paulo. Mineiro que sempre fui, cheguei 
a terras paulistanas pelo amor e pela dor. Depois de quatro anos namorando a 
distância, já estava na hora de juntar as escovas de dente e experimentar uma 
vida a dois. Além disso, São Paulo também foi minha rota de fuga: não queria 
mais viver no cárcere organizacional. Até então eu trabalhava para o governo de 
Minas Gerais como gestor público, mas na verdade minha infelicidade estaria 
intacta mesmo em outros lugares – desde que tivesse que bater ponto e fingir 
estar trabalhando.
Depois de sair de uma cidade do interior e ter estudado na cidade grande, 
trabalhar como concursado no imponente Edifício Gerais da Cidade Adminis-
trativa do governo do estado parecia ser uma premiação a altura. No entanto, ser 
servidor público me garantiu uma rotina de frustrações quase diárias – mescla-
das com alguns poucos momentos luminosos. De algum modo eu sentia que 
precisava sair dali. Tentei uma vez, sem sucesso: acabei voltando atrás na decisão 
e gerei uma crise de confiança na equipe. Foi a pior sensação que já tive em 
toda minha vida profissional, que não é assim tão longa. Na segunda tentativa 
aprendi que precisava planejar a transição, e assim o fiz. Acenei para o Universo 
e ele me sorriu de volta: foram poucos e-mails para que eu conseguisse uma vaga 
em um projeto de consultoria em São Paulo. Naquele momento, era tudo que eu 
queria.
Comecei como consultor no mesmo dia em que cheguei à capital paulista. 
Pouco tempo depois, fui ao evento de lançamento do livro Volta ao mundo em 
13 escolas, do Coletivo Educ-ação. Não era um lançamento convencional: havia 
um clima de inspiração no ar e espaço genuíno para o diálogo. E era perto de 
casa, então fui a pé. Subitamente, novos mundos se abriram. Eu já conhecia 
algumas coisas que falaram por lá, mas o impacto era menos na cognição e mais 
no coração. Eduardo Shimahara, um dos autores do livro, disse que havia son-
hado com o projeto, e a partir do sonho é que convidara o grupo de amigos os 
quais se juntaram a ele na empreitada. Mas calma: ele sonhou o projeto? É isso 
mesmo, produção?
Se a crença na educação democrática já brilhava dentro de mim, agora o mundo 
DOUTORADO INFORMAL
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me desafiava a fazer algo com isso. Ter estado naquele lugar me acendeu a luz da 
vontade.
Eu nunca entendi por que a educação a que fui submetido funcionava do jeito 
que funcionava. Simplesmente aceitei, por não conhecer outras opções. Ao mes-
mo tempo, durante minha infância e adolescência eu ocupava todas as brechas 
que podia com o que depois descobri ser autoeducação, quer fosse por meio de 
conversas, leituras e, principalmente, através da internet.
Hoje percebo que as características e habilidades que neste momento da minha 
vida consigo desenvolver – inclusive por meio da escrita deste livro – já estavam 
presentes em mim desde pequeno. Tempo desperdiçado “aprendendo” orações 
coordenadas assindéticas e datas históricas? Talvez. Nada contra gramática e 
história, mas quer saber? Ter sido forçado a aprender não me fez alguém melhor. 
Ao dizer isso não quero renegar tudo o que passei na escola: reconheço que se 
estou aqui hoje, isso se deve ao conjunto de experiências que vivi. Mas, ao tomar 
contato com outras formas de se conceber a educação, caiu a ficha de que a 
compulsoriedade, as punições, as ameaças, os gritos de professores, a violência, 
o encarceramento, a angustiante monotonia da escola, tudo isso poderia ser 
transformado.
Comecei a me interessar por caminhos alternativos conhecendo o que se fazia 
na Escola da Ponte, em Portugal, enquanto ainda estava na faculdade. A partir 
de então, tudo o que dizia respeito a educação democrática, desescolarização, 
pedagogia libertária e aprendizagem livre me interessava. Minha ida para São 
Paulo foi importante porque acelerou o processo: de repente percebi que não 
era apenas um mundo novo que já estava pulsando, mas vários. A mudança de 
cidade também contribuiu para fornecer a coragem e a inspiração necessárias 
para me lançar em um percurso movido, até então, apenas pela inocente curio-
sidade.
Chegar a um lugar novo significa alterar não apenas o território, mas também 
as pessoas e as possibilidades. Foi assim que criei um novo documento de texto 
no computador e fui preenchendo-o com ideias e perguntas que me banhavam 
como correnteza. Ao se ver no limite, o bloco de notas cedeu a vez para o Word, 
e “O Início” começou a ser escrito. Meus planos na época eram iguais aos de 
15
quase todo mundo que deseja se aprofundar em uma nova área: ingressar em 
um espaço educativo formal, no caso, a universidade1.
Um chamado difícil de ignorar
Mas tinha alguma coisa sussurrando no meu ouvido. Era o “doutorado infor-
mal”. Quem criou o termo foi o André Gravatá, um dos membros do Coletivo 
Educ-ação e cofundador do Movimento Entusiasmo. Decidir por empreender 
meu caminho de aprendizagem na forma de um doutorado informal foi algo to-
talmente intuitivo. Minha vida seria mais fácil se eu tivesse entrado na pós-grad-
uação tradicional. Contudo, ainda criança eu gostava de resolver os problemas 
matemáticos das maneiras mais difíceis: minha mãe, professora de matemática, 
sempre me dizia isso. Eu não queria somente estudar formas mais libertadoras 
de se aprender, eu queria vivê-las. Na verdade, tudo o que eu queria realmente 
era vivê-las sentindo na pele o frescor das minhas próprias descobertas. Já estava 
decidido.
Como começar? Eu já tinha um projeto – que fiz quando ainda alimentava a 
ideia de ingressar na universidade –, e também já sabia de que forma vários pro-
jetos que eu admirava conseguiram ser viabilizados: por meio do financiamento 
coletivo. Fui então aprender sobre crowdfunding (de forma tão natural quanto 
uma criança que aprende sobre astronomia quando sonha em ser astronauta), 
e dentro de poucos meses havia estruturado uma campanha. Eu precisava de 
um nome para o projeto, e talvez por sempre ter gostado das metáforas, escolhi 
“Educação Fora da Caixa”. Era exatamente como me sentia, dando os primeiros 
passos para fora do meu quadrado. Em julho de 2014 a campanha começou, e 
até o final de agosto pude ter uma noção da força da rede. Não economizei es-
forços e tantos compartilhamentos e e-mails valeram a pena: o projeto arrecadou 
179% da meta inicialmente prevista. Cheguei a enviar uma mensagem a dezenas 
de amigos e familiares no dia do meu aniversário, semanas antes da campanha, 
pedindo para que eles economizassem nos presentes a fim de poderem con-
tribuir para o projeto.
A entrega principal da campanha era um livro com os achados da pesquisa que 
1Conto essa história com mais detalhes na carta que escrevi para o André Gravatá.
O INÍCIO
DOUTORADO INFORMAL
16
eu me comprometia a fazer – e que agora finalmente vê a luz do dia. De lá para 
cá muita coisa mudou, mas a essência permaneceu a mesma: investigar novas 
formas de aprendizagem de adultos. Novas no sentido de mais interessantes, 
mais libertadoras, mais prazerosas. “Nós criamos o que queremos que exista”, 
como diz a Camila Haddad, uma das fundadoras do Cinese. O principal inter-
essado nas descobertas da minha investigação era eu. Minha inquietação não se 
conteve e foi em busca de outras, até que encontrou mais 161 espíritos curiosos 
que apoiaram o projeto e confiaram a mim a missão de empreender esta jorna-
da. Não há outra palavra para isso que não “emocionante”.
O próximo passo depois da campanha foi criar um blog. Como na época eu 
ainda trabalhava em projetos de consultoria, não sobrava muito tempo para 
pesquisar. Por isso, comecei escrevendoensaios, uma espécie de preparação 
para o que estava por vir. Alguns textos desse período foram aproveitados aqui, 
outros serviram apenas para esquentar os motores e treinar a escrita. De 15 em 
15 dias um ensaio novo era publicado, e essa periodicidade me ajudou a criar 
uma rotina.
Mergulhando de cabeça
Ter conseguido financiar o projeto coletivamente me revestiu de responsabili-
dade, afinal, o dinheiro de muita gente estava em jogo. Mais do que viabilizar 
a jornada, o crowdfunding me forneceu o comprometimento público que eu 
precisava para agir. Em fevereiro de 2015 deixei de trabalhar como consultor de 
forma fixa e finalmente pude mergulhar na pesquisa. Nesse período comecei a 
alimentar mais frequentemente o blog, que passou a ter em média 3.500 visitas 
e 1.400 leituras de posts por mês, graças principalmente ao texto “O que é um 
doutorado, segundo quem?”, que circulou por vários sites diferentes. No total, 
foram mais de 43.800 visitas e mais de 17.300 leituras (até janeiro de 2016). Os 
números são apenas uma das formas de dimensionar o alcance do que produzi – 
ou talvez sejam um resquício das minhas manias de burocrata.
Alguns dos textos mais lidos abordavam diretamente o doutorado informal. 
