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83 Exames Complementares Ulysses G. Meneghelli e Luiz Ernesto de Almeida Troncon ..,. Introdução Os exames complementares possibilitam a comprovação das hipóteses diagnósticas, a detecção de anormalidades fun- cionais, o reconhecimento de agentes etiológicos, bem como determinar as repercussões da doença sobre o organismo como um todo. Os exames básicos podem ser divididos nos seguintes sub- grupos: avaliação bioquímica e hematológica, avaliação nm- cional, estudo das alterações estruturais, pesquisa de agentes etiológicos pelos exames parasitológico e bacteriológico das fezes e cintigrafia. Exames de caráter específico podem ser necessários, de acordo com as hipóteses diagnósticas formuladas em cada caso. ..,. Avaliação bioquímica, hematológica e sorológica Os níveis séricos de albumina estão frequentemente diminuídos nas doenças do intestino delgado. Tal redução não é, em geral, muito intensa, exceto nas afecções nas quais há perda intestinal de proteínas. Nesse caso, costuma haver queda de todas as frações proteicas, em particular da gamaglobulina. Diminuição muito acentuada dessa fração, junto com redu- ção modesta dos níveis de albumina, sem anormalidades nas outras frações, sugere o diagnóstico de hipogamaglobulinemia primária (ver Capítulo 156, Doenças Imunológicas). Hipergamaglobulinemia pode ocorrer em todas as doenças crônicas, seja de natureza infecciosa, inflamatória ou neoplá- sica. A doença de Crohn, a blastomicose, a tuberculose e os linfomas podem causar grande aumento dos níveis de gama- globulina. Nas diarreias profusas, com perda de grande quantidade de água e eletrólitos, pode haver importante redução dos níveis séricos de sódio, cloro e potássio, bem como alterações do pH do sangue e das concentrações de co2 e bicarbonato, defi- nidoras da acidose metabólica (ver Seção 6, Metabolismo, da Parte 1 O, Sistema Endócrino e Metabolismo). Na síndrome de má absorção, há, frequentemente, redução das taxas dos eletrólitos mencionados, bem como do cálcio, ferro, magnésio e fósforo. Também sofrem queda os níveis de colesterol, do caroteno, da vitamina A e da vitamina B12• A deficiência de vitamina D, na ausência de hipocalcemia importante, pode ser indicada por hipofosfatemia junto com elevação das taxas da fosfatase alcalina, além de alteração da excreção urinária de cálcio e fósforo. Já a deficiência de vita- mina K é sugerida pela diminuição da atividade da protrom- bina. Sua carência é comprovada pela normalização do tempo de protrombina após a administração parenteral dessa vita- • mma. O exame hematológico representa um recurso de utilidade na avaliação das doenças intestinais. A diminuição da hemo- globina e do hematócrito, bem como dos glóbulos vermelhos, indica anemia, mas a intensidade e o tipo desta dependem dos mecanismos subjacentes (ver Capítulo 152, Doenças do Sangue). O encontro de anemia hipocrômica microcítica sugere carência de ferro, enquanto a anemia macrocítica é conse- quência de deficiência de vitamina B12, de ácido fólico ou de ambos. Na síndrome de má absorção, há carência de todos estes nutrientes, produzindo padrões variados de anemia. Dependendo da etiologia do processo, pode haver predomínio da carência de alguns dos elementos necessários à eritropoese. Assim, na doença celíaca encontra-se mais frequentemente anemia hipocrômica microcítica, própria da deficiência de ferro, enquanto a proliferação bacteriana no intestino delgado resulta em anemia macrocítica. Lesões ileais, que prejudicam a absorção de vitamina B12, provocam macrocitose. Nas hemorragias agudas, a anemia (normocítica e nor- mocrômica) pode ser intensa. Em fase mais tardia, porém, instala-se a carência de ferro, que provoca microcitose e hipo- . crom1a. O número total de glóbulos brancos pode estar modera- damente aumentado em todas as condições nas quais há uma "reação geral de