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Maria Beatriz Machado PEDIATRIA – AULA 01 – EPILEPSIA 1. INTRODUÇÃO A epilepsia é a segunda doença neurológica mais prevalente, perdendo somente para o AVC, e é a doença neurológica mais importante a ser estudada na infância e adolescência. O paciente com epilepsia NÃO necessariamente precisa ter um quadro psiquiátrico associado! Antes que façamos o diagnóstico de epilepsia e falemos sobre ela, é importante entender o conceito de crise epiléptica e quais são seus tipos (porque o paciente só pode ser considerado epiléptico caso tenha tido crise epiléptica – veremos adiante os critérios diagnósticos de epilepsia). Crise epiléptica: É uma descarga elétrica neuronal anormal, difusa ou localizada (também é chamada de tempestade elétrica). Eletricamente o cérebro está funcionando, porém geralmente vai ocorrer um excesso dessa atividade elétrica, e o paciente apresentará a crise epiléptica clinicamente. Pode ocorrer em: Redes neuronais limitadas somente a um hemisfério cerebral: Crises focais Pode se iniciar nas redes neuronais limitadas somente a um hemisfério cerebral, e depois atingir as redes neuronais do outro hemisfério: Crises focais secundariamente generalizadas Pode se iniciar nas redes neuronais de ambos os hemisférios: Crises generalizadas OBS: O Dr disse que para conseguirmos entender o conceito de crise epiléptica e epilepsia, precisamos pensar como se tivéssemos um paciente hipertenso, e um paciente em crise hipertensiva. O paciente é hipertenso de base e pode em determinados momentos apresentar crises hipertensivas, mas não quer dizer que ele tem essas crises o tempo todo. O paciente tem epilepsia de base, e em determinados momentos apresenta as crises epilépticas (que são a manifestação clínica), mas ele não tem essas crises o tempo todo. 2. CRISE EPILÉPTICA A crise epiléptica pode ser classificada de várias maneiras, sendo elas: Maria Beatriz Machado 2.1. CLASSIFICAÇÃO FOCAL: A tempestade elétrica atinge somente um hemisfério cerebral Antigamente era chamada também de crise parcial, então caso estejamos lendo em algum lugar e estiver escrito crise epiléptica parcial, devemos entender que é a crise focal. Dependendo do local onde ocorrer era crise focal, o paciente terá diferentes manifestações clínicas: Lobo occiptal: Manifestações clínicas visuais (como alucinações) Lobo parietal: Manifestações clínicas somatossensitivas (como formigamento) Lobo frontal: Manifestações clínicas predominantemente motoras Lobo temporal: Manifestações clínicas auditivas muitas vezes associadas a alterações comportamentais (como agitação, inquietude). Essas crises focais podem ter alterações do nível de consciência ou não Crises focais perceptivas: São as crises onde não temos alterações do nível de consciência do paciente. E antigamente eram chamadas de crises parciais simples. EX: O paciente pode chegar e dizer que o braço está mexendo faz 20 minutos Nesse caso é uma crise perceptiva, porque o paciente percebe que o braço está mexendo sozinho, ele não tem nenhuma alteração do nível de consciência. Crises focais disperceptivas: São as crises onde temos alterações do nível de consciência (pode ser alteração leve até perda da consciência). E antigamente eram chamadas de crises parciais complexas. EX: O paciente pode chegar com os familiares, estar com o braço mexendo, e quando falamos com ele, ele não responde, não percebe Nesse caso é uma crise disperceptiva, porque apesar do paciente não estar desacordado, ele não está conseguindo responder quando é chamado, e nem perceber o braço mexendo. FOCAL EVOLUINDO PARA TÔNICO CLÔNICA BILATERAL: A tempestade elétrica se inicia em determinada parte do cérebro, e depois se espalha para os dois hemisférios cerebrais. É o tipo mais comum de crise, independentemente da idade. Quando temos um adolescente é mais fácil identificar se ele começou com uma crise focal que secundariamente se tornou generalizada, porque ele consegue relatar que antes da crise começa a sentir uma sensação estranha, tontura, formigamento ou algo do tipo, e somente depois ele perde a consciência e se debate. Para verificar na criança se ela começou com uma crise focal que secundariamente se tornou generalizada, precisamos perguntar para o responsável, porque a criança muitas vezes não sabe responder, e quando sabe, não valorizamos muito a informação por não ter tão confiável. EX: O responsável pode dizer que a criança o chamou, e então começou a se debater, então nesse caso era uma crise focal que secundariamente se tornou generalizada. GENERALIZADA: A tempestade elétrica atinge os dois hemisférios cerebrais desde o início. Temos diversos tipos de crises generalizadas: Crise tônica: Nesse tipo de crise o paciente fica “duro”. Se ocorrer no período neonatal é difícil de identificar. Medicação: Fenobarbital/gardenal (3 – 5mg/kg) Não