Desde a campanha de financiamento coletivo, eu já havia percebido o interesse 
das pessoas nessa estranha junção de palavras. O fato é que eu também estava 
fascinado pelas possibilidades que uma pesquisa autônoma e independente 
desencadeava. Na verdade, esse caminho sempre existiu e muitos pesquisadores 
17
reconhecidos já o trilharam antes – ainda que com nomes diferentes –, mas é 
curioso como às vezes a forma com que algo se apresenta pode mudar tudo. 
“Doutorado informal” soa instigante, tem alma questionadora. Para quem se 
dispõe a conhecê-lo, ele se torna um convite.
Ao conseguir mais tempo para me dedicar ao projeto, iniciei uma série de diálo-
gos presenciais e virtuais sobre o doutorado informal em parceria com o amigo 
André Camargo, que também nutre bastante interesse pelo tema. Também 
comecei, com a facilitadora Paula Manzotti, a realizar Círculos de Doutorandos 
Informais2 (CDIs) em diferentes cidades com os objetivos de disseminar a ideia 
do doutorado informal e fomentar mais percursos autênticos de aprendizagem.
Ao longo de 2015 foram vários encontros e dezenas de conversas relacionadas 
ao doutorado informal realizadas. Isso deu força para nos articularmos como 
um movimento, e durante esse percurso várias pessoas começaram seus proces-
sos de investigação autônomos. Nossa preocupação confluiu para a criação de 
uma comunidade, e para isso precisávamos de uma unidade comum. Com esse 
propósito, produzimos o Manifesto do doutorado informal, reproduzido neste 
livro e disponível também em formato de livro digital3. O Manifesto contém as 
crenças centrais do movimento e apresenta os cinco princípios do doutorado in-
formal: Curiosidade, Autonomia, Percurso, Entrega e Sabedoria. Nossa intenção 
foi posicionar a nova abordagem para que ela deixasse de ser “qualquer coisa” 
e se tornasse algo comunicável e inteligível, sem perder seu caráter libertador e 
disruptivo.
Em paralelo às articulações do doutorado informal, abri uma nova “aba” de 
pesquisa em torno do que chamei de ferramentas de aprendizagem. Eu colecio-
nava as metodologias e os formatos educativos mais interessantes que encontra-
va e queria entender melhor cada um deles. Criei então o “Kit Educação Fora da 
Caixa”, que começou como uma série de textos no blog do projeto a respeito das 
ferramentas pesquisadas. Para viabilizar o Kit iniciei uma segunda campanha 
2Os Círculos são eventos de um dia de duração que buscam levar a ideia do doutorado informal para 
mais pessoas de forma vivencial. Para ler relatos dos CDIs que já ocorreram, acesse o blog do projeto: 
https://medium.com/@educforadacaixa
3Para fazer o download do Manifesto em versão digital, acesse: 
http://www.alexbretas.com.br/doutorado-informal
O INÍCIO
https://medium.com/%40educforadacaixa%0D
http://www.alexbretas.com.br/doutorado-informal
DOUTORADO INFORMAL
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de financiamento coletivo, só que desta vez os apoios eram mensais. Ao longo 
dos meses de maio a agosto de 2015, escrevi sobre 50 ferramentas, que acabaram 
compondo um livro próprio4.
A ideia do Kit apareceu de surpresa: no início não havia nenhuma pretensão em 
se investigar especificamente metodologias. Mais uma vez resolvi seguir a voz da 
vontade e não me arrependi. No entanto, ainda havia muito a se fazer.
Casos, cartas e reflexões
Precisei conciliar a rotina de publicações do Kit com a continuação da pesquisa 
inicial. Comecei investigando casos inspiradores, algo semelhante aos estudos de 
caso acadêmicos, mas com uma narrativa mais pessoal e menos neutra. Ao todo 
são seis histórias de iniciativas que proporcionam oportunidades de aprendiza-
gem considerando premissas como a autonomia, a escuta e a vivência de novas 
experiências. Busquei ter um olhar apreciativo para as organizações, projetos 
e espaços com os quais interagi, de modo a tentar captar o que de mais lumi-
noso cada um deles tem a oferecer. Não me prendi a análises racionalizantes: 
deixei os casos me revelarem, por meio do que me fizeram sentir, seus segre-
dos e histórias. Ao longo do processo, o Universo me reservou algumas gratas 
surpresas como o Caminho do Sertão, que não estava previsto no planejamento 
inicial da pesquisa, mas que por pura intuição acabou também sendo incluído 
no roteiro.
Além de aprender sobre iniciativas, também queria dialogar com pessoas. Com 
isso em mente, comecei a escrever cartas para algumas pessoas que me insti-
garam a aprofundar minhas reflexões sobre educação. Não fazia sentido focar 
apenas em pensadores consagrados: o principal critério de decisão quanto aos 
destinatários foi o grau de influência que cada um exerceu sobre a minha tra-
jetória. Assim, pude ficar à vontade e me sentir como se conversasse com amigos 
na sala de casa. As seis cartas também servem para apresentar a você pessoas 
que se tornaram muito especiais para mim, e cujas crenças e práticas educativas 
valem a pena ser desvendadas.
4O livro pode ser baixado gratuitamente pelo link: http://www.alexbretas.com.br/kit
http://www.alexbretas.com.br/kit
19
De forma até mesmo mais intensa do que ocorrera nos casos, acabei enviando 
cartas para correspondentes que não estavam previstos no trajeto planejado – é 
o caso, por exemplo, de Paul Feyerabend, que me hipnotizou com sua crítica 
ácida sobre as pretensões dogmáticas da ciência. Na verdade, mudei quase todos 
os destinatários em relação ao que previ no começo do projeto, mas o propósito 
dos diálogos se manteve: expandir olhares em relação às alternativas para uma 
aprendizagem fascinante e verdadeiramente autônoma. Não vejo problemas nis-
so porque acredito que a serendipidade tem um papel fundamental nas desco-
bertas de quem confia na sua curiosidade. Serendipidade é reconhecer o fio que 
nos leva de uma descoberta a outra e confiar intuitivamente em sua trajetória.
Você pode imaginar que, tanto nos casos quanto nas cartas, fazer pesquisa desse 
jeito causa na gente uma série de reações, algumas inesperadas. Por isso, de vez 
em quando precisei trazer à tona algumas lembranças pessoais e redemoin-
hos internos para me ajudar a dar sentido ao que vivi. A ideia de valorizar as 
conexões entre o que pulsa no mundo subjetivo do pesquisador com o próprio 
percurso de investigação encontra receptividade em diversos métodos de 
pesquisa, dentre eles a investigação heurística. Embora apenas tenha me depa-
rado com essa metodologia ao final da escrita deste livro, posso dizer que a tive 
como inspiração desde o começo. Sua principal premissa é que a questão de 
pesquisa precisa ter um forte apelo autobiográfico, ou seja, o pesquisador deve 
estar intensa e pessoalmente envolvido. Definitivamente, a jornada em busca 
de alternativas e pensamentos educacionais libertadores é um caminho que me 
sensibiliza profundo.
A terceira parte do livro édedicada às reflexões sobre o doutorado informal. 
Tendo como ponto de partida o Manifesto, a ideia é intensificar entendimentos 
sobre diferentes perspectivas da abordagem e contar a história do movimento. 
Os cinco princípios também são aprofundados, e, em seguida, por meio de 
um conjunto de perguntas e respostas, compartilho minhas crenças diante de 
algumas das questões mais frequentes sobre essa nova forma de se construir 
conhecimento.
Todas as seções respeitam a cronologia da jornada, isto é, escolhi ordenar as 
histórias considerando o período em que foram escritas. A AIESEC, por ex-
emplo, foi o primeiro caso que estudei, e, por isso, também é o primeiro caso a 
O INÍCIO
DOUTORADO INFORMAL
20
aparecer no livro. Acredito que essa lógica é interessante porque pode te ajudar 
a refazer por meio da leitura o mesmo trajeto que fiz por meio da pesquisa e 
da escrita. Fui me modificando durante o percurso, e é possível perceber isso 
ao longo do livro – um dos sinais dessas transformações é que, dentro de cada 
seção, os capítulos tendem a ficar cada vez maiores. É como se progressivamente 
eu encontrasse mais o que dizer e soubesse melhor como dizê-lo.
Reunindo a tripulação
O que você vai encontrar aqui é mais parecido com um diário de bordo do que 
com uma tese de doutorado convencional. Assim como Juanita Brown, minha 
mentora no início do processo e destinatária de uma das cartas, o que quero é 
contar boas histórias e me fazer entender a partir delas. Histórias que transpar-
eçam uma visão de aprendizagem diferente daquela que estamos acostumados. 
Imagine, por exemplo, fazer cursinho para passar em um concurso público ou 
no vestibular. Horas e horas de determinação, suor, conteúdos intermináveis, 
a pressão dos simulados, professores despejando fórmulas e “macetes” e um 
sentimento de culpa por não ter sido tão produtivo quanto deveria. A todo 
momento ouvimos aquela voz que nos diz “tenho que estudar” e nunca achamos 
que somos bons o bastante perante nossos concorrentes.