alerta': como nos períodos de agudização das doenças inflamatórias, nas afecções de natureza infectoparasi- tária ou na hemorragia digestiva aguda. A leucocitose muito acentuada é incomum, exceto em algumas complicações da doença de Crohn, como a perfuração de alças intestinais. O predomínio de formas jovens de neutrófilos pode ocorrer, acompanhando a leucocitose. A eosinofilia é observada nos processos de natureza parasitária e nas afecções de base alér- gica. Nestas últimas, o número absoluto de eosinófilos pode atingir cifras muito altas, compondo o quadro da gastroente- ropatia eosinofílica. O número absoluto de linfócitos encon- tra-se diminuído na linfangiectasia intestinal, o que se deve à perda gastrintestinal destes elementos celulares. A linfopenia ocorre também na AIDS. Exames sorológicos específicos vêm tendo aplicação cres- cente na avaliação laboratorial nas doenças do intestino delgado. Incluem este grupo de testes as provas sorológicas específicas para tuberculose e para paracoccidioidomicose, quando se suspeita que estas infecções estejam causando com- prometimento intestinal. Marcadores sorológicos podem tam- bém ser úteis no diagnóstico da doença de Crohn e, sobretudo, na diferença desta afecção com a retocolite ulcerativa, quando há envolvimento exclusivo do intestino grosso. Na doença de Crohn, ocorre alta taxa de positividade para o anticorpo con- tra a levedura Saccharomyces cerevisiae (ASCA) e, diferente- mente da retocolite ulcerativa, menor taxa de positividade do anticorpo contra o citoplasma de neutrófilos, do tipo perinu- clear (pANCA). Em casos nos quais se suspeita do diagnóstico da doença celíaca, é atualmente prática corrente a determina- ção de anticorpos antiendomísio e antitransglutaminase, que apresentam altos níveis de sensibilidade e de especificidade. 678 .... Avaliação funcional O exame macroscópico das fezes pode trazer informações interessantes. A determinação do pH e a inspeção visando caracterizar volume, consistência e se há restos alimentares digeríveis ou de gordura podem fornecer dados indicativos do comprometimento do delgado. O peso diário do total de fezes emitidas, quando acima de 500 g/dia, sugere síndrome de má absorção ou diarreia colerreica. O exame qualitativo das fezes consiste no estudo, ao microscópio, de amostra de uma suspensão em solução salina, após hidrólise ácida ou térmica e adição de um corante espe- cífico para gorduras, como o Sudão IV. O encontro de gotas coradas em amarelo-alaranjado torna possível a comprovação da esteatorreia. Apesar da possibilidade de ocorrência de fal- sos resultados, principalmente, falsos-negativos, trata-se de exame útil, sobretudo quando é fortemente positivo, em casos com alto grau de suspeição da ocorrência de esteatorreia, que pode então ser confirmada. A determinação química do teor de gordura fecal é o método mais preciso para a comprovação e quantificação da esteatorreia. Para isso são colhidas fezes durante 72 h, tomando-se o cuidado de manter o paciente em dieta com 80 a 100 g de gorduras por dia. As pessoas normais excretam, no máximo, 7 g/24 h. Valores acima deste limite indicam a ocorrência de esteatorreia, a qual pode atingir taxas iguais ou superiores a 50 g/24 h na insuficiência pancreática e nas enteropatias difusas crônicas, como a doença celíaca ou de Whipple. Em outras condições causadoras de má absorção, como a síndrome pós-gastrectomia e a proliferação bacte- riana, os valores, em geral, não excedem 20 g/24 h. No entanto, por sua complexidade, esta medida mais precisa do teor de gordura fecal é realizada apenas em laboratórios mais especia- lizados atualmente. Em muitos centros, estima-se a ocorrência de esteatorreia pelo exame qualitativo das fezes com o uso do Sudão IV, como mencionado anteriormente. A medida da excreção urinária da d-xilose após a admi- nistração oral deste açúcar constitui um método para estu- dar