devemos utilizar em crianças menores de 2 meses. Maria Beatriz Machado Crise tônico-clônica bilateral: Nesse tipo de crise o paciente fica duro e depois fica contraindo e relaxando (é a típica crise que vemos, onde o paciente fica se debatendo). Crise tônico-clônica bilateral é o que antes chamávamos de crise tônico-clônica generalizada. O paciente tem uma crise epiléptica tônica (fica duro) clônica (fica contraindo e relaxando) Crise de ausência: O paciente está bem, e de repente ele para, mas quando a crise passa, ele volta ao normal como se nada tivesse acontecido. É mais comum em meninas (3:1). Ocorre desde os 4 até os 10 anos de idade (pico entre 8-9 anos). Padrão no eletroencefalograma (EEG): 3 hertz. Medicação: Etossuximida (Etoxin) Podemos utilizar também o valproato de sódio (Depakene) Crise mioclônica: Nessa crise o paciente fica contraindo e relaxando grupos musculares pequenos. Pode parecer pequenos choques EX: A pálpebra ficar mexendo sozinha. Pode não ter origem epiléptica (as vezes esse tipo de crise acontece no dia-a-dia Todos já tivemos um grupo muscular que ficou mexendo sozinho). NÃO CLASSIFICÁVEL: Espasmo epiléptico: É um tipo de crise epiléptica muito importante na pediatria Ocorre principalmente em lactentes jovens (primeiro ano de vida) Pode ocorrer também nos adultos, mas é mais raro. Manifestações: Desvio do olhar conjugado e espasmo Ainda, movimentos súbitos de flexão ou extensão de grupamentos musculares proximais, afetando principalmente o tronco (MEDCURSO). O paciente pode apresentar ainda uma queda da cabeça, que chamamos de saudação de Salem (é uma variante da manifestação, mas também é considerada como espasmo epiléptico). O espasmo epiléptico ocorre em salvas (acontece um, acontece mais um, mais um, mais um.. Fica ocorrendo seguidamente). Síndrome de West: É formada por uma tríade, onde necessariamente o paciente precisa apresentar: Espasmo epiléptico Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor EEG com hipsarritmia (ritmo bagunçado) Quando começamos a tratar o espasmo epiléptico, o paciente começa a melhorar, porém ele pode continuar tendo uma manifestação mais leve que atinge somente os olhos (isso também pode desaparecer com a continuidade do tratamento). Crise gelástica: É um tipo de crise epiléptica onde o paciente apresenta uma crise de riso Essa é a crise epiléptica que o coringa apresenta. Sempre que o paciente apresentar esse tipo de crise, precisamos obrigatoriamente solicitar exame de imagem (preferencialmente a ressonância magnética de crânio), porque essa crise pode ser a primeira manifestação do hamartoma hipotalâmico – tumor hipotalâmico). Maria Beatriz Machado 2.2. OBSERVAÇÕES Sobre o eletroencefalograma (EEG): Dividimos em parte superior e inferior. Na parte superior temos as derivações ímpares,e elas correspondem ao lado esquerdo do cérebro. Na parte inferior temos as derivações pares, e elas correspondem ao lado direito do cérebro. Crises mais comuns na pediatria: Crises focais (perceptivas ou disperceptivas) e crises generalizadas. 3. EPILEPSIAS A partir do momento que saímos da classificação das crises, vamos para as classificações de epilepsia. Porém, para entrar nessa classificação, precisamos diagnosticar o paciente como epiléptico (veremos a seguir). Etiologias: Estrutural (malformação cerebral), genética, secundária a quadro infeccioso (meningite), metabólica (hiponatremia), imunológica (vasculite auto-imune), desconhecida. OBS: O Dr disse que nas provas temos muitas pegadinhas sobre como a crise era chamada antes, e como é chamada agora EX: Crise simples que se tornou crise perceptiva. 3.1. DIAGNÓSTICO DA EPILEPSIA Podemos ou não podemos dar diagnóstico de epilepsia para um paciente que nunca apresentou uma crise epiléptica? EX: Uma mãe chega na consulta e diz que tem muito medo do filho de 10 anos ter uma crise epiléptica porque existem muitos casos na família. Quando é feito o EEG, verificamos que há atividade epiléptica nele. Nesse caso, damos diagnóstico de epilepsia? NÃO, porque apesar de existir a atividade epiléptica no EEG, esse paciente nunca apresentou uma manifestação clínica. A epilepsia é uma doença cerebral definida por qualquer das seguintes condições: 1. Pelo menos duas crises não provocadas (ou reflexas) ocorrendo com intervalo superior a 24 horas, e inferior a 10 anos. Não provocada: O paciente não teve nenhum estímulo que provocasse a crise. Provocada: O paciente teve um estímulo que provocasse a crise, como por exemplo, um traumatismo crânio- encefálico (TCE). Reflexa: Ocorre quando o paciente entra em contato com algum estímulo externo sensorial ou sensitivo (geralmente é um estímulo luminoso) que leva à crise. OBS: Quando o paciente tem mais de uma crise em um intervalo menor de 24 horas, consideramos como se ele tivesse tido somente uma crise. Maria Beatriz Machado 2. Uma crise não provocada (ou reflexa) e uma probabilidade de recorrência igual ou superior ao risco de recorrência geral após duas crises não provocadas nos próximos 10 anos (que seria de pelo menos 60%) Temos uma tabela para calcular esse risco de 60%. Aqui precisamos entender que crise única pode ser que o paciente tenha tido realmente só uma crise, ou que ele tenha tido mais de uma crise em menos de 24h (nesse critério não consideramos que precisa ter o intervalo de 24h). Devemos observar qualquer alteração clínica que nos remeta a pensar que esse paciente já tem um comprometimento neurológico de base (como atraso mental, autismo, TDAH, hemiparesias..) 