Não estou interessado nisso. Qualquer tipo de “aprendizagem” que envolva 
obrigação, coerção, pressões externas e aquela sensação pesada de “tenho que” 
não me interessa nesta jornada. Na verdade, na maior parte das vezes, isso não 
é aprender, é ser ensinado. E, como diz Augusto de Franco5, ser ensinado é o 
jeito mais eficaz de reproduzir algo, ao passo que aprender é mudar e criar. Para 
quem quer (ou acredita que precisa) ser ensinado, existem formas muito mel-
hores de fazê-lo do que as que eu seria capaz de compartilhar aqui. O que me 
atrai é quando o aprender se reveste de liberdade, prazer e motivação própria, 
ou mesmo quando se dá a partir de uma intensa necessidade identificada au-
tonomamente. Acredito que as pessoas aprendem melhor assim.
Tudo que pesquisei tem a ver com isso: aprendizagem livre. Não se trata de se 
5O autor corrobora com essa visão em vários textos, dentre eles, “Multiversidade”, disponível no 
seguinte endereço: http://net-hcw.ning.com/page/multiversidade
http://net-hcw.ning.com/page/multiversidade
21
tornar um autodidata isolado, mas sim de saber como aprender reconhecendo 
os próprios interesses e colaborando com outras pessoas, em prol de um objeti-
vo claro e decidido livremente. Nós não aprendemos a não ser que tenhamos um 
bom motivo – nosso cérebro é esperto. No limite, os seres humanos querem agir 
no mundo, e para isso precisamos aprender. É tão natural quanto parece – nós é 
que criamos barreiras movidos pela crença de que é preciso ensinar os outros.
O doutorado informal é um convite para resgatarmos nossa capacidade huma-
na de aprender instigados pelo que mais nos cativa e pelo que genuinamente 
queremos fazer. O percurso registrado neste livro, ao mesmo tempo em que 
retrata as experiências que vivi dentro do território que me soa mais fascinante 
no momento, é também uma tentativa de fornecer algumas pistas para quem 
também quer lançar na aventura da aprendizagem autônoma.
A fim de compreender melhor as nuances do conhecimento que se constrói de 
maneira livre, resolvi eu mesmo virar cobaia. Foi assim que iniciei meu doutora-
do informal. Convido você a embarcar nessa jornada.
Desde já, seja muito bem-vindo a bordo!
O INÍCIO
22
. Casos 
inspiradores
23
Um começo
Certa vez conheci um educador que falava dos “cajueiros floridos antes dos de-
mais”, em referência às inovações que pareciam antecipar o futuro. Os primeiros 
itens do meu roteiro de pesquisa são como cajueiros precoces: de algum modo 
eles conseguem traduzir no presente sinais poderosos do florescimento que nos 
espera.
Ao investigar casos inspiradores de iniciativas educacionais – ainda que algu-
mas delas não lidem diretamente com educação no sentido mais convencional 
–, minha estratégia foi “me jogar” dentro delas para ver o que saía. Uma das 
vantagens em não fazer um trabalho totalmente acadêmico é que você pode 
ser você mesmo. Obtive inspiração no jornalismo gonzo, em que o narrador 
renuncia à suposta objetividade para se fundir organicamente à história narrada. 
Outro lampejo veio da investigação apreciativa, em que se acredita que o melhor 
do que já existe é a base para a construção do que virá. Ambas as referências 
contribuíram para que os seis casos apresentados a seguir fossem pesquisados 
a partir da minha própria percepção a respeito de seus núcleos positivos mais 
vibrantes. E, quando digo percepção, estou me referindo não apenas à leitura 
cognitiva dos fatos, como também à minha leitura emocional uma vez imerso 
nas histórias.
Investiguei organizações, comunidades e projetos bastante diversos entre si. 
Iniciativas voltadas para jovens adultos como a AIESEC e o Gap Year do UnCol-
lege Brasil convivem com outras que se inserem em contextos sociais e culturais 
tipicamente marginalizados, como é o caso do Caminho do Sertão e do CIEJA 
Campo Limpo. Completam o roteiro as casas colaborativas – representadas pela 
Casa Liberdade, a Laboriosa 89 e a Catete 92 – e o Cinese, todos frutos da crença 
em uma visão de mundo emergente, o paradigma da abundância.
Comecemos por alguns jovens que desde o final da Segunda Guerra têm sonha-
do em mudar o mundo.
DOUTORADO INFORMAL
24
AIESEC
A AIESEC é a maior organização sem fins lucrativos gerida por jovens no mundo. 
Seu propósito é promover oportunidades de desenvolvimento de liderança por 
meio de intercâmbios, conferências, parcerias e outras atividades.
6Conforme se vê no verbete sobre a AIESEC na Wikipédia, disponível no link AIESEC. Wikipédia. 
Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/AIESEC
Na casa que abriga o escritório da diretoria nacional da AIESEC no Brasil, não 
há qualquer espaço vazio nas mesas de trabalho. Cadernos, gatinhos de dec-
oração, garrafas de água, notebooks, post-its, canetas, vozes. Em uma das pare-
des, diversos murais com mensagens, cronogramas, desenhos e lembranças.
Vozes e lembranças são componentes importantes da AIESEC desde sua origem 
na Europa, em 1948. A organização, que hoje conta com mais de 100 mil mem-
bros em 125 países, foi criada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, num 
período em que memórias duras fizeram com que jovens de diferentes países do 
continente começassem a se inquietar e a reescrever suas histórias. A primeira 
missão vislumbrada pela AIESEC, ainda antes de sua fundação oficial, era “ex-
http://en.wikipedia.org/wiki/AIESEC
25
pandir o entendimento de uma nação por meio da expansão do entendimento 
de seus indivíduos, mudando o mundo uma pessoa de cada vez”6.
Essa ampliação de olhares sobre o mundo ocorria de forma central por meio 
de intercâmbios. Os países escandinavos, neutros na Segunda Guerra, possibil-
itaram que seus estudantes continuassem a viajar pela Europa mesmo durante 
o conflito mundial, e isso ajuda a explicar porque o primeiro congresso inter-
nacional da AIESEC aconteceu em Estocolmo, na Suécia. Estudantes de sete 
países–Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Noruega e Suécia – co-
criaram, lá, o documento de constituiçãoda AIESEC, cujo propósito firmava-se 
como “estabelecer e promover relações amigáveis entre seus membros”7.
Ao longo da segunda metade do século passado, a AIESEC expandiu-se rapida-
mente para outros continentes. Se a missão anterior à sua fundação era expandir 
entendimentos e o propósito inicial, promover amizades, o que sustenta a 
organização atualmente é a criação de oportunidades de liderança. Hoje, a visão 
da AIESEC tem a ver com a promoção da “paz e a realização das potenciali-
dades humanas”8, e sua gestão é levada a cabo quase somente por universitários 
e recém-graduados. Esta “metalinguagem”, isto é, o fato de uma plataforma 
voltada para fomentar a liderança em jovens ser totalmente liderada por eles, 
parece impulsionar a organização e ajudar seus membros a enxergar sentido no 
que fazem.
Conversei com duas pessoas que faziam parte, em março de 2015, da diretoria 
nacional da AIESEC no Brasil. Elas me disseram que as competências que a 
organização mais consegue desenvolver em sua membresia são a comunicação 
efetiva, a orientação para a ação, a responsabilidade pelo mundo e o autoconhe-
cimento. Esses quatro pontos, ainda que revestidos de outros nomes, são a base 
7 Idem anterior.
8 Extraído da mesma página da Wikipédia citada na nota anterior.
9 Basta ver o que projetos como o Mycelium (informações no link http://mycelium.is), o YIP (The In-
ternational Youth Initiative Program, disponível no site http://yip.se) e organizações como o UnCollege 
estão fazendo.
CASOS INSPIRADORES
http://mycelium.is
http://yip.se
DOUTORADO INFORMAL
26
de diversos programas de aprendizagem contemporâneos9, e a AIESEC já os 
promove desde sua fundação.
Os intercâmbios e a comunidade global, o aprendizado prático focado na lider-
ança e o propósito humanista da AIESEC são os chamarizes que encantam os 
novos membros da organização, geralmente universitários inquietos. Mais tarde, 
ao vivenciar as oportunidades oferecidas, seja trabalhando em outro país, seja 
liderando um comitê local, esses jovens então compreendem a importância das 
competências que estão desenvolvendo. Ao tomarem essa consciência, a relação 
que nutrem com a organização se modifica. Uma das integrantes da diretoria 
nacional me disse: “quando você entra na AIESEC é paixão, mas depois, quando 
você vai crescendo e se desenvolvendo aqui, vira amor”.
Um caminho de investigação que pode nos ajudar a compreender a AIESEC 
como um potente espaço de aprendizagem é questionar-se por que essa comuni-
dade encanta os jovens, ao passo que na experiência da graduação universitária 
isso nem sempre ocorre. Meu palpite é que, pelo fato de a AIESEC ser uma 
plataforma de oportunidades de liderança que aposta na responsabilidade de 
cada indivíduo na busca das experiências de que necessita para se desenvolver, 
as pessoas precisam exercer sua autonomia. Encontrar (ou desenferrujar) seu 
protagonismo. Numa estrutura bastante capilarizada e conectada, com diversos 
comitês locais, conferências, diretorias e pontes com comitês de outros países, os 
jovens parecem sentir a importância – e a necessidade – de agir por conta própria, 
em parceria com gente que se move parecido com eles. A lógica do “Faça Você 
Mesmo” não só é reconhecida, como também valorizada.
