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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-3554-0 9 7 8 8 5 3 8 7 3 5 5 4 0 Lu d ic id a d e e P s ic o m o tr ic id a d e Ludicidade e Psicomotricidade Ludicidade e Psicomotricidade Daniel Veira Da SilVa Max GÜnther haetinGer Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Daniel Vieira da Silva Max Günther Haetinger Ludicidade e Psicomotricidade IESDE Brasil S.A. Curitiba 2013 Edição revisada Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br © 2003-2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________ S579L Silva, Daniel Vieira da, 1956- Ludicidade e psicomotricidade / Daniel Vieira da Silva, Max Günther Haetinger. - 1.ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2013. 130 p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3554-0 1. Educação de crianças 2. Psicomotricidade 3. Capacidade motora. I. Haetinger, Max Gunther, 1964-. II. Título. 12-8821. CDD: 372.21 CDU: 372.21 30.11.12 06.12.12 041203 __________________________________________________________________________________ Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sumário Psicomotricidade: considerações preliminares ...................................................................7 Psicomotricidade: uma categoria em discussão ...................................................................9 Estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora .....................................................................10 O corpo hábil ........................................................................................................................13 Corpo hábil – síntese esquemática ...........................................................................................................17 O corpo hábil I .....................................................................................................................21 Corpo consciente – síntese esquemática ..................................................................................................25 O corpo consciente ...............................................................................................................31 Corpo significante – síntese esquemática 1 .............................................................................................34 Corpo significante – síntese esquemática 2 .............................................................................................37 Corpo significante – síntese esquemática 3 .............................................................................................41 Corpo significante ................................................................................................................45 Psicomotricidade relacional .....................................................................................................................45 Contribuições da Psicomotricidade relacional para o ambiente educacional ..........................................46 Considerações finais ................................................................................................................................47 Psicomotricidade .................................................................................................................49 Psicomotricidade e Educação Inclusiva ...................................................................................................49 O jogo livre – uma ferramenta para o educador inclusivo .......................................................................52 A atividade lúdica espontânea .................................................................................................................53 O educador joga e deixa jogar .................................................................................................................54 O conteúdo do jogo invade a sala de aula ................................................................................................55 Considerações finais ................................................................................................................................56 Categorias de análise ............................................................................................................57 Do corpo total ao corpo parcial: a disciplina é a norma ..........................................................................59 O corpo consciente I ............................................................................................................61 Espaço vital e espaço relacional ..............................................................................................................62 Formação e intervenção ...........................................................................................................................63 Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias ................................................65 Dados sobre a organização psicomotora: abordagem da regulação sensório-motora e dos fatores psicotrônicos ....................................................67 O corpo e o movimento na Educação Infantil .....................................................................73 As dimensões da aprendizagem ...............................................................................................................79 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br As relações entre a inteligência e o desenvolvimento motor ...............................................83 As múltiplas inteligências e o movimento ..............................................................................................83 Visão construtivista do desenvolvimento motor .....................................................................................89 A dança e a música na Educação Infantil .............................................................................93 A dança na escola ...................................................................................................................................93 A música no universo infantil .................................................................................................................96 Retomando a dança na escola ..................................................................................................................99 A expressão dramática na Educação Infantil .......................................................................103 A imaginação e a expressão dramática infantil .......................................................................................103 O que é a expressão dramática escolar? ..................................................................................................104 Técnicas de expressão dramática .............................................................................................................110 Criatividade e sua importância para a Educação .................................................................115 A criatividadee o brincar .........................................................................................................................115 Criatividade: a revolução na sala de aula ................................................................................................119 Referências ...........................................................................................................................127 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Apresentação O trabalho que ora apresentamos foi elaborado com o intuito de servir como apoio didático para as videoaulas. Cientes de que tal disciplina não tem o caráter de formar psicomotricistas, mas de subsidiar os estudos e a prática da Pedagogia, a partir dos conhecimentos produzidos no campo da Psicomotricidade, colocamos como meta para este estudo os seguintes objetivos: conhecer os princípios teóricos e práticos que orientam as várias linhas de abordagem psico- motora; apreender os processos históricos que fundamentam os marcos teóricos dessas diversas linhas; analisar a inserção da Psicomotricidade e suas diferentes perspectivas no campo educacional e psicopedagógico; conhecer a relação entre: o movimento e a criança; o desenvolvimento motor e as múltiplas inteligências; reconhecer a dança, a expressão dramática e a criatividade como possibilidades a serem desen- volvidas no sujeito psicomotor. Para efetivarmos essas tarefas, dividimos o material em unidades temáticas, a partir das quais orientamos a análise sobre os fundamentos da Psicomotricidade e suas implicações nos processos formativos. Iniciamos o estudo deixando explícito o referencial teórico pelo qual abordaremos nosso objeto, bem como aprofundamos a discussão sobre a centralidade do trabalho no processo de desenvolvimento da motricidade humana. Discutimos o conceito de Psicomotricidade, bem como introduzimos os diversos campos de atuação psicomotora, os quais serão aprofundados nos capítulos subsequentes – Corpo hábil, Corpo consciente propostos por Jean Le Camus, em sua obra O Corpo em Discussão. Em algumas aulas é apresentado um texto-base, que se segue imediatamente à abertura da aula – no qual o aluno encontrará um panorama geral do período em questão. Além dos conteúdos teóricos, elaboramos um resumo esquemático para complementar as informações relativas a cada um dos conteúdos propostos, tarefa esta que sugerimos ser efetivada em duas etapas: 1) individualmente, durante a aula; 2) em grupo de discussão, posteriormente à explanação do professor. Na sequência, apresentamos: o movimento e a criança; um estudo sobre a relação entre desenvol- vimento motor e as múltiplas inteligências; a dança na Educação Infantil e Educação e criatividade. Esperamos que este material, considerando as limitações inerentes a qualquer produção aca- dêmica, uma vez partindo de uma perspectiva histórica e crítica do corpo, das técnicas e métodos que dele vêm se ocupando ao longo dos tempos, possa ampliar o entendimento da Psicomotricidade como prática educativa e, portanto, como prática social, bem como, adicionar reflexões aos estudos e à futura prática no campo da Psicopedagogia. Bom trabalho! Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 7 Psicomotricidade: considerações preliminares Daniel Vieira da Silva* Max Günther Haetinger** A passagem do modo de produção feudal para o capitalista implicou profun-das modificações, acompanhadas de transformações nas formas de orga-nização social, que envolveram diferentes dimensões – cultural, política, educacional e econômica. A prática do artesão, trabalhador do período feudal, era caracterizada como própria de um trabalhador total, o qual: [...] dispunha do domínio teórico-prático do processo de trabalho como um todo. Isto é, do- minava um projeto teórico, intencional, necessário à realização de um certo produto, e, para produzi-lo, contava com formação anterior que lhe assegurava destreza especial, a força necessária e habilidades específicas para operar certos instrumentos sobre a matéria-prima adequada, ao longo de todas as etapas do processo de trabalho. (ALVES, 1998, p. 37) A transformação da produção artesanal em manufatureira e, posteriormen- te, em industrial, com vistas à obtenção de maior produtividade e lucratividade, só foi possível com a divisão do trabalho e a transformação do trabalhador total em trabalhador parcial (ALVES, 1998). Nesse percurso, o trabalhador foi sendo alienado do processo de produção como um todo e, com os avanços da mecanização industrial, também ficou alheio ao produto em si, transformando-se num acessório vivo de um organismo morto – a máquina. Expropriado, inclusive, do conhecimento produzido pelo seu próprio ofício, “o operário fabril passou a realizar operações rotineiras que não exigiam qualquer destreza especial. Com isso, a produção capitalista, enquanto domínio do trabalho simples, se realizou em sua plenitude” (ALVES, 1998, p. 39). * Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Es- pecialista em Psicomotrici- dade Relacional pela Escola Internacional de Psicomotri- cidade Relacional. Graduado em Pedagogia pela UTP e em Comunicação Social pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero. ** Doutor em Informática na Educação pela Universi- dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Educação pela American World University – EUA. Especialista em Psicopedago- gia pela Universidade Cândi- do Mendes (Ucam) e também em Informática na Educação pela UFRGS. Graduado em Educação Física pela UFRGS. Diretor e Coordenador pe- dagógico do Instituto Criar desde 2003. Consultor peda- gógico em projetos de ino- vação, educação e formação de redes colaborativas, da Universidade Sebrae de Ne- gócios (Usen). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Psicomotricidade: considerações preliminares 8 As ideias de Alves encontram apoio na análise realizada por Marx e Engels (1987, p. 68), na qual “[a] indústria e o comércio, a produção das necessidades de vida, condicionam, por seu lado, a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais, para serem, por sua vez, condicionadas por estas em seu modo de funcionamento”. Nesta conjuntura, a educação, embora se proponha a ser igualitária e para todos, tem-se revelado um processo organizado a partir de modos diferenciados de formação, no qual a classe trabalhadora é submetida a uma educação reducio- nista e simplificada, entendida como su- ficiente à sua adequação às necessidades do sistema de produção capitalista. Dessa maneira, não somente o co- nhecimento fica restrito às necessidades técnicas das linhas de produção, como também a complexidade do corpo do trabalhador foi adequada/reduzida às funções mecânicas e à rotina do tem- po fabril (FOUCAULT, 1988; MARx, 2001). Nesse contexto, as práticas cor- porais foram e são de inestimável valor para que a normatização da vida priva- da e institucional se concretize. Sobre esse fato, esclarece Foucault (1988, p. 126) que “[esses] métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que se denominou por “disciplinas”. Frente a essa perspectiva de intervenção direta sobre o corpo, com o ob- jetivo de normatizá-lo e classificá-lo de acordo com as necessidades dos modos de produção de determinada sociedade, que a Psicomotricidade, no contexto capitalista, é uma das áreas que muito tem colaborado para a sistematização de saberes e técnicas corporais, amplamente utilizados e expandidos pelas institui- ções educacionais, fato que explicitasua organicidade com o modo de produção de nossa sociedade. Ao buscarmos, portanto, conceituar essa área do conhecimento e apreen- der os benefícios que ela pode oferecer para o encaminhamento das necessida- des relativas ao processo psicopedagógico, coloca-se a necessidade de superar a visão tendencialmente positivista e biologicista pela qual ela vem sendo, his- toricamente, concebida. Nesse sentido, o simples conhecimento a respeito das diversas linhas e práticas direcionadas à educação, reeducação e terapia psico- motoras parece ser insuficiente para tal superação, bem como para revolucionar o entendimento a respeito da significativa banalização e reducionismo a que está sujeita a dimensão corporal, no ambiente escolar e clínico. É preciso buscar apreender a Psicomotricidade enquanto prática social, em seu movimento na história, ou seja, concebê-la numa perspectiva de totalidade1. Cena do filme Tempos Modernos, extraída da capa do livro Loucura do Trabalho, de Christophe Dejours. 1“Totalidade, no trabalho em referência, nada tem a ver com as imprecisas noções de ‘todo’, de ‘contexto social’, sistematicamente presentes nas falas dos educadores. Totali- dade, no caso, corresponde à forma de sociedade dominante em nosso tempo: a sociedade capitalista. Apreender a totali- dade implica, necessariamente, captar as leis que a regem e o movimento que lhe é imanente” (ALVES, 1996, p. 10). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 9 Psicomotricidade: uma categoria em discussão Q uando perguntamos aos nossos alunos o que entendem por Psicomotricidade, aparecem respostas como: movimento, cérebro; técnicas para desenvolver o conhecimento das partes do corpo; ligação corpo-mente; equilíbrio; técnicas voltadas ao desenvolvimento de pré-requisito para leitura e escrita; corpo e emoção; exercícios de coordenação motora; corpo e cognição; desenvolvimento infantil; esquema corporal; lateralidade etc. Como se pode observar, uma gama bastante vasta, que vai desde concepções mais funcionais (maturação do sistema nervoso, processos neuromotores, pré-requisitos, coordenação etc.), até pers- pectivas mais ligadas aos aspectos relacionais da motricidade humana (corpo e emoção). Essa variedade de noções que surgem, no senso comum, em conexão ao termo Psicomotricidade, reflete o próprio processo histórico pelo qual essa área do conhecimento vem se constituindo. Preliminarmente, segundo alguns estudos mais difundidos, que procuram explicitar a especi- ficidade desse campo, podemos visualizar a abrangência da Psicomotricidade por meio do seguinte esquema: Psico Motricidade Aspectos biomaturacionais Movimento Aspectos cognitivos Ação corporal Aspectos afetivos Partindo dessa multiplicidade de aspectos que estabelecem uma inter-relação com a motricidade, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP), fundada em 1980, procurando especificar a abran- gência da Psicomotricidade no país, elaborou um primeiro conceito geral dessa área do conhecimento: Psicomotricidade é “uma ciência que tem por objeto o estudo do Homem, por meio de seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo” (SBP, 1995). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Psicomotricidade: uma categoria em discussão 10 Sentimos a necessidade de especificar um pouco mais o conceito de Psico- motricidade elaborado pela SBP. Nesse sentido, superando a visão idealista vigente, concordamos com Silva (2002) quando afirma que Psicomotricidade, numa pers- pectiva de totalidade, define-se como, “uma área do conhecimento que tem por objeto o corpo e o movimento humano em suas relações sociais e de produção”. Uma vez explicitadas as concepções de Psicomotricidade que nortearão nossos estudos, podemos passar para as sistematizações explicativas das prin- cipais categorias com as quais trabalha essa área do conhecimento e, posterior- mente, para uma abordagem crítica de sua historiografia. Estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora Uma vez discutida a categoria Psicomotricidade, vamos fazer uma intro- dução relativa às suas áreas de atuação. De modo geral, a intervenção no campo psicomotor vem sendo concebida a partir de quatro grandes áreas, a saber: estimu- lação, educação, reeducação e terapia psicomotora. Para a definição dos campos de intervenção psicomotora, faremos, a seguir, uma transcrição de alguns trechos da obra de Bueno (1998), Psicomotricidade: te- oria e prática, por sua fidelidade ao modo vigente de conceber as especificidades dessa área do conhecimento. Segundo esta autora (BUENO, 1998, p. 83): Entende-se por estimulação psicomotora o [processo] que envolve contribuições para o de- senvolvimento harmonioso da criança no começo de sua vida. Caracteriza-se por atividades que se preocupam e vão ao encontro das condições que o indivíduo apresenta, acima de tudo, na sua capacidade maturacional, procurando despertar o corpo e a atividade por meio de movimentos e jogos e buscando a harmonia constante. Estimulação quer dizer despertar, desabrochar o movimento. Dirige-se prioritariamente a recém-natos e pré-escolares. Alguns autores referem-se à estimulação psicomotora como estimulação precoce, mas considera- mos o termo errôneo, sendo mais sensato utilizarmos estimulação essencial. Educação psicomotora Abrange todas as aprendizagens da criança, processando-se por etapas progressivas e específicas conforme o desenvolvimento geral de cada indivíduo. Realiza-se em todos os momentos da vida por meio de percepções vivenciadas, como uma intervenção direta nos aspectos cognitivo, motor e emocional, estrutu- rando o indivíduo como um todo. A educação passa pela facilitação das condições naturais e prevenção de distúrbios corporais1. Ela se realiza na escola, na família e no meio social, com a participação dos educadores, dos pais e dos professores em geral (professores de natação, de atividades aquáticas, judô, balé, ginástica, dança, arte-educadores, magistério etc.). Dirige-se prioritariamente às crianças em condições de frequentar a escola e sem comprometimentos maiores. Muitos autores enfatizam essa área de atuação e acreditamos que a base educativa acaba permeando as outras (reeducação, estimulação e terapia). 1Referimo-nos aos distúr-bios corporais orgânicos, psicomotores funcionais, de comportamentos ou sociais, em que a educação psico- motora pode e deve intervir, prevenindo-os. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Psicomotricidade: uma categoria em discussão 11 Le Boulch (1981) comenta que “a educação psicomotora deve ser consi- derada como uma educação de base na escola elementar, ponto de partida de todas as aprendizagens pré-escolares e escolares”. Ele lutou e conquistou, na década de 1960, a inclusão da educação psicomotora nos cursos primários da França. Picq; Vayer (1969) coloca que: [...] do ponto de vista educativo, o papel e lugar da educação psicomotora na educação geral corresponderá, naturalmente, às diferentes etapas do desenvolvimento da criança, e assim entendemos que: no curso da primeira infância, toda educação é educação psicomotora; no curso da segunda infância, a educação psicomotora permanece sendo o núcleo fundamental de uma ação educativa que começa a diferenciar-se em atividades de expressão, organiza- ção das relações lógicas e as necessárias aprendizagens de leitura-escrita-ditado; no curso da ‘grande infância’, a diferenciação entre as atividades educativas se faz mais acentuada- mente, e a educação psicomotora mantém então a relação entre as diversas atividades que concorrem simultaneamente ao desenvolvimento de todos os aspectos da personalidade. Lapierre (1989) coloca que a educação psicomotora “é uma ação psicopeda- gógica que utiliza os meios de educação física, com a finalidade de normalizar ou melhoraro comportamento do indivíduo”. Picq; Vayer (1969) sugerem que se investiguem as técnicas mais eficazes para obter uma melhora progressiva no comportamento geral da criança. E Bueno (1998, p. 84) completa dizendo que: A consciência do corpo, o domínio do equilíbrio, o controle e mais tarde a eficácia das diversas coordenações gerais e segmentares, a organização do esquema corporal, a orien- tação no espaço e, finalmente, melhores possibilidades de adaptação ao mundo exterior são os principais motivos da educação psicomotriz. Reeducação psicomotora É a ação desenvolvida em indivíduos que sofrem com perturbações ou dis- túrbios psicomotores. A reeducação psicomotora tem como objetivo retomar as vivências anteriores com falhas ou as fases de educação ultrapassadas inadequa- damente. Em termos gerais, reeducar significa educar o que o indivíduo não as- similou adequadamente em etapas anteriores. Deve começar em tempo hábil em razão da instalação das condutas psicomotoras, diagnosticando as dificuldades a fim de traçar o programa de reeducação. A atribuição da reeducação está contida em várias áreas profissionais: Pe- dagogia, Educação Física, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Educacional, Psicologia, Arte-educadores, Educadores, Médicos da especialidade motora ou psíquica, entre outros. Mas, o mais importante para uma boa reeducação é a tran- quilidade e o intercâmbio afetivo entre o presente do reeducador com o reeducan- do, condição básica para uma boa reeducação. O artigo 7.º da proposição da lei francesa de 15 de fevereiro de 1974 cita que a reeducação deve ser “neurológica em sua técnica, psicológica e psíquica em sua meta, destinada pela intermediação do corpo a atuar sobre as funções mentais e psicológicas perturbadas tanto na criança como no adolescente ou no adulto”. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Psicomotricidade: uma categoria em discussão 12 De Fontaine (1980) diz: A reeducação embasa sua eficácia no fato de que se remonta às origens, aos mecanismos de base que estão na origem da vida mental, controle gestual e do pensamento, controle das reações tônico-emocionais, equilíbrio, fixação na atenção, justa preensão do tempo e do espaço. (apud BUENO, 1998, p. 85) Terapia psicomotora Dirigida a indivíduos com conflitos mais profundos na sua estruturação, associados aos [aspectos] funcionais ou com desorganização total de sua harmonia corporal e pessoal. Envolve [por exemplo] crianças com agressividade acentuada, pulsões motoras incon- troladas, casos de excepcionalidade e dificuldades de relacionamento corporal e também destinada a indivíduos que possuem associação de transtornos da personalidade. Está ba- seada nas relações e na análise dessas relações por meio do jogo de movimentos corporais. (BUENO, 1998, p. 85) Como pode-se notar pelas contribuições de Bueno e dos autores a quem ela recorre, as especificidades de atuação no campo psicomotor mais amplamente adotadas priorizam as questões biológicas, cognitivas e de comportamento, em- bora, por vezes, com um acento mais humanista, porém, não deixando claro o papel da Psicomotricidade enquanto sistematização de uma sociedade que tem ne- cessidades específicas – a de organizar e gerir os modos de produção capitalista. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 13 O corpo hábil Embora estudos sobre as práticas corporais considerem os primórdios da Psicomotricidade data-dos dos séculos xVII e xVIII, momento em que as técnicas corporais passam a ser utilizadas, deliberadamente, para um investimento político e econômico do corpo, Le Camus (1986) situa o “nascimento” da Psicomotricidade no final do século XIX. Este marco deve-se ao fato de o autor con- siderar a Psicomotricidade como saber derivado das ciências médicas e não das ciências humanas. Sendo assim, em vez de concebida enquanto produto e produtora das necessidades materiais e de organização social do capitalismo moderno, segundo aquele autor, são as descobertas na área da neurologia as principais responsáveis pelo batismo dessa nova área do conhecimento. Segundo Vi- garello (1986, p. 16), “[o] adjetivo psicomotor teria nascido pouco após 1870, quando foi preciso dar um nome às regiões do córtex cerebral situadas além das áreas propriamente motoras [...] onde podia operar-se a junção ainda bem misteriosa, entre imagem mental e movimento.” Segundo estudos sistematizados por Le Camus, o marco inaugural da Psicomotricidade deve-se às experiências de Broca (1861), que descobre a ligação entre uma lesão cerebral localizada e os sinto- mas da afasia. Isso outorga ao conhecimento médico da época a ideia de que havia uma estreita relação entre movimento e processos cerebrais, estabelecendo-se o que se denominou paralelismo psicomotor. (F O N SE CA , 1 98 2)Área motora Área de Broca ( )output D Área auditiva ( )input Área de córtex envolvidas na fala: Área auditiva ( )input Área de Wernicke (compreensão) Área de Broca ( )output Área de Wernicke Gírus angular Área visual Área somatossensorial Numa época de grandes transformações no modo de produção industrial, os estudos de Broca e de tantos outros cientistas que buscaram entender os processos pelos quais se estabeleciam as relações entre mente e movimento, receberam grandes investimentos. Isso se deu pelo fato de que tais estu- dos respondiam, diretamente, às necessidades da modernidade capitalista resolver a difícil tarefa de Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil 14 adequar os movimentos, hábitos e costumes dos trabalhadores aos imperativos do crescente processo de industrialização1. Antiga hipótese de Gall sobre a localização das facilidades mentais (WELLS; HUxLEY, 1955, p. 42). Centros do: (1) sentido das dimensões; (2) sentido da causalidade; (3) disposição para imitar; (4) sentido das cores; (5) sentido do tempo; (6) talento; (7) sentido da admiração; (8) otimismo;(9) firmeza de caráter; (10) vaidade; (11) constância na amizade; (12) cuidados com a prole; (13) capacidade de amar; (14) agressividade; (15) prudência; (16) poesia; (17) sentido