a absorção intestinal de modo independente da digestão. Após a ingestão de 25 g de d-xilose, observa-se, nas pessoas normais, excreção de 4 g ou maisna urina emitida nas pri- meiras 5 h após sua administração. Valores inferiores indicam defeito da absorção. Nos processos globais de má absorção com esteatorreia, o encontro de valores normais na prova de d-xilose sugere, fortemente, defeito da digestão, como ocorre na insuficiência pancreática. Falsos resultados normais podem aparecer em doenças intestinais proximais de leve ou mode- rada intensidade e em doenças do delgado distai. Nas condições nas quais há acentuada proliferação bacte- riana no intestino delgado, o teste da d-xilose pode ser anor- mal devido ao consumo do açúcar pelas bactérias, antes da sua absorção. O teste da d-xilose sofre interferência de vários fatores, entre os quais o trânsito gastrintestinal e a filtração glomerular. Desidratação ou ascite pode determinar redução da excreção renal da d-xilose. Por estas razões, atualmente, o teste de d-xilose é de limitado valor clínico e tem sido substi- tuído, principalmente, pela biopsia intestinal. O estudo funcional da digestão e da absorção dos hidratos de carbono tem sido feito com o teste do hidrogênio (2H) no ar expirado, medido por cromatografia gasosa. Em condições normais, os açúcares sofrem digestão e absorção quase completa no intestino delgado; apenas uma fração irrelevante atinge o cólon. Mas, havendo má digestão Parte 9 I Sistema Digestivo ou má absorção, uma quantidade considerável dos açúcares chega ao cólon, no qual sofrem fermentação bacteriana pro- duzindo grande quantidade de 2H, que é absorvido e excre- tado pelos pulmões. Deste modo, um grande aumento das concentrações de hidrogênio no ar expirado, 60 a 90 min após a ingestão de um açúcar, é indicativo sensível e específico de má absorção dos hidratos de carbono ingeridos. O teste do hidrogênio é usado para o estudo da absorção de açúcares como a lactose, a sacarose, a maltose, o amido e a fru- tose. É indicado, também, no diagnóstico das condições nas quais há proliferação bacteriana no intestino delgado. Por isso, usa-se como substrato a glicose, a qual, em condições normais, é rapidamente absorvida e metabolizada, sem produção de 2H. Se houver contaminação bacteriana no jejuno, observam-se uma ou mais elevações em "pico" na concentração de 2H, nos 30 min após a ingestão do substrato. A proliferação bacteriana no intestino delgado pode ser, também, determinada com o uso de lactulose, um dissacarídio não absorvível, como subs- trato. Este açúcar também pode ser empregado para o estudo do tempo de trânsito orocecal, como será descrito adiante. Níveis elevados da concentração de 2H no ar expirado de um paciente em jejum representam, por si sós, forte indicação de aumento da população bacteriana no intestino delgado ou no estômago. A lactulose é usada, também, para a medida do tempo de trânsito orocecal, parâmetro que se altera em vários transtor- nos da motilidade digestiva. A chegada ao ceco da lactulose é seguida de grande aumento dos níveis de 2H no ar expirado, em decorrência da digestão deste açúcar pelas bactérias da flora normal do intestino grosso. Desse modo, o tempo decor- rido entre a ingestão da lactulose e o início da elevação da con- centração de 2H equivale ao tempo de trânsito da boca ao ceco. A perda gastrintestinal de proteínas pode ser detectada e medida pelo teste da excreção fecal de macromoléculas mar- cadas. A mais utilizada é a albumina-51Cr, a qual, uma vez injetada na circulação, não extravasa do meio interno para o lúmen gastrintestinal, em condições normais. Assim sendo, o encontro de níveis elevados de radioatividade nas fezes, após a injeção venosa da albumina-51Cr, pode comprovar a perda anormal de proteínas pelo tubo digestivo. A determinação concomitante da radioatividade plasmática e fecal em perío- dos de 24 h