3. Diagnóstico de uma síndrome epiléptica Temos diversas síndromes epilépticas, e cada uma delas apresenta um padrão típico no EEG, e por isso precisamos desse exame para elucidar o diagnóstico. 3.2. OBSERVAÇÕES O EEG alterado isoladamente não dá diagnóstico de epilepsia, porque cerca de 15% da população possui EEG alterado e não tem epilepsia. A epilepsia tem cura? SIM! O paciente que ficar mais de 10 anos sem ter nenhuma crise, e que nos últimos 5 anos tenha ficado sem tomar nenhuma medicação antiepiléptica, é considerado curado. Temos uma situação onde o paciente teve uma crise única (ou várias crises em um período inferior a 24h), mas sua mensuração na classificação de risco para recorrência de crises não dá 60% (0 ou 1 ponto) Consideramos essa situação como crise epiléptica única não provocada (onde o paciente tem apenas 40% de chance de ter recorrência). A orientação é não tratar esse paciente. Nesses casos o paciente deve ser submetido ao EEG. O que fazer quando chega um paciente em crise epiléptica no pronto socorro? Diazepam: 0,3 a 0,5 mg/kg (máximo de 10mg/dose) Regra prática: 0,06ml/kg O que fazer quando chega um paciente pós crise epiléptica (período pós-ictal) no pronto socorro? Não precisamos medicar. Vamos apenas deixá-lo em repouso e esperar ele acordar. Se o paciente já estiver no período pós-ictal, NÃO devemos fazer diazepam nele porque isso pode provocar uma parada respiratória no paciente. O que fazer quando o paciente sai do período pós-ictal e volta ao normal? Devemos realizar uma anamnese cuidadosa desse paciente, e caso ele nunca tenha apresentado um episódio de crise epiléptica, devemos solicitar o EEG, e orientar a família sobre a importância da realização do exame. Maria Beatriz Machado 3.3. EXAMES COMPLEMENTARES NA EPILEPSIA Eletroencefalograma (EEG): Obrigatoriamente para todos os pacientes que já tiveram crise epiléptica. Se ao examinar o paciente, julgarmos que há possibilidade deste paciente ter alteração estrutural do cérebro (como malformação), devemos pedir exame de imagem (tomografia de crânio ou ressonância magnética de crânio – melhor exame). Videoeletroencefalograma: É o melhor exame para diagnosticar epilepsia. Ao mesmo tempo que o paciente está com o eletroencefalograma na cabeça, ele está sendo filmado, então conseguimos ver as manifestações no eletroencefalograma, e as manifestações clínicas. 4. TRATAMENTO 4.1. MEDICAMENTOSO Crises focais/crises focais evoluindo para tônico-clônicas bilaterais: Carbamazepina (tegretol): Dose: 10 – 20mg/kg/dia Não pode ser utilizada em menores de 2 meses Nesse caso utilizamos o fenobarbital (gardenal) na dose de 3 – 5mg/kg/dia. Crises generalizadas: Valproato de sódio (Depakene) Dose: 20 – 60mg/kg/dia Se a criança tiver MENOS DE 2 anos, precisamos ter cuidado porque ele pode causar hepatite medicamentosa. Precisamos fazer controle com dosagem das transaminases. Em crianças menores de 2 anos: Fenobarbital (gardenal) na dose de 3 – 5mg/kg/dia. Crises de início desconhecido: Valproato de sódio (Depakene) Dose: 20 – 60mg/kg/dia Vale o mesmo escrito acima, na criança menor de 2 anos utilizamos o fenobarbital. Para crises mais específicas, como dito anteriormente: Crise de ausência: Etossuximida (Etoxin) Como opção podemos utilizar o valproato. Crise tônica neonatal: Fenobarbital (gardenal) 3 – 5mg/kg/dose. 4.2. CIRÚRGICO É feita a retirada da parte da parte cerebral onde há atividade epiléptica. Para fazer isso é preferencial que seja feito o EEG diretamente no parênquima cerebral. 4.3. OUTROS TRATAMENTOS Estimulador de nervo vago: Esse estimulador manda impulsos de maneira aferente, e assim o paciente diminui as crises. Corticoterapia: É utilizada quando a epilepsia tem um caráter imunológico, ou quando temos epilepsia refratária. Dieta cetogênica (dieta de Atkins): Aumenta a cetonemia do paciente, e isso aumenta o limiar convulsivo dele, ou seja, é mais difícil que o paciente entre em crise. Canabidiol (CBD): Tem comprovação científica antiepiléptica. É uma excelente medicação para diminuir as crises, e diminuir uso de outros medicamentos antiepilépticos. Ainda não há autorização para produção no Brasil, somente importação.
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