O time
“Às vezes é mais importante ter um perfil específico dentro do time do que um 
conhecimento técnico. O todo é mais importante que as partes.” O cuidado com 
a montagem dos times que tocam o dia a dia da AIESEC é muito destacado, 
conforme se vê na afirmação acima, de uma diretora nacional. Trata-se de uma 
preocupação menos voltada para os conhecimentos e mais para as habilidades 
10 O texto de Amabile pode ser lido no livro The Innovator’s Cookbook: Essentials for Inventing What is 
Next, organizado por Steven Johnson. Todas as outras citações da autora foram extraídas da mesma 
fonte.
27
e atitudes. Nesse sentido, é comum que alguém postule uma oportunidade de 
liderança para uma área específica e seja eleita para outra. Na hora de decidir 
em relação à escolha do time, um pensamento comum é “ele(a) vai conseguir se 
desenvolver mais nesta função do que naquela”, o que se encaixa com a necessi-
dade percebida pelos membros da AIESEC de se desafiarem continuamente na 
organização. Reiterando a importância que os membros conferem à montagem 
de times, Teresa Amabile, em seu ensaio “How to Kill Creativity”10, vai direto ao 
ponto:
De todas as coisas que gestores podem fazer para estimular a criativi-
dade, talvez a mais eficaz seja a ilusoriamente simples tarefa de alocar 
pessoas para os trabalhos certos. Os líderes podem designar pessoas para 
trabalhos que joguem com sua expertise e suas habilidades de pensamen-
to criativo, e assim acender a motivação intrínseca. Alocações perfeitas 
expandem as habilidades das pessoas.
Alocar pessoas em funções desafiadoras com o intuito de expandir suas habili-
dades é algo bastante importante dentro da AIESEC.
O sentimento de desafio
Participei da equipe responsável pela facilitação de duas conferências da 
AIESEC voltadas para o desenvolvimento de líderes, em 2014 e 2015, chamadas 
de “Train the Trainers” (“Treinando os Treinadores” numa tradução livre). Na 
segunda vez que me envolvi, lembro-me de ter identificado dois padrões que 
ressoavam em várias falas dos membros ao longo do evento: a dificuldade de se 
desapegar do planejamento excessivo e o sentimento de desafio compartilhado 
por eles no trabalho dentro da organização. Sobre este último, tanto as experiên-
cias de intercâmbio quanto as oportunidades de liderança local, regional, nacio-
nal e global proporcionadas pela AIESEC contribuem para despertá-lo.
No caso das experiências internacionais, muitas vezes é a primeira ocasião em 
que os jovens que se tornam membros da AIESEC podem, de fato, experimentar 
a sensação de tomar suas próprias decisões de forma autônoma. No entanto, 
isso não quer dizer que eles vão conseguir tudo o que querem. Uma das dire-
toras nacionais com quem conversei queria viajar para o Leste Europeu, mas 
acabou sendo escolhida para fazer um intercâmbio na República Dominicana. 
Lá, ela trabalhou em um projeto da UNICEF que se ocupava de ensinar edu-
CASOS INSPIRADORES
DOUTORADO INFORMAL
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cação política para crianças simulando o ambiente de uma miniprefeitura. O 
desafio de aceitar uma oportunidade que não condizia com o seu desejo inicial 
certamente a fez aprender algo. No entanto, o que uma viagem para a Europa 
e outra para a América Central têm em comum, neste caso, é que ambas criam 
condições para que jovens, morando em outro país, liderem a si mesmos. Am-
bas favorecem o distanciamento das realidades que o intercambista já conhece 
para que ele conheça a si próprio por meio do fortalecimento de sua autonomia.
Por outro lado, ao pensar em como as experiências de liderança organizacio-
nal na AIESEC favorecem o sentimento de desafio, volto ao primeiro padrão 
que identifiquei no Train the Trainers: a dificuldade de se desapegar. Explico. 
A convivência ensejada pelo dia a dia de trabalho nos diversos contextos da 
organização é, também, uma das primeiras oportunidades que os membros da 
AIESEC têm de trabalhar de forma colaborativa em prol de um propósito no 
qual eles realmente acreditam. O ambiente é muito diferente se comparado a 
um trabalho em grupo na sala de aula de um curso universitário, tanto na forma 
como as tarefas são realizadas quanto na crença de que aquelas ações terão 
impacto positivo na vida de outras pessoas. Outra diferença é que os comitês e 
demais espaços de trabalho da AIESEC operam com pessoas de diferentes áreas: 
é interdisciplinar por definição. Necessidade de colaborar, identificação com o 
propósito e diversidade de expertises aceleram a aprendizagem, mas também 
podem, colateralmente, dificultar a convivência e cristalizar apegos.
Outro aspecto que parece favorecer o senso de desafio na AIESEC é atuação dos 
membros. As pessoas são estimuladas frequentemente a ingressarem em novas 
áreas, mesmoque às vezes saibam bem pouco a respeito de seu funcionamento. 
“Você não sabe tanto daquilo quanto você imaginava quando entra em uma 
nova área na AIESEC”, ouvi de uma das diretoras nacionais com quem conver-
sei. Isso parece fomentar uma habilidade que o diretor de gestão de pessoas do 
Google, Laszlo Bock, chamou de “humildade intelectual”. “Sem humildade, você 
é incapaz de aprender. Pessoas brilhantes e de sucesso raramente experimentam 
o erro, e então elas não aprendem a aprender a partir daquele erro.”11
11Conforme se vê na entrevista de Laszlo Bock disponível no site Quartz por meio do seguinte link: 
http://qz.com/180247/why-google-doesnt-care-about-hiring-top-college-graduates
http://qz.com/180247/why-google-doesnt-care-about-hiring-top-college-graduates
29
Ao perceber como as experiências de intercâmbio e de liderança organizacional 
da AIESEC afloram o sentimento de desafio, é possível perceber que essa reali-
dade abre espaço para que os jovens trabalhem suas vulnerabilidades e comecem 
a desconstruir suas certezas. A convivência com o outro e com o mundo é vis-
ceral. Os membros aprendem a pedir ajuda, a se perceber no todo e a identificar 
quais podem ser suas contribuições para o time. Aprendem a jogar junto.
Diversidade nacional e internacional
Os intercâmbios estão no centro da atuação da AIESEC desde quando a orga-
nização foi criada, e não é segredo pensar que esse tipo de experiência amplia 
olhares e favorece o contato vivencial com outras culturas. Conversando com 
um amigo que foi ex-diretor nacional de finanças da AIESEC, fui presenta-
do com uma história que ocorrera quando ele viajou para a Mongólia. Lá, ele 
teve uma conversa inspiradora com um russo que não falava nenhum idioma 
comum aos dele: “Eu precisava estar 100% presente, observando tudo o que ele 
fazia. Foi uma das conversas mais incríveis que eu já tive. Às vezes falar a língua 
até atrapalha, porque como nós conseguimos entender facilmente, também nos 
dispersamos facilmente”.
Para mim este é o espírito da conversa: versar junto, tecer entendimentos, sejam 
eles vocabulares ou não. Somos capazes de dialogar de diversas formas. Subita-
mente, a diversidade radical faz descobrir uma humanidade comum, um desejo 
de ser escutado.
No entanto, ao adentrar um pouco mais a AIESEC brasileira, confesso que o que 
mais me chamou atenção em termos de diversidade tem a ver com experimentar 
diferentes sotaques dentro do mesmo território. A diretoria nacional da AIESEC 
no Brasil funciona numa casa em São Paulo compartilhada por toda a equipe 
diretiva, cada membro vindo de uma região do país. Eles não só se mudam para 
a capital paulista durante o ano de sua gestão e trabalham juntos no mesmo 
espaço, como também moram juntos em outra casa bem perto do seu local de 
trabalho. Uma das diretoras nacionais com quem conversei disse: “Você respira 
AIESEC. Não consegue dissociar o que é pessoal e o que é profissional. É como 
um experimento social”. Se nos intercâmbios a diversidade é marcante, no dia a 
dia da gestão e nas conferências ela se transforma em uma rotina muito positiva. 
CASOS INSPIRADORES
DOUTORADO INFORMAL
30
Membros de diferentes comitês locais quando se encontram ficam aflitos para 
poderem conversar, conhecer uns aos outros. À diversidade nacional somam-se 
uma linguagem própria e um propósito compartilhado, e isso faz com que os 
jovens fiquem ainda mais próximos.
A percepção de valor no erro, isto é, no aprendizado
Uma das diretoras nacionais que entrevistei me contou a história de quando se 
candidatou para ser presidente de seu comitê local. Toda vez que uma pessoa é 
eleita para um cargo na AIESEC, há um ritual em que seu antecessor lhe joga 
um balde cheio d’água ou a empurra na piscina. É uma espécie de batismo. Não 
me lembro das palavras exatas que ela utilizou, mas vou tentar imaginar nova-
mente a cena:
“Todos que se aplicaram eram muito competentes e tinham muita vontade de 
ocuparem o cargo. Estávamos em pé, abraçados e ansiosos para saber o resulta-
do… O suspense era grande e não fazíamos a menor ideia de quem iria se mol-
har. De repente, o balde veio, mas não em minha direção! Mesmo assim, acabei 
ficando bastante molhada também. Todos nós chorávamos muito e continuáva-
mos abraçados”.