possibilita estimar o clearance das proteínas plas- máticas para o lúmen gastrintestinal, o que assegura maior precisão ao teste. O diagnóstico laboratorial da síndrome carcinoide baseia-se no encontro de níveis elevados do ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA) na urina. Esta substância é um metabólito da sero- tonina, produzido em grande quantidade pelos tecidos neo- plásicos. Excreção urinária superior a 50 mg/24 h do 5-HIAA é considerada indicativa da síndrome carcinoide. Níveis mais baixos, menores que 20 mg/24 h, podem ser encontrados nas enteropatias difusas crônicas e quando há proliferação bacte- . nana. O diagnóstico do divertículo de Meckel pode ser feito por um exame radioisotópico especial que consiste na inje- ção venosa do sal sódico do 99mtecnécio, seguida da obtenção de imagens cintigráficas do abdome. As células parietais da mucosa gástrica têm grande avidez pelo tecnécio, o que torna possível o seu "mapeamento" externo após injeção venosa do isótopo. Considerando que cerca de 50% dos divertículos de Meckel apresentam mucosa gástrica heterotópica em seu interior, o encontro de uma região hipercaptante no abdome, abaixo e, em geral, à direita da área gástrica, sugere a existência desta anormalidade anatômica (Figura 83.1). 83 I Exames Complementares N 8 !I o J IJ • z , 1 • • 1 Figura 83.1 Gamacintigrafia obtida após injeção de pertecnetato de sódio Frrrrc) em uma criança que apresentou hemorragia digestiva. Identificam-se a figura gástrica e, mais abaixo, mancha menor indicativa de mucosa gás- trica ectópica. O diagnóstico foi de divertículo de Meckel. ...,. Estudos das alterações estruturais Os métodos empregados para o diagnóstico topográfico e anatomopatológico das afecções do intestino delgado são os exames de imagens (radiologia, arteriografia, tomografia computadorizada, ultrassonografia e ressonância magnética), a biopsia intestinal e a endoscopia. • Exames de imagem O estudo radiológico pode ser feito por radiografia simples do abdome, seriografia convencional ou trânsito intestinal, arteriografia, tomografia computadorizada, ultrassonografia e ressonância magnética. A radiografia simples do abdome tem indicação importante no diagnóstico das síndromes obstrutivas e na perfuração de alças (Figura 83.2). Nas obstruções por obstáculo mecânico, as alças delgadas apresentam-se dilatadas e com níveis líqui- dos. Na síndrome pseudo-obstrutiva, as dilatações de outros segmentos do tubo digestivo associam-se às do delgado. As 679 perfurações são demonstradas pelo ar livre na cavidade peri- toneal na região subdiafragmática. Alça rígida, cheia de ar, com irregularidades na superfície, sugere doença isquêmica. Dilatações aneurismáticas das alças ocorrem nos linfomas. A radiografia simples pode mostrar imagens de calcificações de gânglios mesentéricos, o que pode auxiliar no diagnóstico de tuberculose intestinal, bem como de calcificações pancreá- ticas, evidência de importante comprometimento do órgão. O exame radiológico contrastado do intestino delgado tem por finalidade caracterizar a existência de lesão nas paredes do órgão, sua possível natureza, posição e extensão, além das alterações funcionais. A opacificação é obtida pela ingestão de contraste à base de sulfato de bário. Após a ingestão, sempre feita com o paciente em jejum de 10 a 12 h, estudam-se o estô- mago e o duodeno, e, em seguida, acompanha-se o trânsito do material baritado ao longo do delgado com sucessivas radio- grafias, até o íleo terminal (Figura 83.3). As alterações morfológicas no exame radiológico contras- tado do intestino delgado são: • Calibre das alças: como o calibre normal do jejuno é de 25 mm e o do íleo, 20 mm, considera-se uma alça dila- tada quando excede 30 mm. Uma estenose é reconhecida quando há apreciável e persistente redução do calibre, ou quando existir dilatação a montante. Estreitamentos transi- tórios indicam