da melodia; (18) sentido da ordem; (19) aptidão matemática; (20) sentido mecânico; (21) cupidez; (22) astúcia; (23) gula; (24) crueldade. Nesse sentido, o treinamento da classe trabalhadora deveria se dar de modo a abarcar um número cada vez maior de pessoas e em idades cada vez mais pre- coces. A educação escolar, nesse contexto, ocupou lugar importantíssimo, entre outros, como modo de controle e adequação do corpo e do espírito aos novos ditames do trabalho. Sobre o papel de tal modalidade educacional, no processo de organização produtiva, Rago (1987, p. 122) explicita que: [...] na representação imaginária que os dominantes se fazem da infância, esta é percebida como superfície chata e plana, facilmente moldável, mas ao mesmo tempo como ser dotado de características e vícios latentes, que deveriam ser corrigidos por técnicas pedagógicas para constituir-se em sujeito produtivo da nação. e Rago (1987, p. 118) acrescenta ainda que, nesse processo, [...] o poder médico defendeu a higienização da cultura popular, isto é, a transformação dos hábitos cotidianos do trabalhador e de sua família e a supressão de crenças e práticas qualificadas como primitivas, irracionais e nocivas. [...] Assim, a criança foi percebida pelo olhar disciplinar, atento e intransigente, como elemento de integração, de sociali- zação e de fixação indireta das famílias pobres, e isso antes mesmo de afirmar-se como necessidade econômica e produtiva da nação. Constituindo a infância em objeto privi- legiado da convergência de suas práticas, o poder médico procurou legitimar-se como tal, demonstrando para toda a sociedade a necessidade insubstituível de sua intervenção 1A respeito das transfor-mações nos modos de produção daquela época,ver: GOUNET, 1999. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil 15 como orientadores das famílias e como conselheiros da ação governamental. O recorte e a circunscrição daquilo que se configurou como o tempo da infância e sua objetivação pela medicina atenderam, então, ao objetivo maior de legitimação das práticas de regulamen- tação e controle da vida cotidiana. Os médicos procuraram apresentar-se como autoridade mais competente para prescrever normas racionais de conduta e medidas preventivas, pessoais e coletivas, visando produzir a nova família e o futuro cidadão. É nessa perspectiva que as práticas corporais do primeiro período, legitima- das pela tese da privação cultural, no Brasil, travestem-se de um cunho cientificista, higienista e salvacionista dos processos de desenvolvimento infantil, organizadas, entre outras formas, sob a égide da disciplina de Educação Física. Em 1901 (França), o Doutor Philipe Tissié (p. 9), que se opunha ao militaris- mo imperante na área da educação do corpo, defendendo as bases científicas desta disciplina, declara que: [...] por Educação Física não se deve entender apenas o exercício muscular do corpo, mas também, principalmente, o treinamento dos centros psicomotores pelas associações múl- tiplas e repetidas entre movimento e pensamento e entre pensamento e movimento. (apud LE CAMUS, 1986, p. 16) Sob essas bases surge uma técnica de abordagem corporal que, auxiliada pelos conhecimentos das áreas médicas, paramédicas e das ciências humanas, foi denominada ginástica educativa, posteriormente, dividindo-se em dois grandes ramos: ginástica pedagógica, destinada a todas as crianças, e ginástica médica, reservada à reabilitação das crianças com necessidades especiais (LE CAMUS, 1986, p. 24). Estava, em embrião, lançada a ideia daquilo que posteriormente denomi- nou-se Educação Psicomotora e Reeducação Psicomotora. No contexto nacional, esse processo de cientificização do corpo encontrará sua aplicabilidade em escalas maiores a partir dos anos 30, do século passado. Nesse período, enquanto para a primeira infância as intervenções aproximavam-se daque- las tidas como cuidados ideais que a maternidade deveria suprir (noções alimenta- res, de higiene, de saúde etc.), a segunda infância e a adolescência eram submetidas a processos de exercícios físicos que garantiam a afirmação do ideário liberal – ordem e progresso, por meio da máxima grega – mente sã em corpo são. Acompanhando o processo de verticalização dos saberes-poderes sobre o corpo, Foucault (1988, p. 126) explicita que: [...] muitas coisas são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos, atitude, ra- pidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A modalidade enfim: implica em coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos de atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil 16 Ao mesmo tempo que essas formulações científicas possibilitavam uma maior propriedade sobre o detalhamento do corpo e das práticas que dele se ocupam, também apresentavam suas limitações. Conforme Marx (2001, p. 44) relatou, [...] a principal dificuldade na fábrica automática consistia em sua disciplina necessária, em fazer seres humanos renunciarem a seus hábitos irregulares no trabalho e se identificar com a invariável regularidade do grande autômato. Divisar um código de disciplina fabril adequado às necessidades e à velocidade do sistema automático e realizá-lo com êxito foi um empreendimento digno de Hércules. A verdade é que esse êxito não foi total, o capital jamais conseguiu controlar totalmente a força de trabalho humano. Se por um lado isto constituiu um problema para o capital, também implementou uma busca incessante nesse sentido, fato que resultou em processos cada vez mais requintados de diagnóstico e encaminhamento das questões semelhantes à relação corpo-mente. Um exemplo disso são os estudos de Edouard Guilmain, o qual empenhou-se em “[encontrar] um método de exame direto que [descobrisse] o próprio fundo do qual os atos são a consequência.” Sua ambição era conseguir identificar quais estruturas psicomotoras, solidariedades interfuncionais, concomitâncias de sin- tomas (síndromes) ou de disposições (tipo) que incidiam sobre as esferas motora e afetiva da criança. Desse modo, ao estabelecer um protótipo do Exame Psico- motor (1935), Guilmain procurou desenvolver um instrumento de medida, meio diagnóstico, indicador terapêutico e de prognóstico das disfunções psicomotoras. Além da identificação e classificação dos “desviantes” de modo precoce e a siste- matização de um modo de tratá-los, ou melhor, adaptá-los aos imperativos sociais ainda quando crianças, esse tipo de instrumento permitia averiguar as causas de sintomas das desordens psicomotoras que acometiam a população trabalhadora ativa, e organizar medidas para saná-las (reeducação psicomotora). Com o avanço dos processos de produção, o aumento da população, os pro- blemas da automação, as necessidades da sociedade burguesa tornam-se mais complexas. O conhecimento de que psiquismo e dinamismo constituem-se numa díade inseparável já não era mais suficiente para garantir a disciplinarização do corpo e da mente frente às novas necessidades sociais e de produção que se apre- sentam. O tratamento mecanizado, autômato, infringido ao corpo, suficiente para o encaminhamento das necessidades em tempos anteriores, começava a apresen- tar sinais de falência. Desse modo, tornou-se premente uma superação dos modos vigentes de forjar, utilizar e controlar a classe trabalhadora, bem como o seu potencial pro- dutivo. Mais uma vez, ao corpo e às ciências que dele se ocupam, caberia um lugar central nesse processo. Além de recuperar os “anormais” (termo utilizado na época, quando se referiam a pessoas deficientes) que, pelo seu volume de incidência, já se tornavam um problema socioeconômico, era preciso também criar artifícios compensatórios que pudessem suprir a precariedade das condi- ções necessárias para um satisfatório desenvolvimento a que estavam sujeitas as crianças, garantindo, assim, a continuidade do sistema produtivo e a sobrevi- vência das classes dominadas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil 17 Corpo hábil – síntese esquemática Período: Final do século XIX até 1940 Organizador: Paralelismo Modelo: Mecanicista Dualismo cartesiano (corpo-mente) Concepção de corpo: Receptáculo da tradição Bases teóricas: Neurologia Neuropsiquiatria infantil Principais concepções – neurologia Anatomofisiológica estática “Existem íntimas ligações entre pensamento e movimento [...] laços íntimos e recíprocos unem a ce- rebração e a musculação, isto é, psiquismo e o dinamismo” (TISSIÉ, apud LE CAMUS, 1986, p. 24). Autores: Per Henrik Ling (1778-1839) Philippe Tissié (1852-1935) Corticopatológica "Insistindo na variabilidade dos fo- cos de lesão que permitiram superar o esquema estático da anatomopato- logia [...] Não é, portanto, a própria função que se perdeu mas certo uso dessa função” (LE CAMUS). Autor: Hugo Liepmann Este material é parte integrante doacervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil 18 Neurofisiológica “[...] todo o movimento, mesmo o mais simples, tem um significado biológico: o reflexo nociceptivo de flexão é um ato de defesa, o reflexo miotático de extensão permite garan- tir a postura. A medula espinal é re- conhecida como capaz de “integrar” a informação, isto é, de analisar os estímulos e responder a eles de modo adaptado” (LE CAMUS). Autores: John Hughlings Jackson (1834-1911) Charles Sherrington (1852-1952) Ernest Dupré (1862-1921) 1901 – Síndrome da debilidade motora A debilidade motora é considerada então como um “estado patológico congênito da motilidade, muitas vezes hereditário e familiar [...] o recém-nascido e o débil motor pa- tológico não dispõem de um feixe piramidal inteiramente amadureci- do e funcional” (LE CAMUS). Henri Wallon 1925 – Independência entre a debi- lidade motora e mental, podendo ou não apresentarem-se associadas e/ou mesmo, serem originados por fatores hereditários (LE CAMUS). “[...] o movimento é, antes de tudo, a única expressão e o primeiro instru- mento do psiquismo” (WALLON, 1925). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil 19 Edouard Guilmain (1901-1983) 1935 – Protótipo do exame psicomotor “Encontrar um método de exame di- reto que descubra o próprio fundo do qual os atos são a consequência [...] instrumento de medida, meio diag- nóstico, indicador terapêutico e de prognóstico” (LE CAMUS). Edouard Guilmain Reeducação psicomotora Técnicas utilizadas na neuropsiquia- tria: exercícios de educação senso- rial; de desenvolvimento de atenção e trabalhos manuais. Corrente médico-pedagógica. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil 20 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 21 O corpo hábil I O corpo sutil é agora o corpo capaz de acolher, pôr em ordem e conservar a informação emanada do seu próprio funcionamento e do meio (físico e humano) no qual se insere [...] Se o corpo sutil do primeiro período [O corpo hábil] tinha por matriz uma psicologia ainda muito enfeudada à neurologia, agora uma psicologia mais autônoma irá constituir a principal referência teórica dos investigadores e técnicos da Psicomotricidade Le Camus C onforme a citação acima, a qual sintetiza o pensamento de Le Camus em relação aos referenciais teóricos que nortearam a Psicomotricidade do corpo consciente, acompanharemos que os processos colocados em marcha, a partir dos estudos da psicologia do desenvolvimento, causaram uma verdadeira re- visão nos modos de conceber os processos de aprendizagem e intervir neles. Organizando saberes cada vez mais elaborados, que justificaram, no país, inúmeros programas compensatórios direcionados à infância, utilizados como barganha pelo governo com a classe trabalhadora, foi adotado pelos profissionais brasileiros, a partir de meados dos anos 50, século xx, um conhecimento alusivo à existência de uma íntima relação entre inteligência, motricidade e psiquismo, o qual influenciou, diretamente, as técnicas de abordagem corporal nas creches, nas escolas e nos consultórios. Paulatinamente, passou-se da era do corpo neurológico, isolado e do mo- vimento condicionado para a era do movimento consciente, no qual o próprio indivíduo, pelo ato voluntário, é levado a colaborar para a sujeição de seu cor- po. Nessa perspectiva, a Psicomotricidade do segundo período1, descrita por Le Camus, constituiu-se como a ciência do esquema corporal ou, como prefere este autor, do corpo consciente. Segundo nossos estudos, o esquema corporal foi concebido enquanto di- mensão do corpo, organizadora das experiências dos seres humanos no tempo e no espaço presentes. As técnicas, que dele se ocupam, procuraram priorizar o desenvolvimento da percepção e do controle do próprio corpo, ou seja, a interio- rização das sensações relativas a uma ou outra parte do corpo e da globalidade de si mesmo; a apropriação de um equilíbrio postural econômico; de uma latera- lidade bem definida e afirmada; de uma independência dos diferentes segmen- tos do corpo em relação ao tronco e entre eles; um domínio das pulsões e inibi- ções estreitamente ligadas aos elementos precedentes e ao domínio da respiração (PICQ;VAYER, 1969, p. 13). Entre os autores que influenciaram os profissionais e estudiosos do segundo período da história da Psicomotricidade, enfatizamos Wallon (1879-1962) e Piaget (1896-1980). 1Segundo Le Camus, este período, na França, está compreendido entre os anos de 1945 e 1973 (LE CAMUS, 1988, p. 48). No Brasil, pode- mos concebê-lo a partir dos anos 50, século xx até, apro- ximadamente, 1980. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 22 Não pretendemos fazer um estudo aprofundado da obra desses autores, po- rém reconhecemos ser indispensável para nossas análises apontar os conceitos básicos que nortearam os seus estudos, no sentido de situar a contribuição de cada um deles para a sistematização da Psicomotricidade, enquanto ciência do esque- ma corporal. O pressuposto comum levado a cabo por esses autores refere-se à impor- tância fundamental das experiências vividas na primeira infância como base no desenvolvimento social, emocional, intelectual e físico das crianças. Dessas expe- riências, ambos ressaltam a importância das percepções táteis, visuais e motoras, embora apresentem particularidades em suas formulações. Wallon (1951), por exemplo, coloca o diálogo tônico, ou seja, a relação corporal afetiva no centro do processo de desenvolvimento do caráter e da in- teligência da criança. Propondo uma estreita relação entre tono postural e tono emocional, e considerando a emoção elemento de ligação entre o orgânico e o social, elabora uma teoria do desenvolvimento que concebe a criança, desde o seu nascimento, como um ser em sociedade. Sendo assim, para este autor, a estruturação do caráter e da inteligência depende, fundamentalmente, das rela- ções estabelecidas entre a criança e seus pares. Ajuriaguerra (1962), neurologis- ta francês, citado por Le Camus (1986, p. 39), ao comentar as ideias de Wallon a respeito da importância das relações corporais afetivas para o desenvolvimento infantil diz que: [...] a constante preocupação de Wallon foi a de destacar a importância da função afetiva primitiva em todos os desenvolvimentos ulteriores do sujeito, fusão expressa através dos fenômenos motores num diálogo que é o prelúdio ao diálogo verbal ulterior e a que chama- mos de diálogo tônico. [...] todos sabem da importância que Wallon concedeu ao fenômeno tônico por excelência que é a função postural de comunicação, essencial para a criança pequena, função de troca por meio da qual a criança dá e recebe. É principalmente aí, em nossa opinião, que a obra de Wallon abre uma perspectiva original e fecunda na psicologia e na psicopatologia. A função postural está essencialmente vinculada à emoção, isto é, à exteriorização da afetividade. Concebendo o processo de desenvolvimento como descontínuo, Wallon se contrapõe às teorias elaboradas segundo regras de maturação unívoca e de encade- amento de operações sucessivas do pensamento. Em suas formulações, o desenvol- vimento advém de um processo de superação, por incorporação, de antigas atitudes e formas de pensamento, motivadas pelas contradições presentes nas novas relações que se estabelecem entre a criança e o meio humano. Nesse sentido, podemos dizer que para Wallon o homem é um processo histórico, precisamente o processo de seus atos, de suas relações. Conforme podemos acompanhar, Wallon (1951, apud CABRAL, 2000, p. 271) pressupõe a articulação entre o orgânico e o ser psíquico, afirmando não serem essas dimensões isoladas: Não são duasentidades que se devam estudar separadamente e, depois, colocar em con- cordância. [...] Um e outro se exprimem simultaneamente em todos os níveis da evolução, pelas ações e reações do sujeito sobre o meio, diante do outro. O meio mais importante para a formação da personalidade não é o meio físico, é o meio social. Pouco a pouco, ela que se confundia com o meio vai se dissociar dele. Sua evolução não é uniforme, mas feita de oposições e identificações. É dialética. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 23 Portanto, para Wallon (1951, apud LE CAMUS, 1986, p. 37), [...] o esquema corporal não é “um dado inicial, nem uma entidade biológica ou psíquica”, mas uma construção.[...] Estudar a gênese do esquema corporal na criança é indagar-se como a criança chega “a representação mais ou menos global, específica e diferenciada de seu corpo próprio”. [...] Essa aquisição é importante. É um elemento básico indispensável à construção da personalidade da criança [...] É o resultado e a condição de legítimas rela- ções entre o indivíduo e seu meio. Piaget, por sua vez, fundamentou sua teoria numa visão evolutiva. Diferen- temente de Wallon, para o qual o sujeito é antes de tudo um ser social, Piaget parte de um sujeito biológico, uma espécie de organismo rudimentar que, por meio da experiência, desenvolve-se rumo à socialização. Pulaski (1983, p. 32), com base nos estudos de Piaget, afirma que o bebê [...] vem ao mundo equipado com uns poucos reflexos neonatais, como sugar e agarrar, que fazem parte de sua herança biológica. Além desses, seu comportamento consiste em movimentos motores grosseiros, a princípio sem coordenação e sem objetivo2. Desse modo, concebe o desenvolvimento como um processo de equili- bração progressiva, que parte de um estado inferior até atingir um estado mais elevado. Processo autorregulador, dinâmico e contínuo, a equilibração tem o papel de promover um balanço entre as funções de assimilação e acomodação que, funcionando simultaneamente em todos os níveis biológicos e intelectuais, possibilitam o desenvolvimento tanto físico quanto cognitivo da criança. Essa conceituação baseia-se nos processos adaptativos referidos pela biologia que, segundo Piaget, constituem o elo comum entre todos os seres vivos (PULASKI, 1983, p. 23-25). Quatro fatores são apresentados por Pulaski (1983, p. 24-27) como funda- mentais para o processo de desenvolvimento biopsicossocial da criança. São eles: maturação ou crescimento fisiológico das estruturas orgânicas hereditárias; expe- riências física e empírica, pelas quais a criança vai fazer suas próprias aprendiza- gens; transmissão social referente às informações aprendidas com seus pares, por via direta ou indireta; equilibração que coordena e regula os outros três fatores, fazendo surgir estados progressivos de equilíbrio. Embora Piaget não tenha definido um conceito de esquema corporal, visto que seus estudos não se propunham a tal tarefa, suas formulações levam-nos a considerar tal esquema como o conhecimento progressivo das partes e funções do corpo, constituído a partir de etapas sucessivas, semelhantes em crianças da mesma idade, determinado pelos processos de autorregulação e adaptação ao meio exterior. A partir dessa breve contextualização, podemos considerar que enquanto Wallon concebe o esquema corporal como resultante das múltiplas relações que o indivíduo estabelece com seus pares, Piaget define essa categoria a partir de uma visão cognitivista, na qual a consciência do corpo resulta do amadurecimento das interações entre as estruturas cerebrais, como processo natural de adaptação ao meio ambiente. Segundo a primeira concepção, o indivíduo toma consciência de si a partir de sua inserção no meio social, já, na segunda, essa consciência é deter- minada por uma autoequilibração comum a todos os seres vivos. 