Em várias conversas que tive com membros da AIESEC ficou nítido o valor que 
eles enxergam ao receber um “não”. Não ser escolhido para o país que desejava 
viajar de intercâmbio, não ser eleito para um cargo, não ser alocado na equipe 
formada para organizar uma conferência, e assim a lista continua. Como existe 
uma cultura de estímulo ao desafio, uma negativa dentro da organização passa a 
ser interpretada como uma oportunidade de “dar ainda mais a cara a tapa” (nas 
palavras de um membro), e também como um convite à reflexão. É claro, tudo 
isso convive com o sentimento de frustração que uma situação dessas acaba 
ocasionando.
Ressignificar um “não” é sintoma de uma característica mais ampla da AIESEC: 
parece haver, de fato, uma percepção comum entre os membros de que a orga-
12Maturana construiu esse entendimento ao longo de seus estudos sobre a cognição. Um dos livros em 
que ele o explicita é a obra “A Ontologia da Realidade”.
31
nização é um espaço de aprendizagem. “Aqui você pode errar”, como me disse 
uma diretora nacional. Não se trata de venerar o erro, mas de se sentir em um 
ambiente seguro para, por um lado, ousar e criar, e, por outro, refletir e aprender 
quando algum erro acontece.
Na verdade, a própria percepção do erro já pode ser entendida como um passo 
em direção ao aprendizado. O biólogo chileno Humberto Maturana afirma 
que nosso sistema nervoso vive tudo como verdade a cada instante, só fazendo 
a distinção entre realidade e ilusão (ou erro) na comparação posterior entre 
experiências, ou seja, por meio da reflexão12. O caminho para aprender, então, 
passa a ter uma forte relação com o feedback, que, aliás, é outro elemento muito 
valorizado na cultura da AIESEC. Em todo processo de candidatura a um cargo, 
por exemplo, há feedbacks para aqueles que se postulam, seja para os que são 
aprovados, seja para os que não são. Isso se estende a várias outras situações, 
desde pequenas entregas de um comitê local até a avaliação de uma conferência 
nacional.
Feedback não se aprende em aula. Aprende-se na prática, estando aberto ao 
outro e à reflexão, e é isso que o ambiente da AIESEC parece proporcionar. 
Como há um clima de “estamos todos aprendendo”, receber críticas e feedbacks 
negativos torna-se mais fácil – ou pelo menos um pouco menos doído.
O espaço para que o “não”, o erro e o feedback aconteçam é uma das principais 
razões que parecem tornar a AIESEC um espaço de aprendizagem significativo. 
“A AIESEC foi o espaço de criatividade, liberdade e autopercepção que eu pre-
cisava para me desenvolver como ser humano.” Essa afirmação, de um ex-mem-
bro que entrevistei, atesta isso.
É possível perceber várias dinâmicas de aprendizagem informal convivendo no 
ambiente da AIESEC: o autodidatismo, as mentorias e as jornadas de aprendiza-
gem são alguns exemplos. Quanto ao primeiro, trata-se de um traço típico de 
espaços configurados com base na autonomia. É a “correria por conta própria 
para se descobrir coisas”, conforme colhi em outra entrevista. As mentorias são 
comuns e parecem ser percebidas como uma fonte valiosa de aprendizados. 
Membros tornam-se mentores uns dos outros e passam a nutrir uma admiração 
por aqueles que lhes apoiam.
CASOS INSPIRADORES
DOUTORADO INFORMAL
32
Finalmente, alguns exemplos de jornadas de aprendizagem13 que identifiquei são 
os próprios intercâmbios e as conferências. Às vezes, a equipe responsável por 
entregar uma conferência é composta por membros de vários locais que passam 
a morar juntos durante o período de um mês para preparar o evento. Além dis-
so, o próprio ato de viajar para participar de uma conferência de três ou quatro 
dias também pode ser considerado uma jornada.
A motivação intrínseca
Teresa Amabile,em seus estudos sobre criatividade, apresenta-nos três elemen-
tos para se entender a inovação nas organizações: expertise (conteúdos e conhec-
imentos); habilidades de pensamento criativo (como as pessoas abordam as 
questões); e motivação (dividida por ela em duas categorias, motivação extrínse-
ca e intrínseca). Vou contar uma história que ouvi de um amigo que foi membro 
da AIESEC e, em seguida, retornarei ao raciocínio de Teresa.
Certa vez, a AIESEC no Brasil decidiu criar uma nova área na organização, 
chamada de Information Management (Gestão da Informação). Na época, meu 
amigo integrava um comitê local e foi o responsável por implementá-la em seu 
escritório. Por conta própria, ele resolveu desenvolver um manual de como uti-
lizar a ferramenta que estava sendo criada, fazendo um exercício para tornar a 
linguagem do material agradável. Por isso, foi convidado a dar uma palestra em 
uma conferência nacional da AIESEC sobre o documento que havia desenvolvi-
do, tendo sido o primeiro membro de sua cidade a receber um convite desta 
magnitude.
Dos três elementos que Teresa Amabile menciona, a motivação é a chave. 
Segundo ela, expertise e habilidades de pensamento criativo não devem ser 
desconsideradas, mas a motivação talvez seja o componente mais desafiador 
dos três – e o que de fato determina o que as pessoas irão ou não fazer. No relato 
que acabei de descrever, foi o engajamento autêntico o fator decisivo para que a 
inovação ocorresse. A motivação extrínseca, com suas cenouras e chicotes, tem 
um limite claro, ao passo que a motivação intrínseca pode mover montanhas. 
13Jornada de aprendizagem neste caso é um conceito específico que se refere a viagens e “excursões” 
capazes de promover aprendizados.
33
Amabile aposta tanto nisso que chegou a elaborar o “princípio da criatividade a 
partir da motivação intrínseca”, a respeito do qual afirma: “as pessoas maximi-
zarão sua criatividade quando elas se sentirem motivadas primariamente pelo 
interesse, satisfação e desafio que o trabalho que estão fazendo proporciona a 
elas”.
Segundo Teresa, a principal forma de estimular a motivação genuína das pessoas 
no ambiente organizacional é justamente o que a AIESEC oferece: autonomia 
nos processos conjugada a um objetivo claro. Ao me contar sua trajetória na 
organização, a mesma pessoa cuja história narrei acima destacou a liberdade 
acrescida de um propósito bem definido como as bases que sustentaram sua 
aprendizagem na AIESEC. Ao perceberem que o objetivo de se estar na or-
ganização está intimamente relacionado ao seu próprio desenvolvimento, os 
membros sentem-se desafiados a exercer sua liderança. No caminho, encontram 
um ambiente que, ao mesmo tempo em que apresenta alguma estrutura, não 
engessa. Nas palavras de Amabile:
Autonomia em torno do processo fomenta a criatividade porque conferir 
liberdade a como as pessoas fazem seu trabalho intensifica sua motivação 
intrínseca e seu senso de dono. Liberdade nos processos também permite 
às pessoas abordar problemas de formas que utilizam o máximo de sua 
expertise e de suas habilidades de pensamento criativo.
Cercar-se de gente verdadeiramente interessada pelo que faz é outro fator 
importante para expandir a criatividade, segundo Teresa. Nesse ponto, uma 
estratégia que os membros da AIESEC parecem adotar é o reconhecimento 
constante do trabalho de seus pares. Compartilho outra história que traduz bem 
o que quero dizer.
Os membros da AIESEC gostam de surpresas. Em uma das conferências que 
participei como facilitador, acabei me envolvendo em uma homenagem de uma 
equipe à sua líder: um agradecimento pelas experiências que haviam vivido sob 
sua direção. Ao final do evento, estavam todos em círculo, de pé, e pedimos para 
que as pessoas fechassem os olhos. Conduzimos a diretora – que também estava 
sem enxergar – para o centro da roda e todos começaram rapidamente a colar 
post-its com mensagens de gratidão em seu corpo. Ao perceber do que se trata-
va, ela abriu os olhos e começou a chorar, agradecendo o carinho que recebera.
CASOS INSPIRADORES
DOUTORADO INFORMAL
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Além de trazer à tona a prática do reconhecimento, relatos como esse apontam 
para o elevado senso de comunidade da AIESEC. Rituais, símbolos e crenças 
são compartilhados por membros de diferentes comitês ao redor do globo. Viver 
a experiência de ser um AIESECo significa uma oportunidade de libertação e 
pertencimento tão significativa que para muitos membros chega a ser difícil de 
ser explicada em palavras. Por isso são utilizadas metáforas, como a do trampo-
lim: quanto mais forte for o impulso, mais alto se chegará. O desenvolvimento 
de cada um é responsabilidade de cada um.
A AIESEC, entendida como uma plataforma de oportunidades de liderança, tem 
sido o berço de construção da autonomia de milhares de jovens brasileiros e de 
outros países. No escritório da diretoria nacional, vozes ocupam todo o espaço 
e são reflexos de protagonismo e motivação genuína. Lembranças são guardadas 
em diversas fotos na parede e representam uma trajetória que se iniciou após 
uma guerra, mas que agora dá outros frutos, muito além dos intercâmbios.
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O que me ajudou (e pode ajudar você)
AIESEC. Wikipédia. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/
AIESEC
Humberto Maturana. A Ontologia da Realidade. Belo Horizonte: 
Editora UFMG, 2014, 2ª edição.
Steven Johnson. The Innovator’s Cookbook: Essentials for Inventing 
What is Next. Nova York: Riverhead, 2011. Print.