espasmos do órgão • Excesso de secreção: é evidente pela diluição excessiva do contraste e sua pouca aderência à superfície da mucosa. Ocorre particularmente nos processos inflamatórios e exsudativos do intestino delgado • Alterações nas pregas mucosas: aspregas mucosas apare- cem em negativo, adquirindo o aspecto radiológico carac- terístico das alças delgadas. Reconhece-se o espessamento da mucosa quando a prega ultrapassa 2 mm, com perda da regularidade de suas margens. Edema da mucosa e/ou da submucosa (hipoproteinemia, bloqueio linfático, edema angioneurótico) ou hemorragia (síndromes hemorrágicas, vasculites) são causas importantes de espessamento das pregas. Espessamentos distorcidos e irregulares ou o desa- parecimento total do padrão mucosa são provocados por infiltrados inflamatórios (doença de Crohn, tuberculose, infecções por Yersinia, estrongiloidíase, blastomicose) e neoplásicos (carcinoma, linfomas) • Nódulos: aparecem como falhas de enchimento de forma arredondada ou semilunar, únicas ou múltiplas e de tama- • Figura 83.2 Radiografias simples do abdome. A. Níveis hidroaéreos observados em pacientes com obstrução do íleo por bridas pós-operatórias. B. Distensão de alças delgadas reconhecidas pela imagem característica que lhes dão as válvulas de Kerckring. C. Distensão e irregularidade em alças intestinais em pacientes com isquemia mesentérica. D. Coleção aérea subdiafragmática direita em caso de perfuração do íleo. 680 Parte 9 I Sistema Digestivo o Figura 83.3 Radiografias contrastadas do intestino delgado. A. Alterações do relevo mucoso determinadas por espessamento edematoso da mucosa do intestino delgado proximal, incluindo duodeno, em paciente com estrongiloidíase. &.Irregularidades de contornos das alças com espículos (úlceras), áreas de estreitamento e aumento da espessura das paredes (alças afastadas umas das outras) em caso de blastomicose. C. Irregularidades nos contornos e imagens de nódulos em paciente com linfoma primário do intestino delgado. D. Região do íleo terminal onde pode ser notada a imagem em pedra de calçamento (cobblestones) e de uma fístula em caso de doença de Crohn. nhos variáveis. Podem ser pólipos, neoplasias benignas, hiperplasia linfoide, mastocitose, macroglobulinemia, doenças de Whipple e de Crohn • Ulcerações: sendo lesões escavadas, elas aparecem nas radiografias como depósitos baritados que podem ter tamanho, forma e profundidade variáveis. A mais comum dessas lesões é a úlcera péptica da primeira porção do duo- deno. Elas também aparecem na doença de Crohn, tuber- culose, blastomicose e processos neoplásicos. ... Fístulas. São identificadas como trajetos que vão além dos limites anatômicos das alças, atingindo órgãos situados nas imediações: bexiga, vagina, cólon ou outras alças delgadas. São observadas na doença de Crohn, blastomicose e linfomas. ... Divertículos. Apresentam-se como formações arredondadas e lisas anexas às alças, podendo apresentar nível líquido. São mais comuns no duodeno. ... Alterações no mesentério. O desenvolvimento de processos infil- trativos, inflamatórios ou neoplásicos no mesentério faz com que as alças se mostrem rígidas e afastadas entre si. Aderências mesentéricas retráteis podem provocar angulações das alças que podem chegar até a obstrução. A arteriografia torna possível a visualização do sistema arterial que supre o intestino delgado. Um cateter introduzido em uma artéria, frequentemente a femoral, é levado até a arté- ria emergente da aorta que se quer estudar. O método possi- bilita identificar o local de uma hemorragia aguda, bem como doenças vasculares ( aterosclerose, arterites) e tumores. A tomografia computadorizada (TC) do intestino delgado é feita após a ingestão de solução de contraste baritado ou iodado. Possibilita a identificação de anomalias congênitas (divertículo, má rotação etc.), o estudo de processos infla- matórios das alças (p. ex., doença de Crohn), a detecção de linfonodos anormais e é útil no diagnóstico da obstrução intestinal aguda ou crônica e da oclusão das artérias e veias mesentéricas. A ultrassonografia pode identificar espessamento de alças, estreitamentos do lúmen, trajetos fistulosos, tumores, intus- suscepção intestinal, cistos e ascite. Pelo processo do eco-Dop- pler pode-se estudar a irrigação do intestino delgado. A ressonância magnética (RM) do intestino delgado exige que ele esteja quiescente, o que é obtido com o uso de agente antiperistáltico ou com jejum de pelo menos 5 h. Utiliza-se também a RM com supressão de gordura e contraste de gado- línio, obtendo-se resultados comparáveis aos da tomografia computadorizada. Ela revela-se particularmente útil na ava- liação de doença de Crohn e no estudo das afecções vasculares (angiorressonância). • Biopsia intestinal A biopsia da mucosa intestinal, obtida por meio de dispo- sitivos especiais, traz elementos fundamentais para o diag- nóstico anatomopatológico de várias enteropatias difusas crônicas, como a doença celíaca, de Whipple, a amiloidose, os linfomas difusos, a acantocitose (abetalipoproteinemia), as enterites parasitárias, a linfangiectasia intestinal e o espru hipogamaglobulinêmico (Figura 83.4). É importante também para o diagnóstico etiológico de protozooses como giardíase, criptosporidiose, isosporíase e microsporíase. Não é indicada para o diagnóstico de afecções focais. Já a contraindicação absoluta está na existência da síndrome hemorrágica. O líquido intestinal que vem junto com o fragmento de mucosa ou que pode ser aspirado antes da realização da biop- sia pode ser submetido a exame parasitológico, o qual, fre- quentemente, é positivo, mesmo quando o exame das fezes é negativo. O fragmento obtido na biopsia é observado com uma lupa ou no microscópio estereoscópico (Figura 83.5), em fundo negro, o que possibilita o estudo da morfologia das vilosida- des. Pode-se fazer com facilidade o reconhecimento da atro- fia vilositária, como acontece na doença celíaca. Podem ser observadas outras anormalidades, como vilosidades em ponte ou vilosidades convolutas, encontradas na doença celíaca em remissão. Vilosidades túrgidas com espessamentos em suas extremidades (lembrando o baqueteamento digital) são vistas nas linfangiectasias intestinais. Para o exame histológico de rotina, o fragmento de mucosa é distendido sobre um pequeno pedaço de papel de filtro, a face cruenta voltada para o papel e o conjunto imerso em fixadores comuns. A hemorragia e a perfuração constituem as complicações mais importantes. Por isso, cuidados especiais, particular- mente na aspiração e no tipo de cápsulas, devem ser tomados 83 I Exames Complementares 681 A Figura 83.4 Biopsia do intestino delgado. A. Atrofia de vilosidades e hipertrofia das criptas de criança com doença celíaca. 8. Dilatações do linfático central das vilosidades em caso de linfangiectasia. C. Larva de S. stercoralis na mucosa duodenal em paciente com estrongiloidíase. Figura 83.5 Biopsia do intestino delgado. Vilosidades intestinais observadas ao microscópio estereoscópico. A. Mucosa normal. 8. Algumas vilosidades intumescidas em caso de linfangiectasia por blastomicose sul-americana. C. Atrofia total das vilosidades, aspecto em mosaico, característico da doença celíaca. D. Vilosidades anormais, longas, com angulações, em paciente com doença celíaca tratada. nos casos em que se presume adelgaçamento das paredes do tubo intestinal, como na doença celíaca. Em decorrência da possibilidade de complicações e, em especial, pela dificuldade técnica inerente à sua realização, a biopsia da mucosa do intestino delgado com o uso de dis- positivos ou cápsulas especiais vem sendo substituída pela endoscópica da segunda porção do duodeno, com resultados favoráveis especialmente nas doenças que acometem difusa e globalmente a mucosa do intestino