2Optamos por utilizar Pu-laski em vez de Piaget, no original, pelo fato de encon- trarmos naquele autor uma abordagem mais didática e di- reta do conceitos piagetianos, o que entendemos suficiente para o estudo proposto. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 24 Ao analisarmos a tendência das produções teórico-práticas da Psicomotrici- dade, no período considerado por Le Camus do corpo consciente, evidenciamos que, de Wallon, foram incorporados os fundamentos elaborados na segunda dé- cada do século XX, que tratam da influência direta do tono postural sobre o tono emocional e vice-versa, relegando a segundo plano a importância das relações sociais e afetivas; de Piaget, foram incorporados, pela Psicomotricidade, os pro- cessos advindos da tendência natural à autorregulação e adaptação. Como resultante dessas influências, encontramos, nesse período da Psico- motricidade, a formulação de um grande número de manuais e práticas psicomo- toras, elaborados de acordo com normas de desenvolvimento predeterminadas, que visam ao desenvolvimento do esquema corporal e proporcionar, sobretudo, às crianças pequenas, condições “favoráveis” de adaptação e autoequilibração voluntárias. Se os fundamentos piagetianos foram adotados para educar os mo- vimentos e legitimar a capacidade universal de adaptação dos seres humanos, da mesma forma, foram os fundamentos de Wallon, relativos à mútua influência en- tre tono postural e tono emocional, que atribuíram um caráter científico à maneira pela qual o poder passou a ser incorporado aos comportamentos. Desse modo, podemos dizer que os saberes-poderes sobre o corpo, formula- dos no segundo período da Psicomotricidade, restituem ao ser humano a proprie- dade, a consciência de seu corpo, ao mesmo tempo que consideram voluntária a sua participação no encaminhamento das necessidades da sociedade capitalista, de produção e de controle social. Automatismo e consciência do movimento tornaram-se o mote da busca de superação das dificuldades explicitadas pelos modelos disciplinares autômatos dos séculos xVIII, xIx e início do século xx: [...] para crear los automatismos indispensables la consciencia debe pasar a un segundo término, habitualmente la participación voluntaria del sujeto es la condición de la educa- ción o reeducación psicomotriz, estando presente en todos los instantes y dándole caráter. El movimiento “en si” no es educativo. Para que el ejercicio pueda intervenir en la vida psíquica y contribuir a su desarrollo, es necesario que sea voluntario, pensado, preciso y controlado. (PICQ; VAYER, 1969, p. 25)3 Desse modo, o conhecimento da área psicomotora, nesse período, oportu- nizou uma adequação voluntária dos movimentos humanos ao tempo e espaço de produção, a partir do desenvolvimento de programas de educação e reeducação psicomotoras, incorporados ao cotidiano das creches e pré-escolas. É desse modo que, de maneira precoce, [...] disciplinando las contracciones musculares, aumentando en cuanto sea posible la acción de los centros superiores sobre los inferiores, se mejorará, disciplinará y educará la voluntad y la atención. En fin, nada se opone, ya que se trata siempre de la misma función, a que se pueda pasar progresivamente de la inhibición muscular impuesta al dominio de la totalidad del cuerpo e incluso al refrenamiento de los deseos y a la obediencia de los imperativos sociales. (PICQ; VAYER, 1969, p. 23)4 Sendo assim, podemos apreender que as técnicas especializadas no desen- volvimento do esquema corporal destinavam-se, de fato, a dar suporte para um processo de apropriação do corpo, com vistas à exploração da força de trabalho das classes menos favorecidas. 3[...] para criar os automa-tismos indispensáveis, a consciência deve passar a um segundo termo; habitualmen- te, a participação voluntária do sujeito é condição para a Educação ou Reeducação Psicomotora, estando pre- sente em todos os instantes, outorgando-lhe caráter. O movimento em si não éedu- cativo. Para que o exercício possa intervir na vida psíqui- ca e contribuir para seu de- senvolvimento, é necessário que seja voluntário, pensado, preciso e controlado (tradu- ção do autor). 4[...] disciplinando as con-trações musculares, au- mentando ao máximo a ação dos centros superiores sobre os inferiores, se melhorará, disci- plinará e educará a vontade e a atenção. Ao final, nada se opo- rá, na medida em que se trata sempre do mesmo objetivo, da mesma função, a de passar progressivamente da inibição muscular imposta ao domínio da totalidade do corpo, inclusi- ve, ao recalcamento dos desejos e à obediência aos imperativos sociais (tradução do autor). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 25 Outro aspecto a ser analisado refere-se ao caráter universal atribuído às for- mulações do segundo período da Psicomotricidade (Le Camus, 1986), no tocante à legitimação da ideologia liberal e dos princípios do Estado burguês. Sabemos, com base nos estudos de Marx, que uma das necessidades da classe dominante, para sustentar-se no poder, é tornar universal suas ideias e necessidades. Assim sendo, cabe recuperar que uma das estratégias principais do sistema liberal para a legitimação e manutenção de seu poder é a meritocracia. Uma vez que a base ideológica desse sistema funda-se na ideia de igualdade de condições para todos, fica subentendido, a partir dessa concepção, que o que falta aos indivíduos não é fruto de desigualdades sociais, mas sim, resultante de uma incompetência pessoal pelo não aproveitamento das oportunidades ofere- cidas a todos. O Estado, então, coloca-se na condição de redentor dessas faltas, operando por meio de programas compensatórios formulados nas áreas educacio- nais, médicas e paramédicas, como dispositivos remediadores das desigualdades sociais. Deslocando-se, dessa maneira, o ponto fulcral da problemática social para o sujeito, para a família e para os profissionais ligados ao fazer educativo, os pro- gramas compensatórios, por um lado, tendem a culpar e desqualificar o potencial profissional e as condições de vida das pessoas e instituições, por outro, enaltecem as ações paliativas do sistema. Desse modo, tais programas configuram-se como instrumentos de controle das pressões sociais. Nesse contexto, a Psicomotricidade apresenta-se como um saber-poder que respalda e viabiliza a ideia de devolver no indivíduo um EU, no caso, corporal, reparador do vazio provocado pela expropriação do capital, acenando com a pos- sibilidade de um lugar de cidadania às gerações futuras. Com isso, produz um duplo controle social: exacerba a apropriação da força de trabalho que, pela via da consciência do movimento, torna-se ainda mais efetiva e, ao mesmo tempo, promove o reconhecimento e engajamento voluntários das famílias e profissionais em programas sociais compensatórios, como solução para suas necessidades de manutenção da vida. Se por um lado, as práticas psicomotoras, pautadas em medidas que buscam normatizar o corpo, adequando-o aos imperativos sociais, às custas de um processo segregacionista, trouxeram benefícios para o Estado burguês, por outro, oportuni- zaram à classe trabalhadora a possibilidade de colocar em marcha novas contradi- ções sociais e políticas, a partir das quais foram formulados saberes-poderes que constituíram o terceiro período da Psicomotricidade, denominado por Le Camus, de Corpo significante5. Corpo consciente – síntese esquemática Período: 1945-1973 Organizador: Impressionismo 5Le Camus, ao considerar sobre este período, pro- põe-se a analisar as produções da área da Psicomotricidade entre os anos de 1974 e 1980. Sabemos que esta periodiza- ção é um recurso didático, que intenciona circunscrever as propostas de estudo daquele autor. Sendo assim, vamos considerar o período, denomi- nado pelo autor como Corpo significante, extensivo aos dias de hoje, visto que os pa- radigmas que o fundamentam ainda se encontram presentes na Psicomotricidade atual. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 26 Modelo: Cognitivista comportamentalista Concepção de corpo: Receptor Bases Teóricas: Fenomenologia Psicologia Infantil ou do Desenvolvimento Psicanálise Principais concepções – Gestalt/Fenomenologia Esquema corporal (conceito) “[...] síntese entre o modelo neurológi- co do corpo, herdado de Head, e o mo- delo psicanalítico do corpo libidinal e fantasmático, herdado de Freud” (LE CAMUS, 1986, p. 32). “[...] esta imagem tridimensional que cada qual tem de si próprio, imagem essen- cialmente dinâmica que integra todas as nossas experiências perceptivas, motoras, afetivas e sexuais foi chamada por Schilder de imagem do corpo ou esquema corporal” (LE CAMUS, 1986, p. 32). Autor: Paul Schilder (1886-1940) Obra: A Imagem do Corpo (1950) Período: 1945-1973 Organizador: Impressionismo Modelo: Cognitivista comportamentalista Concepção de corpo: Receptor Bases teóricas: Fenomenologia Psicologia infantil ou do Desenvolvimento Psicanálise Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 27 Fenomenológica da conduta [...] nossos atos – principalmente o ato de perceber – devem ser tomados como modalidades do ser no mundo [...] (LE CAMUS, 1986, p. 33). “o corpo é o veículo do ser no mundo[...]”, “meu corpo é o eixo do mundo[...]”, “Não é preciso di- zer que nosso corpo está no espaço, nem que está no tempo. Ele habita o espaço e o tempo. Eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou melhor, eu sou meu cor- po” (MERLEAU-PONTY apud LE CAMUS, 1986, p. 33). Autor: Merleau-Ponty Obras: Estrutura do Comportamento (1942); Fenomenologia da Percepção (1945). Funcional do movimento “[...] a maneira pela qual mantemos o equilíbrio, agarramos, nos defen- demos, implica muito mais do que uma sucessão de eventos [...], ela é definida pelo objetivo, pelo grau de resultado e, portanto, pelo futuro” (BUYTENDJIK apud LE CAMUS, 1986, p.34). Autor: F. J. J. Buytendjik (nascido em 1887) Obras: Tratado de Psicologia Animal (1952); Atitudes e Movimentos (1957). Principais concepções – Psicologia do desenvolvimento Biomaturacional Corrente: comportamentalista Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 28 Autor: Arnold Gesell (1880-1961) “[...] descrição das etapas matura- tivas da ontogênese [...] descrição do comportamento segundo as qua- tro principais esferas de atividade” (LE CAMUS, 1986, p. 36). (A R N O LD G ES EL L ap ud B U EN O , 1 99 8) Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 29 Inteligência das situações Corrente: cognitivista Autor: Jean Piaget (1896-1980) “Foi na coordenação dos esquemas sensório-motores, isto é, dos siste- mas de sensações e movimentos que possam proporcionar assimilação [incorporação] e acomodação [ajusta- mento ao mundo exterior], que [Pia- get] situou as origens da inteligência” (LE CAMUS, 1986, p. 40-41). Biomaturacional Corrente: comportamentalista Autor: Arnold Gesell (1880-1961) “[...] descrição das etapas maturati- vas da ontogênese[...] descrição do comportamento segundo as quatro principais esferas de atividade” (LE CAMUS, 1986, p. 36). Relação tônico-emocional Corrente: sociointeracionista Autor: Henri Wallon (1879-1962) “[...] a constante preocupação de Wallon foi a de destacar a importân- cia da função afetiva primitiva em todos os desevolvimentos ulteriores do sujeito, fusão expressa por meio dos fenômenos motores num diálo- go que é o prelúdio ao diálogo verbal ulterioro e ao que chamamos de diálo- go tônico” (AJURIAGUERRA, apud LE CAMUS, 1986, p. 38). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,mais informações www.iesde.com.br O corpo hábil I 30 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 31 O corpo consciente Com os processos de abertura política, primeiro na Europa e, posteriormente, na América Latina, fruto das pressões sociais e dos movimentos que defendiam os direitos humanos, as técnicas de abordagem corporal que propunham a inibição muscular (corpo hábil) ou o domínio da totalidade do corpo, incluindo o refreamento do desejo e a obediência aos imperativos sociais (corpo consciente), perderam sua força. Tornou-se urgente a produção de um outro conhecimento, que se apresentasse em sintonia com as novas tendências e movimentos que emergiam depois de tantos anos de subjugação em todos os setores da sociedade. Sob o clima de anistia política, liberdade de expressão e enaltecimento dos direitos humanos, os psicomotricistas passam a ser motivados pela ideia de emancipação do sujeito, inaugurando o terceiro período da Psicomotricidade, denominado por Le Camus de corpo significante. Além de um corpo que ouve e aprende, o foco passou a ser o corpo que “fala”, que se expressa. “Anistia do sujeito pela anistia do corpo”, as formulações levadas a cabo nesse período encontraram um campo fértil de proliferação na América Latina, sobretudo, no Brasil e na Argentina, a partir de meados do ano de 1980. A terceira fase da evolução nos parece marcada pela dispersão e também pelo questionamento das referências teóricas, pela ampliação da metodologia para as técnicas semimotoras; pela intensificação e descentralização do recrutamento dos terapeutas da Psicomotricidade, oficialmente chamados doravante “psicorreeducadores”; enfim, pelo declínio ou, pelo menos, a marginalização daquilo que denominamos de práticas psicomotoras com objetivo educativo. [...] Teoria e prática parecem ordenar-se em torno de um novo organizador que chamaremos de expressionismo. O “corpo sutil” é agora o corpo capaz de emitir informação [...] um corpo portador de signi- ficações [...] A função informacional está, mais do que nunca, à frente da cena, mas o interesse deslocou-se da vertente centrípeta à vertente centrífuga, do input ao output. (LE CAMUS, 1986, p. 49) Com base em princípios advindos da psicanálise, da psicologia e das comunicações não verbais, para qual a expressão corporal se apresenta como um veículo de libertação, e da etologia infantil, área do conhecimento que concebe que parte importante das mensagens humanas se dá pelas mímicas, pelas posturas, pelos gestos, encontramos nesse período um movimento de psicotropismo das técni- cas do corpo – pautado na relação entre sujeitos –, e um somatotropismo das técnicas verbais que se utilizam da experiência sensorial e motora do corpo como trampolim da verbalização (LE CAMUS, 1986, p. 53-59). Frente ao dualismo platônico, augustiniano e cartesiano, eles [os psicomotricistas] replicaram com o paralelismo científico de T. Ribot, de P. Janet e P. Tissié, de H. Wallon e de E. Guilmain: é o corpo hábil (“adroit”; o corpo tem direito: “a droit”); frente ao intelectualismo dos racionalistas dos séculos xVIII e xIx, replicaram com o impressionismo de M. Merleau-Ponty, de J. Piaget, de S. Freud, de J. de Ajuriaguerra: é o corpo consciente, o pensamento feito corpo; frente ao verbalismo dos lacanianos, replicaram com o expressionismo dos cientistas da comunicação e dos etologistas: é o corpo significante, o corpo que fala. (LE CAMUS, 1986, p. 67) Na área da Psicomotricidade, segundo o mesmo autor (1986, p. 61), “[evidentemente], foi como meio de linguagem que o corpo interessou aos psicomotricistas: um corpo que sabe falar utilizando a linguagem anterior à linguagem, uma linguagem constituída de significantes mudos”. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo consciente 32 Para esse autor, o terceiro período da Psicomotricidade foi marcado por uma tendência dos profissionais da área em adotar uma atitude de aceitação e reconhe- cimento do sujeito, bem como, da importância da dinâmica de seus desejos em seu processo de formação. Nesse sentido, comenta: [a] ruptura parece-nos operar-se em três eixos: o eixo que opõe o cibernético ao termodi- nâmico; o eixo que opõe o pulsional ao funcional; o eixo que opõe o materno ao paterno. Os psicomotricistas da terceira geração acabam de afirmar sua originalidade acentuando o primeiro polo desses pares. Ser psicomotricista em 1980 significava, em termos bioló- gicos, dar primazia à máquina informacional; em termos psicanalíticos, dar primazia ao papel materno. Os psicomotricistas da terceira geração acreditaram que, minimizando ou, até mesmo, abolindo do processo formativo das crianças, o formalismo e o autoritarismo, até então presentes nas técnicas de educação e reeducação psicomotora – aspectos ligados à função paterna (lei e ordem) –, seria possível a superação das dificuldades encontradas por esta área no equacionamento dos desvios escolares e, sobretudo, guardando ainda uma perspectiva higienista e normativa, dos desvios sociais. Impulsionados por tal tarefa, psicomotricistas, atuantes nas sistematizações do segundo período da Psicomotricidade, paulatinamente, foram reformulando seus pressupostos e práticas. Entre eles, ressaltamos André Lapierre e seus cola- boradores, os quais nos legaram a sistematização de um método de abordagem corporal (França, final dos anos 70, do século XX), denominado Psicomotricidade Relacional. Para esse autor: [...] toda reeducação normativa é evidenciada como uma agressão geradora de inse- gurança, culpa e ansiedade. Consegue-se assim um reforço das resistências. Todavia, chega-se algumas vezes a mostrar mecanismos de adaptação às situações psicomoto- ras, mas esses mecanismos permanecem específicos e, se permitem bons resultados nos “teste de controle”, esses resultados não se transferem ao nível das atividades escolares. [...] Existem, entretanto, reeducações bem-sucedidas, sem contrapartida danosa. Percebe-se ao analisá-las, que o determinante foi a qualidade da relação e da comunicação afetiva que pôde se desenvolver entre o reeducador e a criança [...] e que as técnicas empregadas tiveram, nesse caso, pouco espaço. É de alguma maneira o efeito placebo [...] (LAPIERRE, 1988, p. 13) Podemos analisar a mudança de eixo proposta por Lapierre que, seguindo as inclinações da época, coloca a qualidade da relação educador-educando como elemento relevante no processo formativo das crianças. Ao contrário das tendên- cias que priorizavam o aparato técnico nos processos educativos e reeducativos, Lapierre procurou trazer para o centro do fazer educativo a valorização da rela- ção sujeito, educador-sujeito e educando. Nessa linha, propôs um trabalho que prioriza as relações humanas e as potencialidades do indivíduo. A esse respeito, Lapierre (1988, p. 13-14) declara que: [...] queremos trabalhar com o que há de positivo na criança; interessarmos pelo que ela sabe fazer e não pelo que não sabe fazer. É a partir daí que a relação pedagógica pode descontrair-se, a situação deixar de ser dramatizada e a criança reencontrar a confiança e a segurança.