“Why Google doesn’t care about hiring top college graduates”. 
Quartz. Disponível em: http://qz.com/180247/why-google-doesnt-
care-about-hiring-top-college-graduates
CASOS INSPIRADORES
http://en.wikipedia.org/wiki/AIESEC%0D
http://en.wikipedia.org/wiki/AIESEC%0D
http://qz.com/180247/why-google-doesnt-care-about-hiring-top-college-graduates
http://qz.com/180247/why-google-doesnt-care-about-hiring-top-college-graduates
DOUTORADO INFORMAL
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Work hard, play hard
Os membros da AIESEC levam muito a sério um jargão que diz: 
“work hard, play hard” (trabalhe muito e se divirta muito; tradução 
livre). As festas e os encontros são marcas registradas da comu-
nidade global. Por trás disso está o reconhecimento de que os 
vínculos afetivos são fundamentais não apenas para obter sucesso 
no que se faz, como também para a vida valer a pena.
Criar espaços de interação livres e significativos potencializa a 
aprendizagem. Se é no coffee break que as melhores conversas 
ocorrem, como seria uma plataforma capaz de promover encon-
tros que se iniciam a partir dos nossos interesses mais autênticos?
36
37
Cinese
O Cinese é uma comunidade virtual que conecta pessoas que querem aprender 
juntas de forma presencial. Encontros sobre qualquer tema podem ser criados no 
site, quer sejam gratuitos ou pagos.
O ponteiro do relógio teimava em não chegar às 19 horas. O dia havia chegado: 
quinta-feira! O sol já havia terminado de sumir, e isso lhe fazia ter a certeza de 
que o momento tão esperado distava, agora, poucos instantes. Foi-se alimentan-
do uma expectativa a respeito de quem, de fato, viria: amigos de amigos que 
só se interessaram pela moqueca? Conhecidos que viram o encontro no site e 
realmente estavam a fim de cozinhar junto? Pessoas de todas as idades que se 
animaram em conhecer mais sobre música baiana? Ou, simplesmente, gente que 
há tempos procurava uma oportunidade de dançar?
Quando os pensamentos finalmente pararam de vir é que os minutos se ani-
CASOS INSPIRADORES
DOUTORADO INFORMAL
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maram de passar mais rápido: 19 horas! Depois de destilar todo o seu cuidado 
na decoração da casa, luzes estrategicamente posicionadas, tratou de ajustar 
os últimos detalhes – a música então começa a tocar e os ingredientes já são 
separados na mesa da cozinha. Mais algum tempo se passa até que o primeiro 
descobridor bate à porta. As conversas começam tímidas. Logo depois, chegam 
mais quatro pessoas. Cinco. Seis. Nove!
Sobrevoando a apertada sala e a simpática cozinha em que se concentrava todaaquela gente, era possível ver pessoas que até poucas horas atrás não se conhe-
ciam aprendendo a cozinhar juntos, comendo moqueca, bebendo caipirinha e 
dançando baianamente. As conversas vez em quando ficavam distribuídas em 
pequenos grupos, quando em vez abarcavam a todos. O receio de ninguém 
aparecer havia sido substituído por uma sensação prazerosa de novidade, de 
encantamento. O que por algumas semanas fora apenas um evento criado em 
um site transformou-se em um espaço de interações muito reais.
Não sei se foi assim que aconteceu, mas pelo menos foi o que minha imaginação 
encenou quando a Camila Haddad, uma das empreendedoras do Cinese, me 
disse sobre a história de um dos primeiros encontros da plataforma on-line. 
O Cinese é um site e uma comunidade que nasceu “para promover encontros 
entre pessoas cheias de vontade de dividir seus conhecimentos, habilidades e 
experiências”14. A premissa é que a internet pode ser um mecanismo potente 
para convidar outras pessoas a interagirem e aprenderem juntas, em espaços 
presenciais. Contatos e conexões ocorrem virtualmente, e trocas de experiências 
e aprendizados são olho no olho, em qualquer lugar onde haja uma intenção 
genuína.
A mesma premissa que anima o Cinese também está presente em plataformas 
como a brasileira Nos.vc e em sites como o Meetup, de articulação de comu-
nidades em torno de interesses específicos. O início da concepção do Cinese 
não coincidentemente ocorreu em um encontro sobre desescolarização em São 
Paulo, onde as irmãs Anna e Camila Haddad conheceram Giovana Camargo, 
formando o time que hoje empreende a plataforma. Desde o seu nascimento até 
14 Conforme se vê na página “Sobre” do Cinese, disponível em http://www.cinese.me/sobre
http://www.cinese.me/sobre
39
CASOS INSPIRADORES
os dias atuais, o Cinese continua carregando em seu DNA a filosofia da desesco-
larização.
“Como fazer a ponte entre pessoas que não se conhecem, mas que poderiam 
aprender coisas juntas?” Essa foi a inquietação inicial que moveu o trio, ainda 
que cada uma tenha tido a sua motivação pessoal para se vincular ao novo em-
preendimento. Camila havia concluído um mestrado sobre iniciativas colabo-
rativas no exterior e viu no Cinese uma forma de materializar, na sua própria 
realidade, o que apaixonadamente estudara; Anna vinha de uma transição de 
vida e carreira, e fundar a plataforma significou aprofundar seu movimento 
de desconstruir crenças para dar espaço a novas estruturas de pensamento; 
e Giovana estava concluindo sua graduação em gestão ambiental com uma 
série de questionamentos sobre educação, e o trabalho no Cinese lhe ofereceu 
uma maneira concreta de fazer algo com isso. Elas criaram o que queriam que 
existisse e, de alguma forma, renasceram junto com o nascimento da plataforma. 
Sobre esse momento inicial é a Anna quem diz15:
A plataforma nasceu da nossa insatisfação com a forma tradicional de 
aprender e ensinar. Todos nós, durante a nossa vida acadêmica, nas 
escolas, nas universidades – e mesmo depois – nos cursos, MBAs, pós, 
mestrados e extensões (e ainda que dentro de ambientes mais descolados 
como as escolas criativas), aprendemos em um sistema one-to-many, alu-
no-professor, sem muita abertura ou interação. Uma pessoa (o professor) 
é a detentora oficial do conhecimento e impede o fluxo de trocas bem ri-
cas entre todas as outras. As pessoas não se conectam, não se identificam, 
não trocam o quanto poderiam. Se fazem, é fora da sala, nos intervalos 
e corredores. Por fim, se dá pouca importância para o processo, para a 
caminhada e os aspectos sutis da aprendizagem. O importante é o resul-
tado. E daí as provas, testes, teses, notas e tudo o mais.
Para lançar a nova iniciativa, as três organizaram a Semana Cinética, um festival 
de grandes encontros para reunir pessoas que poderiam se interessar pela ideia 
da plataforma. O primeiro deles, não poderia deixar de ser, foi sobre educação. 
Logo depois da Semana, o Cinese entrou no ar. Desde o início não havia pre-
tensão de controlar ou fazer nenhuma curadoria sobre os temas dos encontros. 
15 Extraído do texto “O que fazemos no Cinese?”, disponível no blog da plataforma.
Link: http://blog.cinese.me/post/94002114452/o-que-fazemos-no-cinese
http://blog.cinese.me/post/94002114452/o-que-fazemos-no-cinese
DOUTORADO INFORMAL
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Como ouvi na conversa que tive com elas, “não queríamos fazer essa função de 
escola”. Até porque, na visão de mundo que originou a plataforma, aprender é 
possível com qualquer pessoa e em qualquer lugar. O Cinese é uma ferramenta 
para que a cidade se torne um espaço de aprendizagem.
Educação não é só conteúdo, e isso a plataforma parece entender bem. Na 
verdade, o componente principal dos aprendizados que o Cinese proporciona a 
interação. Como na história do encontro de moqueca e música baiana, o tema 
do encontro é quase uma desculpa para que aquele processo aconteça. Uma 
faísca. Revivendo o que o Cinese já provocou nas pessoas, a Camila me disse: “A 
plataforma parece ser uma coisa muito simples, mas o movimento que ela gerou, 
os encontros, os estalos, os insights… Pessoas se conheceram, projetos aconte-
ceram. Pessoas que se sentiam sozinhas em São Paulo iam aos encontros só para 
conhecer gente”.
Nesse sentido, o Cinese encarna muito bem a ideia de viver-aprender: um é 
indissociável do outro. Qualquer pessoa pode “revelar” um encontro e todos 
podem participar dos encontros dos outros, tornando-se “descobridores”. As re-
uniões tornam-se espaços de expressão, permitindo que descobridores revelem 
sua voz, e reveladores descubram-se protagonistas.
É possível criar encontros gratuitos ou pagos, de modo que quando é cobra-
do qualquer valor a única taxa incidente é a do sistema de pagamento on-line 
utilizado pela plataforma. Não foi sempre assim. No início do Cinese, o site 
ficava com 12% de todo o recurso movimentado a partir dos eventos pagos, um 
modelo de negócio comum a plataformas desse tipo. A decisão da equipe em 
zerar a taxa de uso, deixando apenas os custos de manutenção e pagamento, vem 
na esteira de um movimento profundo de questionamento às formas usuais de 
financiamento de empreendimentos. Mais do que isso, trata-se de uma nova 
visão de mundo – cuja influência é possível sentir não apenas nos negócios, mas 
também nas relações pessoais, políticas, na educação e na espiritualidade.