delgado, como a doença celíaca. • Endoscopia O intestino delgado é acessível ao exame com gastroduode- noscópios (Figuras 83.6 e 83.7), coloscópios (íleo terminal) e, mais recentemente, com enteroscópios e com a cápsula endos- cópica. • Edema e hiperemia da mucosa caracterizam as duodeni- tes. Podem ser também observadas erosões da mucosa, em geral múltiplas, provocadaspela ação cloridropéptica ou por substâncias exógenas agressivas (p. ex., álcool). Formações polipoides constituídas de adenomas, hamartomas (síndrome de Peutz-Jeghers), adenocarcinomas e linfomas são raras no duodeno. Elevações múltiplas e de pequeno tamanho caracte- rizam a hiperplasia linfática, quase invariavelmente associada a giardíase e deficiência de IgA e IgG. A hiperplasia das glân- dulas de Brünner pode determinar a formação de adenoma isolado ou hiperplasia nodular ou difusa. Na doença celíaca, nota-se atrofia da mucosa, bem como, ocasionalmente, o aspecto em mosaico característico. Divertículos são diagnos- ticados pela observação de seus orifícios de comunicação com o duodeno. Lesões tipo aftas, isoladas ou múltiplas, úlceras de várias formas, tamanhos e profundidades, e espessamentos e nodulações nas paredes duodenais são altamente sugestivos de . . "' .. Figura 83.6 Endoscopia do duodeno. Duodeno- bulbo. A. Bulbo duodenal. Bulbo distendido com mucosa de coloração rósea-clara, aveludada, superfície lisa sem pregas. 8. Úlceras duodenais. Pequenas úlceras duodenais rasas, com fundo fibrinoso, com discreto halo de edema e hiperemia, localizadas em parede anterior e posterior, com imagens em espelho (kissing ulcers). C. Úlcera duodenal. Úlcera profunda, ovalada, fundo recoberto por fibrina espessa, com bordas edemaciadas e hiperemiadas. 682 Parte 9 I Sistema Digestivo Figura 83.7 Endoscopia do duodeno. Duodeno-segunda porção. A. Duodeno. Segunda porção apresentando a papila duodenal, bile e pregas transversais habituais. B. Adenoma viloso. Lesão vegetante ocupando cerca de 50% da circunferência do órgão. C. Óstio de divertículo da segunda porção duodenal. doença de Crohn no duodeno. O estudo histológico de frag- mentos das lesões obtidos por biopsia endoscópica esclarecerá a natureza da doença duodenal. O diagnóstico de uma doença de íleo terminal, suspeitada por alterações radiológicas, pode ser feito por endoscopia, pois o colonoscópio, ultrapassando a válvula ileocecal, possibilita a visualização das lesões situadas nos últimos 30 ou 40 em do íleo terminal e a realização de biopsias. O exame endoscópico de todo o jejuno e da porção pro- ximal do íleo pode ser feito, atualmente, com o emprego de enteroscópios específicos. A cápsula endoscópica é um minidispositivo que contém uma microcâmera e deve ser deglutida pelo paciente. Toma possível a gravação de imagens durante várias horas. Tem como principal indicação esclarecer sangramentos digestivos de origem obscura, como os determinados por angiodisplasia do intestino delgado. A enteroscopia de duplo balão, disponível apenas há pou- cos anos, torna possível a visualização de todo o intestino delgado, podendo o enteroscópio ser introduzido por via anterógrada ou retrógrada. É de utilidade no esclarecimento de sangramentos que ocorrem no intestino delgado em locais não alcançáveis pela tradicional endoscopia digestiva alta ou pela colonoscopia. Pode ser útil também no aperfeiçoamento do diagnóstico de lesões identificadas pelo exame radiológico. .., Cintigrafia A medicina nuclear tem utilidade na pesquisa de divertí- culo de Meckel e de sangramento digestivo (Figura 83.1). O diagnóstico do divertículo de Meckel por meio da cinti- grafia já foi descrito. A cintigrafia com hemácias ou enxofre coloidal tem alta sensibilidade na detecção de focos de sangramento, sendo capaz de detectar sangramento a partir de 0,3 mf/min. Em centros mais especializados no estudo da motilidade digestiva, a cintigrafia é empregada para