[...] Nesse ponto abandonamos o modelo médico: diagnóstico, prescrição, tratamento, modelo sobre o qual funcionam os estabelecimentos de reeducação.[...] Isso marcou uma etapa decisiva na nossa evolução. A partir daí, com efeito, não existe mais “reeducação”. Tudo se torna educação, tal como nós a concebemos, ou seja, desenvolvi- mento das potencialidades próprias de cada criança. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo consciente 33 Apesar de influenciado pelo modelo científico da ciência positiva, paradigma que justifica o ideal capitalista liberal, Lapierre representa, para a Psicomotricidade, a possibilidade de quebra com o modelo científico médico higienista, vigente na Europae na América Latina, principalmente, no Brasil e na Argentina. À semelhan- ça da posição inaugurada pela Escola Nova, Lapierre, na Psicomotricidade, recupe- ra para a criança um lugar de reconhecimento e poder e enfatiza a importância da formação profissional e pessoal do psicomotricista que pretende trabalhar no campo relacional, ressaltando seu papel estruturante nas vivências grupais e individuais. Colocando em discussão as relações de poder presentes no fazer educativo, organizou um método de educação psicomotora para a idade pré-escolar, procu- rando integrar as relações afetivas, a estruturação da personalidade e a sistema- tização do conhecimento, numa proposta lúdica, emancipatória e democrática. Nessa direção, Lapierre (1988, p. 20) ressalta que: [...] podemos então retornar ao grupo, cada vez mais numeroso: não se trata mais do mesmo grupo-refúgio, mas de um grupo composto de indivíduos autônomos, capazes de cooperar, de levar coisas aos outros e de receber, mas sem se diluir na massa. A experiência nos prova que em tal grupo o líder, questionado, se dilui e mesmo desa- parece em proveito de uma organização democrática, o que nem sempre ocorre sem choques nem conflitos. [...] Nessa óptica, o trabalho individual aparece como um fechar- se em si mesmo, não num espírito narcisista, mas como uma regeneração da pessoa de modo a permitir sua reinserção no grupo, que ela beneficiará com sua busca pessoal. [...] É uma sequência de rupturas (ruptura consigo mesmo, ruptura com os outros), um ba- lanço dialético do qual renasce, cada vez, o desejo inverso com a segurança constante de reencontrar o outro ou a si mesmo. Como Lapierre, os psicomotricistas da terceira geração organizaram-se em torno da necessidade de construção de uma imagem corporal positiva, como forma de emancipação afetiva e intelectual do sujeito. Embora esses profissionais tivessem na base de suas formulações o mesmo referencial teórico, a Psicanálise, na prática, constituíram métodos e técnicas diversas. A concepção de imagem corporal como uma organização psíquica inconsciente, fruto das relações de prazer e desprazer que o sujeito estabelece com seus pares cuidantes, nem sempre resultou em práticas de abordagem psicomotora que privilegiassem o corpo, o processo grupal, o lúdico, as relações afetivas diretas, como meio facilitador de suas práticas. Mesmo alguns que pretenderam, como Lapierre, propor uma educação de base psicomotora, integradora, inclusiva, pautada nas relações afetivas, ao aliena- rem-se de uma atitude crítica e histórica de suas práticas, continuaram adotando uma perspectiva positivista de ciência, não levando às últimas consequências o potencial revolucionário de suas propostas. Ao longo deste texto, refletimos sobre como as técnicas corporais foram sis- tematizadas a partir das necessidades e contradições determinadas pelo modo de produção da sociedade capitalista, resultando na elaboração de saberes-poderes sobre o corpo, cada vez mais sutis e especializados. Da disciplina do corpo pas- samos à automação do movimento e, posteriormente, à economia consciente do movimento. Com a política dos direitos humanos e de valorização da expressão, entramos na era do corpo anistiado, culminando, com o último movimento da história da Psicomotricidade, na era da economia do desejo. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo consciente 34 Corpo significante – síntese esquemática 1 Período: 1974 Organizador: Expressionismo “O ‘corpo sutil’ é agora o corpo ca- paz de emitir informação [...] um corpo portador de significações [...] A função informacional está, mais do que nunca, à frente da cena, mas o interesse deslocou-se da verten- te centrípeta à vertente centrífuga, o input ao output” (LE CAMUS, 1986, p. 49). Modelo: Semiomotor Psicoafetivo Psicotropismo das técnicas do corpo Somatotropismo das técnicas verbais Concepção de corpo: Emissor de informações “Foi como meio de linguagem que o corpo interessou aos psicomotricistas: um corpo que sabe falar utilizando a linguagem anterior à linguagem, uma linguagem constituída de significantes mudos” (LE CAMUS, 1986, p. 61). Bases teóricas: Psicanálise Psicologia das comunicações não verbais Etologia infantil Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo consciente 35 Contribuições da Psicanálise Freudiana “Como definir o corpo em sua per- tença ambígua ao real e ao imagi- nário? [...] No limite do dentro e do fora, da percepção e do fantasma, o corpo é um esquema de repre- sentação incumbido de estruturar a experiência do mundo nos níveis consciente, pré-consciente e in- consciente” (SAMI-ALI apud LE CAMUS, 1986, p. 52). Reichiana “[...] teoria segundo a qual a repres- são sexual exercida pela família e, mais frequentemente, pela socieda- de (W. REICH, 1952 e 1974) gera distúrbios neuróticos que se enrai- zam simultanemante no caráter e no revestimento muscular (W. REICH, 1971) [...] sustentava que a história socioafetiva incrusta-se no estado tônico do sujeito e que os defeitos da ‘couraça’ traduzem os avatares da pulsão” (LE CAMUS, 1986, p. 53). Contribuições da Psicologia das comunicações não verbais P. Parlebas 1967 – Sociomotricidade (estatu- tos e papéis sociomotores, redes de comunicação e contracomunicação motora, espaço sociomotor) Influências: Psicologia Social; linguística Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo consciente 36 Claude Pujade-Renaud 1968 – Expressão corporal “[...] a expressão corporal era apre- sentada como o lugar da libertação. [...] onde se raciocinava em termos de superação e de enfrentamento, os expressionistas introduziam a lin- guagem da autenticidade e da parti- lha” (LE CAMUS, 1986, p. 54). Obra: Expressão Corporal, Linguagem do Silêncio (1974). Michel Bernard “[...] contribuiu amplamente desde 1970 para a consolidação e difusão do que se poderia chamar a teoria francesa da Psicomotricidade [...] Sua tese de doutorado (M. BER- NARD, 1976) constitui uma obra monumental que articula as abor- dagens filogenética, ontogenética, fenomanológica e semiológica da expressividade do corpo [...]” (LE CAMUS, 1986, p. 55). Obras: O Corpo (1976); A Expressividade do Corpo (1976). Jacques Corraze Obras: Esquema Corporal e Imagem do Corpo (1973); As Comunicações Não Verbais (1980); Imagem Especular do Corpo (1980); Os Problemas Psicomotores da Criança (1981). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo consciente 37 Corpo significante – síntese esquemática 2 Fundamentos I – categorias de estudo Interacionismo e inter-relacionismo Interacionismo “Entendemos como interacionismo a possibilidade de transformar um objeto e transformar-se atuando sobre ele” (FRANCH, 1990, p. 5). sujeito epistêmico Inter-relacionismo “O inter-relacionismo contempla sempre um processo de adapta- ção entre sujeitos desde uma dupla perspectiva: são sempre dois indiví- duos que estão em mútua relação” (FRANCH, 1990, p. 5). sujeito afetivo-relacional Objeto; relação objetal; objeto externo e objeto interno Objeto Toda pessoa, coisa, ente animado, inanimado abstrato ou toda parte dos mesmos para os quais dirigimos nossas pulsões ou motivações fun- damentais e que convertem-se, por esse motivo, em objeto de nossas pulsões (GARCIA, 1988). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O corpo consciente 38 Relação objetal Relação mantida com objetos exter- nos a nós mesmos e também com nossas representações mentais dos mesmos (GARCIA, 1988). Objeto externo Pessoas, coisas, seres animados ou inanimados ou entes abstratos; que geram nossa conduta e nossas re- presentações mentais. Sua ação está sempre mediatizada pelo proces- samento
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