Uma visão de mundo abundante
Tirar o “pedágio” da plataforma e não buscar outro modelo de financiamento 
que possa imediatamente cobrir os custos parece loucura. Mas não é: trata-se de 
uma decisão muito coerente com o princípio da abundância, que tem sido base 
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CASOS INSPIRADORES
de diversas iniciativas colaborativas ao redor do mundo. Imagine, literalmente, 
um pedágio em uma rodovia: cobra-se um valor preestabelecido para que seja 
permitido a um veículo trafegar pela estrada. Isso gera escassez, porque somente 
algumas pessoas poderão pagar aquele valor, ao passo que várias outras não – a 
mobilidade, para muitos, torna-se escassa. Agora, se em outra rodovia não há 
qualquer tipo de pedágio, alguém continua precisando arcar com o investimento 
e os custos de manutenção da via (no caso, o Estado), e nesse caso uma decisão 
também foi tomada, a priori, no sentido de não permitir que nenhum usuário 
contribua para que a via continue existindo.
Em uma de minhas aulas de economia na faculdade, o professor sempre trazia 
esse exemplo para ilustrar as diferenças entre os modelos público e privado de 
financiamento de bens de interesse público. Hoje consigo perceber que essas 
duas formas conservam o mesmo paradigma da escassez: não é conferido poder 
de decisão ao usuário. E se as pessoas que utilizassem a via, sabendo de antemão 
quais os custos, pudessem optar por doar um valor escolhido por eles para a ma-
nutenção da estrada? Seria possível customizar o preço com base em juízos de 
valor distintos das pessoas. Isso parte de outra visão de mundo, mais distribuída, 
livre e baseada na confiança, ou seja, abundante.Foi por meio desse espírito 
que o Cinese aboliu sua política de fixar o preço de utilização da plataforma. Os 
custos foram abertos de modo transparente, um mecanismo de financiamento 
por livre decisão do usuário foi criado – com opções de contrapartidas pontuais 
ou mensais –, e o código do site foi adaptado para operar sem a taxa de uso.
“O Cinese tem que continuar vivo se as pessoas quiserem, se for útil”16 . A ideia 
é o projeto ser remunerado pelo valor que efetivamente entrega a quem dele se 
beneficia. Ao anunciar essa decisão em um post no blog da plataforma, a equipe 
do Cinese também manifestou ao mundo as crenças que animam o princípio 
da abundância: “As pessoas sustentando coletivamente os projetos nos quais 
acreditam, libertando-os de patrocinadores, propaganda e modelos de negócio 
baseados na escassez. Por outro lado, se reapropriando dos processos (no caso 
do Cinese, o processo de educação) de um jeito mais autônomo e livre”17.
16 Extraído do texto “Chegou a hora: tiramos o pedágio do Cinese”, disponível no blog da plataforma.
17 Idem acima.
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Essa nova proposta tem o poder de reforçar nosso senso de comunidade. 
Charles Eisenstein, autor do livro Economia sagrada, afirma que18
(…) comunidades se tecem a partir de presentes, doações. Presentes cri-
am laços de diversas formas porque geram gratidão: o desejo de dar algo 
de volta ou passar algo à frente. Uma transação monetária, em contraste, 
termina sempre que o produto e o dinheiro trocam de mãos. As duas 
partes seguem seus caminhos, separadas.
Assim, ainda que o financiamento do Cinese continue a operar pela via mon-
etária, a escolha por não fixar preços da plataforma pode ser interpretada como 
um presente direcionado à comunidade. Ao mesmo tempo, por não impor uma 
taxa a priori, mais usuários poderão utilizar o site, e o cuidado que cada um terá 
com a sustentação do serviço é que dirá se ele continuará existindo e evoluindo. 
O que o ato de não tornar obrigatório um pagamento nem forçar a gratuidade 
faz é abalar nosso sistema de crenças baseado na hierarquia: não há ninguém 
impondo nada.
A opção por não fazer nenhuma seleção prévia dos encontros que são criados na 
plataforma também é um reflexo de uma visão de mundo baseada no princípio 
da abundância. Da mesma forma que não se decide de antemão o preço, tam-
bém não se julga quais encontros são relevantes ou não. Não é que essa avaliação 
não exista: ela é feita o tempo todo pela rede de forma autorregulada, isto é, 
pelas próprias pessoas que se deparam com os diferentes encontros oferecidos 
no site. Só faz sentido criar estruturas que legitimam certos conhecimentos em 
detrimento de outros se operamos em um paradigma hierárquico. É o que a 
ciência e inúmeras escolas e universidades insistem em fazer.
Minha impressão é que, cada vez mais, a equipe do Cinese cuida para que a 
lógica de funcionamento da plataforma espelhe os valores do paradigma da 
abundância. Não é tarefa fácil, visto que, como Eisenstein afirma, “a cultura da 
escassez nos envolve de tal sorte que a confundimos com a realidade”19. Como 
representante de um movimento novo sem rota preestabelecida, muitos desco-
brimentos vão se revelando ao Cinese.
18 Conforme se vê no texto “Um mundo de abundância”, de Charles Eisenstein, traduzido por Camila 
Haddad e também disponível no blog.
19 Idem nota anterior.
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CASOS INSPIRADORES
Quando sua mãe diz que é gorda
Ao longo da existência do site, as empreendedoras da plataforma foram de-
scobrindo que, além de ser um espaço para os encontros dos outros, o Cinese 
também poderia servir às questões que elas mesmas traziam. Percebiam, ainda, 
que as propostas que partiam de suas próprias inquietações frequentemente 
ressoavam muito na comunidade. Dentre esses pulsos autorais o caso de maior 
repercussão é o texto “Quando sua mãe diz que é gorda”, de Kasey Edwards, 
traduzido pela equipe e publicado no blog da plataforma.
Kasey escreveu uma carta à sua mãe e, nela, denunciou de forma pessoal e 
visceral o quanto o desprezo em relação ao próprio corpo amaldiçoa as mul-
heres. Ao tomar contato com o texto, Anna Haddad enviou uma mensagem à 
autora pedindo permissão para traduzi-lo e publicá-lo. Obteve não apenas uma 
resposta afirmativa, como também mais dois textos adicionais. A carta traduzida 
viralizou na internet e teve mais de 50 mil visualizações, além de vários outros 
desdobramentos nos meses seguintes à publicação. A equipe, então, começou a 
organizar encontros relacionados ao tema por meio do Cinese. “Prisões Estéti-
cas”, “Cosméticos do Bem” e “Saúde Integral da Mulher” foram os títulos de 
algumas dessas conversas. Nas reuniões, mulheres que inicialmente não conhe-
ciam umas às outras tomavam coragem para compartilhar intimidades, expor 
seus medos, rever atitudes.
A onda iniciada pela tradução do texto de Edwards foi capaz de influenciar, 
inclusive, uma das matérias de capa da revista Vida Simples, a qual, perceben-
do a intensidade do movimento, deu o nome “Chega de Dieta” à sua edição de 
dezembro de 2013. Como colhi na conversa que tive com a equipe, “saber que 
uma história que incomodava nós três saiu para o mundo e tanta gente se sentiu 
à vontade para falar é incrível”. E é mesmo.
Quando agimos partindo de algo que nos inquieta verdadeiramente, criamos 
ecos nas pessoas que, de forma consciente ou não, partilham da mesma questão. 
Uma inquietação muito forte de alguém, quando compartilhada, é capaz de se 
refletir no todo. A interdependência, então, começa a desempenhar seu papel: 
percebemos que expor nossas vulnerabilidades pode fortalecer a nós e a quem se 
aproxima. Tudo no calor da relação. A partir de algo aparentemente tão pequeno 
DOUTORADO INFORMAL
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quanto a tradução de um texto, espaços seguros foram sendo criados para que 
mulheres revisitassem suas crenças. A sensibilização gerada pela carta de Kasey 
abriu caminho para uma onda de conscientização por meio da troca. E esse pro-
cesso só foi possível por conta da disposição da equipe por trás do Cinese em se 
apropriar de algumas de suas questões mais essenciais e apresentá-las corajosa-
mente ao mundo.
Crowdlearning
A plataforma, em fevereiro de 2016, contava com aproximadamente 15 mil 
usuários cadastrados e mais de 1.600 encontros realizados. Quanto aos temas, já 
se falou sobre saúde, feminismo, educação alternativa, economia colaborativa, 
religião, empreendedorismo, programação, marketing, políticas públicas, edição 
de vídeo, xadrez, culinária, pedaladas, poesia, storytelling, fotografia, com-
posição musical, entre vários outros assuntos. A diversidade desponta porque se 
trata de uma aprendizagem via multidões: o crowdlearning.
“A palavra é esquisita. Mas você faz o tempo todo. Com os amigos num bar. 
Quando puxa papo com o taxista sobre o que deu ontem no jornal. Quando 
troca milhares de links de vídeos no Youtube com a nova paquera. Quando toma 
um café com a vó e ouve histórias da guerra. Quando conhece gente nova.”20 É 
o que se lê em um texto sobre o conceito no blog do Cinese. Para além de tentar 
definir exatamente o que crowdlearning significa, o post vai no sentido de desen-
caixotar o que entendemos por aprender. O crowdlearning elimina o peso insti-
tucional, devolvendo às pessoas a capacidade de se educarem a partir de com-
binações autorreguladas entre o que cada um oferece e o que cada um busca. É 
possível perceber a plataforma, então, inserida em um contexto em que aprender 
“tem a ver com gente. Com encontro, troca e conexão. Aquela fagulha que faz 
coisa boa e nova vir à tona. Que desperta aquela vontade grande de descobrir 
mais de algo. Conhecer mais e mais gente diferente. Buscar novas referências. 