o estudo do trânsito gastrintestinal. O paciente em jejum ingere refeição de prova padronizada marcada com tecnécio 99m ligado a um carre- gador não absorvível, como o enxofre coloidal ou o fitato. Em seguida, posiciona-se junto ao colimador de gamacâmera, que possibilita a visualização do estômago e dos vários segmen- tos do intestino delgado à medida que vão sendo preenchidos com o radiotraçador. A definição de regiões de interesse cor- respondendo ao estômago, ao jejuno, às porções mais distais do intestino delgado e ao ceco, nas imagens armazenadas após sua aquisição, e a subsequente determinação da radioatividade presente nestas regiões, ao longo do tempo, fornece medidas acuradas da taxa de esvaziamento gástrico e do tempo de che- gada do radiotraçador aos vários segmentos intestinais. .., Exames parasitológico e bacteriológico das fezes Nos pacientes com diarreia aguda ou crônica ou com outros sintomas nos quais a etiologia infectoparasitária é con- siderada, são indispensáveis os exames parasitológico e bacte- riológico das fezes. ~ Exame parasitológico. No exame parasitológico das fezes, procura-se identificar protozoários e helmintos patogêni- cos para o intestino delgado, como Strongyloides stercoralis, Giardia lamblia, ancilostomídeos, Ascaris, Isospora, Cryptos- poridium. A Isospora é mais facilmente encontrada se a pes- quisa for efetuada após a amostra de fezes ter sido deixada à temperatura ambiente por 1 ou 2 dias. Para todos os outros parasitos, é mais conveniente o exame de material recente- mente emitido. ~ Exame bacteriológico. O material colhido deve ser submeti- do a bacterioscopia e cultura a fim de se pesquisarem cepas patogênicas de Escherichia coli (produtoras de enterotoxinas ou enteropatogênicas não invasivas), de bactérias pertencen- tes aos gêneros ShigeUa (as mais encontradas são a S. jlexneri e a S. sonnei), Salmonella (a mais frequente é a S. typhymu- rium), Yersinia (Y. enterocolitica) e Campylobacter (C. jejuni). Na identificação do agente etiológico nas diarreias agudas, é interessante efetuar, sempre que possível, a pesquisa dos vírus enteropatogênicos, como o rotavírus. A quantificação bacteriológica do intestino delgado é necessária para a confirmação do diagnóstico de supercres- cimento bacteriano (alças cegas, doença diverticular do del- gado, pseudo-obstrução intestinal). Para isso é indispensável a contagem da flora anaeróbia. O líquido jejunal deve ser aspirado em seringa estéril des- cartável, com todo o ar sendo expelido e o bico da seringa, selado. Sob estas condições de anaerobiose, o material deve 83 I Exames Complementares ser imediatamente processado pelo laboratório. O valor nor- mal deve ser estabelecido para cada laboratório, mas uma contagem bacteriana total superior a 106 organismos/mf ou a simples demonstração de anaeróbios estritos no jejuno tem significado diagnóstico. A demonstração de ácidos acético e succínico (produzidos por Bacteroides) no líquido intestinal por meio de cromatografia líquido-gasosa é prova de contami- nação bacteriana no delgado. ..,.. Bibliografia Caspary WF. Physiology and pathophysiology of intestinal absorption. Am J Clin Nutr. 1991; 55: 299S-306S. Castro LP, Coelho LGV. Gastroenterologia. Rio de Janeiro: Medsi, 2004. 683 Dani R. Gastroenterologia essencial. 2• ed. Rio de Janeiro; Guanabara Koo- gan, 2001. Dani R, Castro LP. Gastroenterologia clínica. 33 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ. (eds.). Sleiseger and Fordtrans' gastro- intestinal and li ver disease. 8th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2006. Meneghelli UG, Oliveira RB. Controle da motilidade gastrointestinal. In: Castro LP, Savassi-Rocha PR, Cunha Melo JR. (eds.). Tópicos em gastroenterolo- gia-5. Rio de Janeiro: Medsi, 1993. pp. 19-34. Porto CC. Exame clínico: bases para a prática médica. 73 ed. 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