Frequentar novos cafés. Começar um outro livro. Escrever um poema”21.
A internet tem ajudado a despertar o poder da aprendizagem via multidões 
20 Extraído do texto “Crowdlearning: aprender é compartilhar”, publicado no blog do Cinese.
21 Idem acima.
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CASOS INSPIRADORES
porque possibilitaa cada um o poder de se conectar com o outro a partir de seus 
anseios e inquietações. Imagine um monte de gente no mesmo espaço, mas que 
não se vê, não se fala e não se escuta: o poder desse grupo seria muito reduzi-
do porque as pessoas não seriam capazes de perceber sua potência. A internet 
permite que a aglomeração se veja, e mecanismos como o Cinese habilitam a 
voz e os ouvidos das pessoas. Reveladores e descobridores apropriam-se, enfim, 
do seu poder. Como Margaret Wheatley diz, “a inteligência emerge na medida 
em que o sistema se conecta com ele mesmo de formas diversas e criativas”22. 
Estamos todos no mesmo sistema humano, e quanto maior a diversidade dos 
nossos encontros, maior é nossa inteligência coletiva.
Plataformas que funcionam com base na ideia de crowdlearning apostam na 
colaboração, no protagonismo e na abundância como valores fundamentais para 
fomentar a aprendizagem informal. A multiplicidade de oportunidades que o 
crowdlearning nos apresenta é um espelho da complexidade do mundo e condiz 
com o que se percebe no Cinese: “a gente quer ser uma ponte que ajude as 
pessoas a se encontrarem – para o que quer que seja. Para formar novas redes de 
apoio, para dividir ideias, para elaborar projetos, para testar, para trocar”23.
Apostando na variedade de formas, propus à equipe do Cinese finalizar nossa 
conversa com a elaboração de um haicai que simbolizasse a essência do que 
havíamos falado. Elas prontamente aceitaram o convite e, após alguns minutos, 
cada uma escreveu uma frase. Tomei a liberdade de organizá-las neste micropo-
ema:
O acontecido aconteceu: aprendi 
Que a gente só é gente porque não é só 
É preciso protagonizar a vida para revolucionar o mundo.
22 Citação retirada do texto “The World Café: living knowlegde through conversations that matter”, de 
Juanita Brown, David Isaacs e a comunidade do World Café.
23 Retirado do texto “O fantástico mundo do encontro: conexão e presença”, disponível no blog do 
Cinese.
DOUTORADO INFORMAL
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O que me ajudou (e pode ajudar você)
Blog do Cinese. Disponível em: blog.cinese.me
Cinese. Disponível em: http://www.cinese.me
Meetup. Disponível em: http://www.meetup.com/pt
Nos.vc. Disponível em: http://www.nos.vc/pt
The World Café: living knowlegde through conversations that 
matter. Juanita Brown, David Isaacs e a comunidade do World 
Café. Disponível em: http://www.theworldcafe.com/wp-content/
uploads/2015/07/STCoverStory.pdf
blog.cinese.me
http://www.cinese.me%0D
http://www.meetup.com/pt%0D
http://www.nos.vc/pt
http://www.theworldcafe.com/wp-content/uploads/2015/07/STCoverStory.pdf
http://www.theworldcafe.com/wp-content/uploads/2015/07/STCoverStory.pdf
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Aprendendo com desconhecidos
Talvez uma das principais premissas do crowdlearning seja a de 
que podemos aprender com desconhecidos. As possibilidades que 
a internet inaugura são como pontes entre pessoas que podem 
nunca ter se visto antes, mas que subitamente descobrem interess-
es e questões comuns.
É curioso notar como muitos de nós nos sentimos mais confiantes 
ao abordar um desconhecido pela internet do que pessoalmente. O 
Cinese se aproveita disso, facilitando o contato inicial por meio da 
rede mundial de computadores e depois proporcionando inter-
ações presenciais. Em alguns momentos, no entanto, precisamos 
encarar nossas inseguranças. No meu caso, falar com desconheci-
dos cara a cara nunca foi fácil.
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DOUTORADO INFORMAL
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Gap Year (UnCollege Brasil)
O UnCollege é um movimento em favor da aprendizagem autodirigida surgido nos 
Estados Unidos que oferece programas para quem quer “hackear” sua educação. 
Em 2014 o Gap Year, programa de um ano do UnCollege, chegou ao Brasil.
“Respeitável público! O que vocês estão prestes a ver agora é algo nunca antes 
presenciado na face da Terra! Estão preparados? Os incríveis, únicos, excepcio-
nais malabares do Senhor Emanuel Maia!”
Isso poderia facilmente ter saído da boca de um animador de circo, mas não. Fui 
eu mesmo quem disse. Numa ilha.
Imagine só: oito pessoas jogando Caça ao Tesouro em uma paisagem paradisía-
ca, com direito a praia, vila, natureza, pessoas simpáticas e até um navio de 
cruzeiro. Tendo que cumprir tarefas como cantar com desconhecidos, conseguir 
comida de graça, amarrar o cadarço de alguém na rua, convencer estranhos 
a brincar de estátua e até mesmo ganhar dinheiro com algum talento. Parece 
divertido?
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Quando cheguei à casa do UnCollege Brasil em Ilhabela (SP), era isso que me 
aguardava. A Caça ao Tesouro foi a primeira de uma série de atividades sobre 
networking do dia, e eu não queria ficar só olhando. Como uma amiga diz, é 
preciso “pesquisar com a pele”, e assim acabei participando ativamente de alguns 
momentos com a turma. Sendo um dos mentores do UnCollege, eu já conhecia 
um pouco a respeito do Gap Year, um programa de um ano que se propõe a 
desenvolver as competências necessárias a quem deseja “hackear” sua educação. 
O UnCollege estava iniciando a segunda turma do programa no Brasil. Viven-
ciar a experiência – ainda que apenas por um curto período de tempo – foi uma 
oportunidade única.
Minha introdução de arena ao show de malabares do Emanuel foi puro improvi-
so. Estávamos caminhando à beira mar e correndo contra o tempo para cumprir 
uma lista de 15 itens bastante inusitados, que se propunham a trazer à tona 
nossos sentimentos mais profundos relacionados a networking. Precisávamos 
fazer todas aquelas coisas e ainda fotografá-las ou filmá-las. Não me considero 
a pessoa mais espontânea do mundo, embora tenha conseguido me abrir mais 
nos últimos tempos. Por isso, fiquei impressionado com minha reação: eu era 
realmente capaz de divertir estranhos! Ou, pelo menos, tive a coragem de tentar. 
Fomos divididos em dois grupos, e o nosso foi logo se abastecendo da empol-
gação e alegria do Emanuel. Quando ele teve a ideia de fazer malabares com as 
laranjas que havíamos ganhado em um restaurante poucos metros antes, não 
me lembro de ter pensado em nada. Logo o chamei para testarmos o número 
com as primeiras pessoas que avistamos, e fui construindo o discurso à medida 
que as palavras iam saindo da minha boca. Ao terminarmos, ganhamos alguns 
sorrisos, mas infelizmente nenhum dinheiro.
Ao retornarmos à casa do UnCollege – uma imponente construção de madeira 
e vidro fincada no pé de uma mata exuberante –, começamos a refletir sobre a 
experiência. De minha parte, a expectativa inicial de sentir medo e vergonha 
foi sendo substituída pela alegria de estar em grupo. Anotei no meu caderno: 
“é preciso (se) testar antes de condenar”. Fomos tecendo juntos os aprendizados 
com base na experiência que tivemos: desde as melhores formas de abordar as 
CASOS INSPIRADORES
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pessoas até o reconhecimento das possibilidades imprevisíveis que diferentes 
interações nos proporcionam. Somente ao final da manhã é que algo um pouco 
parecido com uma aula ocorreu. Discutimos sobre quatro fatores capazes de 
conectar as pessoas: a simpatia, a ajuda, a empatia e o feedback. Depois de tudo 
que passamos, fez todo sentido.
Um ano para aprender a aprender
Passar por volta de três meses “estudando” networking e outras competências, 
tendo tempo para desenvolver projetos pessoais e refletindo sobre seu caminho 
de autoeducação é a primeira fase do Gap Year. Nessa etapa, chamada fase de 
lançamento, os jovens inscritos no programa moram juntos e participam de 
atividades com o objetivo de identificar seus interesses e aprimorar suas habili-
dades de meta-aprendizagem (aprender a aprender). Habilidades profissionais, 
efetividade pessoal e capital social também estão no rol dos temas tratados.
Depois da fase de lançamento, os participantes ficam livres para escolherem 
entre três itinerários distintos durante os outros nove meses do programa ou, 
ainda, criarem seu próprio caminho. Uma das possibilidades é fazer um inter-
câmbio em um país desconhecido. A ideia é que aprendam a “se virar” em um 
contexto muito diferente do que estão acostumados.

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